AS MUDANÇAS LITÚRGICAS DO PAPA PIO XII

PODE UM CATÓLICO REJEITAR AS LEIS PROMULGADAS POR UM PAPA LEGÍTIMO?

Padre Dominic Radecki, C.M.R.I. & Sandro Pelegrineti de Pontes (apresentação)
2021

Em 1955 a Igreja Católica Apostólica Romana aprovou um novo rito para ser usado durante a Semana Santa. Na época o Papa gloriosamente reinante era Pio XII. Passado o tempo, principalmente a partir da década de 1980, alguns católicos passaram a afirmar que celebrar tal rito seria o mesmo que ‘jogar pedras na cruz’. Este e outros epítetos heretizantes passaram a ser usados para se demonstrar que o sacerdote e o fiel católicos não podem celebrar de acordo com as rubricas aprovadas para a Semana Santa.

Para refutar esta postura no mínimo errônea colocamos abaixo o trabalho feito pelo Reverendíssimo Padre Dominic Radecki, do CMRI, e que pode ser encontrado aqui. Nele, constata-se racionalmente que a verdade é que não existe “Semana Santa de Pio XII”, o que existe é a Semana Santa aprovada pelo Igreja Católica Apostólica Romana no ano de 1955, e que substituiu a até então vigente, como é normal na vida litúrgica eclesiástica. Falar de “Semana Santa de Pio XII” é um engodo que visa tão somente diminuir a autoridade daquilo que foi aprovado. 

Ao longo da história não é difícil encontrar aqueles que desejam ser mais “reais do que o rei” ou até mesmo mais “católicos do que o Papa”. Só para se dar um exemplo, muitos destes católicos rejeitam até mesmo a missa dialogada prefigurada por São Pio X  no Motu Proprio Tra Le Sollicitude (onde ele realça a intenção de possibilitar que os fiéis participem de maneira “ativa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja”) e instituída mais formalmente por Pio XI (e não por Pio XII), que na Constituição Apostólica Divini Cultus Sanctitatema (que versa sobre a Liturgia, o Canto Gregoriano e a Música Sacra) se expressou da seguinte maneira: 

”IX. A fim de que os fiéis tomem parte mais ativa no culto divino, restitua-se para o povo o uso do canto gregoriano, no que ao povo tocar. É necessário, na verdade, que os fiéis, não como estranhos ou mudos espectadores, mas verdadeiramente compreendedores e compenetrados da beleza da Liturgia, assistam às sagradas funções de tal modo que alternem a sua voz – segundo as devidas normas e instruções, mesmo em procissões e outros momentos solenes -, com a voz do sacerdote e a do coro. Porque se isto felizmente suceder, não haverá jamais que lamentar esse triste espetáculo em que o povo nada responde ou apenas responde com um murmúrio fraco e confuso às orações mais comuns expressas na língua litúrgica e até em língua vulgar” – Papa Pio XI – “Constituição Apostólica Divini Cultus Sanctitatem”, – A.A.S., vol. XXI (1929), n. 2, pp. 33-41 [aqui no Site do Vaticano]

Vejamos as palavras absolutamente contundentes usadas por Pio XI para afirmar que os fiéis deveriam tomar parte “mais ativa no culto divino” não como “estranhos ou mudos espectadores”, mas verdadeiramente como “compreendedores e compenetrados da beleza da Liturgia”… e sendo assim, a partir daquele momento (1929), passou a ser necessário ao povo assistir as missas alternando sua voz com a do sacerdote e do coro. “Porque se isto felizmente suceder – realçou Pio XI – não haverá jamais que lamentar esse triste espetáculo em que o povo nada responde ou apenas responde com um murmúrio fraco e confuso às orações mais comuns expressas na língua litúrgica e até em língua vulgar” (conferir também o Motu Proprio Abhinc Duos Annos, de São Pio X, que originou formalmente o movimento litúrgico). 

Seguramente os modernistas (e eram muitos em todo o século XX) ficaram eufóricos com esta mudança na disciplina litúrgica iniciada por São Pio X e levada a termo por Pio XI. Eles devem ter entrado em êxtase, pensando já no carnaval litúrgico que seria adotado a partir de Paulo VI. Pergunta-se: podemos dizer, então, que esta é uma mudança feita por “Bugnini” (ou sabe-se lá por quem quer que seja) para favorecer a destruição da Sagrada Liturgia? Claro que não! 

Além do que o próprio Papa Pio XII confirmou, posteriormente, na Encíclica Mediator Dei, o valor da missa dialogada e impôs limites para evitar abusos litúrgicos:

“95. São, pois, dignos de louvor aqueles que, com o fim de tornar mais fácil e frutuosa ao povo cristão a participação no sacrifício eucarístico, se esforçam em colocar oportunamente nas mãos do povo o ‘Missal Romano’ de modo que os fiéis, unidos ao sacerdote, orem com ele, com as suas próprias palavras e com os mesmos sentimentos da Igreja; como também os que visam a fazer da liturgia, ainda que externamente, uma ação sagrada, na qual têm parte de fato todos os assistentes. Isso pode acontecer de vários modos: quando todo o povo, segundo as normas rituais, responde disciplinadamente às palavras do sacerdote ou executa cânticos correspondentes às várias partes do sacrifício, ou faz uma e outra coisa, ou, enfim, quando, na missa solene, responde alternadamente às orações dos ministros de Jesus Cristo e se associa ao canto litúrgico.

96. Todavia, essas maneiras de participar do sacrifício são para louvar e aconselhar, quando obedecem escrupulosamente aos preceitos da Igreja e às normas dos sagrados ritos. (…) a missa ‘dialogada’ não pode substituir a missa solene, a qual, ainda que celebrada na presença apenas dos ministros, goza de uma particular dignidade pela majestade dos ritos e aparato das cerimônias; se bem que o seu esplendor e solenidade muito ganhem se, como o prefere a Igreja, o povo numeroso e devoto a ela assistir” – Papa Pio XII – Encíclica Mediator Dei

Aí está a sabedoria da Igreja: um Papa sonhou com a participação ativa dos fiéis na liturgia, outro instituiu a missa dialogada e um terceiro mais a frente traçou diretrizes para que ela não fosse usada como pretexto para abusos litúrgicos. Só não entende quem não quer! 

Algo importante a se destacar é o elogio feito por Pio XII ao fato de o Missal Romano ter sido disponibilizado aos fiéis, pois eles tornam “mais fácil e frutuosa ao povo cristão a participação no sacrifício eucarístico”. Ora, quando os missais romanos foram colocados nas mãos dos fiéis para serem usados nas santas missas? Sabemos que, por alguns séculos, a partir do surgimento da imprensa, os missais foram impressos e disponibilizados aos sacerdotes, mas aos fiéis não. Ou seja, mais especificamente, foi a partir do início do Século XX que esta inovação aconteceu. Será que estes nossos irmãos acusarão os papas desta época de terem colaborado com o modernismo ou irão inferir que o o uso do Missal Romano pelos fiéis durante as celebrações litúrgicas é “obra de Bugnini”?

Além do que na própria Mediator Dei Pio XII condenou, objetivamente, àqueles que recusavam as mudanças litúrgicas efetuadas no Século XX:

“56. Como, em verdade, nenhum católico fiel pode rejeitar as fórmulas da doutrina cristã compostas e decretadas com grande vantagem em época mais recente da Igreja, inspirada e dirigida pelo Espírito Santo, para voltar às antigas fórmulas dos primeiros concílios ou repudiar as leis vigentes para voltar às prescrições das antigas fontes do direito canônico; assim, quando se trata da sagrada liturgia, não estaria animado de zelo reto e inteligente aquele que quisesse voltar aos antigos ritos e usos recusando as recentes normas introduzidas por disposição da divina Providência e por mudança de circunstâncias.

57. Este modo de pensar e de proceder, com efeito, faz reviver o excessivo e insano arqueologismo suscitado pelo ilegítimo concílio de Pistóia e se esforça em revigorar os múltiplos erros que foram as bases daquele conciliábulo e os que se lhe seguiram com grande dano das almas, e que a Igreja – guarda vigilante do ‘depósito da fé’ confiado pelo seu divino Fundador – condenou com todo o direito. De fato, deploráveis propósitos e iniciativas tendem a paralisar a ação santificadora com a qual a sagrada liturgia orienta salutarmente ao Pai celeste os filhos de adoção.

58. Tudo, pois, seja feito em indispensável união com a hierarquia eclesiástica. Ninguém se arrogue o direito de ser lei para si mesmo e de impô-la aos outros por sua vontade. Somente o Sumo Pontífice, na qualidade de sucessor de Pedro, ao qual o divino Redentor confiou o rebanho universal, e juntamente os bispos, que sob a dependência da Sé Apostólica ‘o Espírito Santo colocou para reger a Igreja de Deus’, têm o direito e o dever de governar o povo cristão. Por isso, veneráveis irmãos, toda vez que defendeis a vossa autoridade oportunamente, ainda que com severidade salutar não somente cumpris o vosso dever, mas defendeis a própria vontade do Fundador da Igreja” – Papa Pio XII – Encíclica Mediator Dei – 20 de novembro de 1947

Ficou claro que quem rejeita a Semana Santa de Pio XII está condenado pela Igreja Católica Apostólica Romana? Ficou claro que realmente um católico não pode rejeitar as leis litúrgicas promulgadas por um Papa legítimo? Neste sentido, vejamos o que ensina o Concílio de Trento:

“856. Se alguém disser que os ritos aceitos e aprovados pela Igreja Católica, que costumam ser usados na administração solene dos sacramentos, podem ser desprezados ou sem pecado omitidos a bel-prazer pelos ministros, ou mudados em novos e em outros por qualquer pastor de igrejas — seja anátema” – Concílio de Trento – Sessão VII – Cân. 13

“954. Se alguém disser que as cerimônias, os ornamentos e os sinais exteriores que a Igreja Católica utiliza na celebração das missas incitam à impiedade, seja anátema” – Concílio de Trento, Sessão XXII, Can. 7

Sendo assim, perguntamos: onde uma pessoa assim que rejeita a disciplina litúrgica da Igreja irá parar?  Segue, agora, o texto fundamental do Reverendíssimo Padre Dominic Radecki. Boa leitura a todos que por ele se interessarem!

As mudanças litúrgicas do Papa Pio XII – pode um católico rejeitar 
as leis promulgadas por um Papa legítimo?

Pelo Rev. Pe. Dominic Radecki, C.M.R.I.

Os modernistas, em sua tentativa de destruir a liturgia católica, gradualmente e astutamente introduziram a “Nova Missa”, também chamada de “Novus Ordo”, os novos sacramentos e as mudanças litúrgicas que resultaram do Vaticano II. Como consequência, os católicos tornaram-se relutantes em relação à mudança litúrgica. Infelizmente, alguns tradicionalistas foram mais longe, rejeitando as mudanças legítimas introduzidas pelo Papa Pio XII, o qual eles consideram como Papa legítimo.

Eles afirmam erroneamente que algumas dessas mudanças, incluindo a Semana Santa Reformada, foram os primeiros passos em direção ao Novus Ordo, devido ao envolvimento de Monsenhor Annibale Bugnini, bem como por causa de alguns ajustes feitos por outros modernistas. Essas almas bastante teimosas não rejeitam completamente a mudança; elas pegam e escolhem o que aceitarão e o que rejeitarão. Por exemplo, elas observam a reforma que o Papa fez no jejum eucarístico e a permissão para celebrar missas vespertinas. Quem lhes deu autoridade para determinar o que seguir em relação aos ritos litúrgicos, decretos e rubricas?

O Papa Pio XII promulgou várias mudanças litúrgicas, entre outras estão as seguintes:

1) Por muitos séculos a Igreja Católica requereu que as pessoas estivessem em jejum desde a meia-noite sem comer ou beber nada, nem mesmo água, antes de receber a Comunhão. Em 1950 o Papa Pio XII mudou as leis do jejum para uma hora para bebidas não alcoólicas e três horas para alimentos e bebidas alcoólicas. Pode-se beber água e tomar remédios a qualquer momento antes de receber a Sagrada Eucaristia. O resultado dessas mudanças é que os católicos podem receber Nosso Senhor na sagrada comunhão mais frequentemente. Os sacerdotes americanos que costumam dizer várias missas ou missas vespertinas no domingo apreciaram essas mudanças.

2) Sua Santidade permitiu a celebração da Missa à tarde e à noite – uma mudança muito notável em comparação com a observância anterior.

3) Em 1955 ele simplificou as rubricas do Breviário Romano e do Missal, mudando a classe de algumas festas e descartando algumas oitavas e vigílias. Ele pôs em prática no Breviário as reformas que o Papa São Pio X fez no Breviário Monástico.

4) Em 1955, o Papa Pio XII aprovou a Nova Semana Santa, na qual algumas das cerimônias que foram alteradas ao longo dos anos foram restauradas. Além disso, facilitou a participação dos trabalhadores nas cerimônias da Quinta-feira Santa, da Sexta-feira Santa e da Vigília Pascal, devolvendo-as ao tempo original e adequado. Nos tempos apostólicos, a Igreja Católica celebrava a liturgia da Quinta-feira Santa, da Sexta-feira Santa e da Vigília Pascal “nas mesmas horas do dia em que ocorriam aqueles sagrados mistérios. Assim, a instituição da Eucaristia ocorreu na noite da Quinta-feira Santa, a Paixão e a Crucificação ocorreram nas horas após o meio-dia da Sexta-Feira Santa e a Vigília Pascal ocorreu na noite do Sábado Santo, terminando na manhã do dia de Páscoa com o júbilo da Ressurreição de Nosso Senhor”. 

“Durante o medievo… [a Igreja], por várias razões pertinentes, começou a fazer apresentações litúrgicas mais cedo naqueles dias, então no final desse período todos esses serviços litúrgicos foram transferidos para a manhã. Isso não estava relacionado sem prejuízo do significado litúrgico e da confusão entre as narrativas evangélicas e as cerimônias litúrgicas a elas associadas” – Decreto da Sagrada Congregação dos Ritos, pp. 1-2, 16 de novembro de 1955. Os solenes serviços litúrgicos da Quinta-feira Santa, da Sexta-feira Santa e da Vigília Pascal aconteciam de manhã nas Igrejas quase vazias porque poucos podiam frequentá-las. Os estudantes tinham que se passar por homens na cerimônia do lava-pés na Quinta-feira Santa porque estes [homens] tinham que trabalhar. Devido à restauração da Semana Santa pelo Papa Pio XII as Igrejas estão agora cheias e os fiéis vêm em grande número para assistir às cerimônias e receber a Sagrada Comunhão.

Em 1951 o Papa Pio XII restaurou a Vigília Pascal para a noite, em seu próprio tempo:

“Durante séculos a Igreja viu a incongruência da celebração da Vigília Pascal – um serviço cujos textos [v.gr. o aleluia] e simbolismos [v.gr. Lumen Christi] obviamente inclina-se para as horas da noite – nas primeiras horas da manhã do Sábado Santo, quando Cristo certamente ainda não havia ressuscitado. Que nem sempre foi assim está historicamente provado, sem sombra de dúvida” – John Miller, C.S.C, “The History and Spirit of Holy Week” – The American Ecclesiastical Review, p. 235.

O Papa Pio XII reduziu o número de lições recitadas de doze para quatro, voltando à prática de São Gregório Magno. O Papa ordenou que o jejum da Quaresma fosse concluído à meia-noite do Sábado Santo em vez de à tarde para completar os 40 dias de jejum, e não 39 dias de jejum. Esta lei disciplinar garante que o Sábado Santo retenha o seu caráter de tristeza pela morte do Nosso Redentor que jaz no Santo Sepulcro.

5) Em 1954, o Papa Pio XII fez uma revisão do Ofício Divino, omitindo várias orações, como o Pai Nosso, a Ave-Maria e o Credo antes das horas, as orações das Laudes e Vésperas com algumas exceções, o longo Credo Atanásio, exceto para o dia da Santíssima Trindade, etc. Segundo a Sagrada Congregação dos Ritos, o objetivo dessas modificações foi “reduzir a grande complexidade das rubricas a uma forma mais simples”.

O Papa São Pio X já havia introduzido algumas dessas mudanças no Breviário Monástico. Por influência dos beneditinos, o Papa Pio XII os estendeu para todo o clero. Ao simplificar as rubricas e reduzir as orações, o Breviário tornou mais fácil para os sacerdotes cumprirem fiel e devotamente suas obrigações de recitar o Ofício Divino diariamente. O clero recebem com muita boa vontade essas sábias mudanças.

O Papa Pio XII aprovou e promulgou oficialmente essas mudanças. Bugnini não tinha autoridade para decretar nada. Referir-se à Nova Semana Santa como se fosse a liturgia de Bugnini é coisa pouco engenhosa e até desonesta, intelectualmente falando. Qualquer que seja o papel que ele assumiu, isso não obscurece o fato de que vários cardeais e liturgistas ortodoxos estiveram envolvidos nos preparativos destas mudanças.

A Sagrada Congregação dos Ritos foi criada para dirigir a liturgia da Igreja latina. Por Igreja latina entende-se aquela parte da Igreja Católica, de longe a maior, que usa o latim em suas cerimônias. O Papa Pio XII estabeleceu uma comissão “para examinar a questão da restauração do Ordo da Semana Santa e propor uma solução. Uma vez obtida a resposta, Sua Santidade decretou, com a seriedade que o assunto demandava, que toda a questão fosse submetida a um exame especial pelos Cardeais da Sagrada Congregação dos Ritos”. (…) “[quando os cardeais se reuniram no Vaticano em 1950] eles consideraram o assunto profundamente e votaram por unanimidade que o Ordo da Semana Santa restaurada fosse aprovado e prescrito, sujeito à aprovação do Santo Padre. Ato contínuo, tendo sido relatado em detalhes ao Santo Padre pelo…Cardeal Prefeito, Sua Santidade se dignou a aprovar o que os Cardeais haviam decidido. Então, por mandato especial do próprio Papa Pio XII, a Sagrada Congregação dos Ritos declarou o seguinte… [dando diretrizes específicas, incluindo:] ‘Aqueles que seguem o Rito Romano são obrigados…a seguir o Ordo da Semana Santa Reformada, estabelecido na edição oficial do Vaticano’” – Decreto da Sagrada Congregação dos Ritos, pp. 1-2, 16 de novembro de 1955

Segundo o Papa Pio XII as reformas litúrgicas que ele promulgou foram ”um sinal da disposição providencial de Deus na moção do Espírito Santo à Igreja para os tempos atuais” (Os Documentos de Assis, do Primeiro Congresso Internacional de Liturgia pastoral, Assis-Roma, 18 a 22 de setembro de 1956, p. 224 [01]). Cristo disse a São Pedro e a todos os seus sucessores legais: “Quem vos ouve, a mim ouve” (São Lucas 10:16). O que está em questão é a obediência à autoridade suprema legítima da Igreja Católica. Um verdadeiro Papa aprovou essas mudanças. Devemos aceitar essas mudanças como legais e dignas de serem seguidas, a menos que possamos provar que o Papa Pio XII não foi um verdadeiro Papa.

Quem disser que o Papa Pio XII não aprovou a Semana Santa restaurada, o diz sem fundamento. É ridículo dizer que o Papa Pio XII não tinha ideia do que a Sagrada Congregação dos Ritos e todo o mundo católico estavam fazendo em relação à Semana Santa. Não é este o mesmo argumento que alguns usam para defender os “papas” pós-conciliares – que, desde a morte do Papa Pio XII, os ”Vigários de Cristo” não tinham ideia do que se passava na Igreja Católica? O argumento de que já era idoso ou que tinha qualquer outra deficiência para governar a Igreja também é completamente absurdo pela clareza de suas últimas encíclicas, diretrizes e discursos no mesmo ano de sua morte.

O Papa Pio VI estigmatizou como “pelo menos errônea” a hipótese “de que a Igreja poderia estabelecer uma disciplina perigosa, prejudicial, conducente à superstição ou ao materialismo” (Dz. 1578). Na seção 22, cânon 7, o Concílio de Trento condenou qualquer pessoa que dissesse que as cerimônias da Igreja são um incentivo à impiedade mais do que à piedade. 

As mudanças introduzidas pelo Papa Pio XII são legais, santas e propiciam a santificação e a salvação das almas. A Igreja Católica tem ensinado consistentemente que um papa válido não pode promulgar uma cerimônia ou lei litúrgica que seja prejudicial à fé e à piedade e desagrade a Deus. Em tais decisões, o Papa é protegido pela infalibilidade.

Os teólogos ensinam que as leis disciplinares universais e as mudanças litúrgicas são objetos secundários de infalibilidade. Isto é claramente explicado pelo Monsenhor Van Noort: “O conhecido axioma Lex orandi est lex credendi (a lei da oração é a lei da fé) é uma aplicação especial da doutrina da infalibilidade da Igreja em questões disciplinares. Este axioma diz com efeito que a fórmula de oração aprovada para uso público da Igreja universal não pode conter erros contra a fé e a moral ” – A Igreja de Cristo – p. 116

As mudanças litúrgicas do Papa Pio XII – a instituição da festa de São José Operário, a restauração da Semana Santa, as leis para o jejum eucarístico, etc. – não são pecaminosas. Se alguém disser que são heréticas ou pecaminosas estará acusando a autoridade doutrinária infalível da Igreja de práticas sacrílegas e erros doutrinários que corrompem a fé, comprometendo a doutrina e prejudicando as almas. Tal acusação negaria que Cristo protege Sua Igreja e sua sagrada liturgia do mal e do erro.

O Papa Pio XII proibiu, sem exceções, em uma linguagem mais precisa, os padres de usarem a liturgia antiga. Ele também condenou o ‘antiquarismo’ (arqueologismo), ou seja, a prática de retornar às observâncias litúrgicas primitivas por não conformidade com as rubricas concorrentes e com as leis eclesiásticas, que em tal ocasião seria implícita a não atuação do Espírito Santo na condução da Igreja. Nem sempre o mais antigo é o melhor, especialmente quando desafia as ordens de um verdadeiro Papa.

A razão pela qual seguimos as mudanças litúrgicas do Papa Pio XII é a autoridade infalível da Igreja para ensinar. As mudanças foram autorizadas por um Vigário infalível de Cristo e foram oficialmente promulgadas para substituir os antigos ritos e leis existentes. Visto que o Papa Pio XII foi um verdadeiro Papa, devemos obedecer às suas ordens a respeito da sagrada liturgia. A obediência é o mais segura, o mais consistente e a regra da ortodoxia.

Por outro lado, aqueles que aceitam Pio XII como um verdadeiro Papa, embora se recusem a aceitar seus decretos litúrgicos, demonstram rebelião e desobediência. Ao pegar e escolher o que querem, eles se colocam como a autoridade suprema da Igreja Católica. Eles reivindicam o direito de julgar o Papa, peneirando o que ele ensina e decidindo o que obedecerão e o que rejeitarão. Pegar e escolher o que obedecer e o que rejeitar é um erro. É uma marca registrada da rebelião negar obediência ao verdadeiro vigário de Cristo; rebelião em matéria de obediência à autoridade legítima é sempre um perigo para a fé.

O Galicanismo foi uma heresia contra a jurisdição papal, que tendia a limitar os poderes do Papa. Tudo começou no início do século XV e se espalhou por toda a Europa. Ato contínuo, muitos europeus perderam seu censo de obediência ao Papa. Em 1682 o clero francês formulou os Quatro Artigos, que se tornaram obrigatórios para todas as escolas e professores de teologia. Os Quatro Artigos estabeleceram que o julgamento papal não tem valor sem o consentimento da Igreja. Os papas Alexandre VIII e Pio VI e o Concílio Vaticano condenaram o Galicanismo. Infelizmente, o espírito do Galicanismo prevalece hoje.

Aqueles que rejeitam as mudanças litúrgicas do Papa Pio XII são inconsistentes. Se eles aceitam Pio XII como Papa devem reservar sua própria opinião sobre sua liturgia, deixar de lado seus gostos e aversões litúrgicas e simplesmente obedecê-lo. A mentalidade católica é obedecer aos superiores legais em tudo, exceto no pecado. 

O espírito de obediência à autoridade legítima foi expresso pela mãe de Lúcia, uma das crianças de Fátima. Quando perguntaram à mãe de Lúcia por que o novo padre não permitia dançar e o antigo sim, ela respondeu: “Não sei por que o padre antigo permitia e o novo não. Se o novo padre não quiser as danças, meus filhos não vão dançar”.

Concluiremos com um discurso do Papa São Pio X aos sacerdotes da União Apostólica:

“(…) quando se ama o Papa, não se fica a discutir sobre o que ele manda ou exige, a procurar até onde vai o dever rigoroso da obediência, e a marcar o limite dessa obrigação. Quando se ama o Papa, não se objeta que ele não falou muito claramente, como se ele fosse obrigado a repetir diretamente no ouvido de cada um sua vontade e de exprimi-la não somente de viva voz, mas cada vez por cartas e outros documentos públicos.

Não se põem em dúvida suas ordens, sob fácil pretexto, para quem não quer obedecer, de que elas não vieram diretamente dele, mas dos que o rodeiam! Não se limita o campo onde ele pode e deve exercer sua autoridade; não se opõe à autoridade do Papa a de outras pessoas, por muito doutas que elas sejam, que diferem da opinião com o Papa. Por outra parte, seja qual for sua ciência, falta-lhes santidade, pois não poderia haver santidade onde há dissentimento com o Papa” –  Papa São Pio X – Discurso aos Sacerdotes da União Apostólica – 18 de novembro de 1912 – AAS 1912, p. 695 

Devemos lembrar que tudo isso diz respeito ao legítimo e válido Papa eleito; isso não se aplica a um herege ou a um “papa” eleito invalidamente – a um falso papa.

Nota 

(01) “Se compararmos a situação atual do movimento litúrgico com o que era há trinta anos, veremos que ele fez progressos inegáveis ​​tanto em extensão quanto em profundidade. O interesse na liturgia, as realizações práticas e a participação ativa dos fiéis assumiram um desenvolvimento que teria sido difícil prever naquele momento. O principal ímpeto, tanto em questões doutrinárias quanto em aplicações práticas, veio da hierarquia e, em particular, de Nosso Santo Predecessor Pio X, que por seu Motu PropriAbhinc Duos Annos de 23 de outubro de 1913 (Acta Ap. Sedis A. 5, 1913, p. 449-451) deu ao movimento litúrgico um impulso decisivo. O povo que crê acolheu essas diretrizes com gratidão e mostrou-se pronto para responder a elas; os liturgistas começaram a trabalhar com zelo e logo floresceram iniciativas interessantes e frutíferas, mesmo que algumas vezes certos desvios exigissem reparação por parte da Autoridade eclesiástica. Entre os numerosos documentos publicados recentemente sobre esse assunto, basta mencionar três deles: a Encíclica Mediator Dei – Sobre a Sagrada Liturgia – de 20 de novembro de 1947 (Acta Apostolicae Sedis, a. 39, 1947, 522-595), o novo arranjo da Semana Santa, datado de 16 de novembro de 1955 (Acta Apostolicae Sedis, a. 47, M55, pag. 838-847), que ajudou os fiéis a entender e participar mais do amor, dos sofrimentos e da glorificação de Nosso Senhor e, finalmente, da Encíclica De Musica Sacra de 25 de dezembro de 1955 (Acta Apostolicae Sedis, a. 48, 1956, p. 5-25). O movimento litúrgico apareceu assim como um sinal dos arranjos providenciais de Deus para o presente, como uma passagem do Espírito Santo em sua Igreja para aproximar os homens dos mistérios da fé e das riquezas da graça que fluem da participação ativa dos fiéis na vida litúrgica (…) Recordamos o papel que o Magistério depositário da verdade de Cristo exerce através da liturgia; a influência do Poder de Governo sobre ela também é evidente, uma vez que pertence aos papas reconhecer os ritos em vigor, introduzir novos e regular a ordenança do culto, e aos bispos vigiar cuidadosamente para que sejam observadas as prescrições canônicas relativas à adoração divina (Acta Apostolicae Sedis, às. 39, 1947, pag. 544) (…) Se a Hierarquia comunica a verdade e a graça de Cristo através da liturgia, os fiéis do seu lado têm a tarefa de recebê-la, de consentir com toda a almade transformá-la em valores da vida (…) Em matéria de liturgia, como em outros muitos campos, convém evitar a respeito do passado duas atitudes extremas: um apego cego e um menosprezo total. Há na liturgia elementos imutáveis, um conteúdo sagrado que transcende os tempos, mas também elementos variáveis, transitórios e, às vezes, defeituosos. A atitude atual dos melhores liturgistas a respeito ao passado nos parece em geral de tudo todo justa: investigam, estudam seriamente, se fixam ao que realmente vale, sem cair, por outra parte, no excesso. Contudo, aqui e lá aparecem ideias e tendências extraviadas, resistências, entusiasmos e condenações” – Papa Pio XII – Discurso  aos participantes do Congresso Internacional de Liturgia Pastoral – 22 de setembro de 1956.

RECOMENDAÇÃO COMPLETAMENTAR: UMA LITURGIA LIVRE DE BUGNINI

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Blog no WordPress.com.

Acima ↑

%d blogueiros gostam disto: