Luciano Takaki | 2021
O VERDADEIRO MAGISTÉRIO DA VERDADEIRA IGREJA
O homem é definido como substância vivente sensível racional, ou, definindo pelo gênero próximo e diferença específica, animal racional. O homem, por ser inteligente, possui uma alma que é capaz de realizar operações que independem do corpo, ainda que seus conhecimentos derivem dos sentidos. Essa operação é o intelecto. Isso significa, com efeito, que se a sua principal potência é intelectual, então, o seu fim é também intelectual. Isso se dá pelo fato de Deus ser inteligente. Ou, mais do que isso, é puro Espírito (S.Th. I, q. 3, a. 1) e, logo, Intelecto[1].
Sabemos que Deus nos criou com matéria e forma substancial (corpo e alma racional) e numericamente distintos. Todos nós, como criaturas corpóreas inteligentes, dependemos um dos outros e devemos assim, ajudar uns aos outros e para tal nos foi dada a capacidade de nos comunicarmos através de vozes significativas desenvolvendo a arte da linguagem. O mesmo homem, pela sua inteligência, inventou a escrita e por meio dela, o mesmo homem transmite as suas concepções mentais (formadas através das informações impressas pelos sentidos) a gerações futuras. Assim, some-se ao que o Doutor Comum ensina: “… a verdade deve ser o fim último de todo o universo. E a sabedoria deve empregar-se sobretudo na sua consideração. Por isso, a Sabedoria divina encarnada declara que veio ao mundo para manifestar o testemunho da verdade: ‘Para isto nasci. Para isto vim ao mundo: para dar testemunho da verdade’ (Jo XVIII, 37)”[2].
Até fica clara a necessidade de Deus ter nos revelado a Sua Religião, a Religião verdadeira, por meios de sinais sensíveis significativos. Esses sinais são a Revelação. No Antigo Testamento, coube aos profetas receberem a Revelação, principalmente nas profecias que dizem respeito ao Messias. Com a vinda do Messias, Nosso Senhor Jesus Cristo, narrada no Novo Testamento, atingiu a plenitude dos tempos e foi instaurada a Nova Aliança. Coube assim, aos apóstolos, que receberam de Cristo a plenitude dos seus ensinamentos e da que chamamos de Revelação Pública. A Revelação Pública encerrou-se com a morte do último apóstolo e ela foi transmitida de duas formas: pela Tradição Apostólica (transmissão oral de partes da Revelação que não foram colocadas na Sagrada Escritura) e pela Sagrada Escritura, com os Antigo e Novo Testamento, nos quais o Novo é a confirmação do Antigo.
Todavia, a Sagrada Escritura não pode ser interpretada por qualquer pessoa e de qualquer jeito, com efeito, foram dados aos apóstolos a inspiração do Espírito Santo e o autêntico sentido da Revelação foi dado a eles para que se transmitissem aos seus legítimos sucessores. Isso se dá porque ainda que uma única frase da Sagrada Escritura possa encerrar vários sentidos visto, por causa das limitações da nossa linguagem e da profundidade quase inalcançável da Revelação, estes sentidos devem estar ligados à nossa bem-aventurança e a Doutrina Sagrada que Cristo legou aos apóstolos. Por isso, a Igreja, a instituição que Nosso Senhor Jesus Cristo fundou aqui na Terra, precisa de um corpo docente que ensine os seus fiéis a se guiarem e para que os próprios pastores possam guiar os mesmos fiéis. Aquilo que é ensinado precisa de uma base sólida, sólida o bastante para seja digna de sua origem divina. Este corpo docente que tem por finalidade nos ensinar chama-se Magistério.
O Magistério se divide em diversos níveis, mas aqui, em razão da brevidade, me deterei em três: Extraordinário, Ordinário e meramente autêntico. Tanto o Magistério Extraordinário como o Ordinário são absolutamente infalíveis e o sujeito desse Magistério é o Papa sozinho e os bispos enquanto estão em comunhão com o Papa. Convém aqui dizer que o Papa não é infalível por si mesmo, mas que é infalível enquanto assistido pelo Espírito Santo. Apenas Deus é absolutamente inerrante por si mesmo e por isso a Religião verdadeira deve ter um corpo docente que seja infalível e essa infalibilidade é participada dessa inerrância absoluta e ontológica divina. Assim, de forma magistral, destaca essa divina singularidade o Pe. Leonel Franca, grande apologista brasileiro[3], ao responder objeções de protestantes contra infalibilidade:
Nenhuma religião, por mais presumida de suas origens divinas, nenhuma seita, por mais arrogante na audácia de suas afirmações, levou a ousadia ao extremo de dizer-se infalível. Lutero e Calvino revoltam-se, impõem à viva força as suas doutrinas, perseguem os seus contraditores, mas não pensam em apregoar o dogma da própria infalibilidade. Aristóteles, Platão e Cícero não conheceram essa palavra divina. A infalibilidade é uma carga mui pesada para ombros humanos. […]
[…] A filosofia, ciência, o direito tem uma história e é uma história de variações, correções e contradições. Só a Igreja não variou nunca, nunca se corrigiu, nunca se contradisse. Não há uma só linha do seu Símbolo riscada, não há um só artigo de fé desconfessado, não há um só dogma, que tenha empalidecido com o tempo. O que ela ensinou nas catacumbas repete-se em nossos púlpitos.
A explicação do sacerdote brasileiro não poderia ser mais clara. É absolutamente necessário que tenhamos essa singularidade. Não apenas o Magistério como corpo docente, mas também o próprio Papa sozinho, por ser a rocha vicária, o Vigário de Cristo, a Cabeça visível da Igreja. Diz o Concílio Vaticano I:
O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do múnus de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual o Redentor quis estivesse munida a sua Igreja quando define alguma doutrina referente à fé e aos costumes; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis (4ª Sessão: Constituição “Pastor Aeternus”, cap. 4. Denzinger-Hünermann 3074).
E conclui: “[Cânon.] Se, porém – o que Deus não permita –, alguém ousar contradizer esta nossa definição, seja anátema” (DH 3075).
Agora cabe uma disputa: até onde essa infalibilidade se estende? Existe o erro extremo em que se limita demais a infalibilidade, dizendo que o Papa só seria infalível quando emitir uma proclamação solene de um dogma ou coisa assim. Dizer que o Papa é infalível somente nessas condições, é o mesmo que dizer que o Papa só pode ser infalível a cada várias décadas. Logo, tal tese devemos descartar pois é muito mais absurda que dizer que o papa é infalível em conversas privadas, pois quase que equivale a dizer também que o Papa tem um governo mínimo na Igreja[4], uma vez que a sua principal missão é justamente confirmar os irmãos na fé.
É mais aceitável, em meu juízo, pois isso ficou por definir, dizer que: 1) o Papa é certamente infalível no exercício do Magistério Extraordinário e no Ordinário[5] (neste quando tem a intenção de ensinar); 2) o Papa não é infalível no Magistério meramente autêntico, mas é infalível quanto ao que a matéria desse Magistério se ordena e devemos total docilidade a ele; e 3) não é infalível como doutor privado, mas devemos obediência enquanto atuar como Pastor Universal. Assim, o papa é infalível quando ensina como papa em matéria de fé e moral. O Papa também pode ensinar de forma infalível juntamente com os bispos quando estes, em união com o papa, decidem ensinar dentro destas mesmas condições.
A necessidade de um corpo docente infalível, para encerrar a seção, é definitivamente demonstrada assim na Sagrada Escritura quando Nosso Senhor Jesus Cristo disse: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt XXVIII, 18ss.). O Apóstolo escreve a Timóteo dizendo que a Igreja de Deus vivo é coluna e sustentáculo da verdade (1Tm III, 15). Assim, se a Igreja é a coluna e sustentáculo da verdade e se Cristo prometeu que estará com os apóstolos todos os dias até o fim do mundo, dizer que a Igreja pode mudar os seus ensinamentos (pois Deus é imutável e os seus ensinamentos devem também ser), seria dizer que a Igreja erra e dizer que a Igreja erra é o mesmo que dizer que Cristo não cumpriu a sua promessa. Assumir que a Igreja erra é assim blasfemar. Portanto, não se deve aceitar tal hipótese. A infalibilidade do Magistério é uma necessidade teológica. Disso devemos concluir o seguinte: a infalibilidade torna os ensinamentos da Igreja absolutamente irreformáveis, donde pode se mudar apenas a forma de transmitir os mesmos ensinamentos contidos no depósito da fé.
O FALSO MAGISTÉRIO DA FALSA IGREJA
Quando lemos documentos pontifícios anteriores ao Concílio Vaticano II, a primeira coisa que notamos é a clareza e objetividade do escrito, pois na época, o alto clero romano, preocupado em combater e se proteger de quaisquer erros, buscava sempre isso. Eles buscavam, com efeito, deixar o texto mais inequívoco possível. Todavia, com o Concílio Vaticano II, ora se usa de ambiguidade, ora se usa de linguagens evidentemente equívocas. Mas ao longo do texto veremos que a intenção foi sim mudar a doutrina. A linguagem usada ao mesmo tempo que se utilizou da autoridade, veremos que também se utilizou da equivocidade para comunicar falsas doutrinas que não ficou tão evidente nos documentos em si, mas mais evidente sim no que veio depois.
Aqui não usarei tanto os documentos do Concílio Vaticano II a não ser agora no começo, mas exporei os frutos do seu magistério, que é o que mais me importa, porque os documentos conciliares não são outra coisa senão a regra próxima do falso clero e teólogo modernistas atuais. Antes de expor os exemplos do magistério atual vindo dos ditos papas conciliares, vamos examinar os documentos em si, a começar pela escandalosa Declaração Nostra Aetate, que, com efeito, a respeito do hinduísmo e budismo diz:
A Igreja católica nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo. Olha com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em muitos pontos daqueles que ela própria segue e propõe, todavia, reflectem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens. No entanto, ela anuncia, e tem mesmo obrigação de anunciar incessantemente Cristo, «caminho, verdade e vida» (Jo. 14,6), em quem os homens encontram a plenitude da vida religiosa e no qual Deus reconciliou consigo todas as coisas (Declaração Nostra Aetate, 2). [grifos meus]
Reparem o perigo que está neste parágrafo, pois pode levar alguns a pensar que depois de “No entanto”, ele se desculpa, mas não é o que acontece de fato. Teve alguns tentando defender essa passagem[6] dizendo que o Papa Pio XII teria dito algo semelhante em 1952. Porém, ele disse que “[d]eixe claro, que tudo o que pode ser verdadeiro e bom nas outras religiões, encontra o seu significado mais profundo e perfeito complemento em Cristo”. Todavia, na mesma radiomensagem se lê: “O que está de acordo com a natureza dada por Deus pelo homem, é bom e simplesmente humano, a Igreja permite, promove, enobrece e santifica”. Quem tenta defender o Concílio utilizando essa passagem de Pio XII parece não saber sequer a distinção entre os termos “santo” e “bom”. Como o próprio Pio XII diz, aquilo que é simplesmente humano a Igreja santifica. Logo, não é santo e, logo, não tem de justificar isso na Nostra Aetate. Mas o pior é dizer que “os homens encontram a plenitude da vida religiosa” em Cristo, o que é verdade, mas do jeito que foi colocado aí, deu a impressão de que não é necessária a conversão em Cristo para se salvar, mas apenas para alcançar a plenitude da vida religiosa. As consequências disso veremos mais adiante.
Mais importante do que examinar os textos do Concílio Vaticano II, é examinar os seus frutos. Alguns textos são simplesmente inadmissíveis outros vão para outro sentido. Como como parte dos seus textos são ambíguos, as discussões sobre isso acabam sendo infrutíferas, mas os frutos são de fato evidentíssimos, mas vejamos alguns exemplos mais evidentes de erros do Concílio Vaticano II. A começar pela Constituição Dogmática “Lumen Gentium” (16):
[A]queles que ainda não receberam o Evangelho, estão de uma forma ou outra orientados para o Povo de Deus (32). Em primeiro lugar, aquele povo que recebeu a aliança e as promessas, e do qual nasceu Cristo segundo a carne (cfr. Rom. 9, 4-5), povo que segundo a eleição é muito amado, por causa dos Patriarcas, já que os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis (cfr. Rom. 11, 28-29). Mas o desígnio da salvação estende-se também àqueles que reconhecem o Criador, entre os quais vêm em primeiro lugar os muçulmanos, que professam seguir a fé de Abraão, e connosco adoram o Deus único e misericordioso, que há-de julgar os homens no último dia. [grifos meus]
Aqui vemos um grande perigo. A primeira coisa é passar a impressão de que a antiga Lei com os judeus não foi revogada, coisa que se mostra evidente com a Carta Encíclica Mystici Corporis Christi (nn. 28-29, 23 de junho de 1943), do Papa Pio XII que reproduzo in extenso:
[P]rimeiramente com a morte do Redentor, foi ab-rogada a antiga Lei e sucedeu-lhe o Novo Testamento; então com o sangue de Cristo foi sancionada para todo o mundo a Lei de Cristo com seus mistérios, leis, instituições e ritos sagrados. Enquanto o divino Salvador pregava num pequeno território – pois que não fora enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel (cf. Mt 15, 24) – corriam juntos a Lei e o Evangelho, mas no patíbulo, onde morreu, anulou a Lei com as suas prescrições (cf. Ef 2, 15), afixou a cruz o quirógrafo do Antigo Testamento (cf. Cl 2, 14), estabelecendo, com o sangue, derramado por todo o gênero humano, a Nova Aliança (cf. Mt 26, 28; 1 Cor 11, 25). “Então, diz S. Leão Magno falando da cruz do Senhor, fez-se a transferência da Lei para o Evangelho, da Sinagoga para a Igreja, de muitos sacrifícios para uma única hóstia, tão evidentemente, que ao exalar o Senhor o último suspiro, o místico véu, que fechava os penetrais do templo e o misterioso santuário, se rasgou improvisamente de alto a baixo”.
Portanto, na cruz morreu a Lei antiga; dentro em pouco será sepultada e se tornará mortífera, para ceder o lugar ao Novo Testamento, para o qual tinha Cristo escolhido ministros idôneos na pessoa dos apóstolos (cf. 2 Cor 3,6): e é pela virtude da cruz que o Salvador, constituído cabeça de toda a família humana já desde o seio da Virgem, exerce plenamente o seu múnus de cabeça da Igreja. [grifos meus]
Essa passagem de Pio XII parece estar em contradição com a Lumen Gentium. Não está de fato, mas o que está na Lumen Gentium agrada os judeus e o que está na Mystici Corporis Christi não. Citemos ainda o Concílio de Florença:
A Igreja crê firmemente, professa e ensina que as prescrições legais do Antigo Testamento, isto é, a Lei mosaica, que se dividem em cerimônias, sacrifícios sagrados e sacramentos, mesmo porque instituídos para significar algo futuro, ainda que adequadas ao culto divino daquela época, com a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, por elas significado, cessaram, e que tomaram início os sacramentos do Novo Testamento. Ela ensina que peca mortalmente todo aquele que voltar a pôr, depois da paixão de Cristo, sua esperança naquelas prescrições legais e as observa como se fossem necessárias à salvação e a fé no Cristo não pudesse salvar sem elas. A Igreja não nega, todavia que, no tempo entre a paixão de Cristo e a promulgação do Evangelho, elas pudessem ser observadas, mesmo que não fossem julgadas necessárias à salvação; depois do anúncio do Evangelho, porém, não podem mais ser observadas sem a perda da salvação eterna. Todos, portanto, que depois disso observam os tempos de circuncisão, do sábado e de outras disposições da lei, ela os denuncia como estranhos à fé em Cristo, não podendo de todo participar da salvação eterna (S.S. EUGÊNIO IV, Concílio de Florença, Bula “Cantate Domino”, 4 de fevereiro de 1442).
Agora, a coisa fica mais escandalosa quando lemos um documento mais atual, como a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (n. 247, 23 de novembro de 2013), de Francisco: “Como cristãos, não podemos considerar o Judaísmo como uma religião alheia, nem incluímos os judeus entre quantos são chamados a deixar os ídolos para se converter ao verdadeiro Deus (cf. 1 Ts 1, 9). Juntamente com eles, acreditamos no único Deus que actua na história, e acolhemos, com eles, a Palavra revelada comum”. Tal passagem não deveria surpreender, mas o fato é que no fundo, nenhum papa pós-conciliar quer a conversão dos judeus e nem dos muçulmanos. Tanto o Concílio Vaticano II, como se vê, como Francisco insistem na possibilidade da alma do infiel se justificar estando na infidelidade[7]. Por que tanta ênfase nisso? Por que querer tanto tais diálogos? Peguemos uma parte ainda do Evangelii Gaudium (n. 251):
Neste diálogo, sempre amável e cordial, nunca se deve descuidar o vínculo essencial entre diálogo e anúncio, que leva a Igreja a manter e intensificar as relações com os não-cristãos. Um sincretismo conciliador seria, no fundo, um totalitarismo de quantos pretendem conciliar prescindindo de valores que os transcendem e dos quais não são donos. A verdadeira abertura implica conservar-se firme nas próprias convicções mais profundas, com uma identidade clara e feliz, mas «disponível para compreender as do outro» e «sabendo que o diálogo pode enriquecer a ambos». [grifos meus]
Repare que, além de não haver o menor interesse de não converter ninguém à fé católica, Francisco praticamente iguala a Religião verdadeira com as falsas, ou mesmo a coloca abaixo, pois é ele mesmo que toma a iniciativa de se rebaixar pois sugere que, nós, católicos, nós que recebemos a plenitude da Revelação divina, teríamos algo a aprender com adoradores de demônios. Isso sugere, de alguma forma, que ainda estamos abaixo das falsas religiões pois ainda teríamos algo a aprender com eles, apesar de termos parecerem uma certa igualmente. Prestemos mais atenção: quando se diz “enriquecer a ambos” sugere que uma falsa religião possui uma certa riqueza que a Religião Católica não possui. Como pode a nossa Religião não ter algo de bom que outra não possua? Acaso, os sacramentos válidos ministrados por hereges e cismáticos não são antes católicos? As práticas ascéticas de outros infiéis não seriam antes praticados com mais perfeição por católicos? Ademais, não convém elogiar essas religiões por serem um obstáculo para salvação e tais práticas, ainda que úteis, são infrutíferas porque não visam a conversão, que é necessária para salvação dos infiéis. O Concílio de Florença é explícito nisso e não parece sugerir tais diálogos:
A Igreja crê firmemente, confessa e anuncia que “nenhum dos que estão fora da Igreja católica, não só os pagãos”, mas também os judeus ou hereges e cismáticos, poderá chegar à vida eterna, mas irão para o fogo eterno “preparado para o diabo e para os seus anjos” [Mt 25,41], se antes da morte não tiverem sido a ela reunidos; <ela crê> tão importante a unidade do corpo da Igreja, que só para aqueles que nela perseveram os sacramentos da Igreja trazem a salvação e os jejuns, as outras obras de piedade e os exercícios da milícia cristã podem obter o prêmio eterno. “Nenhum, por mais esmolas que tenha dado, e mesmo que tenha derramado o sangue pelo nome de Cristo, poderá ser salvo se não permanecer no seio e na unidade da Igreja Católica” (Bula “Cantate Domino”, 4 de fevereiro de 1442, DH 1351).
Não estamos aqui querendo condenar todos os infiéis, mas sim de um piedoso incentivo para as missões e uma forma de desencorajar a apostasia. Ademais, é um ato de caridade, pois devemos ensinar que fora da Igreja não existe salvação e que nos casos de infiéis que possam se salvar, devemos entender que as falsas religiões não podem absolutamente ser a causa da salvação, mas somente a misericórdia de Cristo pois é pelos seus méritos que todos são salvos. Querer elogiar as falsas religiões e fazer tal afirmação é o mesmo que essas religiões podem ser causa e não que são antes um obstáculo.
Aqui vemos como o falso magistério do Vaticano II busca rebaixar, na prática, a nossa Religião ao nível das falsas. No entanto, temos ainda coisas piores: a questão da liberdade religiosa. Leiamos o que diz a Declaração Dignitatis Humanae:
Este Concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coacção, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites. Declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, como a palavra revelada de Deus e a própria razão a dão a conhecer. Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica da sociedade deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito civil.
De harmonia com própria dignidade, todos os homens, que são pessoas dotadas de razão e de vontade livre e por isso mesmo com responsabilidade pessoal, são levados pela própria natureza e também moralmente a procurar a verdade, antes de mais a que diz respeito à religião. Têm também a obrigação de aderir à verdade conhecida e de ordenar toda a sua vida segundo as suas exigências. Ora, os homens não podem satisfazer a esta obrigação de modo conforme com a própria natureza, a não ser que gozem ao mesmo tempo de liberdade psicológica e imunidade de coacção externa. O direito à liberdade religiosa não se funda, pois, na disposição subjectiva da pessoa, mas na sua própria natureza. Por esta razão, o direito a esta imunidade permanece ainda naqueles que não satisfazem à obrigação de buscar e aderir à verdade; e, desde que se guarde a justa ordem pública, o seu exercício não pode ser impedido.
A declaração é uma aberração filosófica e teológica. Liguemos os pontos: acima vemos o Concílio Vaticano II na Lumen Gentium e Nostra Aetate (como expressou os papas conciliares com o Encontro de Assis realizado por João Paulo II e repetido Bento XVI e Francisco, o Sínodo da Amazônia e a forma de como Francisco se expressa em documentos como Evangelii Gaudium, Fratelli Tutti etc.) rebaixando a Religião verdadeira e agora vemos a liberdade religiosa sendo defendida. Antes de analisar detalhadamente esta passagem, leiamos o que a Sua Santidade Leão XIII ensina sobre a liberdade da Religião:
[…] Foi Deus quem fez o homem para a sociedade e o uniu aos seus semelhantes, a fim de que as necessidades da sua natureza, às quais os seus esforços isolados não poderiam dar satisfação, a possam encontrar na comunidade. Eis aí por que a sociedade civil como sociedade deve necessariamente reconhecer Deus como seu princípio e seu autor, e, por conseguinte, render ao seu poder e à sua autoridade a homenagem do seu culto. Veda-o a justiça, e veda-o a razão que o Estado seja ateu, ou, o que viria a dar no ateísmo, esteja animado a respeito de todas as religiões, como se diz, das mesmas disposições e conceder-lhes indistintamente os mesmos direitos.
Visto, pois, que é necessário professar uma religião na sociedade, deve-se professar a única que é verdadeira e que se reconhece, sem dificuldade, pelo menos nos países católicos, pelos sinais de verdade que com tão vivo fulgor ostenta em si mesma. Esta religião, os chefes de Estado a devem, pois, conservar e proteger, se querem, como é obrigação sua, prover prudente e utilmente aos interesses da comunidade. Pois o poder público foi estabelecido para utilidade daqueles que são governados, e conquanto ele não tenha por fim próximo senão conduzir os cidadãos à prosperidade desta vida terrestre é, contudo, para ele um dever não diminuir, mas pelo contrário aumentar, para o homem, a faculdade de atingir esse bem supremo e soberano, no qual consiste na eterna felicidade dos homens: o que se torna impossível sem a religião (Carta Encíclica Libertas Praestantissimum, n. 26-27, 20 de junho de 1888)
O Papa Leão XIII deixa clara a necessidade de a Igreja ser para o estado o que a alma é para o Corpo. Tal como precisamos ser católicos, a sociedade igualmente precisa ser católica. É uma necessidade essencial, não apenas uma conveniência acidental. Todavia, após o Concílio Vaticano II, a Religião Católica pareceu ser mais uma entre tantas opções. Com efeito, a própria Declaração Dignitatis Humanae diz que somos obrigados a aderir à verdade conhecida e ordenar a nossa vida segundo as exigências (n. 4). Mas a afirmação é imprecisa. A declaração vai mais longe depois:
Os grupos religiosos têm ainda o direito de não serem impedidos de ensinar e testemunhar publicamente, por palavra e por escrito a sua fé.Porém, na difusão da fé religiosa e na introdução de novas práticas, deve sempre evitar-se todo o modo de agir que tenha visos de coacção, persuasão desonesta ou simplesmente menos leal, sobretudo quando se trata de gente rude ou sem recursos. Tal modo de agir deve ser considerado como um abuso do próprio direito e lesão do direito alheio.
Também pertence à liberdade religiosa que os diferentes grupos religiosos não sejam impedidos de dar a conhecer livremente a eficácia especial da própria doutrina para ordenar a sociedade e vivificar toda a actividade humana. Finalmente, na natureza social do homem e na própria índole da religião se funda o direito que os homens têm de, levados pelas suas convicções religiosas, se reunirem livremente ou estabelecerem associações educativas, culturais, caritativas e sociais. [grifos meus]
Comparemos com que se escreve na Carta Encíclica Quanta Cura (nn. 3 e 7, 8 de dezembro de 1864), do Papa Pio IX:
E com esta idéia do governo social, absolutamente falsa, não hesitam em consagrar aquela opinião errônea, em extremo perniciosa à Igreja católica e à saúde das almas, chamada por Gregório XVI, Nosso Predecessor, de feliz memória., loucura, isto é, que “a liberdade de consciências e de cultos é um direito próprio de cada homem, que todo Estado bem constituído deve proclamar e garantir como lei fundamental, e que os cidadãos têm direito à plena liberdade de manifestar suas idéias com a máxima publicidade – seja de palavra, seja por escrito, seja de outro modo qualquer -, sem que autoridade civil nem eclesiástica alguma possam reprimir em nenhuma forma”. Ao sustentar afirmação tão temerária, não pensam nem consideram que com isso pregam a liberdade de perdição, e que, se se dá plena liberdade para a disputa dos homens, nunca faltará quem se atreva a resistir à Verdade, confiado na loquacidade da sabedoria humana, mas Nosso Senhor Jesus Cristo mesmo ensina como a fé e a prudência cristã hão de evitar esta vaidade tão danosa.
[…] Portanto, todas e cada uma das perversas opiniões e doutrinas determinadamente especificadas nesta Carta, com Nossa autoridade apostólica as reprovamos, proscrevemos e condenamos; e queremos e mandamos que todas elas sejam tidas pelos filhos da Igreja como reprovadas, proscritas e condenadas. [grifos meus]
Parece que estamos num verdadeiro impasse: ou aderimos à Declaração Dignitatis Humanae ou à Carta Encíclica Quanta Cura. É evidente, todavia que a carta encíclica de Pio IX possui todas as notas de uma declaração infalível[8] (AQUI mostro que devemos ser obediente mesmo ao magistério não infalível). Mesmo assim, ao longo dos anos, a própria Santa Sé, com base na Dignitatis Humanae, alterou diversas concordatas com diversas nações até então majoritariamente católicas, como Portugal, Espanha e Colômbia, praticamente não apenas renunciando os privilégios singulares da Religião Católica como ainda destronando Cristo nesses países. Some-se isso à revolução litúrgica arquitetada por Bugnini e aprovada por Paulo VI e teremos a destruição prática da fé católica (Cf: AQUI).
Aqui, em favor da brevidade do escrito, creio que basta, pois em verdade bastaria unicamente citar um erro para justificar a mais radical oposição ao Concílio Vaticano II e um único fruto podre seu. Exporei um último erro. Citando ainda a Lumen Gentium, poderia ainda abordar sobre a colegialidade, pois a declaração parece equiparar o poder do colégio de bispos ao do papa tornando a Igreja mais igualitária e democrática (houve uma nota adicional supostamente corrigindo, mas não foi o exercido na prática, julguemos, pois, a árvore pelos frutos). Os continuístas negam isso, mas vemos que na prática é o que exatamente acontece e os próprios ditos papas conciliares parecem ter renunciado ao poder. Vemos que ainda que fossem falsos papas, os príncipios da colegialidade conciliar cooperou muito para a Babel que é a seita modernista. Quando Paulo VI escreveu a Carta Encíclica Humanae Vitae (apesar de ser um dos documentos menos heterodoxos dos falsas papas, ainda assim devemos muitas reservas), houve uma reação de diversos bispos europeus que rechaçaram essa carta e simplesmente não ensinaram o seu conteúdo aos fiéis na Holanda, Alemanha e Áustria. Recentemente vemos bispos alemães realizarem sínodos querendo alterar o ensinamento católico sobre a moral sexual (liderados pelo Cardeal Reinhard Marx), constituindo uma evidente apostasia e um cisma, visto que se trata numa matéria em que a Igreja é infalível. Os frutos do caminho sinodal da Igreja alemã vemos nos dias de hoje com clérigos abençoando união de sodomitas sem receberem absolutamente nenhuma pena por parte da Santa Sé, ao contrário dos tradicionalistas que somente pregam o que a Igreja ensina desde sempre e busca rezar a Santa Missa no rito preservado desde os tempos apostólicos. Na realidade brasileira vemos bispos da CNBB realizando uma Campanha da Fraternidade absolutamente herética e blasfema pró-agenda de gênero e elogiosa à revolução protestante. As campanhas promovidas pelos bispos brasileiros é uma demonstração evidente do verdadeiro cisma, pois pregam erros que a Igreja jamais poderia ensinar em união com o que o papa, enquanto Pastor Universal e nas matérias no que ele é infalível com a intenção de ensinar jamais poderiam errar. A colegialidade que vemos nesses bispos é evidentemente herética, cismática e com tendência blasfema.
Se os bispos fossem verdadeiros bispos, eles teriam o papa como regra próxima da fé e se esse papa fosse verdadeiro papa, jamais teria permitido uma rebelião episcopal tão grande contra a Doutrina. Tirem suas conclusões.
[1] Cf: TOMÁS DE AQUINO; Summa Contra Gentiles, lib. I, c. 1: “Finis autem ultimus uniusque rei est qui intenditur a primo auctore vel motore ipsius. Primus autem autor et motor universi est intellectus, ut infra ostendetur” [O fim último de cada coisa é aquele que o seu primeiro autor e motor tem em vista. Ora, o primeiro autor e motor é o intelecto, como adiante se demonstrará (tradução da Edições Loyola, 2015)]. No capítulo 44, Santo Tomás explica suficientemente.
[2] Ibidem: “Oportet igitur veritatem esse ultimum finem totius universi; et circa eius considerationem principaliter sapientiam insistere. Et ideo ad veritatis manifestionem divina sapientia carne induta se venisse in mundum testatur, dicens, [Ioannem 18, 37]: ego in hoc natus sum, et ad hoc veni in mundum, ut testimonium perhibeam veritati”.
[3] PADRE LEONEL FRANCA; A Igreja, a Reforma e a Civilização, Editora CDB, 2020, pp. 182-183. E convém transcrever ainda o que está escrito na página 183: “Quando emudeceram, gelados pela morte, os lábios do último apóstolo, fechou-se o ciclo das revelações públicas. O período de inspiração estava concluído, inaugurava-se o período de assistência. No primeiro, acendeu-se o foco de luz, no segundo, conserva-se. Uma vez, constituído o depósito divino, Deus confia-o à sua Igreja. Ele o guardará intacto e inviolável até o fim dos tempos. Nenhuma verdade há de perecer, nenhuma será acrescentada. Objetivamente, pois, não pode haver evolução, não pode haver progresso no dogma” [grifos do autor]. Convém, aqui, prestar atenção no final principalmente, pois isso será lembrado mais tarde.
[4] Ensina o Concílio Vaticano I sobre isso: Se, pois, alguém disser que ao Romano Pontífice cabe apenas o ofício de inspeção ou de direção, mas não o pleno e supremo poder de jurisdição sobre a Igreja universal, não só nas matérias referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se referem à disciplina e ao governo da Igreja espalhada por todo o orbe; ou que ele só goza da parte principal deste supremo poder e não de toda a plenitude; ou que este seu poder não é ordinário e imediato, quer sobre todas e cada uma das Igrejas, quer sobre todos e cada um dos pastores e fiéis: seja anátema.
[5] O Magistério Ordinário Universal (desde já M.O.U.) é o modo como ele atua infalivelmente. Pode ser tanto o Papa sozinho, como o Papa junto com os bispos ou os bispos dispersos pelo mundo enquanto estão em união com o Papa. O Magistério Extraordinário geralmente se dá em concílios ecumênicos (onde o exercício da autoridade apostólica suprema do Papa pode ser exercido tanto com o Papa sozinho ou juntamente com os bispos enquanto estes estão em comunhão com o Papa. No caso do M.O.U., se dá mais por repetição daquilo que a Igreja sempre ensina, mas se dá de forma infalível quando se exerce dentro das chamadas quatro condições vaticanas. O Papa é o sujeito por antonomásia do Magistério pois nele reside a suprema autoridade apostólica enquanto os bispos são os mestres ex officio. Mais a frente veremos se podemos resistir a eles nas atuais condições.
[6] No caso, o site Apologistas Católicos, que, no lugar dos documentos magisteriais pré-Vaticano II, preferiu usar textos de teólogos e papas fora de contexto. Creio que o que é exposto aqui basta mostrar a ímpia intenção de defender o indefensável.
[7] Com efeito, diz a Constituição Dogmática Lumen Gentium, 16: “aqueles que, ignorando sem culpa o Evangelho de Cristo, e a Sua Igreja, procuram, contudo, a Deus com coração sincero, e se esforçam, sob o influxo da graça, por cumprir a Sua vontade, manifestada pelo ditame da consciência, também eles podem alcançar a salvação eterna”. Diz o Papa Francisco no Evangelii Gaudium, 254: “Os não-cristãos fiéis à sua consciência podem, por gratuita iniciativa divina, viver «justificados por meio da graça de Deus» e, assim, «associados ao mistério pascal de Jesus Cristo»”.
[8] Ainda Pio IX, no Syllabus, condena o seguinte erro: “É livre a qualquer um abraçar e professar aquela religião que ele, guiado pela luz da razão, julgar verdadeira” (DH 2915). E São Pio X condenou no Lamentabili os seguintes erros: “Ao proscrever os erros, a Igreja não pode exigir dos fiéis assentimento interno algum para que abracem as sentenças por ela pronunciadas” (DH 3407); “A verdade não é mais imutável que o próprio ser humano, pois se desenvolve com ele, nele e por ele” (DH 3458); e por fim: “Cristo não ensinou um determinado corpo de doutrina para todos os tempos e todos os homens, mas antes iniciou algum movimento religioso adaptado ou adaptável a diversos tempos e lugares” (DH 3459). Isto é, se a Quanta Cura possui as notas de infalibilidade (como Syllabus e Lamentabili também tiveram), ela deve ser adaptada a todos os tempos e lugares. Ninguém pode mudar isso, nem mesmo o Papa e nem um concílio ecumênico porque ali teve a assistência do Espírito Santo. Seria uma blasfêmia dizer que o Concílio Vaticano II teve a assistência do Espírito Santo para corrigir algo que teve também a assistência do Espírito Santo.
A Igreja Católica Romana está certa ao entender que existe uma harmonia entre Sagrado Magistério, Sagrada Tradição e Sagradas Escrituras. O sagrado Magistério faz parte para o correto entendimento do que Deus quer comunicar aos seres humanos. O protestantismo erra ao entender que só a Bíblia é autoridade pois se consideremos que só a Bíblia é autoridade estamos esquecendo da ação de Deus que sem dúvida age na Santa Igreja e é obviamente superior à Bíblia. A Bíblia esta inserida dentro de uma realidade espiritual que é a ação Divina no Cristianismo.
CurtirCurtir