Luciano Takaki | 2021
Dando continuidade ao artigo anterior. O site continuísta “Apologistas Católicos” publicou tempos atrás um artigo do Padre Bernard Lucien defendendo a hermenêutica da continuidade com respeito a essa matéria. O mesmo site supostamente publica uma série de “refutações” às objeções ao Concílio Vaticano II. É muito triste ver pessoas aparentemente eruditas que focam demais na letra que mata e não enxerga o espírito maligno que vivifica esse processo de destruição que se alastra.
Que seja impossível a Igreja Católica convocar um concílio ecumênico que não seja infalível isso concordamos. De fato, o Concílio Vaticano II, se foi realmente um concílio ecumênico da Igreja Católica convocado por legítimos pastores, tem todas as suas notas de infalibilidade ainda que não tenha proclamado dogmas e anátemas de forma solene. Ele realmente seria infalível no nível de Magistério Ordinário Universal, uma vez que houve ali a reunião dos bispos do mundo inteiro em comunhão com aquele que estava como Papa. Mas continuemos: é claro que distorcemos os textos do Concílio e também de outros autores, inclusive de papas, podemos por partes tentar provar a suposta ortodoxia do texto Dignitatis Humanae. Mas não é assim que as coisas funcionam.
Digo isso porque os principais hermeneutas de um concílio ecumênico são os papas, não são teólogos como o Padre Lucien. Se cremos que os ocupantes da Cátedra de São Pedro foram papas legítimos, são eles a autoridade máxima, pois diz o Papa Leão XIII, na sua maravilhosa encíclica Sapientiae Christianae:
Efetivamente das coisas contidas nos divinos oráculos, umas referem-se a Deus, e as outras ao mesmo homem e aos meios necessários para chegar à sua eterna salvação. Ora, nessas duas ordens de coisas, isto é, quanto ao que se deve crer e ao que se deve fazer, compete por direito divino à Igreja, e na Igreja ao Pontífice Romano determina-lo. E eis a razão por que o pontífice deve ter autoridade para julgar que coisas contenha a palavra de Deus, que doutrinas concordem com ela e quais delas desdigam; e do mesmo modo determinar o que é bem e o que é mal, o que se deve fazer e o que se deve evitar para conseguir a salvação eterna. Se isso não se pudesse fazer, o Papa não seria intérprete infalível da palavra de Deus, nem o guia seguro da vida do homem.
Sabemos que o que a Igreja ensina no seu Magistério devemos crer com fé divina como verdade revelada por Deus. Assim, se os documentos do Concílio Vaticano II possuem tais verdades, são os papas que devem ser os autênticos intérpretes de tais documentos, não os teólogos e nem muito menos os estudiosos do site “Apologistas Católicos”. Assim sendo, quem tem razão não é o apologista moderno querendo por meio de malabarismos defender uma suposta ortodoxia da Dignitatis Humanae dizendo que o que Gregório XVI e Pio IX condenaram foram na verdade a “liberdade ilimitada” de dizer o que quiser etc. Será possível uma liberdade mais funesta do que a de propagar erros que conduzem as almas para o inferno como fazem, por exemplo, os mórmons e testemunhas de Jeová? Ou então a liberdade de fazer cultos públicos?
É fundamentado nesse documento que “São” [sic] Paulo VI (que segundo esse site pecou por pusilanimidade, mas que não pecou contra a doutrina, o que evidencia que eles não gostam de ler seus discursos) pressionou os países católicos a deixarem de ser católicos e baseado nesse documento que João Paulo II também aprovou a separação entre Igreja e estado diversas vezes. Tal como Bento XVI e Francisco fazem até hoje. Erro condenado no Syllabus (proposição condenada: “a Igreja deve estar separada do Estado e o Estado da Igreja”) e por São Pio X, na sua Carta Encíclica Vehementer Nos:
Que seja preciso separar o Estado da Igreja, é esta uma tese absolutamente falsa, um erro perniciosíssimo. Com efeito, baseada nesse princípio de que o Estado não deve reconhecer nenhum culto religioso ela é, em primeiro lugar, em alto grau injuriosa para com Deus; porquanto o Criador do homem também é o Fundador das sociedades humanas, e conserva-as na existência como nos sustenta nelas. Devemos-lhe, pois, não somente um culto privado, mas um culto público e social para honrá-lo.
E alguns parágrafos mais a frente termina dizendo que “essa tese inflige graves danos à própria sociedade civil, pois esta não pode prosperar nem durar muito tempo quando não se dá nela o seu lugar à religião, regra suprema e soberana senhora quando se trata dos direitos do homem e dos seus deveres”. Conceder igual liberdade para as religiões falsas é deixar o estado indiferente para com a Religião Católica. Pois, como Francisco disse na sua Carta Encíclica Fratelli Tutti:
Como cristãos, pedimos que, nos países onde somos minoria, nos seja garantida a liberdade, tal como nós a favorecemos para aqueles que não são cristãos onde eles são minoria. Existe um direito humano fundamental que não deve ser esquecido no caminho da fraternidade e da paz: é a liberdade religiosa para os crentes de todas as religiões. Esta liberdade manifesta que podemos «encontrar um bom acordo entre culturas e religiões diferentes; testemunha que as coisas que temos em comum são tantas e tão importantes que é possível individuar uma estrada de convivência serena, ordenada e pacífica, na aceitação das diferenças e na alegria de sermos irmãos porque filhos de um único Deus» (n. 279).
Francisco admite que a liberdade religiosa deve ser “para todas as religiões” em nome da paz e para negociar a liberdade para os cristãos minoritários em países de maioria de infiéis. Sobre isso convém lembrar o que escreveu Pio XII na Carta Encíclica Orientalis Ecclesiae:
[N]em sob pretexto de alimentar a concórdia é lícito dissimular um dogma sequer; com efeito, como adverte o patriarca [São Cirilo] de Alexandria, “desejar a paz é o maior e principal bem… mas por este motivo não se pode desprezar a virtude de piedade para com Cristo”. Pelo que, não conduz à suspirada volta dos filhos errantes à fé legítima e reta em Cristo, aquele caminho e método que propõe apenas os pontos de doutrina em que combinam todas ou pelo menos a maior parte das comunidades que ostentam o nome cristão; mas antes aquele que põe como fundamento da concórdia e consenso dos fiéis cristãos, todas e íntegras, as verdades divinamente reveladas.
Que eles precisem de apoio, é inegável, mas não podemos abrir mão da Doutrina. A paz que Francisco propõe não é a de Cristo. Isso é bem claro se contextualizarmos toda a encíclica para ver as reais intenções dele, que não são de alguém a serviço do Altíssimo. Basta ler o que ele escreve parágrafos antes:
Na verdade, «a comunidade internacional é uma comunidade jurídica fundada sobre a soberania de cada Estado-membro, sem vínculos de subordinação que neguem ou limitem a cada qual a sua independência». Com efeito, «a tarefa das Nações Unidas, com base nos postulados do Preâmbulo e dos primeiros artigos da sua Carta constitucional, pode ser vista como o desenvolvimento e a promoção da soberania do direito, sabendo que a justiça é um requisito indispensável para se realizar o ideal da fraternidade universal. (…) É preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o recurso incansável às negociações, aos mediadores e à arbitragem, como é proposto pela Carta das Nações Unidas, verdadeira norma jurídica fundamental». É necessário evitar que esta Organização seja deslegitimada, pois os seus problemas ou deficiências podem ser enfrentados e resolvidos em conjunto (n. 173).
… é preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o recurso incansável às negociações, aos mediadores e à arbitragem, como é proposto pela Carta das Nações Unidas, verdadeira norma jurídica fundamental». Quero destacar que os 75 anos de existência das Nações Unidas e a experiência dos primeiros 20 anos deste milénio mostram que a plena aplicação das normas internacionais é realmente eficaz e que a sua inobservância é nociva. A Carta das Nações Unidas, respeitada e aplicada com transparência e sinceridade, é um ponto de referência obrigatório de justiça e um veículo de paz. Mas isto pressupõe não disfarçar intenções ilícitas nem colocar os interesses particulares de um país ou grupo acima do bem comum mundial. Se a norma é considerada um instrumento que se usa quando resulta favorável e se contorna quando não o é, desencadeiam-se forças incontroláveis que causam grande dano às sociedades, aos mais frágeis, à fraternidade, ao meio ambiente e aos bens culturais, com perdas irrecuperáveis para a comunidade global (n. 257).
Lembrando que Francisco escreveu tudo isso numa Carta Encíclica e que, segundo Santo Padre Pio XII em Humani Generis, as encíclicas fazem parte do Magistério Ordinário e o Código de Direito Canônico nos ordena a termos assentimento com fé divina. Se Francisco é papa, é ele o autêntico hermeneuta do Vaticano II e vocês devem assentir esses parágrafos com fé divina e defender a ONU como órgão necessário para o ideal da fraternidade universal mesmo com uma agenda satânica, judaico-maçônica e absolutamente anti-cristã.É isso o que vocês querem? Eu não quero e rejeito isso. Por isso Francisco não representa o Magistério porque não tem autoridade para tal por lhe faltar a fé católica. Como faltou aos que redigiram a Declaração Dignitatis Humanae.