EXPLORAÇÃO VICIOSA DO ESPORTE

Mário Ferreira dos Santos | 1967

[NOTA DA ADMINISTRAÇÃO: o autor era um pancristão, perenialista e filósofo eclético que num geral não recomendo, ainda que tenha acertos. Aqui, por ocasião da Copa do Mundo de 2022, transcrevo um excerto que julgo oportuno com comentários meus onde julgo ser pertinente comentar. No início da minha conversão, esse texto foi essencial para perder o interesse não apenas no futebol, como qualquer esporte profissional, apesar de perceber os problemas da obra do autor. Segue o texto abaixo:]

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Em primeiro lugar convém observar que o esporte, pelos seus fundamentos e suas finalidades, merece a melhor das atenções.

O que, porém, é de lamentar nele são as formas viciosas que toma, graças à sua barbarização e, por sua vez, o seu aproveitamento para favorecer a campanha de corrupção da estrutura cristã.

[COMENTÁRIO: infelizmente, Mário Ferreira dos Santos (desde já MFS) considera também que a cultura protestante participa da cristandade. Por isso cria que o temos nos tempos atuais de alguma maneira ainda poderia ser chamada de estrutura cristã, sendo que não temos mais nada da cristandade desde o século XIX, depois que a Revolução destruiu praticamente tudo.]

O profissionalismo no esporte tem sido mais um mal que um bem. Justificado por algumas razões, produziu efeitos desastrosos, criando uma profissão, onde deveria haver apenas um ato gratuito, ou pelo menos cujo interesse nunca se reduzisse ao do sistematismo capitalista.

A característica da sistematização capitalista consiste no intuito de tornar tudo em bens para o mercado. O capitalista não entende nem aprecia nada, senão pelo seu significado em cifras. O valor não é mais o axiós, mas o thymos, [No original, timós. Optamos, apenas em alguns raros casos, pela transliteração mais atualizada.] não o valor intrínseco da coisa, mas o extrínseco, o valor de troca, e não mais o de uso.

Marx chegou ao ápice do espírito capitalista em O Capital, mais completa obra de sistematização capitalista, porque o marxismo é apenas uma doutrina capitalista do Estado, a desprezar como secundário o valor de uso e a atentar apenas ao valor de troca, pois, como dizia ele, já que ninguém iria produzir o que não tenha utilidade, todos os bens econômicos têm valor de uso, mas o valor de troca é o que varia e o que interessa nas avaliações econômicas.

[COMENTÁRIO: lemos até aqui que tanto Marx como os economistas liberais transformaram as relações sociais, antes baseada no bem do próximo, em mera trocas com lucro como fim e satisfação de interesse. Esse pensamento tem raízes bem profundas que podemos traçar desde a Revolução Protestante. O protestantismo coloca no homem a causa de sua salvação (como se vê na heresia sola fide), visto que um ato de fé para o protestante basta para justificar, eliminando a necessidade do desapego, da mortificação e das obras.]

Essa posição doutrinária na economia é típica do capitalismo sistemático, porque esse também não vê nas coisas o valor de uso, mas apenas o valor de troca e, sobretudo, o seu preço. Essa maneira errada de visualizar a realidade econômica levou Marx a afastar-se de Proudhon, cuja visão concreta do valor era mais justa e filosoficamente mais séria, e fazer, então, da sua doutrina, a mais acabada defesa da concepção capitalista.

[COMENTÁRIO:  MFS era anarquista e aqui comete o gravíssimo erro de elogiar o anarquista Proudhon para contrapor Marx. Proudhon julgava a propriedade privada um mal e buscava conciliar maçonicamente o cristianismo com anarquismo. Era um pensador maligno.]

Deste modo se vê que o capitalismo desinteressa-se pelo axiós [Em grego: valor das coisas, que se refere ao que é intrinsecamente constituído; o valor de uso é um axiós. Tanto esta nota como a seguinte foram extraídas do corpo do texto] para acentuar o thymos, [Em grego: valor de estimação, pois estimar tem o mesmo radical de thymos] valor de troca. As coisas são sobretudo avaliadas pelo seu preço, pelo que custam em troca para obtê-las, e não é de admirar que o gosto requintado do capitalista se dirija mais pelo que é mais precioso (de mais preço) do que propriamente para o que é de mais valor. Um quadro para ele valerá na proporção das cifras, também um vaso, e assim por diante. É natural que essa mentalidade, dominando o ambiente social, já que o capitalismo sistematiza a sociedade, segundo a sua maneira de conceber o mundo, não só o esporte, mas a arte e a literatura teriam de sofrer como sofrem dos preconceitos monetários.

[COMENTÁRIO: o problema não é, claro, o capitalismo em si, pois o Papa Pio XII ensina: “Todo espírito reto deve reconhecer que o regime econômico do capitalismo industrial contribuiu para tornar possível, e até estimular o progresso do rendimento agrícola; que ele permitiu, em inúmeras regiões do mundo, elevar a um nível superior a vida física e espiritual da população do campo. Não é, pois, o regime em si mesmo que se deve acusar, mas o perigo que ele faria correr caso sua influência viesse alterar o caráter específico da vida rural, assimilando-a à vida dos centros urbanos e industriais, fazendo do ‘campo’, tal como é entendido aqui, uma simples extensão ou anexo da ‘cidade’. Essa prática, e a teoria que a apoia, é falsa e nociva” (Discurso de 2 de julho de 1951, ao 1º Congresso Internacional sobre os Problemas da Vida Rural, “Discorsi e Radiomessaggi”). O problema é o abuso do capitalismo liberal, que separa a moral e o exercício das virtudes da economia.]

O resultado é a degradação que se verifica nos esportes, onde as mais deslavadas combinações e maquinações secretas são levadas a cabo, no intuito apenas de aumentar rendas e obter maior resultado. O esporte pelo esporte vai desaparecendo; o amadorismo morre à míngua de interessados, porque o próprio público só se interessa pelo esporte capitalizado. Como evitar, portanto, que o esportista se torne um egoísta, que só vê os seus interesses? Quem tem o direito de apelar para patriotismo ou outros valores a esportistas que são manejados como objeto de comércio para trocas comerciais? Sem dúvida, há muito brio em esportistas que, apesar de tudo, não se deixam avassalar pelo vicioso e reagem contra tudo isso. Mas a sua reação é um quase nada na avalanche que o cerca, seu protesto não é ouvido, uma multidão de subliteratos do esporte exploram-no como grande fonte de renda e não lhes interessa a verdade, mas a mentira, e fundada nela conseguem construir a sua carreira e a sua fortuna.

[COMENTÁRIO: aqui devemos usar de uma perspectiva sobrenatural. É muitíssimo improvável que um católico realmente verdadeiro se meta na carreira de atleta profissional. Com anos acompanhando futebol, o máximo que presenciei foram jogadores não escandalosos, que são minoria. A esmagadora maioria é de fornicadores, adúlteros, tatuados, soberbos e vaidosos. Principalmente em época de Copa do Mundo, que promove ainda mais esse tipo de gente. Como os mais talentosos são os que ganham mais, são os que também mais expõe a má vida.]

A exploração dos baixos impulsos é evidente no esporte violento, como a luta livre, e ainda no boxe, apesar do abrandamento que já tem conseguido. Se não há hoje lutas de gladiadores, com combates até a morte, é porque as autoridades não permitem, mas há regiões onde se permite ao homem ganhar a vida arriscando-a em lutas sangrentas.

Esses exemplos não são exagerados! Representam a realidade de uma desenfreada exploração sádica que o homem faz ao próprio homem. A culpa cabe a um número muito maior do que se pensa. Não são somente os empresários os culpados, pois esses não criam os gostos populares; são as exigências dos espectadores que levam a tomar alguns esportes a forma mais violenta e bárbara. Se os empresários pudessem livremente atender ao gosto sádico do público, as lutas de gladiadores sem dúvida voltariam e outras coisas piores!

[COMENTÁRIO: MFS não teve tempo para ver os torneios de luta-livre atuais, onde o ringue se mancha de sangue. Mas os torneios de luta não têm o mesmo alcance e projeção que o futebol e outros esportes coletivos. Essa técnica como disse, vem do Edward Bernays, onde se explora a sensação que a coisa comercializada oferece e não a sua utilidade (cf. WEISHAUPT, FREUD E BERNAYS: COMO A MANIPULAÇÃO AJUDA A REVOLUÇÃO). Essa técnica é muito bem explorada pelos empresários do mundo dos esportes. O esporte profissional criou várias religiões, onde os times, o atleta, a escuderia etc, se tornam ídolos e, assim, empresários e confederações, que são verdadeiras máfias, exploram e obtêm seus lucros].

Excerto de MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS; A Invasão Vertical dos Bárbaros, É Realizações, 2012, edição Kindle.

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