Luciano Takaki | 2022
Mostraram-me uma discussão em um grupo anti-sedevacantista ligado à Resistência dizendo os sedevacantistas não entendem São Roberto Belarmino e nem o termo ipso facto. Curioso é que as pessoas que eu vi falando disso sequer leram São Roberto Belarmino diretamente a não ser de forma terceirizada a partir de autores comprometidos com o modernismo como John Salza, Robert Siscoe, Pe. François Chazal etc. Isso fora o mentiroso “Breve Catecismo sobre o Sedevacantismo” e o “Dossiê sobre Sedevacantismo”, outro artigo mentiroso. Todavia, será mesmo que não sabemos? Por tais razões, decidi antecipar o meu breve estudo sobre o assunto, que segue abaixo.
Tese: Para São Roberto Belarmino, um papa manifestamente herético cai automaticamente do seu pontificado sem nenhuma necessidade de sentença declaratória e é a opinião triunfante e comum.
SOBRE A OPINIÃO DE SÃO ROBERTO BELARMINO
Vejamos o que o próprio Santo Doutor escreve com respeito à quinta opinião sobre o papa herético:
Portanto, a quinta opinião é a verdadeira, a saber, que um papa manifestamente herético por si próprio [ipso facto] deixa de ser papa e cabeça, assim como por si próprio também deixa de ser cristão e membro do corpo da Igreja; razão pela qual ele pode ser julgado e punido pela Igreja. Esta é a sentença de todos os antigos Padres, os quais ensinam que os hereges manifestos logo perdem toda jurisdição. Nomeadamente Cipriano ensina essa doutrina, dizendo o seguinte sobre Novaciano, que foi papa em cisma com Cornélio: “Ele não poderia deter o episcopado, ainda que, uma vez feito bispo, se afastasse do corpo dos seus coepíscopos e da unidade da Igreja”. Aí Cipriano diz que Novaciano, ainda que houvesse sido um papa verdadeiro e legítimo, contudo cairia do pontificado ipso facto, caso se separasse da Igreja (De Romano Pontifice, lib. II, cap. XXX).
Antes disso, Belarmino escreve comentando a quarta opinião, que é de Caetano: “A quarta opinião é de Caetano, o qual ensina que um papa manifestamente herético não está ipso facto deposto, mas pode e deve ser deposto pela Igreja. Essa sentença, em meu juízo, não pode ser defendida, sobretudo porque a autoridade e a razão provam que um herege manifesto está ipso facto deposto” (loc.cit.). Também ainda pouco depois:
O Papa Celestino I escreve: “Se alguém foi excomungado, ou despido da dignidade de bispo ou clérigo, pelo bispo Nestório ou pelos outros que o seguem, desde que começaram a pregar tais [heresias], é evidente que esse homem permaneceu e permanece em comunhão conosco. E não julgamos que ele tenha sido removido, porque a sentença daquele que já se oferecera ele próprio para ser removido não podia remover ninguém”. E em outro lugar: “A autoridade da nossa sé sancionou que ninguém – seja bispo, clérigo ou cristão de alguma profissão – que tenha sido expulso do seu lugar ou da comunhão [da Igreja] por Nestório ou outros semelhantes, desde que começaram a pregar tais [heresias] – nenhum desses deve ser visto como expulso ou excomungado. Pois não podia expulsar ou remover ninguém aquele que, pregando tais coisas, vacilou”. Nicolau I repete e confirma a mesma noção. Finalmente, também Santo Tomás ensina que os cismáticos logo perdem toda jurisdição, e são inválidas as ações que pretendem fazer por jurisdição (loc.cit.).
Assim, é evidente que para a opinião de São Roberto Belarmino, a partir do momento que a heresia é proferida, o clérigo perde totalmente a sua jurisdição. A queda é automática pelo próprio fato [ipso facto]. No mesmo caso histórico, Santo Afonso Maria de Ligório nos dá o interessante testemunho de que o povo vendo que aquele que deveria ser o pastor para apascentar as ovelhas se tornou um lobo, declararou: “Temos um imperador, mas não temos um bispo”. Santo Afonso não relata absolutamente nenhuma reprovação a isso, mas, pelo contrário, toda a história contada por ele endossa a exclamação do povo de Constantinopla (Storie delle eresie colle loro confutazioni [História das Heresias e suas Refutações], tomo I, cap. V, art. III, n. 24). Primeiro os católicos romperam com o herege e depois aguardaram a sentença. Santo Tomás endossa também com sua doutrina: “… o poder jurisdicional é o conferido por simples injunção humana; e esse não adere imovelmente. Por isso, não permanece nos cismáticos e nos heréticos. Por onde, não podem absolver nem excomungar, nem conceder indulgências, nem fazer coisas semelhantes. E se o fizerem, será como se feito não fosse. Logo, quando se diz, que esses tais não têm poder espiritual, isso deve entender-se, ou da segunda espécie de poder, ou, se se tratar da primeira, não se refere à essência mesma, senão ao uso dela” (Suma Teológica II-II, q. 39, a. 3, corpus).
Todavia, com respeito ao papa herético, é a opinião de São Roberto que prevaleceu? A resposta é um enfático e indubitável sim.

NO CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO
No cânon 188 lemos: “Por renúncia tácita (tacitam renuntiationem) reconhecida pela própria lei, sem necessidade de declaração (sine ulla declaratione), qualquer cargo (quaelibet oficcia) fica vago se o clérigo: §4 defecção pública na fé católica. E no cânon 221 diz que “se acontecer que o Romano Pontífice renuncie ao seu cargo, nem a aceitação dos cardeais nem qualquer outra aceitação é necessária para a validade desta renúncia”. Veja o leitor que não é necessária aqui a aceitação das autoridades inferiores. Com respeito à defecção pública da fé católica, é evidente que isso inclui a heresia e a história de Nestório deixa isso bem evidente. Para provar que o Código de Direito Canônico adota a opinião de São Roberto, basta que citemos a opinião de alguns canonistas que comentaram o cânon 221, que concluem que um papa herético é um papa que renunciou tacitamente ao papado. Com efeito, diz o Pe. Matthaeus Conte a Coronata:
Certos autores negam a suposição de que um Romano Pontífice possa, de fato, tornar-se herege. No entanto, não pode ser provado que o Romano Pontífice, como mestre privado, não possa tornar-se herege — se, por exemplo, ele comumente negasse um dogma previamente definido. Tal impecabilidade nunca foi prometida por Deus. Na verdade, o Papa Inocêncio III expressamente admite que um caso assim é possível. Se semelhante situação acontecesse, ele [o Pontífice Romano] cairia, por lei divina, do seu ofício sem nenhuma sentença, sem nem mesmo sentença declaratória. Aquele que abertamente professa heresia se coloca fora da Igreja, e não é possível que Cristo preservaria o Primado da sua Igreja em alguém tão indigno. Donde, se o Romano Pontífice professasse heresia, antes de qualquer sentença declaratória (que de qualquer forma seria impossível), ele perderia sua autoridade (Institutiones Iuris Canonici ad Usum Utriusque Cleri et Scholarum; Marietti, 1927, tomo I, p. 367, n. 316).
Cardeal Billot não tem uma opinião diferente também:
Portanto, o que não é membro não é a cabeça. E assim um homem sem fé, como no caso de um herege, não é membro da Igreja, portanto não é chefe da mesma, e por isso, visto que um papa não é outra coisa que o chefe da Igreja, pelo próprio fato de ele se tornar infiel, ele se tornar não-papa. E esta é a razão pela qual, sob diferentes teorias, outros [teólogos] dizem que quando o papa se torna um herege, ele é privado do papado ipso facto pela lei divina, que distingue os fiéis dos infiéis. E quando, por isso, é deposto pela instrumentalidade da Igreja, o Papa não é julgado e não é deposto, mas é aquele que já foi julgado e aquele que já foi deposto; como ele, tendo-se tornado infiel por vontade própria, foi transferido para fora do corpo da igreja, é declarado julgado e deposto (Tractatus De Ecclesia Christi, tomo I, q. XIV, tese XXIX, § 2, Prati, 1909, pp. 615s).
Num relato sobre a definição do dogma da infalibilidade papal durante o Concílio do Vaticano, o Arcebispo John Purcell relatou o seguinte:
A questão também foi levantada por um Cardeal: “O que fazer com o Papa se ele se tornar um herege?” Foi respondido que nunca houve tal caso; o Concílio dos Bispos poderia depô-lo por heresia, pois a partir do momento em que se torna herege não é mais o chefe nem mesmo um membro da Igreja. A Igreja não seria, por um momento, obrigada a ouvi-lo quando ele começasse a ensinar uma doutrina que a Igreja sabe ser uma doutrina falsa, e ele deixaria de ser Papa, sendo deposto pelo próprio Deus. // “Se o Papa, por exemplo, dissesse que a crença em Deus é falsa, você não seria obrigado a acreditar nele, ou se ele negasse o resto do credo, ‘Creio em Cristo’, etc. A suposição é prejudicial ao Santo Padre na própria idéia, mas serve para mostrar a você a plenitude com que o assunto foi considerado e o amplo pensamento dado a todas as possibilidades. Se ele nega qualquer dogma da Igreja sustentado por todo verdadeiro crente, ele não é mais Papa do que você ou eu; e assim, a esse respeito, o dogma da infalibilidade não é nada como um artigo de governo temporal ou cobertura para heresia” (apud Pe. JAMES J. McGOVERN, D.D.; The Life and Life-Work of Pope Leo XIII, Office of Catholic Publications, 1903, pág. 241).
Como podemos ver, temos toda a base para sustentar a nossa posição, contrariamente como ensinam certos leigos recicladores de argumentos ou padres deturpadores da doutrina de santos doutores.
Boa tarde,
Paz e bem,
Salve Maria Imaculada,
Sr. Luciano Takaki,
De vera você está certíssimo. Até os protestantes, digamos sinceros que estudam a Bíblia com vontade de se salvarem, veem que Francisco, e Montini nada de religioso tinham, na verdade com9 é nítido parecem homens demasiadamente mundanos com mais prazer em fazer política do que ser fiel a Deus.
Como, diga-se de passagem, a maioria do clero novus ordus o qual acreditam em tudo do mundo mas negam a Cristo o seu reinado bem como a Fé límpida e pura que os santos mártires morreram para guardar.
Grato.
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É verdadeira esta citação do codigo de direito canônico: A excomunhão tem sentença prática após duas admoestações para hereges que fazem ações públicas, essas duas admoestações são reservadas à Santa sé.? Se sim, como podemos declarar os papas conciliares fora da igreja?
Viva Cristo Rei.
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Creio que se refira ao cânon 2314 §2. Isso se refere a penas eclesiásticas. O caso de heresia manifesta é diferente como foi colocado no texto. Não se trata de uma excomunhão (enquanto pena eclesiástica), mas de uma renúncia tácita e perda automática de jurisdição por defecção pública da fé católica (que posteriormente tornar-se-á um pena eclesiástica segundo o processo desse cânon). Isso ocorre antes de qualquer sentença. A profissão de heresia equivale a uma renúncia tácita e sempre foi entendido assim como lemos nos autores citados. Qualquer clérigo que passe a professar heresia, o que equivale a uma defecção pública da fé católica, renuncia ao cargo tacitamente sem a necessidade de uma sentença declaratória. Isso vale muito mais para o papa, que não pode errar e nem ser julgado. No caso, a Igreja julgaria um não papa. Analogamente você não precisa esperar sair um atestado de óbito para saber se um defunto está morto ou não. Simplesmente constatamos que ele está morto, assim como constatamos que alguém que está professando heresias já não é mais católico.
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