Luciano Takaki | 2022
INTRODUÇÃO
Quando era libertário, eu mesmo militei muito contra a proibição dos narcóticos, pois sempre considerei que tal coisa seria um remédio muito pior que a doença, uma vez que sempre mostrava os desastrosos dados da suposta consequência da guerra ao tráfico. Hoje vejo que o meu grande pecado dessa época seria ver tudo de um ponto de vista radicalmente individualista e também economista.
Nesse meu escrito, espero reparar a minha ímpia defesa à descriminalização dos narcóticos. Primeiro, usarei o termo narcóticos porque drogas é um termo análogo, pois estamos tratando de compostos químicos artificiais para consumo oral, nasal ou por injeção. Assim, tomemos aqui a definição de narcóticos: compostos químicos artificiais ou naturais para consumo oral, nasal ou por injeção com o fim do entorpecimento do usuário. Assim, o que diferencia o narcótico de outras drogas é que as drogas também podem ser fármacos com fins meramente medicinais.
A minha intenção é expor rapidamente os argumentos favoráveis; depois explicar a natureza humana, tanto em si mesma como no âmbito social; depois a parte ética, econômica e política; o que são os narcóticos e a consequência do seu uso; a conclusão e depois a refutação dos argumentos citados. As consequências práticas de países dão mais liberdade para uso de narcóticos, exemplos históricos etc, abordarei superficialmente em prol da brevidade, mas pode ser que saiam textos que abordam cada objeção (forte) que possa surgir.
ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AOS NARCÓTICOS RESUMIDOS
Aqui, vamos analisar os argumentos pró-descriminalização primeiramente:
O primeiro argumento a ser analisado é a comparação com o álcool, tabaco e pornografia, fora instrumentos que também viciam, como redes sociais e remédios. Muitos dizem que os narcóticos sempre fizeram parte da cultura social de forma milenar, tais como as bebidas e o próprio tabaco.
O segundo argumento é a de a guerra ao tráfico fracassou tanto nos E.U.A., mesmo o Brasil, Colômbia, México etc. Segundo os defensores da descriminalização, uma legalização ou liberação dos narcóticos acabaria com esse mercado nefasto que alimenta a renda de criminosos de altíssima periculosidade, que são os traficantes.
O terceiro argumento é a de que o Estado não pode controlar o que a pessoa pode consumir porque ela é dona do seu próprio corpo, como ensina o princípio da autopropriedade, ensinado por Hans-Hermann Hoppe e Murray Rothbard (cf: OS ERROS DE HANS-HERMANN HOPPE e O DIABÓLICO PENSAMENTO DE ROTHBARD).
Há outros argumentos, mas esses são os de maior peso e creio que refutando-os, os outros argumentos perderão totalmente a irrelevância.
A NATUREZA HUMANA
Antes mesmo de adentrar na questão dos narcóticos, se devem ou não ser legalizados, devemos compreender a natureza humana. O homem é bem diferente dos outros animais, os brutos, pois nascem completamente desprotegidos, enquanto que muitos filhotes já nascem conseguindo andar e mesmo capazes de fugir de predadores. O homem, mesmo já adulto, não possui muitas proteções naturais, como chifres, presas, carapaças etc. Todavia, o homem é racional e conta com a ajuda dos outros homens para se desenvolver.
O homem conta com seus sentidos externos e internos subordinados ao intelecto. Assim, com os dados dos sentidos externos (as cores e figuras detectadas pela visão, o som da audição etc), os internos comporão a imagem sensível para que o intelecto agente abstraia a imagem intelectiva e fecunde o intelecto possível. Assim, o intelecto apreende a qüididade, isto é, aquilo que a coisa é. Essas coisas comporão nossas concepções mentais, que serão comunicadas por meio da linguagem.
Além disso que se expôs, temos também, concomitante à potência intelectiva, a potência volitiva ou a vontade. Abstraindo a qüididade da coisa, o homem entenderá se a coisa é boa ou má. A vontade fará o homem desejar o bem apreendido pelo seu intelecto e, consequentemente, repudiar o mal.
Todavia, vivemos num mundo com mesclas de bem e mal e somos manchados pelo pecado original. Assim, nem todas as ações do homem terão bons efeitos. Para que o homem tome as melhores decisões, ele se utiliza da virtude da prudência e guiada pela consciência. Por isso, convém ao homem manter as virtudes e a graça para que a apreensão do bem seja mais perfeita. Com o intelecto abstraindo a qüididade e a noção de bem e mal, isso vai definir o seu agir, pois o homem age segundo o que ele conhece. Em meu breve texto “ESBOÇO SOBRE A ALMA HUMANA” exponho mais detalhes.
ÉTICA, ECONOMIA E POLÍTICA
A Ética é a ciência do autogoverno. Ela nos dá o conhecimento especulativo para coordenar o nosso agir individual, mas dado que o homem é um animal social, isso também implica a nossa relação com outrem. A economia é a ciência de bens domésticos, que deve ser ordenada pela ética, pois os bens servem também o agir da pessoa. O mesmo dizemos da política. Assim, as três ciências práticas, do agir humano, são absolutamente indissociáveis. A política necessariamente deve ter por uma das funções, ordenar, por leis, o agir humano. Logo, deve proibir ações humanas que possam perturbar a ordem social, como roubo, assassinatos etc.
SOBRE OS NARCÓTICOS
Definindo o que são narcóticos, como vimos na introdução, vejamos se os narcóticos poderiam ser descriminalizados.
Atualmente, no Brasil, os narcóticos (maconha, cocaína etc) tem o seu comércio proibido, mas não o seu porte ou consumo. As penas são um tanto brandas e a guerra envolvendo os narcotraficantes tem causado inúmeras mortes. No Japão, o simples porte já é criminalizado e pode dar cadeia. Sabemos qual dos dois países possui menos problemas com narcóticos. Mas o objetivo principal do escrito é avaliar a partir dos princípios.
Antes de mais nada, vejamos o que ensina Santo Tomás. Santo Tomás diz que a lei tem por fim (e efeito) tornar os homens bons porque regula as ações humanas. Dado que nem todos os homens possuem vontade boa, pois a apreensão do bem está deformada, é necessário leis que proíbam o agir decorrente dessa vontade má, ele ensina que certos “atos são genericamente maus, como os atos viciosos. E estes a lei os proíbe. … Enfim, o meio pelo qual a lei se faz obedecer é o temor da pena. E por aqui se considera como efeito dela punir” e que atos que podem ser tolerados (S.Th. I-II, q. 92, a. 2, corpus). E também que “necessariamente a lei sendo por excelência relativa ao bem comum, nenhuma outra ordem, relativa a uma obra particular, terá natureza de lei, senão enquanto se ordena ao bem comum. Logo, a este bem se ordena toda lei” (S.Th. I-II, q. 90, a. 1, corpus).
Vejamos com relação aos narcóticos. Os narcóticos têm essencialmente como fim entorpecer, causar a sensação de “barato” na pessoa. Lembrando que a alma da pessoa em si mesma não pode ser atingida por nenhum composto químico. O problema é que somos uma substância composta de uma parte animal e outra espiritual. Não tem nada no nosso intelecto que não tenha passado pelos sentidos. O primeiro dano que os narcóticos causam é nos sentidos e danificando a parte sensível, deformando a apreensão dos dados sensíveis, consequentemente a compreensão da qüididade e a noção de bem também se deformam. É uma das razões de tantos usuários de narcóticos em geral agirem como idiotas e de atos amorais, pois já perdem a noção de bem e mal.
Ou seja, os narcóticos interferem diretamente o agir humano e consequentemente a sua relação com outras pessoas, assim como a própria ordem social. Isso já torna por si só os narcóticos passíveis de proibição. Aqui vemos um setor no mercado que é absolutamente criminoso e imoral, pois se sustenta com o vício. E creio que isso nos dê um norte para responder às objeções.
RESPOSTA AOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À DESCRIMINALIZAÇÃO DOS NARCÓTICOS
A comparação padece tanto de natureza como de proporção. Com relação à natureza basta ver o fim. O tabaco ajuda de alguma forma a pessoa a relaxar, tal como na concentração. Tampouco ignora-se que vicia, mas não tem o mesmo fim dos narcóticos, porque o que faz o cigarro viciar não é o mesmo mecanismo que faz os narcóticos viciarem. Não se conhece na história uma convulsão social por causa do cigarro.
O mesmo podemos dizer das bebidas alcoólicas, cujo entorpecimento que causa é acidental, pois não é o seu fim, como acontece com os narcóticos, cujo entorpecimento é essencial. A finalidade das bebidas alcoólicas é a degustação ou mesmo como auxílio na alimentação.
Com relação à pornografia, creio que uma sociedade que proíbe narcóticos deveria, por coerência também proibir a pornografia, que é um outro setor do mercado que se sustenta com o vício. Dado que o efeito causado pela pornografia é análogo ao dos narcóticos e possui, mutatis mutandis, o mesmo fim, deve ser absolutamente proibida (talvez renda um texto futuro). Com relação às redes sociais e fármacos psicóticos, eles não possuem o mesmo fim dos narcóticos.
Com relação à guerra ao tráfico, os países que padecem desse problema é a falta de punição mais dura com os traficantes e também com quem porta. Países onde há um combate mais duro, para dar um exemplo bom, como o Japão, não há esse problema. Na China e na Indonésia, onde há pena de morte para quem vende, tampouco há esse problema. A pena de morte para traficantes e penas duras para quem porta e consome resolveria esse problema. Tal repressão também tiraria o lucro dos traficantes mais do que legalização, que geralmente dá mais poder a outras empresas ímpias (como as big pharmas) e transformar governos ímpios em narco-Estado (a exemplo do Uruguai).
O argumento mais relevante é com relação ao controle sobre o próprio. Que o Estado não pode ser invasivo controlando o que podemos comer e beber ou como remediar certos problemas no corpo é um argumento a ser considerado. Todavia, proibir o comércio de narcótico não é o mesmo que o Estado controlando o corpo da pessoa em si, mas reprimindo uma ação comercial que pode consequentemente causar danos à ordem pública. Tal como Santo Tomás de Aquino ensina. Isso é bem diferente de proibir, por exemplo, que se venda refrigerante, que, apesar de fazer mal à saúde, não tem o mesmo fim dos narcóticos e não causa perturbação à ordem como acontece com um bando de pessoas se comportando como zumbis. Pelo contrário, a proibição de certos produtos de consumo causaria um caos, como foi com a Lei Seca americana, mas o mesmo não se pode dizer com a repressão aos narcóticos que pôs a sociedade em ordem nos países mencionados acima.
CONCLUSÃO
A preservação da ordem pública é um fim ótimo, do ponto de vista natural, e um meio ótimo para alcançar o fim último, do ponto de vista sobrenatural.
Assim sendo, parece convir ao católico, dentro do que ensina Santo Tomás de Aquino e diversos teólogos moralistas, ser contra a descriminalização das drogas sustentado no bem da ordem pública e exercício das virtudes. Particularmente creio que a conclusão sobre esse tema vai além. A defesa à descriminalização dos narcóticos é, concluo, absolutamente ilícita ao católico, dada às consequências, pois a vida social numa sociedade com um número de viciados tornar-se-ia insuportável e prejudicaria o exercício das virtudes e, consequentemente, a prática da Religião.
Espero que com isso seja esclarecida a posição que provavelmente devemos tomar com relação à descriminalização de narcóticos.