CONTRA OS ATEUS – UM OPÚSCULO ESCRITO POR UM EX-ATEU

Luciano Takaki | 2018

PARTE INTRODUTÓRIA

I – Prefácio

Houve períodos no passado em que a existência de Deus era algo óbvio. Era considerado (e, em verdade, continua sendo) uma insensatez extrema afirmar o contrário disto, como diz a Sagrada Escritura (Sl XIV, 1; LIII, 1). Todavia, com o advento do liberalismo e a consequente corrupção moral e intelectual, Deus passou a ser, para o ímpio pensamento dos que querem negá-lo, um estorvo que atrapalha as suas vontades e subjuga os seus pensamentos e atos. Com efeito, sob a pecha de querer justificar o seu ateísmo e acusando os opositores dos mais baixos adjetivos, acabam por subjugar a nós, cristãos.

Sendo o ateísmo uma doutrina intrinsicamente falsa, não há o que refutar exatamente, pois ela não passa, nas palavras do Royo Marín, “de uma monstruosa aberração intelectual” (Dios y su Obra, Biblioteca de Autores Cristianos, 1963, p. 3). Royo Marín mais tarde sucumbiria no modernismo por conta do Concílio Vaticano II, mas a sua obra será útil para a exposição presente. O objetivo deste breve e humilde opúsculo é assim demonstrar a razoabilidade da crença em Deus para o duplo objetivo de fortalecer a fé dos vacilantes e ridicularizar a descrença em Deus para que, se assim Deus quiser, faça os ateus questionarem a sua própria posição.

O advento do ateísmo, enfim, não é um fenômeno recente. Se iniciou com o advento da Revolta Protestante, quando a própria autoridade do clero foi questionada ou mesmo negada. Depois, a trágica Revolução Francesa questionou e rejeitou a própria cristandade e, por fim, as inúmeras revoluções liberais e comunistas se encarregaram de questionar e negar a Deus. Como bem disse Cornélio Fabro: «[o] homem, jovem ou adolescente, adulto ou velho, primitivo ou civilizado, entregue à atividade prática ou à investigação científica, artista ou homem de cultura, ou ainda dotado de rigorosa mentalidade filosófica… enfim, todo e qualquer homem sente o problema de Deus, problema que o persegue e o alcança em todo lugar em onde se encontre, como inquietante pergunta» (Deus, Editora Helder, 1967, pp. 9-10).

Eis, então, o nosso objetivo, ajudar ao menos os cristãos mesmos de se protegerem dos ataques frontais dos descrentes e, por fim, respondê-los seja para demonstrar a eles que somos mais racionais e, se possível, iluminá-los com a própria luz de nossa fé em Deus. Como se verá, a Doutrina Católica e a sã filosofia — que se iniciou com os gregos clássicos ainda que pagãos e que ganhou o seu cume com o enriquecimento e a correção dos escolásticos, às quais aderimos — possuem um riquíssimo arsenal contra o ateísmo que julgo exaustivo, isto é, tão completo que não se podem criar novos argumentos porque, com efeito, todos os argumentos que surgirem fora estes reduzem-se às vias que Santo Tomás elaborou com a ajuda dos filósofos de que se valeu.

Assim, as demonstrações que temos da existência de Deus ou, preferencialmente, ser de Deus, tornam-se uma ferramenta necessária para não só a salvação do homem, pois é necessário crer em Deus para se converter, como também para o próprio combate contra a corrupção moral e também intelectual, uma vez que as chamadas vias tomistas formam o cume da metafísica tomista. E são estas as que estudaremos, dentro dos limites do autor.

Peço que Deus me ajude nesse trabalho que, de alguma forma é ousado, pois trata-se de uma mera criatura escrevendo sobre as formas de demonstrar a sua existência ou o seu ser. E também peço a intercessão da Santíssima Virgem, que é a antítese total dos ateístas, pois enquanto estes estão apartados da graça e cegos negando a Deus, a Virgem tinha a plenitude da graça e sempre viveu em perfeita união com Deus a ponto de dignar-se de gerar o Verbo encarnado. Peço também a intercessão do Santo Anjo da Guarda, para dar-me as boas inspirações e desviar os erros que o demônio sugerir. Por fim, a de Santo Tomás de Aquino, que numa época em que o ateísmo era praticamente inexistente se pôs a trabalhar como que prevendo as trevas que o mundo viveria mais de setecentos anos depois.

II – Introdução própria do problema

Quid est Deus?

«Quid est Deus?» Segundo uma piedosa tradição, Santo Tomás de Aquino repetia essa quando era criança. Ele sempre teria feito essa pergunta: o que é Deus?

Passados seus quarenta e nove anos de vida, Tomás não respondeu de forma cabal, perfeita e definitiva a essa pergunta. Nem ele e nem ninguém respondeu. A resposta perfeita teremos apenas no Céu, se Deus nos dignar de merecer a glória. Todavia, Tomás nos adiantou muito dos conhecimentos possíveis que podemos ter de Deus aqui na terra. Mas pergunta-se: por que ninguém deu uma resposta perfeita, cabal e definitiva sobre o que é Deus?

A resposta a essa pergunta é simples: em verdade jamais poderemos sequer, nas palavras do próprio Tomás, esgotar a essência de uma mosca (Expositio in Symbolum Apostolorum, 7). Caso contrário, daríamos uma resposta cabal e definitiva sobre o que é mosca. Com efeito, muito menos conseguiremos fazer o mesmo com Deus. Quando procuramos definir o que é o homem dentro da sã filosofia, buscamos o gênero próximo por meio da divisão do gênero supremo (substância) e a sua diferença específica, assim alcançamos a resposta animal racional. Animal gênero próximo e racional diferença específica. Deus não se encaixa em absolutamente nenhum gênero, não possui nada que se assemelhe a nenhum outro ente para que possamos encaixá-lo em algum universal. Deus, pela própria infinitude de sua natureza e suas potências operativas, não pode ser limitado por absolutamente nenhum tipo de definição, que pela própria natureza serve para limitar, dar um fim, um termo.

Mas há descrições que nos dão a noção do que é Deus. Ou melhor, de quem é Deus. Tais descrições podem ser alcançadas pela razão natural através das cincos vias, como se verá, e por dados da revelação contidos na Sagrada Escritura e ensinados pelo Magistério da Igreja. A melhor resposta que temos até agora sobre quem é Deus foi dada por Ele próprio quando Moisés perguntou o seu nome: «Eu sou quem sou», ou Aquele que é (Ex III, 14). Essa resposta é até chocante. Porém, não somos o que somos? Uma pedra não é o que é? Para compreender essa resposta, “Aquele que é”, há de se entender o que que é e o que é que existe. Ou seja, há uma distinção entre ser e existir.

Isso implica consequências na própria sequência do trabalho, pois se Deus não existe, mas é, por que se iniciou falando em existência? Por razões didáticas, pois inicialmente há muita dificuldade para compreender isso. Existência implica, pois, o devir. Existir deriva de ex sit, que é “provir de”. Aqui estamos investigando Aquele que é, que necessariamente é em si mesmo e, portanto, não pode provir de nada. Se Deus é Aquele que é, é Aquele que tem em si mesmo a razão do seu próprio ser. Portanto, antes mesmo de demonstrar que Deus “existe”, há de explicar que Ele, em verdade, por ser Ele próprio a razão de seu próprio ser, não existe, mas simplesmente é.

A noção de Deus

Primeiro, há de entender que o nosso intelecto tem por objeto o ente. Isto é, tem por objeto aquilo que é, e aquilo que é é o ente. Segundo Tomás, «pode ser dito ente tudo aquilo do qual pode ser formada uma proposição afirmativa, ainda que aquilo nada ponha na coisa» (De Ente et Essentia, cap. I, 3). Deus, com efeito, é ente. Há entes de razão e entes reais. Entes de razão só existem na nossa mente, que podem ser de primeira intenção, segunda intenção ou falsos. Os entes reais existem fora de nossa mente e correspondem aos transcendentais. Assim, todo ente real é uno, bom e verdadeiro.

Ora, se Deus tem em si a razão de seu próprio ser e tudo necessariamente é seu efeito, há de se concluir que é um ente real. E é o único ente cuja razão de ser é Ele próprio e, assim, é incausado. Partindo disso, quando dissermos que “Deus existe”, nenhum ateu poderá apresentar a ridícula pergunta objetora “mas qual Deus”, razão por que estamos nos referindo a Aquele que é, e que necessariamente é uno, pois Aquele que tem em si a própria razão de seu ser só pode ser uno, absolutamente bom e principalmente verdadeiro, pois um ente assim, mais que verdadeiro, deve identificar-se com a própria verdade. Mas por ora não devemos ainda nos aprofundar nisso, pois esses atributos ainda não são o objeto de nossa investigação, mas sim se Deus é, se Deus é um ente real. Se Deus for ente real, é o realíssimo dos entes porque tem em si mesmo a razão de ser e é a razão de ser de todos os entes reais. Se não for ente real, é um ente de razão falso.

Portanto, não é aqui o objetivo do trabalho demonstrar a veracidade da fé cristã por argumentos de razão natural, uma vez que isso só é conhecido pela fé; mas sim o ser d’Aquele que é, de Deus.

Fundamentos e fontes da investigação

Os argumentos demonstrativos de razão para demonstrar o ser de Deus baseiam-se na realidade das coisas. Ainda que Deus seja o realíssimo dos entes, o seu ser não nos é evidente como se mostrará. Assim, num período em que o ateísmo se apresenta como uma doutrina racional sem exatamente o ser, convém buscar nas coisas mesmas criadas a base dos argumentos.

Com efeito, como a demonstração serve ainda somente para demonstrar que é conveniente crer em Deus para não incorrer na maior das estultícias, e não ainda para demonstrar a veracidade da Doutrina Cristã, podemos valer-nos de estudos e trabalhos filosóficos de autores não cristãos, como os pagãos Aristóteles e Platão ou o judeu Maimônides, entre outros, como fez Santo Tomás. Corrigindo certos pontos destes mesmos pensadores (como a eternidade do mundo em Aristóteles e a noção aparentemente agnóstica de Maimônides) e até mesmo com a ajuda dos tomistas modernos corrigir os equívocos do próprio Santo Tomás nas partes caducas relativas ao conhecimento científico. Todavia, o cerne argumentativo de Santo Tomás segue impecável.

Convém neste trabalho, para proteger a Doutrina e não esquecer da catolicidade do trabalho deste autor, apesar de demonstrar uma verdade que é de razão e não de fé, usar da Sagrada Escritura e artigos do Magistério da Igreja para demonstrar que nós, católicos, não apenas estamos com a verdade da salvação, mas também com os meios de alcançar tanto a verdadeira sabedoria, que implica o conhecimento de Deus, e até mesmo os meios para desenvolver plenamente a própria sabedoria natural. A própria riqueza da doutrina que será exposta aqui demonstrará isso.

A demonstração do ser de Deus através da exposição destas vias é conveniente também nesta época em que há muitos protestantes usando argumentos errôneos ou demasiados fracos para demonstrar a “existência” de Deus, levando a diversos equívocos ou, se o ateu se deixar convencer por esses argumentos, fazer a pessoa continuar em um erro. Por isso, convém usar sempre as cinco vias, porque, além de serem os únicos argumentos realmente legítimos para tal fim, promove o nome também do Santo Tomás e junto a sã filosofia e a verdade da única Igreja que Cristo fundou: a Católica Apostólica Romana.

DA EVIDÊNCIA DO SER DE DEUS E SUA DEMONSTRABILIDADE

I – Se o ser de Deus é evidente para nós

Exposição do problema e os argumentos dos que defendem a ideia de que o ser (ou existência) de Deus é evidente
Problema: antes mesmo de demonstrar se Deus é, convém inicialmente investigar se Ele é evidente para nós, porque se Deus é, deverá ser evidente em si mesmo, pois necessariamente deve conhecer a si mesmo, ainda que haja pensadores que discordem desta posição.

Os que defendem a ideia de que o ser de Deus é evidente:

Santo Anselmo de Cantuária: (Proslogium, cap. II e III) o pensador mais conhecido que defende este ponto, que se demonstrará errado, é o Santo Anselmo de Cantuária, beneditino, bispo e Doutor da Igreja. Para Anselmo, Deus é o ser do qual não pode se pensar o maior e tal ser do qual não se pode pensar o maior necessariamente existe, caso contrário, não o seria. Se tal argumento for verdadeiro, o ateu é insensato porque não crê no evidente e Deus é evidente.

René Descartes: (Meditações V) segundo o pai da filosofia moderna, a ideia de um ser infinito existe claramente em nossa mente. Assim, esta inclui necessariamente a existência real desse ser porque o que não é existente não é infinito. Logo, Deus existe.

Gottfried Leibniz: (Monadologia IV) para o polímata alemão, se a existência de Deus é possível, é forçosamente real, pois a Deus ninguém pode criar.

Immanuel Kant: (Crítica da Razão Prática II, c. 2) o pensador prussiano nega que Deus seja demonstrável e, mais que evidente, Deus seria um postulado da razão prática porque a «atuação do sumo bem no mundo é o objeto necessário de uma vontade determinável mediante a lei moral».

Crítica à opinião de que o ser de Deus é evidente

O grande erro destes e outros pensadores é crer que podemos realizar o indevido salto da existência ideal para a existência real. Com efeito, e é muito mais visível no argumento leibniziano, todos estes, como observa Garrigou-Lagrange (Dios, su existencia y su naturaleza, Biblioteca Palabra, 1976, p. 70), não percebem que o que é pensável não é necessariamente um real possível. O que tanto Descartes como Leibniz querem fazer é que o que está em suas mentes seja objetivamente real. Em suma, a própria tentativa de demonstrar a existência de Deus por meio de um argumento a priori, pode nos levar a um novo tipo de subjetivismo e é o que tem ocorrido.

Santo Tomás, respondendo ao erro de Anselmo, disse que o homem concebe como nome deus pode não conceber necessariamente com Deus, aquele que é (S.Th. I, q. 2, a. 1, ad 2). E ainda escreve que

aquela opinião [de que o ser de Deus é evidente], em parte, também se origina de não se fazer a distinção entre o que é simplesmente evidente por si mesmo e o que é evidente para nós. Deus, com efeito, é simplesmente por si mesmo evidente, pois que aquilo mesmo que Deus é, também é o seu ser. Mas porque não podemos conceber aquilo mesmo que Deus é, Ele permanece desconhecido para nós. Assim, por exemplo, que o todo é maior que a parte é simplesmente evidente por si mesmo; mas tal expressão seria desconhecida para quem não concebesse as ideias de todo e de parte em sua mente (Summa Contra Gentiles, lib. I, c. 11).

Assim, muitos podem conceber a Deus como corpo, ou identificar como a própria natureza, ou como o sol, ou mesmo um monarca etc. Assim, para demonstrar o ser de Deus, como conhecemos alguns de seus atributos que será demonstrado, é necessária uma demonstração a posteriori e não a priori.

A autoridade da Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja sobre o assunto

Diz Antonio Royo Marín que a Igreja, por meio do Santo Ofício, já «rechaçou toda classe de ontologismo, tanto o rígido como o mitigado» (Dios y su Obra, p. 5). E o mesmo autor já lista as passagens da Sagrada Escritura que condenam essa ideia: ”Não poderás ver a minha face, pois o homem não me poderia ver e continuar a viver” (Ex XXXIII, 20); ”Ninguém jamais viu Deus” (Jo I, 18); ”Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido” (I Cor. XIII, 12); ”[O] único que possui a imortalidade e habita em luz inacessível, a quem nenhum homem viu, nem pode ver” (I Tim. VI, 16).

Sendo assim, não cabe a nós conhecermos a Deus de forma imediata ou intuitiva como pretenderam o Santo Anselmo e os pensadores da escola racionalista listados e fora outros, como Malebranche, Guilherme de Ockham etc. A explicação que se dá é porque o nosso intelecto só pode conhecer pelos sentidos e Deus está inacessível aos nossos sentidos. Portanto, a única forma de conhecê-lO é a partir do conhecimento das criaturas por comparação e analogia como efeitos de uma causa anterior, como se verá. Com efeito, apenas Deus pode ter conhecimento de si próprio de forma imediata e intuitiva. Pretender que o homem possa conhecer a Deus desta forma é de alguma maneira querer divinizar o intelecto humano ou “angelizá-lo”, visto que propor uma ideia de que podemos conhecer algo por pura intuição é atribuir a nós um intelecto angélico. É impossível que o homem alcance esse conhecimento de Deus a não ser pela lumen gloriae (S.Th. I, q. 12, a. 4), causada pelo próprio Deus para que os bem-aventurados tenham a visão beatífica.

Dizer que o ser de Deus é evidente para nós é também negar de alguma a própria demonstração do seu ser visto que o evidente não precisa e nem tem como ser demonstrado (S.Th. I, q. 2, a. 1, sed contra). Com efeito, esta opinião, além de errônea, é de alguma forma nociva e perigosa para a fé.

II – Se o ser de Deus pode ser demonstrado

Exposição do problema e os argumentos dos principais defensores dos que defendem a ideia que não se pode demonstrar que Deus é
Problema: após ver que o ser de Deus não é evidente para nós, é necessário saber se esse mesmo ser é demonstrável. Como se verá, os adversários da doutrina defendida se dividem em dois grupos: os que creem em Deus e os que não creem. Isto é, propor a ideia de que o ser de Deus não é demonstrável não é exclusividade dos ateus, mas os próprios cristãos são adversários da Sã Doutrina na questão da demonstrabilidade do ser de Deus, que foram sábia e devidamente condenados pelo Magistério da Igreja.

Os que defendem a ideia de que o ser de Deus não é demonstrável:

Guilherme de Ockham: (GIOVANNI REALE & DARIO ANTISERI; História da Filosofia, vol. II, Paulus, 2005, pp. 303-304) para o nominalista discípulo de Duns Scot, Deus, por ser incorpóreo e os nossos sentidos limitados, tem o ser absolutamente não evidente e indemonstrável. Para Guilherme de Ockham, Deus só pode ser conhecido pela fé e o que é sobrenatural (Deus) não pode ser conhecido mediante o que é natural. Com efeito, o teólogo não deve demonstrar pela razão as verdades de fé, mas única e exclusivamente demonstrar a sua insuficiência.

David Hume: (Tratado da Natureza Humana, I, III) segundo o iluminista escocês, não podemos conhecer a relação causal de nada, apenas vemos suas sucessões (SOFIA VANNI ROVIGHI; História da Filosofia Moderna, Loyola, 2015, pp. 276-277). Hume rejeita até mesmo o conhecimento da distinção entre substância e acidente. Imagine o conhecimento do ser de Deus…

Immanuel Kant: (KANT; op.cit.) como dito acima, para Kant é mero pressuposto necessário da razão prática, mas não demonstrável. Kant, por ignorância ou desonestidade, nega o conhecimento da coisa em si (noumenon) e aceita apenas os fenômenos (acidentes no léxico do realismo filosófico). A sua paupérrima gnosiologia os faz concluir que há apenas três argumentos favoráveis para demonstrar a existência de um Ser Supremo (Crítica da Razão Pura II, cap. 3, seção III) pela razão especulativa, a saber: físico-teológico, cosmológico e ontológico. O argumento que ele chama de ontológico foi exposto anteriormente. O argumento que Kant chama de cosmológico objeta dizendo que não se pode alcançar a um dos atributos de Deus a partir da experiência do sensível, pois, com efeito, sendo Deus o ser absolutamente real, não pode ser conhecido em si numa realidade em que só conhecemos os fenômenos. Assim Kant nega também a prova físico-teológica da qual diz que Deus não está acessível à nossa inteligência. Não é o objetivo nos aprofundarmos no argumento aqui, mas entende-se aqui que para Kant o argumento físico-teológico demonstra apenas um ordenador que pode não necessariamente ser Deus e que a demonstração de um criador está no argumento cosmológico, já refutado, segundo ele, que se funda no argumento ontológico, que, segundo ele, também está refutado.

Joseph de Maistre, Louis de Bonald, Hughes Lamennais: (ANTONIO ROYO MARÍN, Dios y su Obra, p. 7) o erro dos tradicionalistas foi condenado pelo Concílio Vaticano I por negar a capacidade da razão natural humana de alcançar o conhecimento de Deus admitindo apenas o conhecimento por meio da revelação.

Auguste Comte e John Stuart Mill: (ANTONIO ROYO MARÍN, Dios y su Obra, p. 6; e RÉGINALD MARIE GARRIGOU-LAGRANGE; op.cit., pp. 84-88) para ambos, nenhuma demonstração do que não é percebido pelos sentidos externos ou internos deve ser admitida. A doutrina defendida por Comte e continuada por Mill é o agnosticismo por antonomásia, a existência de qualquer ente (usando a linguagem de Platão) suprassensível é absolutamente incognoscível.

Richard Dawkins: (Deus, um delírio, Companhia das Letras, 2007, c. 171-172) no seu best-seller, o zoólogo britânico diz que Deus “quase com certeza não existe” porque, segundo a sua lógica, sendo Deus “designer” de seres complexos e que os mais complexos descendem dos menos complexos. Deus deveria ser mais complexo do que os seres vivos mais complexos e logo deveria estar no final da série e que também um designer tão complexo deveria ter como causa outro designer.

Crítica à opinião de que o ser de Deus não pode ser demonstrado

Como se vê, na lista temos tantos crentes como descrentes, com efeito, os erros sobre a tentativa de demonstrar o ser de Deus vêm de todos os lados. Se aceitarmos os erros de católicos como Joseph de Maistre e Lamennais, deveremos aceitar que todos deveriam receber o conhecimento infuso, pois o conhecimento de Deus passaria a ser intransmissível. O caso de Guilherme de Ockham é simplesmente ridículo, pois nega o que o Apóstolo escreve quando diz que pelas coisas criadas conhecemos as perfeições invisíveis de Deus (Rm I, 20). A de Richard Dawkins é absolutamente infantil, pois, como se verá, Deus é necessariamente simples e é incausado. Os argumentos de Kant, Hume, Mill e Comte são irracionais, pois a própria série de causas demanda uma causa extrínseca e distinta da dela mesma, e Kant, como se mostrará, nunca leu nada de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino. Hume, ao negar o conhecimento da relação causal, joga por terra até mesmo a utilidade dos trabalhos de investigação.

A autoridade da Sagrada Escritura, a posição do Magistério da Igreja e da Teologia Sagrada sobre o assunto

A Sagrada Escritura diz: «Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar» (Rm I, 20). Ou seja, a própria existência da criação pode nos servir de um meio para alcançarmos o conhecimento do ser de Deus e que os descrentes mesmos possuem sua parcela de culpa.

Também diz o Magistério da Igreja: «Se alguém disser que o Deus, único e verdadeiro, criador e Senhor nosso, por meio das coisas criadas não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, seja anátema» (CONCÍLIO VATICANO, Sessão III, cap. IV).

A sã filosofia nos diz que a demonstração de um conhecimento necessário é possível de duas maneiras: a demonstração propter quid e a demonstração quia. A demonstração propter quid se dá da causa para os efeitos (S.Th. I, q. 2, a. 1, corpus). Assim podemos ver a potencialidade do fogo sobre certo componente químico para saber se é inflamável. Assim vemos qual efeito o fogo causará sobre este componente. Todavia, se virmos algo queimado, deduziremos que a queima do objeto foi causada pelo fogo e que o fogo foi causado por algum agente. Aqui entramos na investigação ou demonstração quia, que é, como se vê, do efeito para a causa. Assim, complementa Aquinate:

Ora, podemos demonstrar a existência da causa própria de um efeito, sempre que este nos é mais conhecido que aquela; porque, dependendo os efeitos da causa, a existência deles supõe, necessariamente, a preexistência desta. Por onde, não nos sendo evidente, a existência de Deus é demonstrável pelos efeitos que conhecemos (S.Th. I, q. 2, a. 1, corpus).

Assim, a demonstração do ser de Deus se dará por meio dos princípios de causalidade. Mais especificamente da causa eficiente e final porque, com efeito, essas causas são extrínsecas. Deus necessariamente deve ser extrínseco ao seu efeito, por isso não pode ser a causa material e formal. Ora, a causa é sempre distinta do seu efeito. Assim como o padeiro não é pão, Deus não é a criação. Esse princípio já nos evidencia o erro panteísta.

Nesse capítulo, examinamos que os erros – e respondemos – foram os de que queriam demonstrar a impossibilidade de demonstrar o ser de Deus. Porém, ainda falta investigar os argumentos contra o ser mesmo de Deus. Assim iniciar-se-ão as exposições das demonstrações que refutam esses erros que serão expostas às quais chamamos cinco vias.

AS OBJEÇÕES CONTRA O SER DE DEUS

Preâmbulos iniciais da descrença no ser de Deus

Problema: não apenas o ser de Deus não é evidente como as demonstrações podem falar com relação ao ser de Deus. Assim, houve objeções elaboradas por ateus militantes que buscaram demonstrar que Deus não “existe”, ou seja, Deus não é. Logo, os ateus estariam corretos em sua descrença.

Argumentos contra o ser de Deus em favor do ateísmo:

As elaboradas por Santo Tomás de Aquino: (S.Th. I, q. 2, a. 1, objeções 1 e 2) Tomás apresenta duas objeções muito usadas atualmente. Uma baseada na existência do mal, pois sendo um infinito, o seu oposto se aniquilaria porque a luz que ilumina um quarto inteiro tiraria toda a escuridão desse quarto. Logo, se o mal existe, não existiria um bem infinito ao qual identificamos com Deus. A segunda objeção baseia-se no argumento da economia. Se na natureza nenhum ente se multiplicaria sem a necessidade de ser, tais como as causas não poderiam multiplicar-se além da necessidade. Ora, as coisas naturais podem ser explicadas pelas causas naturais e, assim, parece que tudo pode ser explicado com causas naturais. Se assim é, sendo Deus sobrenatural, não é necessário para explicar essas mesmas causas naturais porque a explicação está no natural. Se Deus não é necessário, não é, não existe.

Sebastien Faure: (“As Doze Provas da Inexistência de Deus”) o militante anarquista francês apresentou supostas “doze provas da existência de Deus”. Duas delas foram expostas acima e as outras se responderão com o decorrer no texto deste opúsculo, que deverá demonstrar cabalmente sem a necessidade de responder a elas uma a uma para quem é minimamente honesto intelectualmente. Exponhamos, porém, duas demonstrações opostas à nossa: uma delas diz que Deus, por ser perfeitíssimo deve ter um efeito proporcional à causa. Ora, assim como no problema do mal, um infinito deve excluir o seu oposto. Se Deus é infinito na sua perfeição, deve também ter um efeito perfeitíssimo e como o mal exclui a perfeição infinita do efeito, Deus não seria infinitamente perfeito e não necessariamente será mais Deus.

Outra objeção do anarquista francês é sobre a finalidade do ato da criação. Deus por ser infinitamente perfeito, é também ser infinitamente feliz. Mas Deus criou e governa o mundo. Assim, se Deus fez isso, Ele agiu. Ora, o que é infinitamente feliz e perfeito não tem razão de agir porque implica necessidade e Deus não precisa de nada. Logo, se Deus tivesse necessidade de agir, não seria necessariamente Deus e assim ficaria demonstrada a sua inexistência. Com base na sua praxiologia, o economista Ludwig von Mises objeta contra a existência de Deus, pois a ação implica certa insatisfação ou necessidade e assim Deus pode agir (Ação Humana, Instituto Mises Brasil, 2010, p. 99).

Richard Dawkins: (DAWKINS; op.cit.) a objeção já foi apresentada, mas acrescentemos mais: Deus teria de ser, para o zoólogo, em tal grau de complexidade que deveria ser o ponto final da evolução darwinista, que Dawkins a tem como verdadeiro dogma. Se Deus é supercomplexo e está no final, não seria criador do que já existe, assim não seria Deus, logo, «Deus quase certamente não existe».

Fique assim exposta a coleção das objeções contra o ser (ou, impropriamente, existência) de Deus.

Crítica às opiniões contrárias ao ser de Deus

Um dos erros das objeções apresentadas reside na negação do Ser Necessário, pelo qual todos os entes possuem ser e não tenha a necessidade de ser em outro, como se demonstrará. Outro erro dos objetores é sentenciar a natureza mesma Deus na sua perfeição. Se Deus é inteligente, Ele tem também vontade como se verá e, por conseguinte, tem livre arbítrio. Logo, Deus não tem absolutamente nenhuma obrigação de produzir efeitos perfeitíssimos. Isso já refuta três das cinco objeções expostas. Outro erro deles é crer que as causas segundas essencialmente ordenadas não necessitam de uma causa primeira distinta das demais e extrínseca à série dessas causas.

A autoridade da Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja sobre o assunto

A Sagrada Escritura obviamente condena o ateísmo e o expõe como uma insensatez, como já mostrado. E o Magistério da Igreja segue a linha e a condena com clareza juntamente com o politeísmo e o panteísmo, que são como que preâmbulos do ateísmo. Para ser membro da Igreja tem que crer em Deus.

AS DEMONSTRAÇÕES DO SER DE DEUS

I – Exposição introdutória às demonstrações

Como se dará a exposição
Problema: foi provado que o ser de Deus não é evidente, porém, é demonstrável. Se se provou que é demonstrável, deve-se dar as demonstrações que se darão por cinco vias: pela via do movimento, pela via da causa do eficiente, pela via da contingência dos entes, pela gradação de perfeição dos entes e pela via da causa final ou governo das coisas.

Conclusão do demonstrado até aqui: a exposição não pode ser pela fé, ainda que muitos possam conhecer melhor a Ele somente por ela. Para que se conheça a Deus somente pela fé, já deve ter alguma certa noção de Deus pré-existente, mas esclarecida com a fé. A noção de Deus se dá antes pela razão. Para quem não tem fé ou tem uma fé vacilante é necessário que a razão da pessoa esteja fortalecida pelas demonstrações.

Estas demonstrações deverão se fundar no princípio da causalidade.

Admitindo que o que passou a ser tem uma causa e que uma causa da qual o causado tem o seu ser dependente, a causa per se, uma causa extrínseca à série de causas essencialmente ordenadas e que é a Causa Primeira por excelência. Que é Deus.

Observações a respeito das demonstrações

Observação 1ª: as cinco vias baseiam-se nos princípios de causalidade e em duas das quatro causas: eficiente e final, por serem extrínsecas assim como Deus é extrínseco à série de causas.

Observação 2ª: não é o fim das demonstrações do ser de Deus demonstrar também a veracidade da religião cristã. Este é o objeto da fé, ainda que em conjunto com a razão. Usando apenas a razão, só podemos alcançar (ainda que com imperfeição, mas com total certeza) o ser de Deus e alguns de seus atributos que demonstraram que Deus tem ser, é uno, incorpóreo, perfeito, inteligente etc. São atributos de Deus como crê a fé cristã, mas não necessariamente foi demonstrado que é esse Deus.

Observação 3ª: particularmente creio que as cinco vias esgotam todas as demonstrações possíveis para o ser de Deus. Quaisquer outras acidentalmente diferentes das que expostas são meros desdobramentos das cinco expostas.

II – As demonstrações do ser de Deus pelas cinco vias

Acredita, por conseguinte, na existência de Deus, quem acredita que todas as coisas deste mundo são por Ele governadas, e estão subordinadas à sua Providência. Mas quem pensa que todas as coisas originam-se do acaso, não acredita na existência de Deus. Não há ninguém tão insensato que não creia que a natureza seja governada, que esteja submetida a uma providência e que tivesse sido ordenada por alguém, vendo que tudo se processa a seu tempo, com ordem (S. TOMÁS DE AQUINO; Expositio in Symbolum Apostolorum, 13).

As cinco vias não são de total autoria de Santo Tomás, mas vem de trabalhos de diversos autores que Tomás organizou e os aperfeiçoou com a sua sabedoria. Como se verá, essas vias são o cume de sua completíssima Metafísica. Quase todo o conhecimento que podemos ter de Deus vem das cinco vias, como a unidade alcançada pela via do ser necessário, a sua imutabilidade e eternidade alcançada pela primeira etc. Assim, as cinco vias mais do que demonstrações do ser de Deus, são uma ótima introdução à própria Metafísica e base para a Teologia Sagrada.

Via do movimento
Objetivo: demonstrar o ser de um ente movente que não pode ser movido por outro, o Motor Imóvel ou Ato Puro que deve se identificar com o próprio Deus.

Ponto de partida: tudo o que é movido é movido por outro, isto é, o movimento do movido tem necessariamente uma causa distinta dele (EDOUARD HUGON; Os Princípios da Filosofia de São Tomás de Aquino, EDIPUCRS, 1998, p. 41, “Tese I”; e TOMÁS DE AQUINO; Contra Gentiles, lib. I, c. 13).

Demonstração: o movimento nesta via entende-se pelo trânsito da potência ao ato. Esse movimento se dá em todos os entes presentes no mundo físico, por essa razão chamamos os entes participativos do mundo físico como ente móvel, isto é, os entes que podem ser movidos. Assim, o movimento por ser um trânsito, é um ato imperfeito que só alcançará a perfeição no final de sua operação (TOMÁS DE AQUINO; Comentário à Metafísica de Aristóteles, lib. XI, lec. 9, 17).

Assim explica-se que os entes móveis possuem três princípios que compõem a sua constituição entitativa: matéria, forma e privação. Para que exista o movimento é necessário a presença dos três, sendo a matéria o princípio que permanece no movimento, pois é evidente que sem um princípio permanente no movimento não haveria movimento algum. A forma e a privação são os princípios mutáveis; e essa forma pode ser tanto a substancial como acidental.

Antes e após o movimento haverá uma nova forma. Se houver uma nova forma substancial, haverá um outro ente distinto do que havia antes do movimento. Se houver uma nova forma acidental, a forma em si não se perdeu, mas mudou somente um acidente do ente. Se queimarmos uma lenha até ela se tornar carvão, haverá uma mudança ou movimento substancial, pois não mais se terá madeira, mas carvão. Houve uma mudança de substância, mas não da matéria, que se manteve com a forma de carvão. A privação que a madeira tinha é a privação da própria forma de carvão; a madeira tinha potência para se tornar carvão.

Isso também podemos dizer da simples mudança ou movimento acidental. Com efeito, o ferro pode ser esquentado, mas ao ser esquentado a forma substancial se mantém mudando apenas o acidente adquirindo a quentura. Podemos dizer com Santo Tomás que a matéria é o ser em potência, a forma é o ser em ato e a privação o não ser em ato (De Principii Naturae, I, 5). Para que fique ainda mais claro, usemos o exemplo do próprio Tomás: o cobre é a matéria com qual podemos fazer uma estátua; a forma é como o cobre se encontra, em forma de barra, por exemplo; e a privação é a forma de estátua que pode ser adquirida pelo cobre. Assim, o cobre terá uma nova forma substancial.

Porém, há um princípio extrínseco nesse movimento pelo qual ele não poderia ocorrer caso esteja ausente. É o motor ou agente. Assim, o escultor ou modelador é o motor ou agente. É absolutamente impossível o cobre se tornar uma estátua em ato sem que tenha a potência de ser estátua e sem um princípio agente em ato. Isto é, todo trânsito da potência para o ato necessita de um agente anterior já em ato. Assim o ato é transmitido ao movido e quando isso se dá, o movente transmite, assim, certa semelhança sua, assim como no exemplo acima, o fogo, sendo quente por si, transmite a sua quentura ao ferro. Com efeito, é natural concluir que os entes móveis, que compõem a realidade natural, compõem diversas séries de movimentos com uns movendo os outros.

Com relação aos entes viventes, que parecem mover-se por si mesmos, eles tampouco movem-se por si mesmos, mas são movidos pelas suas partes motoras. Com efeito, se a alma é a forma substancial do corpo, é também o seu ato, sendo assim, é ela que coloca o corpo em ato. No entanto, para que a alma atue o corpo, ela mesma precisa ser colocada em ato. Logo, ela própria precisa de um agente extrínseco a ela.

Também com relação à inteligência dos homens, chegamos à conclusão que podem existir movimentos espirituais e que também demandam um agente para que a inteligência própria precise atuar, porque, com efeito, a própria vontade humana para começar a querer um fim também precisa querer os meios. Isto significa que a própria vontade não é um ato sempiterno, mas sim uma potência no querer que precisa ser atuada e isso acontece quando um intelecto apreende algo como bem e que faz a vontade querer. O ato primeiro da inteligência precisa de uma moção da inteligência primeira, pois «é necessário que a apreensão preceda a qualquer movimento da vontade; mas nem a toda apreensão precede um movimento da vontade, pois, o princípio do conselho e da intelecção é um princípio intelectivo mais elevado que o nosso intelecto e que é Deus» (S.Th. I, q. 82, a. 4, ad. 3). Com efeito, diz o grande teólogo Garrigou-Lagrange, comentando essa parte da Suma Teológica, que «é necessário o concurso da inteligência primeira para que a inteligência criada possa produzir não somente o primeiro ato, mas também cada um dos seus atos, e assim a causa segunda fica sempre subordinada à causa primeira» (op.cit., p. 216-217). Assim, a conclusão que se chega é que, mesmo algo absolutamente imaterial, como a inteligência, pode ser movida por um agente. Logo, pode-se concluir que há movimentos espirituais.

Conclusões sobre a via: Primeiramente convém ensinar o que é princípio e o que é causa: princípio é o que na ordem de um processo vem por primeiro. A causa é aquilo de que algo depende o ser (esse) e fazer-se (fieri). Nem todo princípio é causa, mas no caso do primeiro motor de uma série ordenada de movimentos o princípio se identifica também com a causa. Pois bem, assim alcançamos três conclusões:

Conclusão 1ª: nenhum movido se move por si mesmo. Todos os movimentos precisam de um motor.

Conclusão 2ª: os movimentos compõem diversas séries de moventes e movidos.

Conclusão 3ª: os movimentos em séries não podem ter como princípio um movente primeiro também móvel, pois não poderia ser a causa de uma série de causados pois pressuporia outro movente. Logo, deve ser necessariamente um primeiro Motor Imóvel e extrínseco a ela.

Com efeito, os movimentos dos móveis devem ter como princípio o que poderíamos chamar de Motor Móvel. O Motor Imóvel é Ato Puro e, sendo o primeiro de todos os moventes, não pode ser atuado e tampouco é mescla de ato e potência , mas apenas ato. Razão por que os moventes e movidos intermediários devem ter esse primeiro motor como causa dos seus movimentos. O Primeiro Motor, o Motor Imóvel e o Ato Puro se identificam entre eles e se identificam com Deus, pois as conclusões sobre o que são Motor Imóvel e o Ato Puro são inevitáveis (GARRIGOU-LAGRANGE; op. cit., pp. 229-231). Pois, concluímos que:

O MOTOR IMÓVEL É ATO PURO: por ser imóvel, o Ato Puro não recebe o ato de ninguém porque não pode ser movido por outro movente. Ele não tem nenhuma potencialidade e só pode atuar;

O MOTOR IMÓVEL É INFINITAMENTE PERFEITO: por não poder ser atuado, não pode receber a perfeição de nenhum movente. Como o ato é a determinação que aperfeiçoa, o Ato Puro é a pura perfeição;

O MOTOR IMÓVEL É IMATERIAL E INCORPÓREO: porque a matéria é por sua natureza pura potência. Logo, o que é material tem mescla de potência e ato. Logo, Deus é imaterial e, consequentemente, incorpóreo porque o corpóreo é composto de matéria;

O MOTOR IMÓVEL É INTELIGENTE: porque mover as inteligências e a imaterialidade é da natureza da inteligência mesma, como demonstrado acima;

O MOTOR IMÓVEL É ONIPRESENTE: porque alcança todos os movidos. Como também não é corpóreo, não tem nenhum lugar definido, mas atua em todos os lugares;

O MOTOR IMÓVEL É ETERNO: porque o que não pode ser movido só atua e, por ser extrínseco a todas as séries de moventes e movidos, não atua no tempo, mas é externo a ele. Ora, o tempo é a medida do movimento um antes e um depois. Não há movimentos no Motor Imóvel. Logo, o Motor Imóvel é eterno;

O MOTOR IMÓVEL É UNO: por ser perfeitíssimo, não pode ser múltiplo, pois, com efeito, se houvesse dois atos puros, teriam de se diferenciar em algum ponto, e essa diferença necessariamente teria de ser alguma imperfeição, como demonstra Santo Tomás (S.Th. I, q. 11, a. 3, corpus). Logo, um deles não mais seria ato puro.

Com isto, também alcançamos apenas com as demonstrações de razão a sete atributos para o Ato Puro, que só podemos encontrar em Deus. Assim, fica demonstrado que somente a via do movimento bastaria para tirar quaisquer dúvidas da demonstrabilidade e o ser de Deus, que se identifica com o Ato Puro e o Motor Imóvel. Mas Santo Tomás quis esgotar as possibilidades e ainda temos mais quatro vias.

Via da causa eficiente
Objetivo: demonstrar que há uma Causa Primeira Incausada que se identifica com Deus.

Ponto de partida: todo efeito tem uma causa distinta de si e proporcional, mas sempre maior. Com efeito, a causa existe anteriormente ao efeito.

Demonstração: a via se dá a partir da constatação de que o efeito tem uma causa anterior. Diferentemente da via do movimento, que trata da transição da potência ao ato, a via da causa eficiente trata do ente em si. Do ente que não existia e passou a existir por outro que existia anteriormente. Assim, podemos dizer que essa via não trata do que chamamos de causa per accidens, isto é, de que tal acidente em tal substância se deve a tal causa acidental — por exemplo, o fogo é causa da quentura do ferro —, aqui se trata de causa per se, isto é, tal substância que inexistia é efeito de outrem; por exemplo, tal cãozinho é efeito deste casal de cães.

Assim, sabendo que a causa eficiente é distinta e anterior e primeira por antonomásia, há de mencionar que da causa eficiente per se pode se dizer anterior de três maneiras: in fiere (no fazer), in cognitione (no conhecer) e in esse (no ser). In fiere é anterior à causa que move e gera; in cognitione, o princípio simpliciter primeiro do conhecimento, de maneira que a causa é o primeiro cognoscível em si mesmo, ainda que nem sempre seja o primeiro cognoscível quanto a nós, pela debilidade do nosso intelecto, que conhece por meio dos sentidos; in esse, segundo a ordem natural in essendo (no ser), se anterior de três maneiras: em razão da universidade (communitatis) ou da dependência, na medida em que se dizem anteriores, as coisas que podem ser sem as outras, enquanto as outras não podem ser sem elas; segundo a ordem da substância aos acidentes; segundo a divisão do ente em ato e potência. Com efeito, o eficiente in essendo é o primeiro, segundo qualquer dos três modos. Assim, geralmente essa causa existe com anterioridade e com independência do efeito, tal qual o pai com relação ao filho, pois o pai pode existir sem o filho e o mesmo não se diz do contrário. O anterior tem o ser por si e o comunica ao efeito, assim, a substância não apenas é o suficiente material, mas também causa eficiente dos acidentes próprios (o filho geralmente herda os dois braços, os dois olhos etc., do pai, mas não necessariamente o tamanho, a cor etc.). Há de se mencionar também que o agente sempre está em ato com relação ao paciente, levando-o da potência ao ato (Cf: Pe. ÁLVARO CALDERÓN; La Naturaleza y sus Causas, Ediciones Corredentora, 2016, Tomo II, p. 181-182).

A causa eficiente também é sempre o primeiro no ser, tanto do ponto de vista da existência quanto da essência. Quanto à existência, podemos dizer que se deve ao fato da causa eficiente ser sempre anterior ao efeito, seja temporalmente, seja segundo a natureza, porque o agente deve existir em ato para poder obrar. Quanto à essência, se deve ao fato da perfeição ou forma que está sujeito à mudança que adquire por participação pertencer por essência ao agente, ou pelo menos esse agente participar dela de maneira anterior ao efeito, porquanto é mais próximo do agente primeiro, que a tem por essência.

Com efeito, há de se concluir o seguinte: é necessário que, como demonstramos, os eficientes e causados devem estar numa série causada por uma Causa Eficiente Primeira Incausada. Entendamos: em uma série composta apenas por entes causados não pode existir por si mesma, mas pode ser infinita. E mesmo que esta série fosse infinita não seria por si mesma, pois seria necessário que todas as causas atuassem simultaneamente e não poderiam ser causadas por si mesmas. A série de causas deve ter como causa e princípio uma causa distinta e extrínseca a ela, a Causa Primeira Incausada. Esta Causa Incausada deve ser eterna, por não ser causada. Assim há de se concluir que esta causa é necessariamente per se (DUNS SCOT; Tratado do Primeiro Princípio, cap. III, 48-51), totalmente extrínseca de qualquer série de causas, que seriam causas segundas. Uma analogia que podemos fazer é a seguinte: a pessoa que empurra a primeira peça de dominó para derrubar todas as outras está sempre fora da série de peças derrubadas. Elas não podem ser derrubadas por si mesmas. Tal como o movido não se move por si, o causado não tem em si mesmo a causa de seu ser. Ora, sendo a Causa Primeira distinta das causas segundas, ela não pode ter uma causa anterior para que não incorra em outra série de causas que novamente seriam causas segundas. Ela deve ser incausada e por isso a identificamos com Deus. Assim escreve o Doutor Angélico:

[…] Em todas as causas eficientes ordenadas, o primeiro é a causa do intermediário, e o intermediário é a causa do último, quer haja um ou muitos intermediários. Ora, removido a causa, removido também será aquilo de que ele é a causa. Logo, removido o primeiro, o intermediário não poderá mais ser causa. Procedendo-se, porém, indefinidamente em causas eficientes, nenhuma delas será a primeira. Logo, todas as outras seriam removidas, visto serem intermediárias. Mas isto é evidentemente falso. Portanto, é necessário afirmar-se que há uma primeira eficiente, que é Deus (Contra Gentiles, lib. I, cap. 13).

Conclusões sobre a via: como se trata de uma via mais metafísica do que física, ao contrário da via do movido, a demonstração e as conclusões são mais simples. As causas segundas devem ter uma Causa Primeira Incausada distinta e extrínseca. Como as causas segundas se dão no evo (anjos) ou no tempo (criaturas físicas), a Causa Primeira Incausada deve ser eterna, atemporal. Não possui e nem poderia existir nada a ela. Assim, conclui-se como é a Causa Primeira:

A CAUSA PRIMEIRA É ETERNA: pois, por não ser causada, não possui nenhum anterior a ela;

A CAUSA PRIMEIRA É INCORRUPTÍVEL: tal como Motor Imóvel, deve ser Ato Puro e, por ser incausada, não possui potência para ter novos acidentes por não ter acidentes;

A CAUSA PRIMEIRA É PODEROSÍSSIMA: porque é a causa eficiente de todas as causas segundas.
Assim, deve-se concluir que a Causa Primeira Incausada se identifica com o Motor Imóvel, que se identifica com Deus.

Via da contingência
Objetivo: demonstrar pela contingência dos entes, na realidade visível a nós, a necessidade de um ente totalmente necessário sem por qual nada existiria, ao qual chamamos de o Ser Subsistente por si mesmo ou Ser Necessário.

Ponto de partida: há entes que podem ou não existir aos quais chamamos de contingentes, que evidenciam um necessário sem o qual eles não existiriam porque os contingentes não existem sem ter o ser por outro.

Demonstração: quem observa as coisas percebe que nada pode ter o ser por si. O que tem o ser só pode ter o ser por aquilo que já tem anteriormente. Uma árvore existe porque já existia uma anterior e existem condições que mantêm o ser dela, como os nutrientes da terra, a própria terra e a luz do sol para que se realize a fotossíntese. Se a árvore morre, deixe imediatamente de ser árvore e a realidade segue. Isso também se dá com qualquer ser humano.

Assim, se tudo o que é contingente necessariamente pode ou não existir, não pode assim tudo ser contingente, pois se absolutamente tudo fosse contingente, haveria um período em que nada seria. Logo, nada existiria. Porém, o nada não pode dar o ser a nada. Não possui potência para obrar. Isso implica forçosamente um ente que é o Ser Necessário, que é o Ser Subsistente por si mesmo, daquele que tem em si a razão de sua necessidade, aquele que não tem o ser participado em nenhum outro. Assim, conclui o Doutor Angélico:

Ora, tudo o que é necessário ou tem de fora a causa de sua necessidade ou não a tem. Mas não é possível proceder ao infinito, nos seres necessários, que têm a causa da própria necessidade, como também o não é nas causas eficientes, como já se provou. Por onde, é forçoso admitir um ser por si necessário, não tendo de fora a causa da sua necessidade, antes, sendo a causa da necessidade dos outros; e a tal ser, todos chamam Deus (S.Th. I, q. 2, a. 3, corpus).

Há objeções com relação a essa via e são, claro, todas muito fracas. Como, por exemplo, é a que diz que o Ser Necessário deve ser a coleção total de contingentes. Contra essa objeção, responde Garrigou-Lagrange que os contingentes não constituem um necessário pela mesma razão que muitos idiotas não constituem um sábio (GARRIGOU-LAGRANGE; op.cit., p. 235). Mesmo que a totalidade de contingentes seja infinita, implicaria um Ser Necessário por essas infinitas partes sempre seria contingente. Seria infinita, mas uma constituição infinita contingente. Ainda a objeção de que poderia ainda ser a lei porque esta lei não tem em si a sua própria razão de ser. As leis físicas existem somente porque existem as coisas. Tampouco é a evolução criadora porque os que evoluem não são necessários e, logo, nem o próprio processo é. Há ainda de se expor que o Ser Necessário também não é a “substância comum”, como pretendeu Spinoza e seus seguidores. Se assim fosse, esta substância estaria sujeita a mudanças. Inclusive, esse erro leva ao ateísmo.

Conclusões sobre a via: a via é, como se vê, irrefutável e muito forte, mas pouco compreendida. Mas a conclusão é que é impossível tudo ser contingente e que deve haver ao menos (e é de fato) um ente que seja o Ser Subsistente por si mesmo que tenha em si a própria razão de ser a própria necessidade. Assim, tudo que é contingente depende do Ser Necessário para existir. Assim, conclui-se que:

Conclusão 1ª: os entes contingentes, que podem ou não ser, certamente um dia não foram;

Conclusão 2ª: com efeito, é preciso admitir um Ser Necessário, que é e sempre foi, como princípio extrínseco da série causal per se ordenada;

Conclusão 3ª: o Ser Necessário é o único que pode dar o ser aos contingentes, e tem o seu ser devido à sua própria natureza.

O SER NECESSÁRIO É A CAUSA EFICIENTE DE TODOS CONTINGENTES: tendo em si a razão de ser e a própria necessidade, o Ser Necessário deve ser a causa eficiente de tudo o que depende dele para existir. Logo, ou tudo existe desde sempre participando do seu ser ou o Ser Necessário criou tudo;

O SER NECESSÁRIO É ETERNO: porque se não fosse, haveria um período em que nada existiria e não seria necessário;

O SER NECESSÁRIO É UNO: se houvesse mais de um, outro não seria mais necessário;

O SER NECESSÁRIO É IMUTÁVEL: porque o que há mudanças não pode ser eterno, e assim, nem necessário.

E disso podemos concluir que o Ser Necessário se identifica com o Motor Imóvel e a Causa Primeira e assim se identifica com Deus.

Via dos graus de perfeição
Objetivo: demonstrar que há um Ser Perfeitíssimo que é a causa de todas as outras perfeições.

Ponto de partida: há entes que são mais perfeitos que outros da mesma forma que há coisas mais quentes que outras.

Demonstração: esta via, devido à corrupção intelectual da humanidade, não é mais tão convincente como sempre foi. Mas, de qualquer maneira, é uma das mais fortes e segue irrefutável. Ateus, como Richard Dawkins, costumam responder de maneiras risíveis. Dawkins, no seu patético Deus, um delírio, escreveu o seguinte:

O Argumento de Grau. Percebemos que as coisas do mundo diferem entre si. Há graus de, digamos, bondade ou perfeição. Mas só julgamos esses graus se em comparação a um máximo. Os seres humanos podem ser tanto bons quanto ruins, portanto o máximo da bondade não pode estar em nós. Tem de haver, portanto, algum outro máximo para estabelecer o padrão da perfeição, e a esse máximo chamamos Deus.
Isso é um argumento? Também seria possível dizer: as pessoas variam quanto ao fedor, mas só podemos fazer a comparação pela referência a um máximo perfeito de fedor concebível. Tem de haver, portanto, um fedorento inigualável, e a ele chamamos Deus. Ou substitua qualquer dimensão de comparação que quiser, derivando uma conclusão igualmente idiota (RICHARD DAWKINS; op.cit., p. 90).

Pois bem, Dawkins não entendeu o porquê e, devido ao pensamento materialista e subjetivista, ele crê que a bondade deve ser algo que subjetivamente consideramos bom, não aquilo que ajuda o ente a cumprir a finalidade de sua forma. O que é bom necessariamente apetece a forma, assim como o alimento é bom porque nos mantém vivos. Ser fedorento é uma bondade, uma perfeição? Obviamente que não. Mas por uma didática, vamos ao texto original do próprio Tomás:

A quarta via procede dos graus que se encontram nas coisas. — Assim, nelas se encontram em proporção maior e menor o bem, a verdade, a nobreza e outros atributos semelhantes. Ora, o mais e o menos se dizem de diversos atributos enquanto se aproximam de um máximo, diversamente; assim, o mais cálido é o que mais se aproxima do maximamente cálido. Há, portanto, algo verdadeiríssimo, ótimo e nobilíssimo e, por conseqüente, maximamente ser; pois, as coisas maximamente verdadeiras são maximamente seres, como diz o Filósofo. Ora, o que é maximamente tal, em um gênero, é causa de tudo o que esse gênero compreende; assim o fogo, maximamente cálido, é causa de todos os cálidos, como no mesmo lugar se diz. Logo, há um ser, causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em tudo quanto existe, e chama-se Deus (S.Th. I, q. 2, a. 3, corpus).

Os graus aqui são de perfeição. Ponto. Vejamos o exemplo do fogo: imaginemos uma sala com objetos metálicos com uma fogueira no centro. Essas peças estarão quentes em diversos graus de acordo com a proximidade do fogo. O fogo nessa sala é a causa dos diversos graus de calor presentes nesses objetos. Não comentarei aqui, pela brevidade do trabalho, as respostas do Dawkins às vias anteriores porque o presente escrito já o refuta, mas lembremos que o Motor Imóvel é a causa de tudo que é movido sem ser movido por nada. O movente sempre transmite alguma semelhança de si ao movido. Assim, como a Causa Primeira é a causa do ser de todos os causados. O Ser Necessário é a fonte de todo ser dos contingentes. Os graus de perfeição demonstram que há um ser que é a causa de todas as perfeições e os entes possuem graus de perfeição diferentes que se ordenam a uma perfeição máxima.

Com efeito, seria uma estupidez crassa negar que um cão é mais perfeito que uma minhoca, e esta mais perfeita um fungo. Um cão possui todos sentidos, ao contrário da minhoca, que só possui o tato. A minhoca, por ser um animal que se move e com tato, é mais perfeita que um fungo, que só possui as potências nutritiva, aumentativa e geradora. O homem, por sua vez, possui todos os sentidos do cão e mais as potências intelectivas: intelecto e o apetite volitivo, que é a vontade. Se virmos os modos de ser, veremos que os minerais, que não têm vida, têm o ser; os vegetais, que não conhecem, possuem a vida; os animais, que não são inteligentes, conhecem; e os homens são inteligentes. O homem é a espécie de entes mais perfeita de todas por possuir todas as perfeições possíveis do modo de ser. Com efeito, todas essas perfeições, pelo que se viu nas três primeiras vias, devem ter uma causa proporcionada. Esta causa proporcionada não apenas deve ter todas essas perfeições em um grau máximo porque, caso contrário, bastaria o homem causar todas as perfeições mais inferiores. A causa de todas essas perfeições deve exceder infinitamente todas elas e, como nas séries de causas e movimentos, ser extrínseca a esses efeitos.

Conclusões sobre a via: fica demonstrada a estultícia dos descrentes que relativizam a perfeição, palavra que hoje é tão desprezada no sentido metafísico e desgastada nas conversas triviais. Assim também, Tomás demonstra que há «algo verdadeiríssimo, ótimo e nobilíssimo e, por conseqüente, maximamente ser». Ou seja, conclui-se que:

O SER PERFEITÍSSIMO É VERDADEIRÍSSIMO: pois compreende a máxima perfeição do ser;

O SER PERFEITÍSSIMO É ÓTIMO: pois, por ser a causa de todas as perfeições, apetece todas as coisas. Aqui apetecer significa ajudar a coisa a atingir o seu fim;

O SER PERFEITÍSSIMO É NOBILÍSSIMO: porque, com efeito, é soberano sobre os seus efeitos como se verá na próxima via;

O SER PERFEITÍSSIMO É MAXIMAMENTE SER: porque é o Ser Subsistente por si mesmo. Ora, se é a causa de todas as perfeições e sendo o ser uma perfeição, é a causa de todo ser.

Assim, fica compreendida a quarta via para quem quiser compreendê-la; e Dawkins mais uma vez é ridicularizado, como será novamente na exposição da última via.

A via da causa final
Objetivo: demonstrar que todas as coisas são governadas por um Governador supremo e transcendente e para Ele;

Ponto de partida: pela causa final de todas as coisas. Tudo obedece a uma ordem e se ordenam e obram para um fim.

Demonstração: como na via da causa eficiente, esta também é fundada numa causa extrínseca (a causa material e formal são intrínsecas). Todavia, enquanto a causa eficiente trata-se de uma anterior, como se viu, a causa final é, como o nome diz, posterior. Assim sendo, a demonstração do ser de Deus aqui se dá na necessidade de um ente inteligente que ordena todas as coisas a um fim.

Ao contrário do que muita gente pensa, aqui não se trata da “via do design inteligente”, como Dawkins creu (op.cit., pp. 90-91). A via do design inteligente é errônea e de matiz mecanicista. O objetivo da quinta via não é demonstrar que “tal coisa é complexa demais para surgir do acaso, logo deve haver um projetista que a fez”. Não diretamente, ao menos. A quinta via se dá pela causa final, que numa descrição muitíssimo breve: a causa para o que a coisa é. Um exemplo: a causa final do pão é alimentar e a do automóvel, transportar. Nas coisas naturais há também causa final. Seria insensato de nossa parte dizer que o coração não teria uma finalidade que não seja bombear o sangue ou dos olhos enxergarem. Ainda que tal pessoa nasça cega, os olhos continuariam com essa finalidade, mas o defeito presente os torna incapazes de cumpri-la. Assim como uma faca que fica cega não necessariamente perde a sua finalidade, mas simplesmente fica imperfeita e incapaz disso. Esse tipo de objeção é falha e melhor se explicará nas respostas gerais às objeções no próximo capítulo quando respondermos sobre o problema do mal, exposto pelo próprio Tomás como objeção ao seu artigo.

Negar que as coisas possuem uma causa final extrínseca e distinta delas é dizer que estas coisas mesmas não obram segundo uma ordem estabelecida. O rio sempre seguirá o seu curso e a pedra, por ela mesma sempre manter-se-á em repouso onde estiver. Assim como a água se manterá líquida em qualquer ambiente cuja temperatura permitir a manutenção do seu estado líquido. Isto é, se tudo segue uma natureza, a causa final destas coisas que não possuem vida é manter-se o que são segundo a natureza. A água de um rio sempre seguirá o seu curso. Dizer que a água pode retornar à sua nascente por este mesmo curso seria loucura. Mas isso é a que seria a opinião de quem nega a existência da causa final. Assim como o coração nunca enxergará e nem os olhos bombearão sangue.

Assim, há de se concluir o seguinte: ordem sempre implica uma inteligência. Isso se vê se nós mesmo tentarmos fazer uma obra de qualquer jeito. Se detonarmos latas de tintas de cores diferentes com dinamite, não encontraremos uma cópia de uma pintura do Rembrandt em lugar nenhum, pois uma pintura do Rembrandt é uma obra de arte que demanda uso de inteligência para se fazer. Pode ser que saia algo semelhante a uma pintura do Pollock, mas uma pintura do Pollock não é arte e, portanto, não demanda o uso da inteligência. Isso é o mesmo que podemos dizer, por exemplo, do coração. O coração é um órgão que temos cuja função é vitalícia, que é bombear o sangue. Não é algo que possa surgir como uma camada de sedimentação terrestre. O coração humano existe por geração e para tal fim e funciona enquanto a forma substancial humana estiver no corpo. Tal como os olhos, cuja formação é ainda mais complexa com seus nervos óticos, lentes e células fotossensíveis. E, novamente, não falamos do design inteligente, mas sim que estas coisas estão ordenadas a uma causa final, mas que, de alguma forma, só podem ser ordenadas por uma inteligência transcendente, pois a matéria em si mesma não possui inteligência e nem pode ordenar-se. Assim, como diria Tomás: «os seres sem conhecimento não tendem ao fim sem serem dirigidos por um ente conhecedor e inteligente, como a seta, pelo arqueiro. Logo, há um ser inteligente, pelo qual todas as coisas naturais se ordenam ao fim, e a que chamamos Deus» (S.Th. I, q. 2, a. 3, corpus).

Conclusões sobre a via: poucos percebem o quão é intelectualmente insensato rejeitar as quatro causas. Em alguns casos, questiona-se até mesmo a causa eficiente, seguindo até as últimas consequências o pensamento de David Hume, e se é assim, quanto mais a causa final. Pois, rejeitar a causa final é como dizer que os nossos órgãos podem cumprir outra função que não seja a qual com que nascemos. Se um dia alguém, literalmente, falar pelos cotovelos, ainda assim haveria uma causa final. Mas até onde eu sei, isso nunca aconteceu. Se há causa final, há inteligência. E se há inteligência, esta inteligência governa todas as coisas e necessariamente estas mesmas coisas a têm por causa como ficou demonstrado. Pois, é evidente que o Governador de todas as coisas se identifica com o Ser demonstrado em todas as vias, que é Deus.

RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES

I – As expostas por Santo Tomás

O problema do mal: a resposta ao problema do mal de Santo Tomás é a mesma de Santo Agostinho, encontrada literalmente na Suma Teológica: «Deus sumamente bom, de nenhum modo permitiria existir algum mal nas suas obras, se não fosse onipotente e bom para, mesmo do mal, tirar o bem» (S.Th. I, q. 2, a. 3, ad. 1). Como dito, o erro de quem recorre a esse argumento, o mais usado pelos ateus, e também com relação ao argumento de Faure, que diz que a criação deveria ser tão perfeita quanto o Criador, é a de querer sentenciar a Deus a impossibilidade de permitir o mal. Isto é, Deus concede a certas criaturas dotadas de inteligência o livre arbítrio, que também dá a possibilidade de praticar o mal, e sendo Deus o Sumo Bem, o mal é necessariamente afastar-se de Deus. Com efeito, o mal, antes de mais nada, é o que se opõe ao bem, e o bem coincide no ser, pois o ser é o maior dos bens naturais que a coisa recebe gratuitamente de Deus. Assim, podemos caracterizar o mal como uma privação.

Assim podemos concluir que o mal praticamente sempre esteve presente no mundo sob dois modos: o primeiro modo é o mal moral, ao qual a teologia chama de mal de culpa (malum culpae), e outro, mal físico, ao qual a teologia chama de mal de pena ou castigo (malum penae) (ROYO MARÍN; Dios y su Obra, p. 601). Todavia aqui não tratarei sobre os males que são efeitos da natureza mesma das coisas, como, por exemplo, o mal do qual padece um coelho que é devorado por uma raposa, pois isso já é correspondente à natureza mesma das coisas e estas criaturas não possuem alma imortal como o homem e, portanto, não faz diferença nenhuma para eles. Apenas entenda-se que Deus não teve absolutamente nenhuma obrigação intrínseca de criar o mundo totalmente perfeito, pois o mundo que Ele criou é o mundo que Ele amou. Como foi da vontade dEle um mundo com inúmeras criaturas, diversas e hierarquizadas, é natural que umas padeçam certo mal para o bem de outras.
Aqui há a necessidade de antes explicar os males que o homem padece, a criatura criada a imagem e semelhança de Deus. Os males que homem sofre, antes de mais nada, são fruto de seu próprio livre arbítrio, a faculdade de eleger. Os males relativos que vemos na natureza – como tempestades, terremotos, a morte de um coelho para alimentar uma raposa etc. – são amorais.

Objeção da economia: a segunda objeção apresentada na Suma Teológica é algo equivalente à navalha de Ockham, isto é, a que diz que os entes não podem ser multiplicados além da sua necessidade. Como as causas segundas naturais que vemos sempre têm uma causa anterior também natural, não precisa de uma causa sobrenatural distinta delas. Logo, Deus não seria necessário e, portanto, dispensável. A esta objeção, que é a mais forte que encontrei, Santo Tomás responde:

A natureza, operando para um fim determinado, sob a direção de um agente superior, é necessário que as coisas feitas por ela ainda se reduzam a Deus, como à causa primeira. E, semelhantemente, as coisas propositadamente feitas devem-se reduzir a alguma causa mais alta, que não a razão e a vontade humanas, mutáveis e defectíveis; é, logo, necessário que todas as coisas móveis e suscetíveis de defeito se reduzam a algum primeiro princípio imóvel e por si necessário, como se demonstrou (S.Th. I, q. 2, a. 3, ad. 2).

Isto é, a resposta a essa objeção se encontra na quinta via.

II – As outras objeções

Se o perfeitíssimo pode causar o imperfeito: a objeção de Sebastien Faure se responde com a via do movimento e dos graus de perfeição. E como respondido na crítica: Deus, por ser inteligente e dotado de livre arbítrio, não tem a obrigação de criar algo sem nenhum defeito. Assim também Ele próprio não poderia criar um ente que reflete as mesmas perfeições porque seria outro “deus”. Mas seria impossível porque ambos teriam de diferenciar de algum modo e seria por uma imperfeição (S.Th. I, q. 11, a. 3, corpus), e teríamos, ainda assim, uma criatura imperfeita. O que mais chega perto de algo assim é a própria natureza da Santíssima Trindade, pois o Verbo Eterno (Filho) e o Espírito Santo refletem a natureza do Deus Pai, mas nenhum deles é criatura e nem outro “deus”, mas todos são pessoas de um mesmo Deus e compartilham totalmente a mesma natureza. Isto é, não são criaturas, mas são o próprio Deus com distinção de pessoas e a mesma natureza. E há de responder ao Leibniz que dizia que vivemos no “melhor dos mundos possíveis” (Ensaios de Teodiceia, § 8), o que é errôneo. Deus poderia sim ter criado um mundo melhor porque é onipotente, mas foi esse mundo que Ele amou e quis para nós.

Se Deus não deveria agir sem necessidade ou se não deveria agir por já ser um fim em si mesmo: a segunda objeção de Faure apresentada, e que também é a que Ludwig von Mises usa para justificar o seu agnosticismo, responde-se do seguinte e complexo modo: todo ente obra buscando um fim e esse fim deve se identifica com bem. Com efeito, nenhum homem age sem buscar um bem, tendo em vista um bem.

Porém, os objetores ainda insistirão: Deus não deve ter nenhuma razão para buscar o bem. Ninguém nega isso, assim como não teve a mínima necessidade de criar nada, mas criou. Com qual finalidade? Simples, sendo Deus perfeitíssimo e inteligente, Ele tem vontade e ama. Ora, Deus, sendo eterno, amou e ama a criação desde toda a eternidade. Assim, Deus criou tudo por amor e quis comunicar em diferentes graus e formas a sua bondade na criação, sendo o homem a mais perfeita das criaturas, compreende mais semelhança com Deus do que todas as criaturas. Com efeito, Deus criou tudo por amor e para si. Sendo Ele perfeitíssimo, é o Sumo Bem ao qual todas as coisas devem se direcionar.

4 comentários em “CONTRA OS ATEUS – UM OPÚSCULO ESCRITO POR UM EX-ATEU

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  1. Mas quem é Deus? Os cristãos creem que ele é espírito, mas o que seria esse espírito? Seria uma essência em si ou um conjunto de pensamentos e ações que juntos formam tal espirito? Como seria um espírito sem uma forma material? A própria doutrina da ressurreição do corpo pede digamos assim a materialidade para morar no céu um local com formas ou seja materialidade. A alma ao sair do corpo deve ter uma forma lembrando um corpo humano, e isso aponta para a materialidade.

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