O Testemunho da Escritura e da Tradição
Novus Ordo Watch
2024
Investigação e explicação feitas pelo Cardeal Henry Edward Manning (1808-1892)
Neste angustiante momento em que a confusão e o caos reinam entre todos os que buscam ser genuínos católicos, membros da única religião verdadeira estabelecida por Deus, é proveitoso e importante refletir sobre o fato de que a situação em que nos encontramos em nossos dias – nenhum Papa válido (conhecido) desde 1958, e nenhum aparente bispo católico com jurisdição ordinária, enquanto uma instituição falsificada se disfarça de Igreja Católica, alastrando heresia, imoralidade e impiedade — foi predita pela Sagrada Escritura e pela Sagrada Tradição.
Assim como a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Nosso Senhor pegou (quase) todos de surpresa, como se não tivessem sido profetizadas de antemão, assim parece que a própria Paixão mística e a aparente morte da Igreja pegaram todos de surpresa, não obstante a Sagrada Escritura, a Sagrada Tradição, os Padres da Igreja e diversos teólogos testemunharem que o Corpo Místico de Cristo terá que passar por suas maiores provações antes do fim do mundo.
Em publicações e artigos anteriores (cf. aqui), já referimos algumas dessas exposições das Escrituras em que se prediz uma apostasia da Fé e, mais especificamente, em que se profetiza que o Papado seria atingido e perseguido da forma mais aterradora.
Apesar de ser claro que, ao longo da história da Igreja, o Papa sempre foi um alvo dos inimigos da Igreja, na medida em que ele é o verdadeiro Vigário de Jesus Cristo na terra e a cabeça visível da Igreja, não é surpreendente que nos últimos dias o iníquo galvanize todas as suas forças para fazer uma tentativa final e poderosíssima de conquistar o Papa e a Igreja. Tal derradeira batalha Satânica contra o Reino de Deus na terra seria virtualmente sem precedentes em termos de sua natureza, extensão, fúria, poder, horror e astúcia.
Foi-nos Avisado: Um Grande Engano para Destruir a Igreja
Nas décadas que antecederam a criação da seita modernista do Vaticano II, os Papas advertiram com urgência e veemência contra as conspirações engendradas pelas sociedades secretas, que tinham como propósito declarado a infiltração e a destruição derradeira da Igreja e da doutrina católicas. A seguinte publicação no blog fornece diversos excertos de documentos papais anteriores ao Vaticano II que chamam a atenção para a perseguição que está a ser tramada e levada a cabo contra a Igreja pelos seus inimigos mais perniciosos (cf. aqui).
Alguns insensatos tentam afastar esta evidência através da resposta apressada e conveniente de que “a Igreja não pode ser destruída e as portas do inferno não podem prevalecer”, o que, não obstante ser verdade, não compreende a realidade da situação: os próprios Papas, naturalmente, também sabiam que a Igreja Católica não pode ser destruída, sendo obra de Deus e tendo a promessa de Cristo de que ela perdurará até ao fim dos tempos sem qualquer alteração substancial. Por que razão, então, os repetidos alertas papais? Por que o sentido de urgência e alarme em relação ao que os inimigos da Igreja estavam a tentar fazer?
A resposta é simples: Embora a Igreja nunca falhe, mas perdure até o fim dos tempos, a perseguição dos seus inimigos causa um dano enorme às almas, e estas vão efetivamente para o inferno se forem vítimas dela, não obstante a Igreja perdure. Quando a Fé é atacada, quando as almas correm o risco do fogo do inferno, quando a heresia ameaça sufocar a Fé inocente e pura dos seus filhos, não basta dizer que a Igreja não pode falhar. Ela não pode falhar, de fato, mas o número de seus membros pode diminuir, ou seja, seus filhos podem cair, abandonar a Fé, tornar-se indiferentes, pecar mortalmente, morrer de fome espiritual devido à confusão e à falta de conhecimento, e ir para o inferno por toda a eternidade.
Que o Reino de Deus na terra perca membros e os transfira de volta para o reino do demônio, mesmo em bloco, é motivo de grande preocupação e ansiedade; trata-se precisamente do oposto do que a Igreja foi mandatada para realizar! A Igreja foi fundada para conduzir as almas para o céu, não para vê-las condenadas ao inferno. É por esta razão que uma réplica sarcástica de “Mas as portas do inferno não prevalecerão” perante a perseguição da Igreja é completamente equivocada.
Nosso Senhor Jesus Cristo, o Bom Pastor das nossas almas (cf. Jo 10, 14; 1Pe 2, 25), avisou-nos de que, antes da Sua gloriosa Segunda Vinda, haveria uma apostasia da Fé, possibilitada por um grande engano, um engodo tão convincente que até os próprios eleitos cairiam nele, se não fossem especialmente impedidos por Deus:
Estando sentado sobre o monte das Oliveiras, aproximaram-se dele seus discípulos, à parte, e perguntaram: Dize-nos quando sucederá isto, e qual será o sinal da tua vinda e do fim do mundo? Jesus respondeu-lhes: Vede que ninguém vos engane. Porque virão muitos em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e seduzirão muitos. Ouvireis falar de guerras e de rumores de guerras. Olhai, não vos turbeis, porque importa que estas coisas aconteçam, mas não é ainda o fim. Levantar-se-á nação contra nação, e reino contra reino, e haverá fomes, pestilências e terremotos em diversos lugares. Todas estas coisas são o princípio das dores. Então sereis sujeitos aos tormentos e vos matarão, e sereis odiados por todas as gentes por causa do meu nome. Muitos então sucumbirão, uns aos outros se entregarão e se odiarão. Levantar-se-ão muitos falsos profetas, e seduzirão muitos. Multiplicando-se a iniquidade, se resfriará a caridade de muitos. Mas o que se perseverar até ao fim, esse será salvo. Será pregado este Evangelho do reino por todo o mundo, em testemunho a todas as gentes. Então chegará o fim. Quando, pois, virdes a abominação da desolação, que foi predita pelo profeta Daniel (cf. Dn 9, 27; Dn 11, 31; Dn 12, 11), posta no lugar santo, então os habitantes da Judeia, fujam para os montes, o que se acha sobre o telhado, não desça para tomar coisa alguma de sua casa, e o que está no campo, não volte atrás para tomar o seu manto. Ai das grávidas e das que tiverem crianças de peito naqueles dias! Rogai para que não seja a vossa fuga no inverno, ou em dia de sábado, porque então será grande a tribulação, como nunca foi, desde o princípio do mundo até agora, nem jamais será. E, se não se abreviassem aqueles dias, não se salvaria pessoa alguma; porém, serão abreviados aqueles dias em atenção aos eleitos. Então, se alguém vos disser: Eis aqui está o Cristo, ou ei-lo acolá, não deis crédito, porque se levantarão falsos cristos, e falsos profetas, e farão grandes milagres e prodígios, de tal modo que (se fosse possível) até os eleitos seriam enganados. Eis que eu vo-lo predisse. (Mateus 24, 3-25; negrito nosso)
Um engano tão grande que – quase – engane até os eleitos, terá de ser muito engenhoso. Certamente, terá de enganar as massas católicas; terá de ser um engano que tenha o poder de apanhar esse grande número de fiéis católicos e torná-los infiéis. Que melhor maneira de o fazer do que criar uma falsa igreja no lugar da Igreja Católica, a partir do seu interior, uma seita que mantenha a aparência exterior da Igreja Católica, mas que mude as doutrinas da Fé, os sacramentos e a piedade católica? Se há alguém na terra a quem os católicos seguem, este é o Papa; por isso, a apostasia terá de ser imposta a partir do topo. O alvo, portanto, será o Papa – o papado deve ser usurpado, de um modo ou de outro, para que os inimigos da Igreja possam realizar o seu sonho perverso de perverter a Fé Católica de milhões de pessoas com o fim último desejado de estabelecer o reino do homem no lugar do reino de Cristo.
No século XIX, o plano da loja maçônica Alta Vendita foi exposto em sua secreta “Instrução Permanente”, um documento que, pela providência de Deus Todo-Poderoso, foi descoberto durante o reinado do Papa Gregório XVI (1831-1846) e mandado publicar pelos Papas Pio IX e Leão XIII:
Não pretendemos conquistar os Papas para a nossa causa, torná-los neófitos dos nossos princípios e propagadores das nossas ideias. Isso seria um sonho ridículo, seja qual for o rumo que os acontecimentos tomem. Se cardeais ou prelados, por exemplo, entrassem, voluntariamente ou de surpresa, de algum modo, numa parte dos nossos segredos, isso não seria de maneira nenhuma um motivo para desejar a sua elevação à Sé de Pedro. Essa elevação destruir-nos-ia. A ambição, por si só, levá-los-ia à apostasia de nós. As necessidades de poder obrigá-los-iam a imolar-nos. O que devemos exigir, o que devemos procurar e esperar, como os judeus esperavam o Messias, é um Papa segundo os nossos desígnios…
Agora, para nos assegurar um Papa da forma requerida, é necessário formar para esse Papa uma geração digna do reinado com que sonhamos…
… Procurai o Papa de quem vos damos o retrato. Quereis estabelecer o reino dos eleitos sobre o trono da prostituta da Babilônia? Deixai o clero marchar sob a vossa bandeira, acreditando sempre que marcham sob a bandeira das Chaves Apostólicas. Quereis fazer desaparecer o último vestígio de tirania e de opressão? Lançai as vossas redes como Simão Barjonas. Lançai-as nas profundezas das sacristias, dos seminários e dos conventos, mais do que nas profundezas do mar, e se nada precipitardes, tereis uma pesca mais milagrosa do que a dele. O pescador de peixes tornar-se-á pescador de homens. Reunir-vos-eis como amigos à volta da Cátedra Apostólica. Terás pescado uma Revolução de tiara e capa, marchando com cruz e estandarte – uma Revolução que somente precisa de um pequeno estímulo para incendiar os quatro cantos do mundo. (Instrução Permanente da Alta Vendita)
Apesar de parecer que os acontecimentos reais foram um pouco diferentes dos planejados neste documento – há provas de que Angelo Roncalli, que se tornou o primeiro Antipapa da falsa Igreja do Vaticano II em 1958, era na realidade um maçom rosacruz – o elemento-chave de um engano “católico por fora, mas herético por dentro” é o mesmo: “Deixai o clero marchar sob a vossa bandeira, acreditando sempre que marcham sob a bandeira das Chaves Apostólicas… Reunir-vos-eis como amigos à volta da Cátedra Apostólica. Terás pescado uma Revolução de tiara e capa, marchando com cruz e estandarte…”
É certo que todos os falsos “Papas” desde 1958 pregaram a doutrina modernista-maçônica, que foi oficialmente estabelecida pela primeira vez na encíclica Pacem in Terris, de João XXIII, em 1963, e no Concílio Vaticano II (1962-65): Os ideais Maçônicos de liberdade, igualdade e fraternidade tornaram-se as doutrinas do Vaticano II de liberdade religiosa, colegialidade e ecumenismo, que formam a base da religião Novus Ordo. Contudo, dos seis impostores papais até agora, o que mais abertamente professa e ensina as heresias maçônicas é o atual, Jorge Bergoglio, mais conhecido como “Papa Francisco”, como foi amplamente documentado aqui.
O que torna a terrível perseguição da Igreja pelos infiltrados maçônicos e pelos seus descendentes espirituais ainda mais intensa e também bastante trágica é que, muitas vezes, as pessoas que se deixam enredar por esses falsos ensinamentos e os promovem são, não obstante, de boa vontade, piedosas e procuram sinceramente servir a Deus – em outras palavras, muitos dos que impulsionam a apostasia não são enganadores deliberados, mas sim vítimas do engano. Num sermão dado no Domingo de Pentecostes de 1861, o famoso Padre Frederick Faber avisou que era precisamente isto que faria com que tantas pessoas caíssem no engano:
Devemos, pois, acautelar-nos dos perigos que vêm de dentro. Devemos estar em guarda mesmo contra livros, jornais, revistas e panfletos católicos, embora possam ser engenhosos. Nosso bem-aventurado Redentor disse dos falsos profetas dos últimos dias (Mt 24, 24) que eles deveriam “enganar, se possível, até mesmo os eleitos”. Ora, devemos lembrar que se todos os homens manifestamente bons estivessem de um lado, e todos os homens manifestamente maus do outro, não haveria perigo de ninguém, muito menos os eleitos, ser enganado por prodígios mentirosos. São os homens bons, bons outrora, e esperamos que ainda bons, que devem fazer a obra do Anticristo, e assim tristemente crucificar de novo o Senhor que eles mais do que professam amar. Tenham em mente esta particularidade dos últimos dias, que o seu engano resulta do fato de homens bons estarem do lado errado. (Rev. Frederick William Faber, Devotion to the Church, 2ª ed. [Londres: Richardson and Son, 1861], p. 27)
Nunca é demasiado enfatizar a importância deste ponto, pois muitas pessoas são influenciadas pela aparência externa e pela sinceridade (real ou aparente) dos outros. O que o Padre Faber nos ensina aqui é que mesmo aqueles que são bons e sinceros podem, sem o querer, fazer a obra do Anticristo – a sua sinceridade não significa que não sejam de facto agentes do diabo; a sua boa vontade não os impede de serem usados como instrumentos para realizar a obra de Satanás. Que isto fique bem claro por um momento!
O Cardeal Manning Prevê o Advento do Anticristo
Durante a Páscoa de 1861, o célebre convertido do anglicanismo Cardeal Henry Edward Manning (1808-92) publicou um opúsculo contendo quatro conferências que explicam os acontecimentos que precedem e rodeiam o advento do Anticristo, centrando-se nas palavras de São Paulo em 2 Tessalonicenses 2, 3-12, que também adverte para esse grande engano, mas também para uma revolta, um “homem do pecado”, e uma força que o retém temporariamente:
Ninguém de modo algum vos engane, porque isto não se dará sem que antes venha a apostasia (quase geral dos fiéis), e sem que tenha aparecido o homem do pecado, o filho da perdição, o qual se oporá (a Deus) e se elevará sobre tudo o que se chama Deus ou que é adorado, de sorte que se sentará no templo de Deus, apresentando-se como se fosse Deus. Não vos lembrais que eu vos dizia estas coisas, quando ainda estava convosco? E vós agora sabeis o que é que o retém, até que chegue o tempo de se manifestar. Com efeito, o mistério da iniquidade (posto que ainda não tenha aparecido o Anticristo) já se opera, somente falta que aquele, que agora o retém, desapareça. E então se manifestará esse iníquo (a quem o Senhor Jesus destruirá com o sopro da sua boca e aniquilará com o resplendor da sua vinda). A vinda desse iníquo será acompanhada, por obra de Satanás, de toda a espécie de milagres, sinais e prodígios mentirosos, de todas as seduções da iniquidade para aqueles que se perdem, porque (por sua culpa) não abraçaram o amor da verdade, que os salvaria. Por isso Deus lhes envia um poder de sedução, de tal modo que creiam na mentira, para que sejam condenados todos os que não deram crédito à verdade, mas puseram a sua complacência no mal. (2 Tessalonicenses 2, 3-12)
O opúsculo do Cardeal Manning intitulava-se The Present Crisis of the Holy See Tested by Prophecy (A Crise Atual da Santa Sé Testada à luz da Profecia), mas desde então foi reimpresso com o título mais chamativo The Pope & the Antichrist (O Papa e o Anticristo) (Tradibooks, 2007). A maior parte do conteúdo desta monografia foi incluída numa obra posterior, mais substancial, intitulada The Temporal Power of the Vicar of Jesus Christ (O Poder Temporal do Vigário de Jesus Cristo).
Embora se deva sempre advertir contra um enfoque excessivo nas coisas relativas ao “fim dos tempos”, como infelizmente muitos estão habituados a fazer, de igual modo não é sensato simplesmente ignorar toda a revelação relativa a estes assuntos, uma vez que claramente Deus Todo-Poderoso não nos revelou verdades para que as ignorássemos.
Em The Pope & the Antichrist (=The Present Crisis of the Holy See Tested by Prophecy), o Cardeal Manning delineia e explica em detalhes os quatro pontos centrais mencionados por São Paulo na perícope citada. São eles:
- Uma “Revolta” contra a Verdadeira Igreja
- A manifestação do “Iníquo” – o Anticristo
- Uma força de contenção que [o] “retém” durante algum tempo
- O Período de Poder durante o qual o Anticristo persegue os Fiéis
O cardeal é incisivo em salientar que as elucidações que fornece não são produto das suas próprias conjecturas, mas antes baseadas em autoridades teológicas católicas aprovadas: “Ao tratar deste assunto, não me aventurarei em quaisquer conjecturas minhas, mas entregarei simplesmente o que encontro quer nos Padres da Igreja, quer nos teólogos que a Igreja reconheceu, nomeadamente, [São Roberto] Belarmino, Lúlio, Malvenda, Viegas, Suárez, Ribera, e outros” (p. 9; negrito nosso).
Os seguintes excertos de The Pope & the Antichrist (em azul) estão divididos em seções de modo a corresponder às quatro conferências separadas do Cardeal Manning que constituem o conteúdo do livro. Ao ler estas passagens, não se esqueça que o Cardeal Manning escreveu em 1861, mais de 150 anos antes do nosso tempo, antes das duas terríveis guerras mundiais, antes da criação do Estado de Israel e pouco depois de o reino da Itália ter anexado à força a maior parte dos Estados Papais, dos quais o Papa era o governante temporal.
[COMEÇO DO EXCERTO]
Conferência I: A Grande Apostasia
Nós temos aqui uma profecia de quatro grandes fatos: primeiro, de uma revolta, que precederá a segunda vinda de Nosso Senhor; segundo, da manifestação daquele que é chamado de “o iníquo”; terceiro, de um obstáculo que detém sua manifestação; e por último, do período de poder e perseguição, do qual ele será o autor…
Primeiro, então, o que é a revolta? No original é chamada de apostasia; e na Vulgata, discessio, ou partida. Ora, uma revolta implica uma separação sediciosa de alguma autoridade, e uma consequente oposição a ela… Ora, não há no mundo senão duas autoridades supremas, a civil e a espiritual, e essa revolta deve ser ou uma sedição ou um cisma… Parece ser necessária pouca prova de que essa revolta ou apostasia é uma separação, não da ordem e autoridade civil, mas da espiritual; pois os escritores sagrados, repetidamente, falam de tal separação espiritual; e em um lugar São Paulo parece declarar expressamente o significado dessa palavra. Ele avisa a São Timóteo que, nos dias posteriores, “alguns se afastarão ou apostatarão da fé”; e parece evidente que a mesma queda espiritual é pretendida pela apostasia [referida] neste lugar.
A autoridade, portanto, da qual a revolta deve ser feita é a do reino de Deus na terra…, em outras palavras, a Igreja única e universal, fundada por nosso Divino Senhor e espalhada por seus Apóstolos em todo o mundo. Neste único reino sobrenatural foi depositado o verdadeiro e puro teísmo, ou conhecimento de Deus, e a verdadeira e única fé de Deus encarnado, com as doutrinas e leis da graça. Esta é, com efeito, a autoridade da qual a revolta deve ser feita, seja ela qual for.
Sendo essa a autoridade contra a qual a revolta é feita, não deverá ser difícil determinar o seu carácter. Os escritores inspirados descrevem expressamente as suas notas. A primeira é o cisma, tal como o indica São João: “É a última hora; e como ouvistes que vem o Anticristo, também agora se multiplicaram os Anticristos, donde conhecemos que é a última hora. Eles saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós, teriam permanecido conosco” (1Jo 2, 18-19). A segunda nota é a rejeição do ofício e da presença do Espírito Santo. Diz São Judas: “Estes são os que provocam divisões, seres sensuais que não têm o Espírito” (Jda 19): Isso necessariamente envolve o princípio herético da opinião humana em oposição à fé Divina; do espírito privado em oposição à voz infalível do Espírito Santo, que fala através da Igreja de Deus. A terceira nota é a negação da Encarnação. São João escreve: “Todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio na carne é de Deus; e todo o espírito que dissolve Jesus” (isto é, negando o mistério da Encarnação, quer a verdadeira divindade, quer a verdadeira humanidade, quer a unidade ou divindade da pessoa do Filho Encarnado) “não é de Deus, e este é o Anticristo, do qual ouvistes que vem, e já está no mundo” (1Jo 4, 2-3). Diz ainda: “Muitos sedutores se têm levantado no mundo, que não confessam que Jesus Cristo tenha vindo em carne: este é o sedutor e o Anticristo” (2Jo 7). Estas, portanto, são as marcas pelas quais – dado que a Igreja deve ser conhecida por suas notas – a revolta anticristã, ou apostasia, pode ser discernida.
… Todas as heresias, desde o princípio, não são mais do que o desenvolvimento e a expansão contínuos do “mistério da iniquidade”, que já estava em curso…
É evidente que este movimento [de apostasia] tem acumulado os seus resultados de época em época, e que neste momento está mais maduro e tem uma estatura mais elevada e um poder maior e um antagonismo mais formal à Igreja e à fé do que jamais teve…
Parece inevitável que a inimizade de todas as nações que estão separadas da unidade católica… se concentre na pessoa que é o Vigário e Representante de Jesus, e no Corpo que testemunha sozinho a Encarnação, e todos os seus mistérios de verdade e graça. Tal é a única Santa Igreja Católica e Romana, e tal é o Sumo Pontífice, sua Cabeça Visível. Tais são, nas palavras da Sagrada Escritura, os dois mistérios da piedade e da iniquidade. Todas as coisas estão lançando à luz e à proeminência os dois poderes supremos, que dividem os destinos dos homens. O conflito é um simples antagonismo entre Cristo e o Anticristo; e as duas matrizes estão se organizando em ordem, e os homens estão escolhendo seus princípios; ou os eventos estão escolhendo por eles; e eles estão inconscientemente à deriva em correntes das quais não estão cientes…
Conferência II: O Anticristo
Com efeito, é verdade que o Anticristo teve, e pode ainda ter, muitos precursores, como teve também o próprio Cristo: como Isaac, Moisés, Josué, Davi, Jeremias, foram tipos de um, assim Antíoco, Juliano, Ário, Maomé, e muitos outros, são os tipos do outro; pois pessoas tipificam pessoas. Assim, novamente, como Cristo é a Cabeça e o Representante no qual todo o mistério da piedade foi condensado e recapitulado, assim também todo o mistério da impiedade encontrará sua expressão e sua cabeça na pessoa do Anticristo. Ele pode de fato encarnar um espírito e representar um sistema, mas não é menos, por isso, uma pessoa…
Depois, os Padres [da Igreja] acreditavam que o Anticristo será da raça judaica… E isso parecerá provável, se considerarmos que o Anticristo virá para enganar os judeus, acentuando a profecia de Nosso Senhor: “Vim em nome de meu Pai, e vós não me recebeis; se vier outro em seu próprio nome, recebê-lo-eis”… A probabilidade disto também aparecerá, se considerarmos, ademais, que um falso Cristo falharia a primeira condição de sucesso se ele não fosse da casa de Davi; que os judeus ainda estão esperando a sua vinda; que eles se prepararam para a ilusão crucificando o verdadeiro Messias; e, portanto, é assim que os Padres interpretam do verdadeiro Messias e do falso as palavras de São Paulo aos Tessalonicenses: “Porque não receberam o amor da verdade para se salvarem, Deus enviar-lhes-á a operação do erro para acreditarem na mentira” (2Ts 2, 10-11)…
A partir disso, percebemos um terceiro caráter do Anticristo, a saber, que ele não será simplesmente o antagonista, mas o substituto ou suplantador do verdadeiro Messias: E isso se torna ainda mais provável pelo fato de que o Messias esperado pelos judeus sempre foi um libertador temporal, o restaurador de sua ordem temporal; ou, em outras palavras, um príncipe político e militar. É evidente, outrossim, que quem quer que possa vir a enganá-los no pretenso caráter de seu Messias, deve negar a Encarnação, seja qual for a pretensão de um caráter sobrenatural que possa apresentar para si mesmo. Em sua própria pessoa, ele será uma completa negação de toda a fé e Igreja Cristã; pois se ele for o verdadeiro Messias, o Cristo dos Cristãos deve ser falso…
No entanto, as profecias atribuem à pessoa do Anticristo um carácter mais preternatural. Ele é descrito como um operador de falsos milagres. Diz-se que a sua vinda será “acompanhada, por obra de Satanás, de toda a espécie de milagres, sinais e prodígios mentirosos, de todas as seduções da iniquidade para os que perecem” (2Ts 2, 9-10)… A época está madura para uma ilusão. Esta época não acreditará nos milagres dos santos, mas beberá copiosamente os fenômenos do espiritualismo…
A última caraterística de que falarei é talvez mais difícil de conceber. São Paulo diz do “homem do pecado”, “o qual se oporá e se elevará sobre tudo o que se chama Deus ou que é adorado, de sorte que se sentará no templo de Deus, apresentando-se como se fosse Deus” (2Ts 2, 4). Essas palavras são interpretadas pelos Padres como significando que ele reivindicará honras divinas, e isso no Templo de Jerusalém… [Ainda:] Como Cristo em Sua vinda foi acreditado ser um carpinteiro, assim o Anticristo pode ser visivelmente não mais do que um aventureiro de sucesso. Até o seu carácter preternatural, verdadeiro ou falso, pode passar ou como cintilações de loucura, ou como absurdos dos seus partidários, ou como ilusões dos seus aduladores. Assim, o mundo cega os seus próprios olhos com os vapores da sua própria soberba intelectual.
Conferência III: Quem ou o que impede a manifestação do Anticristo?
Assim como há um perpétuo operar desse mistério da iniquidade, assim também há um perpétuo impedimento ou barreira à sua plena manifestação, que continuará até que seja removido; e há um tempo determinado em que será tirado do caminho… Ora, visto que esse iníquo será uma pessoa sem lei, que introduzirá desordem, sedição, tumulto e revolução, tanto na ordem temporal quanto na espiritual do mundo, então aquilo que impedirá seu desenvolvimento e será seu antagonista direto após sua manifestação, deve necessariamente ser o princípio da ordem, a lei da submissão, a autoridade da verdade e do reto…
Chegamos agora a uma solução próxima daquilo que afirmei no início, a saber, como é que o poder que impede a revelação do iníquo não é apenas uma pessoa, mas um sistema, e não apenas um sistema, mas uma pessoa. Numa palavra, é a Cristandade e a sua cabeça; e, portanto, na pessoa do Vigário de Jesus Cristo, e naquela dupla autoridade com a qual, pela Divina Providência, ele foi investido, vemos o antagonista direto do princípio da desordem…
Com efeito, desde a fundação da Europa cristã, a ordem política do mundo assenta na Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo; por isso, todos os atos públicos de autoridade, e mesmo o calendário pelo qual datamos os nossos dias, são calculados a partir do ano da salvação, ou do “ano de Nosso Senhor”… No dia em que admitirdes aqueles que negam a Encarnação a uma igualdade de privilégios, retirareis a vida social e a ordem em que viveis da Encarnação para a base da mera natureza: e isto é precisamente o que foi predito para o período anticristão…
Se a barreira que impediu o desenvolvimento do princípio da desordem anticristã foi o poder divino de Jesus Cristo, Nosso Senhor, incorporado na Igreja e guiado pelo seu Vigário, então nenhuma mão é suficientemente poderosa e nenhuma vontade é suficientemente soberana para a tirar do caminho, mas apenas a mão e a vontade do próprio Filho de Deus encarnado…
A história da Igreja e a história de Nosso Senhor na Terra correm como que em paralelo. Durante trinta e três anos, o Filho de Deus encarnado esteve no mundo, e nenhum homem Lhe pôde pôr a mão em cima. Nenhum homem O podia prender, pois a Sua “hora ainda não era chegada”. Havia uma hora predeterminada em que o Filho de Deus seria entregue nas mãos dos pecadores. Ele previu-a; Ele anunciou-a. Ele segurou-a na Sua própria mão, pois rodeou a Sua pessoa com um círculo do Seu próprio poder Divino. Nenhum homem poderia romper esse círculo de onipotência até que chegasse a hora em que, por Sua própria vontade, abrisse o caminho para os poderes do mal…
O mesmo se dá com a Sua Igreja. Até que chegue a hora em que a barreira seja, pela vontade Divina, retirada do caminho, ninguém tem poder para lhe pôr a mão em cima. As portas do inferno podem guerrear contra ela; podem lutar e debater-se, como lutam agora com o Vigário de nosso Senhor; mas ninguém tem o poder de O mover um passo, até que chegue a hora em que o Filho de Deus permita, por um tempo, que os poderes do mal prevaleçam. Que Ele permitirá isso por um tempo está no livro da profecia…
Precisamos, então, vigiar. Voltará a acontecer com alguns, como aconteceu quando o Filho de Deus estava na Sua Paixão – viram-No ser traído, amarrado, levado, esbofeteado, vendado e açoitado; viram-No levar a Sua Cruz para o Calvário, depois ser pregado nela e erguido para escárnio do mundo; e disseram: “Se é rei de Israel, desça agora da cruz, e creremos nele” (Mt 27, 42). Assim, de igual modo, dizem agora: “Vede esta Igreja Católica, esta Igreja de Deus, débil e vulnerável, rejeitada até pelas próprias nações chamadas católicas. Aí estão a França católica, a Alemanha católica, a Sicília católica e a Itália católica, renunciando a essa figura extravagante do poder temporal do Vigário de Jesus Cristo”. E assim, porque a Igreja parece fraca, e o Vigário do Filho de Deus renova a Paixão do seu Mestre sobre a terra, escandalizamo-nos, viramos-lhe o rosto. Então, quando é que [temos] fé? Mas o Filho de Deus previu estas coisas quando disse: “Eu vo-lo disse agora, antes que suceda, para que, quando suceder, acrediteis” (Jo 14, 29).
Conferência IV: Paixão e “Morte” da Igreja
Ora, é contra essa pessoa (o Papa) eminentemente e enfaticamente, como já foi dito, que o espírito do mal e da mentira dirige o seu ataque; pois se a cabeça do corpo é ferida, o próprio corpo deve morrer. “Ferirei o pastor, e as ovelhas se dispersarão”, era a velha astúcia do maligno, que feriu o Filho de Deus para poder dispersar o rebanho. Mas essa astúcia foi tentada uma vez, e frustrada para sempre; pois na morte que feriu o Pastor, o rebanho foi redimido: e embora o pastor que é constituído no lugar do Filho seja ferido, o rebanho não pode mais ser disperso. Por trezentos anos o mundo se esforçou para cortar a linha dos Sumos Pontífices; mas o rebanho nunca foi disperso: e assim será até o fim. Contudo, é contra a Igreja de Deus e, sobretudo, contra a sua Cabeça que todos os espíritos do mal, em todos os tempos e, sobretudo, no presente, dirigem as setas da sua inimizade…
Agora, a Igreja já teve de sofrer duas perseguições, uma da mão dos judeus e outra da mão dos pagãos; por isso, os escritores das primeiras eras, os Padres tanto do Oriente como do Ocidente, predisseram que, na última era do mundo, a Igreja terá de sofrer uma terceira perseguição, mais amarga, sangrenta, perscrutadora e ardente do que qualquer outra que tenha sofrido até agora, e isto das mãos de um mundo infiel revoltado contra o Verbo Encarnado…
Como o ímpio não prevaleceu contra Ele [Nosso Senhor Jesus Cristo], mesmo quando O amarraram com cordas, O levaram ao julgamento, vendaram-Lhe os olhos, zombaram d’Ele como falso Rei, bateram-Lhe na cabeça como falso Profeta, levaram-No, crucificaram-No e, no domínio do seu poder, pareciam ter domínio absoluto sobre Ele, de modo que Ele foi prostrado e quase aniquilado sob os pés deles; e como, na mesma altura em que estava morto e sepultado fora da vista deles, foi vencedor de tudo, e ressuscitou ao terceiro dia, subiu ao céu, foi coroado, glorificado e investido com a Sua realeza, e reina supremo, Rei dos reis e Senhor dos senhores, – assim será também com a Sua Igreja: Embora por um tempo perseguida e, aos olhos do homem, derrubada e pisoteada, destronada, espoliada, escarnecida e esmagada, ainda assim, naquele alto tempo de triunfo, as portas do inferno não prevalecerão. Está reservada à Igreja de Deus uma ressurreição e uma ascensão, uma realeza e um domínio, uma recompensa de glória por tudo o que ela suportou. Como Jesus, ela precisa de sofrer no caminho para a sua coroa; no entanto, coroada, estará com Ele eternamente. Que ninguém se escandalize, pois, se a profecia fala de sofrimentos futuros. Gostamos muito de imaginar triunfos e glórias para a Igreja na terra – que o Evangelho deve ser pregado a todas as nações, o mundo deve ser convertido, todos os inimigos devem ser subjugados, e sabe-se lá o quê – até que alguns ouvidos ficam impacientes de ouvir que está reservado para a Igreja um tempo de terrível provação: e assim fazemos como os judeus de antigamente, que esperavam um conquistador, um rei e prosperidade; e quando seu Messias veio em humildade e paixão, eles não O reconheceram. Assim, receio que muitos de nós intoxicam as suas mentes com visões de sucesso e vitória, e não conseguem suportar o pensamento de que há um tempo de perseguição ainda por vir para a Igreja de Deus…
O primeiro sinal ou marca dessa perseguição vindoura é a indiferença à verdade. Assim como há uma calma mortal antes de um redemoinho, e como as águas sobre uma grande cachoeira correm como vidro, assim também antes de um surto há um tempo de tranquilidade. O primeiro sinal é a indiferença. O sinal que pressagia mais seguramente do que qualquer outro a eclosão de uma perseguição futura é uma espécie de indiferença desdenhosa à verdade ou à falsidade. A Roma antiga, em sua força e poder, adotou todas as religiões falsas de todas as suas nações conquistadas, e deu a cada uma delas um templo dentro de seus muros. Ela era soberana e desdenhosamente indiferente a todas as superstições da Terra. Isso os encorajava; pois cada nação tinha sua própria superstição, e essa superstição era um modo de tranquilizar, governar e manter em sujeição o povo que se satisfazia com a construção de um templo dentro de seus portões. De igual modo, vemos as nações do mundo cristão, neste momento, adotando gradualmente toda forma de contradição religiosa – isto é, dando-lhe pleno alcance e, como é chamado, perfeita tolerância; não reconhecendo quaisquer distinções de verdade ou falsidade entre uma religião ou outra, mas deixando todas as formas de religião trabalharem a seu modo…
Cresce um ódio intenso ao que se chama dogmatismo, isto é, a qualquer verdade positiva, a qualquer coisa definida, a qualquer coisa final, a qualquer coisa que tenha limites precisos, a qualquer forma de crença que se exprima em definições particulares – tudo isto é absolutamente desagradável para os homens que, por princípio, encorajam todas as formas de opinião religiosa…
O próximo passo é, então, a perseguição da verdade… [Na Roma antiga] havia toda a espécie de confrarias sagradas, ordens e sociedades, e não sei mais o quê; mas havia uma sociedade à qual não era permitido existir, que era a Igreja do Deus vivo. Em meio a essa tolerância universal, havia uma exceção feita com a mais peremptória exatidão, para excluir a verdade e a Igreja de Deus do mundo. Ora, isto é o que deve acontecer inevitavelmente, porque a Igreja de Deus é inflexível na missão que lhe foi confiada. A Igreja Católica nunca comprometerá uma doutrina; nunca permitirá que duas doutrinas sejam ensinadas dentro do seu âmbito; nunca obedecerá ao governador civil que pronuncia um julgamento em assuntos que são espirituais. A Igreja Católica é obrigada pela lei Divina a sofrer o martírio ao invés de comprometer uma doutrina, ou obedecer à lei do governador civil que viola a consciência; e mais do que isso, ela não é apenas obrigada a oferecer uma desobediência passiva, que pode ser feita em um canto, e portanto não descoberta, e por não ser descoberta não punida; mas a Igreja Católica não pode ficar em silêncio; ela não pode se calar; não pode deixar de pregar as doutrinas da Revelação, não somente da Trindade e da Encarnação, mas também dos Sete Sacramentos, da infalibilidade da Igreja de Deus, da necessidade da unidade e da soberania, tanto espiritual como temporal, da Santa Sé; e porque não se cala, e não pode transigir, e não obedece em assuntos que são da sua própria prerrogativa Divina, por isso está sozinha no mundo; pois não há outra Igreja assim designada, nem qualquer comunidade que professe ser uma Igreja, que não se submeta, ou obedeça, ou se cale, quando os governadores civis do mundo ordenam…
Os santos Padres que escreveram sobre o assunto do Anticristo e das profecias de Daniel, sem uma única exceção, tanto quanto sei, e trata-se tanto dos Padres do Oriente quanto do Ocidente, da Igreja Grega e da Latina – todos unanimemente – dizem que no fim dos tempos, durante o reinado do Anticristo, o santo sacrifício do altar cessará. Na obra sobre o fim do mundo, atribuída a Santo Hipólito, depois de uma longa descrição das aflições dos últimos dias, lemos o seguinte: “As Igrejas lamentar-se-ão com grande pranto, pois já não se oferecerá oblação, nem incenso, nem culto aceitável a Deus. Os edifícios sagrados das igrejas serão como cabanas; e o precioso corpo e sangue de Cristo não se manifestarão naqueles dias; a Liturgia será extinta; o canto dos Salmos cessará; a leitura da Sagrada Escritura não será mais escutada. Mas haverá sobre os homens trevas, luto sobre luto, e desgraça sobre desgraça”. Então, a Igreja será dispersa, levada para o deserto, e será por um tempo, como foi no começo, invisível, escondida em catacumbas, covas, montanhas, lugares escondidos; por um tempo ela será varrida, por assim dizer, da face da terra. Tal é o testemunho universal dos Padres dos primeiros séculos…
As sociedades secretas há muito tempo minaram e enfraqueceram a sociedade cristã da Europa, e estão neste momento lutando em direção à Roma, o centro de toda a ordem cristã no mundo. O cumprimento da profecia ainda está por vir; e o que vimos nas duas asas, veremos também no centro; e esse grande exército da Igreja de Deus será, momentaneamente, disperso. Parecerá, por algum tempo, estar derrotado, e o poder dos inimigos da fé prevalecerá (por certo tempo). O sacrifício contínuo será suprimido, e o santuário será posto abaixo… Se quereis compreender esta profecia da desolação, entrai numa igreja: que já foi católica, onde agora não há sinal de vida; está vazia, desocupada, sem altar, sem tabernáculo, sem a presença de Jesus…
E assim chegamos à terceira marca, a queda do “Príncipe da Força”; isto é, a autoridade Divina da Igreja, e especialmente daquele em cuja pessoa ela está incorporada, o Vigário de Jesus Cristo… O destronamento do Vigário de Cristo é o destronamento da hierarquia da Igreja universal, e a rejeição pública da Presença e do Reino de Jesus…
A tendência direta de todos os acontecimentos a que assistimos neste momento é claramente esta: derrubar o culto católico em todo o mundo. Já vemos que todos os governos da Europa estão a excluir a religião dos seus atos públicos. Os poderes civis estão a profanar-se a si mesmos: o governo não tem religião; e se o governo não tem religião, a educação deve ser sem religião. Vemos isso já na Alemanha e em França. Tem sido repetidamente tentado na Inglaterra. O resultado disto não pode ser outro senão o restabelecimento da mera sociedade natural; isto é, os governos e os poderes do mundo, que durante algum tempo foram subjugados pela Igreja de Deus à crença no Cristianismo, à obediência às leis de Deus e à unidade da Igreja, tendo-se revoltado contra ela e profanado a si mesmos, recaíram ao seu estado natural…
Muitos abandonarão a sua fidelidade a Deus. E como é que isso acontecerá? Em primeiro lugar, por medo, em parte por engano, em parte por covardia, em parte porque eles não podem defender a verdade impopular em face da falsidade popular; em parte porque a opinião pública desdenhosa dominante, como em um país como este, e na França, subjuga e amedronta tanto os católicos, que eles não ousam declarar seus princípios, e, por fim, não ousam mantê-los…
A Palavra de Deus diz-nos que no fim dos tempos o poder deste mundo se tornará tão irresistível e tão triunfante que a Igreja de Deus se afundará sob a sua mão – que a Igreja de Deus não receberá mais apoio dos imperadores, ou reis, ou príncipes, ou legislaturas, ou nações, ou povos, para fazer resistência contra o poder e a força do seu antagonista. Será privada de proteção. Ficará enfraquecida, perplexa e prostrada, e jazerá sangrando aos pés dos poderes deste mundo. Não parece inacreditável? O que vemos, então, neste momento? Olhai para a Igreja Católica e Romana em todo o mundo. Quando foi que ela se assemelhou mais ao seu Divino Chefe na hora em que Ele foi amarrado de pés e mãos por aqueles que O traíram? Olhai para a Igreja Católica, ainda independente, fiel à sua divina confiança, e no entanto rejeitada pelas nações do mundo; para o Santo Padre, o Vigário do Nosso Divino Senhor, neste momento escarnecido, desprezado, traído, abandonado, roubado dos seus, e mesmo aqueles que o defenderiam são assassinados. Quando, pergunto eu, esteve a Igreja de Deus numa condição mais fraca, num estado mais frágil aos olhos dos homens, e nesta ordem natural, do que está agora? E de onde, eu pergunto, virá a liberação? Existe na Terra algum poder para intervir? Existe algum rei, príncipe ou autoridade que tenha o poder de interpor a sua vontade ou a sua espada para a proteção da Igreja? Nem um só; e está predito que assim será. E nem precisamos desejá-lo, pois a vontade de Deus parece ser outra.
Mas há Um Poder que destruirá todos os antagonistas; há Uma Pessoa que derrubará e ferirá como o pó da eira de verão todos os inimigos da Igreja, pois é Ele que consumirá Seus inimigos “com o Espírito de Sua boca”, e os destruirá “com o esplendor de Sua vinda”. É como se o Filho de Deus tivesse ciúmes de que alguém reivindicasse a Sua autoridade. Ele reivindicou a batalha para Si mesmo; Ele tomou a barreira que foi lançada contra Ele; e a profecia é clara e explícita de que a última derrocada do mal será Sua; que não será realizada por nenhum homem, mas pelo Filho de Deus; que todas as nações do mundo possam saber que Ele, e somente Ele, é Rei, e que Ele, e somente Ele, é Deus…
Os autores da Igreja dizem-nos que, nos últimos dias, a cidade de Roma se tornará provavelmente apóstata da Igreja e do Vigário de Jesus Cristo; e que Roma será novamente castigada, pois ele se afastará dela; e o juízo de Deus cairá sobre o lugar de onde outrora reinou sobre as nações do mundo… Roma apostatará da fé e afastará o Vigário de Cristo, e voltará ao seu antigo paganismo…
[Resumindo,] o Anticristo, e o movimento anticristão, tem estas marcas: primeiro, o cisma da Igreja de Deus; segundo, a negação da sua voz Divina e infalível; e terceiro, a negação da Encarnação. É, portanto, o inimigo direto e mortal da Única e Santa Igreja Católica e Romana – a unidade da qual todo o cisma é feito; o único órgão da voz Divina do Espírito de Deus; o templo e santuário da Encarnação e do sacrifício contínuo…
[FIM DO EXCERTO]
Comentário final
Não há dúvida de que os comentários do Cardeal Manning sobre as profecias bíblicas que então se desenrolavam e que desde então se têm desenrolado, são de tirar o fôlego e fascinantes, especialmente porque podemos reconhecer nelas muito do que tem acontecido nos últimos tempos, e que está de fato a acontecer hoje. O que estamos a testemunhar é uma preparação cada vez mais próxima para o advento do Anticristo.
Repare-se como, em todas as ocasiões, o Cardeal Manning fala do Papa, sendo o Vigário de Cristo e cabeça visível da Igreja, como o antagonista terrestre direto do Anticristo – nunca Sua Eminência sequer insinua a ideia absurda, defendida pela maioria dos que se dizem “católicos tradicionalistas” hoje em dia, de que o próprio Papa seria parte do problema, uma espécie de “ajudante” do Anticristo, como Francisco claramente é. Vemos, então, mais uma vez, que a posição popular, mas completamente defeituosa, de “reconhecer e resistir”, que reconhece Francisco como o verdadeiro Papa, mas depois lhe recusa a submissão e rejeita os seus ensinamentos e leis, é totalmente estranha ao pensamento católico, à doutrina católica e à profecia católica. Esta é mais uma prova de que os “Papas” do Vaticano II são charlatões, não são genuínos Vigários de Cristo, mas sim instrumentos de Satanás para destronar o verdadeiro Vigário de Cristo e impedir ou obstruir o seu governo.
Quando o Cardeal Manning escreveu a sua monografia em 1861, o movimento da apostasia estava ainda na sua fase inicial, relativamente falando. Desde então, a Grande Apostasia não teve maior força a impulsioná-la do que o Concílio Vaticano II (1962-65). Nada difundiu o Naturalismo, a heresia que está no cerne de toda a doutrina maçônica, mais rapidamente ou mais eficazmente do que a exigência de liberdade religiosa do Concílio, que pôs fim às nações católicas (como a Espanha e a Colômbia) e exigiu efetivamente a separação da Igreja e do Estado e a destruição das constituições católicas desses países, algo que o Antipapa Paulo VI teve todo o gosto em impor. Cristo Rei, legítimo soberano dos indivíduos, das sociedades e das nações, foi destronado pelo Vaticano II – um ato que prova que Paulo VI não era Pedro, mas Judas, e que a igreja que ele dirigia não era a Igreja Católica de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, por assim dizer, a Sinagoga de Anás e Caifás.
A perseguição da verdadeira Fé e da verdadeira Igreja pelos modernistas do Vaticano II tem sido extremamente bem sucedida, pois tem sido acelerada não apenas por enganadores maliciosos, mas também por muitas pessoas de boa vontade dentro das suas fileiras que são elas próprias vítimas do engano. Porém, como dissemos no início, citando o Pe. Faber, isso só acrescenta uma tragédia maior e não muda a natureza nem diminui a gravidade do problema.
Na sua introdução a The Pope & the Antichrist, que consiste numa carta que escreveu ao Padre John Henry Newman, o Cardeal Manning suplicou: “Que Deus nos impeça de participar, mesmo em silêncio, na perseguição da Sua Igreja!” (p. 6). Infelizmente, quer tenham boas intenções ou não, todos aqueles que reconhecem a seita Novus Ordo como sendo a Igreja Católica e o seu falso clero como legítimas autoridades católicas, e aqueles que conhecem a verdade mas se calam sobre ela, participam na perseguição da verdadeira Igreja! Que vós, caro leitor, não sejais um deles.
Terminaremos esta longa publicação com uma nota positiva.
O que lemos, embora seja de fato aterrador, deve, no entanto, dar-nos grande conforto e esperança, e fortalecer a nossa Fé. As explicações do Cardeal Manning sobre a Grande Apostasia, a perseguição, a Paixão e a aparente “Morte” da Igreja – tudo isto confirma o que estamos a testemunhar hoje. O que isto significa é que o que aconteceu desde a morte do Papa Pio XII, e o que estamos a passar agora, não é uma contradição do plano divino, tal como a Crucificação de Nosso Senhor não foi uma derrota da Sua missão divina. Pelo contrário: Tudo faz parte da vontade divina, é um prelúdio necessário para o seu cumprimento final e completo. O que estamos a sofrer agora, neste tempo sem precedentes de agitação e confusão eclesiástica, não é um sinal de que as promessas de Deus falharam, mas sim de que as promessas de Deus estão a ser cumpridas. A profecia divina está a cumprir-se neste exato momento.
Por isso, coragem: Tudo está, por assim dizer, a correr de acordo com o plano – mas esse plano é a Via Sacra, tal como foi para Nosso Senhor literalmente, e agora para a Sua Igreja misticamente. Não é agradável de ver, e está cheio de grande sofrimento e humilhação, mas é o caminho – o único caminho – que conduzirá à glória eterna.
Trad. por Dominicus. De: Novus Ordo Watch, “The Persecution and ‘Death’ of the Church: The Testimony of Scripture and Tradition”.

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