Cardeal Tomás de Vio Caetano, O.P.
1511
Presumindo a certeza dos três pontos seguintes, a saber, que o Papa, pelo fato de ter se tornado herege, não é automaticamente deposto por direito humano ou divino, e que o Papa não tem superior na terra e que o Papa, se se desviar da Fé, deve ser deposto, como é dito no cap. Si Papa, XL D., uma grande incerteza permanece quanto a como e por quem o Papa a ser deposto deve ser julgado para ser efetivamente deposto, uma vez que um juiz enquanto tal é superior àquele que é julgado.
Por isso, o Apóstolo na epístola aos Romanos XIV, 4 diz: “Quem és tu para julgar o servo alheio? Se ele está de pé ou cai, isso é com o seu senhor”. E Santo Tomás na IIa IIæ, q. 67 declara que o juiz pode julgar somente o sujeito e como também é dito nas Decretais D. XXI, cap. Inferior.
Se, com efeito, o Papa deve ser julgado e deposto por um Concílio Universal, segue-se imediatamente que, permanecendo Papa, está acima do Concílio Universal, ao menos em caso de heresia. Se, por outro lado, nem o Concílio nem a Igreja estão acima do Papa, segue-se imediatamente que um Papa que se desvia da Fé deve ser julgado e deposto, e, no entanto, ninguém pode julgá-lo e depô-lo. E isso é absurdo.
Então, o que podemos dizer para evitar esses dois extremos? Não podemos fazer nada além de nos voltarmos para a via mediana, que é difícil de alcançar: na realização da qual consiste a virtude que normalmente soluciona muitas questões.
Portanto, dizemos que há duas vias extremas, ambas falsas. Uma é aquela segundo a qual um Papa que se tornou herege é deposto ipso facto por direito divino, sem julgamento humano: a outra é aquela segundo a qual o Papa, permanecendo Papa, possui acima de si um poder superior pelo qual pode ser deposto.
Mas a via mediana se divide em duas: uma diz que o Papa não tem absolutamente nenhum superior na terra, mas que, no caso de heresia, tem a Igreja universal como seu superior na terra; a outra diz que o Papa não tem um superior na terra, nem simpliciter nem em um caso particular, mas está sujeito ao poder ministerial da Igreja universal apenas no que diz respeito à destituição.
A primeira via baseia-se na força coercitiva e judicial da Igreja sobre Pedro, o Papa, no caso de heresia: com efeito, para ser julgado, é preciso submeter-se e ser coagido. Essa é a via comumente seguida, até onde pude observar até o momento.
Contra essa abordagem deve ser considerado o fato de que, como vimos, o Papa, por direito divino, está acima do Concílio e da Igreja; segue-se que, se em algum caso particular ele estiver sujeito a isso, essa exceção teria de ser estabelecida por direito divino. Com efeito, é evidente que nenhum outro direito inferior pode estabelecer essa exceção.
Ora, no direito divino, quando a exceção do caso de heresia é estabelecida, não falamos de submissão, mas de separação, como fica evidente em cada um dos textos da Sagrada Escritura referidos: Em Nm. XVI, 26 é dito: “Afastai-vos”; em Gl. I, 8: “Que seja anátema”, isto é: “que seja separado”; em 2Ts. III, 6: “Apartai-vos”; em 2Co. VI, 14: “Não vos sujeiteis ao mesmo jugo”; 2Jo. I, 10: “Não o recebais, nem o saudeis”; em Tt. III, 10: “Rejeite”. Em suma, não encontro em lugar algum que a lei divina fale de superioridade ou inferioridade no caso de heresia, mas apenas de separação. Com efeito, sabe-se que a Igreja pode se separar do Papa unicamente por meio desse poder ministerial com o qual ela pode elegê-lo. Portanto, uma vez que foi sancionado por direito divino que o herege seja evitado e seja um estranho à Igreja, não é necessário que haja um poder maior do que o poder ministerial: é por isso que ele é suficiente e se encontra na Igreja.
Para confirmar isso, é preciso observar que não se deve atribuir ao direito divino o que não se encontra nele ou não decorre necessariamente do que está expresso nele. Ora, no direito divino não há menção, no sentido estrito, de um poder sobre o Papa no caso de heresia, nem isso pode ser deduzido como uma consequência necessária do direito divino. Portanto, prova-se a menor: que não existe tal coisa, penso que isso é evidente para qualquer um que esteja lendo isto. Digo “penso” porque um cisma iminente me levou inesperadamente a escrever este opúsculo em dois meses.
E que, em verdade, também não pode ser deduzido [do direito divino], é evidente pelo fato de que, como não é conveniente multiplicar os entes sem necessidade, é preferível estabelecer um princípio a estabelecer vários. Uma vez que o poder ministerial é suficiente, não há necessidade de outro.
Será, portanto, a via mediana, a verdadeira via, visto que um Papa que se tornou herege e persevera na heresia não tem poder na terra que lhe seja superior, mas tão somente poder ministerial para sua destituição.
Portanto, para provar isso, devemos retroceder um pouco e, primeiro, fazer três observações. Em primeiro lugar: há três elementos no Papa: o papado, a pessoa que é Papa, por exemplo, Pedro, e a união desses dois elementos, isto é, o papado em Pedro, e dessa união surge Pedro-Papa.
Em segundo lugar: reconhecendo e aplicando cada causa ao seu devido efeito, descobrimos que o papado provém imediatamente de Deus, Pedro provém de seu pai, etc.; mas a união do papado em Pedro, após o primeiro Pedro ter sido instituído imediatamente por Cristo, não provém de Deus, mas de um homem, como se mostra evidente, pois ocorre por meio de uma eleição por parte dos homens.
Dois consentimentos humanos concorrem para esse efeito, a saber, o dos eleitores e o do eleito: com efeito, é necessário que os eleitores elejam voluntariamente e que o eleito aceite voluntariamente a eleição, caso contrário, nada sucede [nihil fit]. Portanto, a união do papado em Pedro não provém imediatamente de Deus, mas de um ministério humano, seja da parte dos eleitores, seja da parte do eleito.
O ministério humano que produz essa união não age como quando o ativo está unido ao passivo, ou o fogo à palha, ou a virtude da paixão de Cristo ao sujeito, como faz aquele que batiza e administra os sacramentos, porque em nosso caso não há ativo unido, mas apenas a vontade humana dos eleitores e do eleito: não seria fácil imaginar qualquer outro ativo [non facile esset fingere aliquod aliud activum]. Mas do fato de que a união do papado com Pedro é um efeito da vontade humana, quando a mesma vontade constitui Pedro-Papa, segue-se que, embora o Papa dependa apenas de Deus in esse et in fieri, Pedro-Papa também depende do homem in fieri. Com efeito, Pedro é feito Papa pelo homem quando, eleito pelos homens, o homem eleito aceita, e assim o papado é unido a Pedro.
Em terceiro lugar: dado que nada é tão natural quanto o fato de que tudo ocorre por meio de causas determinadas, inversamente (é natural que) pela mesma causa [tudo] é anulado, como é dito no cap. Omnis, de regulis juris; portanto, Pedro-Papa, que tem sua própria causa em seu consentimento e na de seus eleitores, pode, por outro lado, ser anulado pela mesma causa. E isso foi estabelecido por Celestino V, e pela Decretal de Bonifácio VIII, em VI°, De renunciatione, cap. I.
Dessas três premissas, em primeiro lugar, parece certo e sem sombra de dúvida que Pedro-Papa, seja ao se tornar tal ou ao ser deposto, depende de um poder humano que não é maior ou igual ao poder do Papa, mas menor, porque nem para passar de Pedro-não-Papa para Pedro-Papa, nem no sentido oposto, de Pedro-Papa para Pedro-não-Papa, é necessária qualquer outra faculdade além da faculdade da vontade humana, isto é, do eleito e dos eleitores. E, na questão com a qual nos ocupamos, não devemos olhar para a boa ou má consciência, ou se elas são animadas por boa ou má intenção ou razão; nessa questão, devemos nos ater aos fatos, de modo que, na verdade, Pedro é ou não é Papa.
Que esse poder também é inferior ao poder do Papa é evidente, mesmo sem outra prova, pelo fato de que, tendo morrido um Papa, mesmo sem uma decisão de direito positivo, esse poder se encontra na Igreja e não se estende às coisas às quais se estende a autoridade do Sumo Pontífice: caso contrário, haveria dois poderes supremos na Igreja e Cristo não teria instituído um regime eclesiástico monárquico. E uma vez que o igual não tem poder sobre seu próprio igual, os Pontífices não poderiam ter imposto a esse poder o modo de execução: isto é, por quem, por quanto e como a eleição deve ocorrer e a invalidade do ato se fosse feito de modo diferente. Tudo isso mostra que esse poder não é nem inferior nem igual, mas inferior ao poder do Papa; com efeito, é próprio de uma virtude superior dispor com autoridade a respeito de um ato de um inferior de tal modo que, se fosse realizado de modo diferente, não seria válido, como é o caso na questão que enfrentamos.
Em segundo lugar, é certíssimo que uma coisa é ter poder sobre a conjunção a ser estabelecida ou anulada entre Pedro e o papado, e outra coisa é ter poder sobre o Papa. Pelo fato de que o poder inferior ao papado, isto é, a simples vontade dos eleitos e eleitores, pode fazer ou desfazer essa união e que um poder desse gênero, sendo inferior ao papado, não tem poder sobre o Papa, fica claramente demonstrado que uma coisa é ter poder sobre essa união e outra coisa é ter poder sobre o Papa. Portanto, não há poder sobre o Papa, exceto em Nosso Senhor Jesus Cristo; ao contrário, o poder sobre a união do papado e de Pedro é encontrado na Terra, e com razão, porque o papado é obra de Deus imediatamente [quia papatus opus Dei immediate est], enquanto a união do papado e de Pedro é obra nossa [coniunctio autem papatus et Petri opus nostrum].
Tampouco vós, que professais ser um filósofo, ficaria surpreso com o fato de que há um poder acima da união da forma com a matéria, que não está acima da forma, dado que a união da forma com a matéria ocorre posteriormente. Vossa surpresa cessaria se considerásseis que a união da forma e da matéria pode ser considerada de dois pontos de vista, por parte da matéria e por parte da forma, e que o que tem poder sobre a união da forma e da matéria por parte de ambos ou por parte da forma também tem poder sobre a forma, mas o que tem poder sobre essa união por parte da matéria não precisa ter poder sobre a forma, como é evidente na geração do homem. “O sol e o homem geram o homem” (Aristóteles, Phys., II, 2.), que consiste na união do corpo e da alma intelectual, ou nasce dessa união, e sabemos que o sol e o homem não têm poder sobre a alma intelectual, que vem do exterior, mas têm poder sobre essa união por parte do corpo, que é a matéria. Isto é o que se passa na questão que nos interessa: com efeito, o papado e Pedro são como matéria e forma, e somente Jesus Cristo tem poder sobre a união deles por parte do papado e, consequentemente, das duas partes, e por isso somente Ele pode estabelecer limites e estabelecer o poder do Papa; a Igreja tem poder sobre a união deles somente por parte de Pedro e por isso não pode fazer nada a respeito do Papa, mas somente no que diz respeito à união.
E como a moção do Papa, seja por renúncia, seja por destituição, seja por expulsão, não é a dissolução do papado ou de Pedro, mas da união do papado e de Pedro, é necessário, por essa razão, que, com a maior diligência e prudência, quando se trata da moção de um Papa, sempre se tenha em mente que isso não requer um poder superior ao Papa, mas superior à união entre Pedro e o papado.
Sendo mais claro: temos de saber que é certo que Pedro-Papa vivo pode ser privado do papado de três modos: primeiro, por expulsão da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo; segundo, por renúncia espontânea de sua parte; terceiro, por destituição involuntária por heresia incorrigível da parte da Igreja. Mas em todos esses casos o papado e Pedro não cessam de existir; apenas a união dos dois deixa de existir, mas de modo distinto em cada caso. No primeiro, em outras palavras, pela expulsão por parte de Nosso Senhor Jesus Cristo, essa união é dissolvida por um poder superior não apenas em relação à união, mas também em relação ao papado: com efeito, a autoridade do Senhor permanece acima dessa união por parte da forma. E posto que, como já foi dito, não há outro poder acima do Papa e, por essa razão, nenhum outro poder pode afetar essa união por parte da forma, segue-se que nenhum outro poder pode depor o Papa como um poder superior a ele, a não ser o próprio de nosso Salvador.
E é precisamente desse modo que deve ser interpretado o que foi dito pelo Papa Anacleto D. LXXIX, Eiectionem, que afirma: “O Senhor reservou a Si mesmo a expulsão dos Sumos Pontífices”. Com efeito, a diferença entre o Papa e os outros Pontífices reside no fato de que os outros Pontífices podem ser expulsos por um poder maior do que o poder dos próprios Pontífices, mas não o Papa; porque na Igreja terrestre há um poder maior do que o poder jurisdicional do bispo, mas não um poder maior que o poder do Papa. Disso resulta que o Senhor concedeu ao Papa a expulsão deles, atribuindo-lhe um poder superior, mas reservou para Si mesmo a expulsão do Papa, não concedendo a ninguém mais um poder superior ao do papado. Portanto, se o Papa João expulsasse um bispo com a plenitude de seu poder, esse bispo seria expulso e não teria mais poder de jurisdição, mas na Igreja o Senhor não deixou nenhum poder que pudesse atuar do mesmo modo contra Pedro-Papa. No segundo modo, isto é, pela renúncia, e no terceiro, pela destituição, essa união é dissolvida não por um poder que está acima do papado, mas por um poder que está acima apenas da união, uma vez que nem a vontade de Pedro nem a vontade da Igreja estão acima do papado, e é precisamente dessas vontades que essa união provém e é dissolvida, como parece evidente.
Como, portanto, é certo que um papa que se tornou um herege incorrigível não é automaticamente deposto e deve ser deposto pela Igreja, e que a Igreja não tem poder sobre o papado, e que a Igreja tem poder sobre a união de Pedro com o papado, na medida em que é obra sua, deve-se dizer que quando Pedro, que se tornou um herege incorrigível, é deposto pela Igreja, é julgado e deposto por um poder superior não ao papado, mas à união entre o papado e Pedro.
Tradução por Dominicus; de De Comparatione Auctoritatis Papæ et Concilii, cap. XX.

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