Recentemente, o site de notícias relacionadas ao catolicismo conciliar Aleteia publicou uma pesquisa em que diz que 7 entre cada 10 brasileiros é contra o aborto, mostrando que, ao menos entre os entrevistados, que parece ainda haver um pouco de lucidez na mente média brasileira. Algumas vezes, o Pe. Paulo Ricardo publicou, dentre inúmeros outros, vídeos enfatizando o quão o brasileiro contra o aborto. Aqui não estou de alguma forma criticando a atuação dos pertencem ao clero do modernismo ou outros apostolados ligados a eles quando se trata de combate ao aborto, visto que é um problema moral que independe da fé. Temos aqui um ponto em comum e nesse aspecto uma união com eles seria lícita, dada, claro, as devidas divergências, que são gravíssimas. Mas devemos tomar cuidado com um certo argumento do qual ele usa e abusa. O argumento sustentado na opinião pública.
Em um vídeo de 23 de abril de 2020 e em outro de 26 de dezembro do mesmo ano, o Pe. Paulo Ricardo lançou vídeos enfatizando o quão o povo brasileiro e argentino é contra o aborto e o dever dos políticos de seguir a “vontade popular”, que a legalização do aborto “não é do interesse do povo”, que “o governo não pode sucumbir à pressão dos órgãos internacionais”, que isso “prejudica a soberania da nação”, que “ameaça a democracia” (?!) etc. Isso é muitíssimo errado porque há uma claríssima inversão de prioridade. Não quero, evidentemente, ensinar o Pe. Paulo Ricardo a argumentar contra o aborto do ponto de vista teológico, metafísico, ético etc, pois, mesmo sendo um sacerdote novus ordo (por isso o chamo de padre aqui, não pela validade de sua ordem, que julgo duvidosa), deve conhecer bem melhor do que estes mesmos argumentos, todavia, a mesma formação novus ordo prejudicou a sua forma de argumentar. Explico.
A utilização dos argumentos em cima da opinião pública coloca um objeto que é próprio da moral (trato com quem não nasceu) submetido ao julgamento popular. Parece que o Pe. Paulo Ricardo esqueceu, mas em maio de 2018, o aborto foi aprovado pelo voto popular com 64,1% dos votos. Mais de 1,4 milhão de pessoas votaram “sim” e pouco mais de 720 mil pessoas votaram “não”. Se tal coisa acontecesse no Brasil, com qual argumento o Pe. Paulo usaria? Esse argumento é perigosíssimo por isso. E não se deve se iludir crendo que a rejeição ao aborto está crescendo no Brasil. Eu não me iludiria tanto.
A pesquisa publicada pela Aleteia apenas pergunta se é a favor ou contra, porém, não se aprofundou nem nas perguntas e nem nas respostas. A doutrina católica, como sabemos, é contra a todo tipo de aborto direto e provocado em quaisquer circunstâncias. A pessoa de formação média que se diz contra o aborto, pode querer dizer que é contra, mas que tolera em caso de estupro, ou anencefalia, ou risco de vida da mãe… quem afirma tais coisas, não é nem católico e nem contra o aborto. Uma pesquisa mais detalhada de 2021 publicada pela BBC nos diz que a oposição total ao aborto em todos os casos é a posição de apenas 8% dos entrevistados, ou seja, a oposição verdadeira ao aborto corresponde ao pensar de menos de 10% da população. Se considerarmos a errônea opinião de que pode ser tolerado em situação de riscos, corresponderia ainda a menos da metade da opinião dos entrevistados. Isso significaria que se houvesse agora um plebiscito para aprovar uma legislação mais flexível com relação ao aborto, muito provavelmente passaria sem nenhuma dificuldade.
Eu não sei exatamente o que o site Aleteia quis dizer ao publicar tal notícia. Dizer que 7/10 da população brasileira é contra o aborto não diz quase nada e se a intenção for argumentar contra o aborto, esse argumento é extremamente falho. O aborto não é mau porque as pessoas são contra, o aborto é mau porque, além de ofender gravemente a Deus violando o quinto mandamento, o aborto corresponde a um assassinato de uma pessoa humana em pleno desenvolvimento. Sabemos ainda que o assassinato é mais cruel conforme for a inocência do assassinado. Ora, o nascituro é totalmente inocente, totalmente indefeso e não tem assassinato mais cruel, mais ímpio, mas covarde que um assassinato desses. E sabemos que o nascituro é uma pessoa humana em desenvolvimento porque está em potência de se tornar uma pessoa adulta se se permitir o seu nascimento e crescimento, ou seja, não se tornará outra coisa além de uma pessoa humana adulta. O aborto, por tais razões, deve ser proibido sob a pena máxima (de preferência a de morte a todos os responsáveis, inclusive à mãe se for provado que ela procurou deliberadamente a clínica) mesmo que toda a população de um país for contra.
Entendamos uma coisa: a opinião pública sobre algo que é de moral absolutamente objetiva que a própria lei natural condena tem o valor zero. Recorrer à opinião pública sobre o aborto é, em certa medida, dar respaldo à democracia liberal, que fez o aborto ser legalizado na Irlanda. O aborto assim deve ser atacado única e exclusivamente por ser um crime e não por ser reprovado (parcialmente, diga-se de passagem) por uma maioria.
Infelizmente, os conservadores da religião conciliar não parecem ter entendido que o uso desse argumento, a longo prazo, passa a ser um desserviço para a causa pró-vida e, consequentemente, atinge o perene ensinamento da Igreja sobre a moral. Razão por que a própria opinião pública é manipulável, seja por pesquisas viciadas, seja por manipulação emocional via obras ficcionais (principalmente filmes, telenovelas e seriados), seja por notícias deturpadas se valendo ora de ambiguidades ora de descontextualizações.
Isso prova que a democracia liberal, a democracia desligada totalmente de Deus e insubmissa à Igreja, e a questão da opinião pública estão intrinsecamente ligados. Dizer que o aborto deve ser proibido porque (dentre outras razões) a opinião pública do país reprova dá a entender que pode ser legalizado no futuro se essa mesma opinião aprovar, como aconteceu na Irlanda.
Estejamos dispostos a contrariar radical e totalmente a opinião pública se isso for necessário, sem se importar com o que podem pensar de nós. A mera descriminalização do aborto em caso de estupro e risco da vida para mãe já é algo ímpio e sabemos que a maioria da população brasileira, em verdade, se diz contra e acha que basta seguir o que está na lei positiva humana. Os que se dizem católicos e usam da retórica do inimigo, como o Pe. Paulo Ricardo faz, é respaldar a agenda maligna do liberalismo, dar legitimidade. O melhor seria nem saber da opinião pública sobre o aborto, pois é totalmente sem valor dada a obrigação moral de ser contra.
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