[ADENDO: há o complemento a esta publicação em “O QUE HÁ DE TÃO ORDINÁRIO QUANTO À AUTORIDADE?”. Recomendamos a leitura de ambos os artigos para compreender a refutação ao Contra Sedevacantism.]
Introibo ad Altare Dei
2020
Há algumas coisas na vida que são tão aparentes que é de se esperar que todos consigam compreendê-las. Por exemplo, não existe “solteiro casado”. É uma contradição em termos. Quando se compreende o que é um casamento e se conhece a definição de solteiro, fica claro que não é possível haver um solteiro casado. Exceto se a definição de “casamento”, “solteiro” ou ambos os termos for redefinida, não há como conciliá-los. Nesta época de Grande Apostasia, temos pessoas que acreditam que o termo “papa herético” não é contraditório. Jorge Bergoglio (“Papa” Francisco) pode estar fora da Igreja e ser o líder da Única e Verdadeira Igreja simultaneamente. Como isso é possível? Eles (a) redefinem o papado, (b) redefinem/tentam rejeitar a heresia, ou (c) ambos.
Os dois métodos mais frequentemente empregados por aqueles que tentam defender a seita do Vaticano II como sendo a Igreja Católica Romana são os seguintes: (1) deturpar o Magistério para que se possa escolher quais ensinamentos de Bergoglio se quer seguir e quais se quer ignorar (o favorito dos “Reconhecer e resistir”, também conhecidos como “R&R”), ou (2) rejeitar a heresia e “fazê-la desaparecer” pela “hermenêutica da continuidade” (a ilusão preferida dos apologistas da seita do Vaticano II). Veremos como é impossível fazer isso funcionar. A imagem acima é uma foto de Bergoglio com a “Sra.” Lucy Kurien, a fundadora da “Maher”, uma organização inter-religiosa na Índia dedicada a ajudar mulheres e crianças carentes e vítimas de abuso.
Embora as obras corporais de misericórdia sejam maravilhosas, nosso fim último é chegar ao Céu. Será que Lucy quer converter essas pessoas pobres e salvar suas almas? Não. Ela afirma: “Respeitamos e amamos todas as religiões. Nunca menosprezamos a religião de ninguém, nem defendemos uma religião excluindo as outras. O que queremos é crer e respeitar a religião inter-religiosa, que inclui todas as tradições religiosas. Em nossas práticas espirituais comunitárias, invocamos nossas orações ao Divino, em vez de invocar qualquer nome ou forma específica de Deus com a exclusão de outros”. Maher celebra os feriados pagãos hindus, e todas as diferentes religiões rezam juntas.
Bergoglio aprova esta apostasia.
Compare: Syllabus Errorum, Papa Pio IX, proposições condenadas nº 16 e 17:
16. O homem pode, por meio da observância de qualquer religião, encontrar o caminho da salvação eterna e alcançar a mesma salvação eterna.
17. Deve-se ter ao menos uma certa esperança na salvação eterna de todos aqueles que não fazem parte da verdadeira Igreja de Cristo.
Atos dos Apóstolos IV, 12: “Não há salvação em nenhum outro, porque, sob o Céu, nenhum outro nome [Jesus Cristo] foi dado aos homens, pelo qual devamos ser salvos.” (Ênfase minha).
Como é possível conciliar o que Lucy faz (e que Bergoglio aprova) com os ensinamentos da Igreja dos anos 33 a 1958? Resposta: Não é possível.
Entretanto, infelizmente, isso não impede que as pessoas tentem. Uma dessas pessoas, um apologista da seita do Vaticano II, tem um blog (ou algo assim) chamado Contra Sedevacantism (Cf. contrasedevacantism.blogspot.com – doravante me referirei a ele como Contra). Contra repete antigos argumentos de John Salza e Robert Siscoe em uma tentativa de provar que o sedevacantismo é “herético”. Repleto de arrogância e com pouco intelecto, esse indivíduo comenta aqui, no Novus Ordo Watch e no blog de Steven Speray, buscando notoriedade para suas asneiras. Ele chama os sedevacantistas de “mentirosos”, “hereges” e “estúpidos”. Ele aprendeu, por certo, seus bons modos na Escola de Etiqueta Fred e Bobby Dimond. Os últimos quatro comentários feitos no final de minha publicação sobre Theresa Benns – dois dele e minhas duas respostas – provam que ele não leu o que escrevi ou não entendeu. (Confira os últimos quatro comentários aqui: https://introiboadaltaredei2.blogspot.com/2020/05/betrayed-by-benns.html?m=1).
Aqui está o âmago da questão. Seus argumentos ressuscitados de Salza em sua primeira publicação se resumem ao fato de o sedevacantismo ser herético porque não temos bispos (ao menos nenhum que conheçamos) que possuam Jurisdição Ordinária, o que os teólogos aprovados pré-Vaticano II parecem nos dizer que é necessário para a Apostolicidade; uma das Quatro Notas da Igreja. Contra afirma que sua primeira publicação “refuta” o sedevacantismo. Neste artigo, apresentarei o problema em seu contexto e demonstrarei por que ele está errado.
Onde tudo começou: Vaticano II
Todos reconhecem que há graves diferenças entre o que se pretende ser a Igreja Católica Romana hoje e como ela era antes do Concílio Vaticano II (1962-1965). O que sempre foi acreditado e ensinado agora é totalmente contradito. A Missa e os sacramentos foram substancialmente alterados. É um dogma que a Igreja é indefectível e existirá até a consumação dos séculos. Isso representou um grande problema para os católicos do mundo todo. O clero tentou dizer às pessoas que apenas as aparências externas mudaram, mas a “substância” da fé, da moral, da Missa e dos sacramentos permaneceu.
Simplesmente não era esse o caso. O ensino da Igreja referente a tópicos como eclesiologia, liberdade religiosa e colegialidade era completamente distinto. A “Missa” tornara-se idêntica à inválida “ceia do Senhor” com pão e vinho da igreja luterana local e passara a introduzir práticas que haviam sido condenadas antes do Vaticano II. Ou a Igreja estava errada desde sua fundação por Nosso Senhor Jesus Cristo até o Vaticano II (nesse caso, a Igreja nunca foi fundada por Cristo e é uma fraude), ou a Igreja estava errada depois do Vaticano II (no entanto, o dogma da Indefectibilidade ensina que a Igreja não pode ensinar o erro ou transmitir o mal e ela durará até a consumação dos séculos). A resposta pode ser encontrada no ensino tradicional dos teólogos e canonistas aprovados: que é possível para o papa, enquanto doutor privado, professar publicamente a heresia e perder o pontificado pela Lei Divina. Também é ensinado que um herege não pode obter o papado. Essas possibilidades teológicas muito reais são chamadas de sedevacantismo (que significa “a sé de São Pedro está vacante”). O sedevacantismo, em termos gerais, é a posição de que atualmente não há papa, e o homem Jorge Bergoglio, comumente aceito e chamado de papa, é de fato um falso papa, não havendo nenhum papa real conhecido no momento. Mais especificamente, é a posição de que os homens considerados sucessores do Papa Pio XII não são sucessores legítimos, e o último papa conhecido foi Pio XII.
O Vaticano II foi convocado por Angelo Roncalli, o homem mundialmente conhecido como “Papa” João XXIII. Assim como uma causa é conhecida por seus efeitos (por exemplo, o perfeito ajustamento do universo aponta para o Deus transcendente que o criou), Roncalli fez coisas que nenhum verdadeiro papa, resguardado pelo Espírito Santo, poderia fazer. (Para uma análise completa de João XXIII, consulte minha publicação: The Case Against Roncalli)
A Igreja sob o Papa Pio XII tinha as Quatro Notas e era nitidamente a Única e Verdadeira Igreja em continuidade com todos os papas desde São Pedro. O problema começou quando Roncalli começou a reabilitar todos os teólogos modernistas censurados pelo Papa Pio XII e convocou o Concílio para “atualizar” a Igreja. Roncalli nunca obteve o papado (em minha opinião, o cenário mais provável) ou perdeu sua autoridade após a eleição por profissão pública de heresia na qualidade de doutor privado. Somente um falso papa poderia ter assinado Pacem in Terris.
Aqueles que se ativeram à Fé Católica Integral, como sempre foi professada até a morte do Papa Pio XII, são comumente chamados de Católicos Tradicionais – aqueles Católicos Romanos que permanecem nestes tempos e circunstâncias mais incomuns. A solução para o que ocorreu (sedevacantismo) é explicada por uma tese teológica alternativa chamada sedeprivacionismo (que o falso papa modernista é um papa material, mas não um papa formal). Tanto o sedevacantismo propriamente dito quanto o sedeprivacionismo têm a mesma consequência: não temos papa. Expus esse contexto para que todos que lerem este texto possam entender que vivemos em uma época única de apostasia quase universal. A Igreja continua a funcionar, mas de uma maneira diferente de tempos passados, quando tínhamos um papa legítimo. Há novas questões de teologia que não têm uma resposta definitiva, como, por exemplo, “Como podemos ter um papa no futuro?” Os teólogos aprovados nunca abordaram essas questões a fundo. As três possibilidades de se conseguir um papa de volta são:
- Sedeprivacionismo – o papa material renuncia à sua heresia e torna-se um papa formal ou os cardeais materiais elegem um autêntico católico;
- Concílio geral imperfeito – os verdadeiros bispos elegem um novo papa;
- Intervenção divina – Deus restaura o papado milagrosamente.
Cada uma das possíveis soluções tem seus problemas. Tenha em mente que o fato de os sedevacantistas não terem todas as respostas não torna nossa posição falsa, nem faz de Bergoglio o “papa por falta de opção”. Imagine que alguém vai ao médico e, depois de examiná-lo e fazer os exames adequados, o médico lhe diz que ele tem uma doença rara e progressiva. O paciente pergunta ao médico: “Posso ser curado?” O médico responde: “Não sei”. A falta de conhecimento do médico sobre como obter a cura não significa que o paciente não possui a doença.
Nenhum sedevacantista sério, nem o Sr. Steve Speray, o Dr. Thomas Droleskey, o Novus Ordo Watch, nem eu (individualmente ou em grupo) temos todas as respostas para essa situação única. Estamos tentando trilhar nosso próprio caminho de católicos da melhor maneira possível. Como um amigo meu da Igreja me disse uma vez com um sorriso: “Se eu tivesse todas as respostas, eu me candidataria a Deus em novembro”. Com esse panorama em mente, mostrarei que Contra está completamente errado ao afirmar que o sedevacantismo (e o sedeprivacionismo) é “herético”.
O Sepulcro Caiado
Àqueles que não estão familiarizados com o sedevacantismo e que estão começando a examinar o assunto pela primeira vez, o blog de Contra parece impressionante. Embora “pareça bonito” e erudito, na verdade ele cheira a sofisma. É semelhante aos fariseus que queriam parecer santos para todos, mas foram condenados por Cristo como “sepulcros caiados”, que parecem bonitos, mas estão cheios de hipocrisia em seu interior (cf. São Mateus XXIII, 27-28). Reaproveitando o material de John Salza e lançando publicação após publicação, ele cita teólogos e canonistas aprovados antes do Vaticano II para provar que a Apostolicidade não existe no caso de o sedevacantismo ser verdadeiro porque (afirma ele) deve haver bispos com jurisdição ordinária. Caso não haja tais bispos, a Igreja não possui uma das quatro notas que a Igreja Una e Verdadeira deve ter: “una, santa, católica e apostólica”. Portanto, os sedevacantistas não podem ser a Igreja remanescente e a Tese [de Cassiciacum] é herética. Contra afirmou que essa é uma refutação absoluta do sedevacantismo e do sedeprivacionismo. Tudo o que preciso fazer para provar que ele está errado é mostrar que o sedevacantismo ou sedeprivacionismo não implica necessariamente em uma perda da apostolicidade e, portanto, é compatível com o ensino da Igreja.
1. Contra não compreende o sedeprivacionismo e aplica erroneamente o ensinamento do Concílio do Vaticano (1870).
Muito embora ele cite um ex-sacerdote sedeprivacionista que apostatou para a seita do Vaticano II, o que ele escreve está completamente errado. Em sua publicação de 10 de junho de 2020, intitulada “Sedeprivationism is Heresy”, ele escreve: “O sedeprivacionismo ensina que os ocupantes da Santa Sé desde a época de João XXIII possuem apenas uma sucessão material de Pedro; ou seja, eles não possuem a autoridade jurisdicional exigida. Esse ensinamento contradiz os decretos dogmáticos do Concílio Vaticano I”.
“Se, pois, alguém disser que o Apóstolo S. Pedro não foi constituído por Jesus Cristo príncipe de todos os Apóstolos e chefe visível de toda a Igreja militante; ou disser que ele não recebeu direta e imediatamente do mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo o primado de verdadeira e própria jurisdição, mas apenas o primado de honra – seja anátema” (Ênfase do original).
Os sedeprivacionistas não afirmam que o papa material é o “ocupante da Santa Sé”. Um papa material não é o papa em absoluto. O papa material tem a mera designação para governar. A designação para o poder é diferente do poder de governar. O Colégio Eleitoral elege o presidente dos Estados Unidos, mas os eleitores não governam. O propósito da designação é selecionar alguém para ter autoridade. Entretanto, alguém meramente designado não tem o poder de governar. O presidente eleito foi designado, mas não pode realizar nenhum ato presidencial, como utilizar o veto, até que faça o juramento de posse e assuma o mandato para o qual foi legalmente designado. O presidente eleito é reconhecido como tendo potencialidade para governar, mas ele não é o presidente e não deve ser obedecido.
Alguém pode ter um status legal (de jure) diferente de seu status real (de facto). Uma pessoa pode assassinar alguém e ser de fato um assassino, mas se e até ser condenada, ela não tem reconhecimento legal como tal. O inverso também é verdadeiro. Alguém pode ser condenado injustamente por assassinato e ter o status legal de um homicida condenado, conquanto permaneça inocente de facto. O poder de governar a Igreja provém diretamente de Deus. O poder de designar o governante é eclesiástico; ele provém da Igreja. Houve uma época em que os cardeais não eram o modo de escolher o próximo papa. A Igreja mudou o modo de designação diversas vezes na história.
Desde a profissão de heresia pela hierarquia durante o Vaticano II, os clérigos perderam todo o poder de governar, mas mantêm o direito de designar o governante, uma vez que a Igreja nunca retirou esse direito dos cardeais antes da Grande Apostasia. Por Lei Divina, a heresia remove todo o poder de governar, mas não o poder de designar o governante.
O herege nomeado é o papa eleito, mas não o papa, pois sua profissão de heresia impede a obtenção da autoridade. Ele tem sucessão material, não formal, e ocupa o cargo de papa potencialmente, não atualmente. Similarmente, o presidente eleito não pode receber o poder de governar a menos e até que faça o juramento do cargo.
O falso papa mantém a capacidade de designar homens que, por sua vez, designarão um papa material. Desse modo, a sucessão de São Pedro continua materialmente. Qual é o impacto dessa tese sobre a Igreja?
Há uma solução simples, mas nada fácil, para se obter um verdadeiro Papa. Se Bergoglio renunciasse publicamente à sua heresia e abraçasse a fé católica, fazendo a Profissão de Fé e o Juramento Antimodernista, ele removeria o obstáculo à recepção de sua designação para governar. Ele se tornaria um papa formal (verdadeiro, real). Bergoglio deve, então, receber uma ordenação e consagração válidas de um bispo tradicional, e o interregno de décadas finalmente terminará. Corretamente formulado e compreendido, o sedeprivacionismo não entra em conflito com o ensinamento dogmático do Concílio do Vaticano (1870). O fato de que alguém possa tê-lo formulado de modo diferente não significa de jeito nenhum que a Tese, assim entendida, seja herética. (Para mais informações sobre o sedeprivacionismo, confira minha postagem http://introiboadaltaredei2.blogspot.com/2014/11/sedeprivationism.html)
A Apostolicidade desapareceu? Não. Ela existiria potencialmente, não atualmente, com o designado. Tentar citar qualquer teólogo pré-Vaticano II aprovado em contrário é inútil, pois eles estavam falando sobre a Apostolicidade em tempos normais, não em tempos extraordinários. Há uma distinção que será discutida a seguir.
2. Teólogos aprovados ensinaram que poderia haver um interregno prolongado, como temos hoje, e que, portanto, ele não poderia ser incompatível com a manutenção das Quatro Notas.
Segundo o teólogo Dorsch, “A Igreja, de fato, é uma sociedade essencialmente monárquica. No entanto, isso não impede que a Igreja, por um curto período de tempo após a morte de um papa, OU MESMO POR MUITOS ANOS, permaneça privada de sua cabeça [vel etiam per plures annos capite suo destituta manet]. Sua forma monárquica também permanece intacta nesse estado…
Dessa maneira, a Igreja é, com efeito, um corpo sem cabeça… Sua forma monárquica de governo permanece, embora de uma maneira diferente – isto é, permanece incompleta e a ser completada. A ordenação do todo à submissão ao seu Primaz está presente, conquanto a submissão atual não esteja…
Por essa razão, diz-se com acerto que a Sé de Roma permanece depois que a pessoa que a ocupa morre – pois a Sé de Roma consiste essencialmente nos direitos do Primaz.
Esses direitos são um elemento essencial e necessário da Igreja. Com eles, ademais, o Primado continua, ao menos moralmente. A presença física perene da pessoa da cabeça [perennitas autem physica personis principis], no entanto, não é tão estritamente necessária.” (De Ecclesia 2:196-7; Ênfase minha)
Portanto, a Igreja pode permanecer por muitos anos sem um papa, e a forma de governo permanece, “embora de uma maneira diferente”. Ademais, houve uma situação histórica na Igreja por 51 anos chamada de O Grande Cisma do Ocidente. De 1378 a 1429, quando o Papa Martinho V se tornou o pontífice universalmente reconhecido, havia até três reivindicadores ao trono papal, todos com argumentos para sua legitimidade. Apenas um (ou possivelmente nenhum) poderia ter sido o verdadeiro papa. Qual deles, se é que havia algum, era o verdadeiro papa? Excomunhões mútuas, nomeação de bispos e cardeais; a quem se submeter? Não havia um papa discernível, portanto, segundo a teoria da visibilidade, a Igreja teria defeccionado – o que é impossível. Em uma época em que o tempo de vida era muito mais curto, não poderia haver bispos com jurisdição ordinária, caso nenhum dos reivindicadores fosse um verdadeiro papa. O fato de a Igreja ser indefectível é um dogma de fé.
Como Van Noort ensina, “[Durante o Grande Cisma do Ocidente]… a unidade hierárquica foi interrompida apenas materialmente, não formalmente. Apesar de os católicos estarem divididos em três partes em sua lealdade por causa da dúvida sobre qual dos candidatos [papais] havia sido legitimamente eleito, ainda assim todos estavam de acordo em crer que a lealdade era devida a um sucessor legítimo de Pedro e estavam dispostos a prestar essa lealdade.” (Cf. Dogmatic Theology [1956] 2:131; Primeira ênfase do original, segunda ênfase minha). Assim também, os católicos tradicionais estão “dispostos a prestar essa fidelidade” quando houver um verdadeiro papa.
O verdadeiro prego no caixão foi dado pelo teólogo Pe. Edmund James O’Reilly, um dos teólogos mais ortodoxos e eruditos do século XIX. Ele escreveu um livro em 1882 (apenas doze anos após o Concílio do Vaticano), intitulado The Relations of the Church to Society – Theological Essays. Na página 287, ele escreve em referência ao Grande Cisma do Ocidente:
“Já houve antipapas antes, de tempos em tempos, mas nunca com tal continuidade…
O grande cisma do Ocidente sugere-me uma reflexão que eu tomo a liberdade de expressar aqui. Não tivesse esse cisma ocorrido, a hipótese de uma coisa dessas acontecer pareceria a muitos quimérica. Diriam eles que não poderia ser, que Deus não permitiria que a Igreja chegasse a uma situação tão lastimável. Heresias podem brotar, disseminar-se e durar dolorosamente muito, pela culpa e para a perdição de seus autores e fomentadores, e também para grande aflição dos fiéis, aumentada pela perseguição de fato nos muitos locais dominados pelos hereges. Que os Católicos ficassem divididos acerca da questão de quem é o Pontífice, porém, que a verdadeira Igreja permanecesse entre trinta e quarenta anos sem uma Cabeça plenamente consolidada, e representativa de Cristo na terra, isso não poderia ser.
E, no entanto, foi; e não temos garantia de que não acontecerá novamente, embora possamos esperar fervorosamente que não aconteça. O que eu inferiria é que não devemos nos apressar em nos pronunciarmos sobre o que é que Deus pode permitir. Sabemos com absoluta certeza que Ele cumprirá Suas promessas; não permitirá que nada aconteça que destoe delas; que Ele sustentará Sua Igreja e a capacitará a triunfar de todos os inimigos e dificuldades; que Ele dará a cada um dos fiéis aquelas graças necessárias para que cada um sirva a Ele e obtenha a salvação, assim como Ele fez durante o grande cisma que estamos considerando, e em todos os sofrimentos e provações que a Igreja atravessou desde o começo.
Também podemos confiar que Ele fará muito mais do que Ele Se comprometeu a fazer por Suas promessas. Podemos nutrir a expectativa, com probabilidade que alegra, de sermos isentos no futuro de algumas das tribulações e infortúnios que se nos abateram no passado. Mas nós, ou nossos sucessores nas futuras gerações de cristãos, talvez veremos males mais estranhos do que os já experimentados, mesmo antes da aproximação imediata daquela grande recapitulação de todas as coisas na terra que precederá o dia do juízo. Não estou me fazendo passar por profeta, nem pretendendo ver prodígios de mau agouro, dos quais não tenho qualquer conhecimento. Tudo o que quero transmitir é que contingências relativas à Igreja, não excluídas pelas promessas divinas, não podem ser consideradas como praticamente impossíveis apenas porque elas seriam terríveis e aflitivas num grau altíssimo.” (Ênfase minha)
Os pontos seguintes são inequivocamente claros:
- O decreto do Concílio do Vaticano (1870) sobre o papado foi erroneamente entendido. A instituição do papado é perpétua; não há necessidade nem garantia de homens reais para ocupar esta Sé a todo momento.
- O Grande Cisma do Ocidente estabelece um precedente histórico para um interregno de facto de 51 anos, uma vez que ninguém sabia qual dos candidatos a papa era o papa, e havia uma possibilidade real de que nenhum dos candidatos fosse o Vigário de Cristo.
- O ensinamento dos teólogos indica claramente uma vacância da Santa Sé por um longo período de tempo. Tal vacância não pode ser declarada incompatível com as promessas de Cristo quanto à Indefectibilidade da Igreja. Portanto, todas as Quatro Notas, bem como a Apostolicidade e tudo o mais que a Igreja exige, continuam sendo necessárias, não obstante não sabermos as respostas exatas em uma determinada situação. O Magistério não permitiria que os teólogos ensinassem uma situação hipotética como uma possibilidade real, se isso, de algum modo, fosse incompatível com o dogma da Indefectibilidade e as promessas de Cristo.
- Também é ensinado pelos teólogos que seria extremamente imprudente estabelecer quaisquer limites preconcebidos quanto ao que Deus estará preparado para permitir que ocorra à Santa Sé, exceto por aquilo que seria contrário à Lei Divina (como um “papa herético” – um oximoro).
O que escrevi até este ponto é suficiente para desmoronar o argumento de Contra.
3. Os ensinamentos do teólogo Berry que Contra omite.
Contra cita gratuitamente a obra do teólogo Elwood Sylvester Berry, The Church of Christ [1955]. Pergunto-me se ele se deu ao trabalho de lê-la, ou se ao menos a entende. Aqui estão alguns dos ensinamentos de Berry contidos no mesmo tratado:
A Indefectibilidade Apostólica pertence somente à Sé Apostólica. Na página 79: “Portanto, nenhuma parte particular da Igreja é indefectivelmente Apostólica, exceto a Sé de Pedro, que é universalmente conhecida [por via de eminência] como a Santa Sé”. Assim, parece possível que cada parte da Igreja possa perder a Apostolicidade, exceto a Santa Sé. O sedeprivacionismo mantém essa Apostolicidade de jure.
Uma falsa igreja com um falso papa e falsos sacramentos conduzida por Satanás. Nas pp. 65-66: “As profecias do Apocalipse mostram que Satanás imitará a Igreja de Cristo para enganar a humanidade; ele estabelecerá uma igreja de Satanás em oposição à Igreja de Cristo. O Anticristo assumirá o papel de Messias; seu profeta atuará como papa, e haverá imitações dos sacramentos da Igreja. Haverá também prodígios mentirosos em imitação aos milagres realizados na Igreja.” (Ênfase do original). Uma falsa igreja! Será que Bergoglio e a seita do Vaticano II estão preparando o caminho para o fim dos tempos?
Apostolicidade como uma das Quatro Notas. Na página 88: “Apostolicidade, enquanto nota, é, pois, restrita à sucessão, sendo esta uma sucessão formal, porquanto a legitimidade não é uma qualidade externa facilmente reconhecida por todos, ao passo que a sucessão material, isto é, uma linha ininterrupta de pastores que remonta aos Apóstolos, pode ser conhecida até mesmo pelos iletrados tão facilmente quanto a sucessão de governantes civis no Estado. Contudo, já que a apostolicidade [por via de] sucessão material pode existir, e provavelmente existe, em algumas igrejas cismáticas, ela constitui apenas uma nota negativa”.
Portanto, a sucessão material determina a Apostolicidade como uma Nota da Igreja. Berry, na página 104, explica por que as seitas cismáticas como os ortodoxos orientais não possuem uma nota apostólica positiva: “Sob nenhuma circunstância eles [cismáticos orientais] possuem sucessão legítima; não há transmissão de jurisdição em razão de terem se retirado da comunhão com Roma, o centro e a fonte de toda jurisdição”. Os sedevacantistas nunca se afastaram da comunhão com Roma! A fim de provar que o fizemos, Contra deve lançar a questão afirmando que Bergoglio é um papa verdadeiro, que é a própria matéria em disputa.
Um Papa duvidoso não é Papa. Na página 229: “UM PAPA DUVIDOSO. Quando há uma dúvida prudente quanto à validade de uma eleição para qualquer cargo oficial, há também uma dúvida semelhante se a pessoa assim eleita realmente tem autoridade ou não. Em tal caso, ninguém é obrigado a obedecê-lo, pois é um axioma da lei que uma lei duvidosa não implica obrigação – lex dubiat non obligat. Porém, um superior ao qual ninguém é obrigado a obedecer não é, com efeito, superior algum. Daí o ditado de Belarmino: um papa duvidoso não é papa”. Pode-se supor o nome “Roncalli”?
O sedevacantismo é uma possibilidade real. Na página 229: “Por fim, se um papa, em sua condição de indivíduo particular, caísse em heresia manifesta, ele deixaria de ser membro da Igreja e, consequentemente, também deixaria de ser seu pastor supremo… apesar de a Igreja nunca ter definido nada sobre o assunto”. Berry opina que é improvável que isso ocorra, mas é a opinião de todos os teólogos e canonistas aprovados que isso poderia ocorrer. Ademais, Bergoglio não poderia nem mesmo chegar ao papado. Como ensina o teólogo Van Noort, “a infalibilidade da Igreja se estende à disciplina geral da Igreja… O termo ‘disciplina geral da Igreja’ refere-se às leis eclesiásticas aprovadas para a direção do culto e da vida cristãos.” (Cf. Dogmatic Theology, 2:114-115). O Código de Direito Canônico de 1917 é uma lei disciplinar universal e, portanto, não pode ensinar o erro, a heresia ou promover o mal. O que o Direito Canônico nos diz sobre os que estão impedidos de obter o papado? Segundo o canonista Baldii, “os impedidos de serem validamente eleitos [papa] são os seguintes: mulheres, crianças que não atingiram a idade da razão, aqueles que sofrem de insanidade habitual, os não-batizados, hereges e cismáticos…” (Cf. Institutiones Iuris Canonici [1921]; Ênfase minha).
O Duplo Discurso do Vaticano II
Para que ninguém se esqueça, o que quer que os inimigos de Cristo digam contra a Fé do modo como ela é preservada agora, isso não torna a seita do Vaticano II e Bergoglio a Única Igreja Verdadeira e o papa “por falta de opção”. Os apologistas da seita do Vaticano II não têm escolha a não ser tentar compatibilizar posições contraditórias de maneira a evitar a acusação de heresia. No romance clássico de George Orwell, 1984, foi dito ao povo da Oceania que “Guerra é Paz” e “Liberdade é Escravidão”. A seita do Vaticano II quer que acreditemos que a “Heresia é Católica”. Eles querem fazer isso “lendo o Vaticano II à luz da Tradição”. Fornecerei apenas um exemplo para mostrar o absurdo patente de tal pretensão.
É um dogma que a Igreja Católica Romana é a Única e Verdadeira Igreja, fora da qual ninguém pode salvar-se. Para ser salvo, o indivíduo deve estar unido a ela no momento da morte e em um estado de graça santificante.
- O Papa Inocêncio III, em 1215, declarou infalivelmente: “Uma só é, de fato, a Igreja universal dos fiéis, fora da qual ninguém se salva…” (Ênfase minha)
- O decreto infalível do Concílio de Florença: “A Santíssima Igreja Romana crê firmemente, professa e ensina que nenhum dos que se encontram fora da Igreja Católica, não apenas os pagãos, mas também os judeus, os hereges e os cismáticos, pode ter parte na vida eterna; ao contrário, eles irão para o fogo eterno que foi preparado para o Diabo e seus anjos, exceto se, antes da morte, se unirem a ela…” (Cantate Domino; Ênfase minha)
- O Papa Gregório XVI ensinou: “Agora Nós consideramos outra fonte abundante dos males com os quais a Igreja é afligida no presente: o indiferentismo. Esta opinião perversa é disseminada por todos os lados pela burla dos ímpios que afirmam que é possível obter a salvação eterna da alma pela profissão de qualquer tipo de religião, desde que a moralidade seja mantida.” (Encíclica Mirari Vos, parágrafo 13; Ênfase minha)
O ensinamento é claro: todas as seitas criadas pelo homem são um meio de condenação, não um meio de salvação. O que o Vaticano II ensina? Em Unitatis Redintegratio, parágrafo 3: “As igrejas e comunidades separadas [heréticas e cismáticas] como tais, embora acreditemos que sofram dos defeitos já mencionados, não foram de modo algum privadas de significado e importância no mistério da salvação. Com efeito, o Espírito de Cristo não se abstém de utilizá-las como meios de salvação que derivam sua eficácia da própria plenitude da graça e da verdade confiadas à Igreja Católica.” (Ênfase minha).
Com que ginástica mental pode-se afirmar que esse ensinamento está de acordo com os citados anteriormente? As falsas seitas são um meio de condenação (ensinamento pré-Vaticano II) ou são um meio de salvação (ensinamento do Vaticano II)? Ambos não podem ser verdadeiros. Àqueles que tentam equivocar-se quanto à palavra ‘meio’, o autor sedevacantista John Lane é rápido em apontar: “Ouvimos o argumento de que a palavra ‘meio’, que consta na passagem aberrante deste decreto, talvez tivesse a intenção de significar algo como ‘degrau’; mas é claro que a palavra não é capaz desse significado nem em si mesma nem na palavra latina da qual é a tradução. Um axioma filosófico afirma que ‘um meio que não pode atingir seu fim não é um meio’. Voar em um avião é um meio de ir da Inglaterra para a França, mas andar de bicicleta não o é, mesmo se, ao chegar ao Canal da Mancha, a pessoa deixar a bicicleta de lado e usar outro meio de transporte”.
Eu poderia dedicar inúmeras publicações a muitas outras contradições que existem antes e depois do Vaticano II. No entanto, isso não impedirá Contra de produzir grandes quantidades de argumentos “recortados e colados, fáceis de usar” de Salza e Siscoe em uma tentativa de “sobrecarregar” os tradicionalistas e fazer parecer que ele está tendo facilidade na redação de uma grande quantidade de pesquisas (e que realmente entende do assunto). Como advogado, faço muitas pesquisas e textos, e ganho a vida argumentando em tribunais. Para fazer uma pesquisa real e apresentar argumentos sólidos e válidos, é necessário tempo e esforço. Esse é o motivo pelo qual faço apenas uma publicação por semana. Procuro qualidade, enquanto Contra quer apenas quantidade – e isso é visível.
Conclusão
O sedevacantismo (propriamente dito e o sedeprivacionismo) são as únicas soluções reais para a Grande Apostasia em que nos encontramos. Ser contra isso é realmente ser contra o Catolicismo. A posição R&R depende de uma visão não-católica do papado e do Magistério. O Vaticano II e os “papas” pós-conciliares que eles reconhecem ensinarão algo, e daí eles decidem o que obedecerão e o que não obedecerão. Não é católico ter um Magistério incapaz de ensinar e um papa a quem se deve obedecer somente quando se concorda com ele. Há pessoas como Steve Skojec que afirmam que a Igreja pode defeccionar. Elas negam o dogma da Indefectibilidade. De que serve um Magistério no qual não se pode confiar e um “papa” que pode provocar a ruína das almas?
Por fim, temos os apologistas da seita do Vaticano II, como Contra, o tópico desta publicação. Eles querem que os senhores mantenham posições contraditórias e enfiem a cabeça na areia, pensando que a seita do Vaticano II é a Igreja Católica que apenas parece diferente, mas é realmente a mesma quando “lida à luz da tradição”. A única luz a ser lançada sobre os malditos documentos do Vaticano II deve vir de uma fogueira, reduzindo-os a cinzas e enviando-os de volta às chamas do inferno que os produziu.
Tradução por Dominicus; de https://introiboadaltaredei2.blogspot.com/2020/06/contra-catholicism.html

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