UMA VELHA SEITA JUDAICA E A “OBRA DOS SANTOS ANJOS”

Padre Johannes P.M. van der Ploeg, O.P.
1988

de: Eine alte jüdische Sekte und ihr christliches Echo.
Zur Problematik des “Engelwerkes”

[Uma antiga seita judaica e seu eco cristão.
Sobre a problemática do Opus Angelorum
],

In: Una Voce Korrespondenz 18 (maio-jun. 1988) 157-175;
a partir da trad. ing. de: rev. Fidelity, nov. 1991.

Os essênios foram uma seita judaica que existiu no tempo de Jesus perto da margem do lago do Mar Morto, ao sul de Jericó, hoje conhecida no mundo inteiro por causa de seus manuscritos. Foram descobertos em onze cavernas nos arredores das ruínas de um edifício chamado em arábe (Hirbet) Qumram. Geralmente se supõe ter sido ali a sede do quartel-general (ou ao menos uma ramificação importante) dessa seita judaica.

De acordo com o célebre escritor judeu Flávio Josefo (primeiro século A.D.), havia três seitas judaicas principais no tempo dele: os saduceus, os fariseus e os essênios. Os Evangelhos só mencionam as duas primeiras e não os essênios. Foi dito que João Batista foi um deles e que Jesus de Nazaré tinha conexões com eles. É perfeitamente claro que Jesus não era essênio e, embora João Batista possa ter tido conexões com eles, é certíssimo que ele não fazia parte da seita.

A descoberta dos manuscritos da seita (popularmente chamados de “Manuscritos do Mar Morto”, embora sejam em sua maioria fragmentos) em 1947 e anos seguintes atiçou muitas emoções e ainda atiça-as hoje em dia, porque vários dos manuescritos da Caverna 4 (todos em estado bastante fragmentário) não foram publicados ainda, apesar de terem sido descobertos faz mais de quarenta anos. Foi aventado por jornalistas que os fragmentos contêm segredos que “o Vaticano” e rabinos judeus ortodoxos não querem ver publicados. Essa insana acusação é completamente infundada e não nos ocuparemos dela neste artigo.

Que os judeus de Qumram fossem essênios é quase universalmente aceito. As doutrinas deles são caracterizadas por seu dualismo, provavelmente tomado de empréstimo aos persas e adaptado para o monoteísmo judeu. Segundo Zoroastro [ou Zaratustra], o profeta persa, o universo é governado por dois princípios independentes, um bom e um mau. Esse sistema é chamado de dualismo (duo = dois) e foi assumido pelo maniqueísmo, pelo gnosticismo, pelo catarismo medieval na França, bem como pela Cabala judaica, entre outros escritos. O dualismo persa incluía a ideia de que há no mundo um conflito contínuo entre os espíritos bons (sob o comando do supremo Princípio bom, chamado Ahura Mazda) e os maus (comandados por Ahriman). O dualismo é uma teoria atraente, porque explica a origem do mal num mundo criado, como cremos, por um Deus eminentemente bom.

Desde o cativeiro babilônico (que teve início em 586 a.C.), sempre houve um grande grupo de judeus na Pérsia maior, ou seja na Mesopotâmia. Parece que alguns deles foram influenciados pelo dualismo persa, que incorporaram ao judaísmo. O judaísmo é essencialmente uma religião monoteísta; a doutrina do dualismo não tem como ser reconciliada com ele. O dualismo persa, embora inteiramente não-judeu, foi adotado pelos essênios. De acordo com eles, a história humana é determinada e explicada pela luta incessante de um imenso exército de demônios, sob as ordens de Belial ou Beelzebub, como pode ser chamado. Nesta conflagração, o homem desempenha apenas papel secundário. Os homens só podem ser tropas auxiliares dos exércitos ou dos anjos ou dos demônios, entrando nas fileiras deles. No fim do tempo, Deus dará a vitória final ao exército dos anjos e àqueles homens que nele se alistaram. Os malignos, com seus auxiliares humanos, serão lançados no inferno e ali permanecerão para sempre.

Encontramos essa teoria num documento de Qumram chamado de “Regra da Seita” ou “Manual do Discípulo”, publicado em 1951 (New Haven). No princípio Deus criou os anjos, e eram todos bons. Mas muitos pecaram e se tornaram maus espíritos ou demônios. Os dois exércitos combatem ininterruptamente entre si, e os homens se unem às suas fileiras. No fim do tempo, a vitória final será dada por Deus aos bons espíritos e aos homens que se juntaram a eles (os “Filhos da Luz”), enquanto que os demônios e seus esbirros humanos (os “Filhos das Trevas”) permanecerão no inferno para sempre.

No dualismo persa, Ahriman e seus espíritos malignos são maus por natureza; na doutrina dos essênios, eles tornaram-se maus pelo pecado deles. Destarte, o dualismo essencial foi evitado, e o monoteísmo judaico ficou salvo. Mas é patente a qualquer estudioso da religião judaica que mesmo a forma mitigada de dualismo, tal como professada pela seita de Qumram, é um Fremdkorper, como dizem os alemães: um “corpo estrangeiro” na doutrina tanto do Antigo Testamento como do judaísmo rabínico. A história humana não é determinada pelo conflito invisível entre dois exércitos de espíritos, com Deus assistindo do Céu e intervindo na última hora. É verdade que anjos são por vezes enviados por Deus para cumprir missões na terra, e que eles podem agir contra a má influência do diabo. Mas isso não implica no dualismo universal, e mesmo cósmico, da Pérsia e de Qumram.

Após a destruição de Jerusalém em 70 A.D., os essênios praticamente desapareceram da história. O edifício de Qumram foi destruído em 68 A.D., e antes de se dispersar a comunidade guardou seus manuscritos nas cavernas vizinhas. Alguns deles foram descobertos já na Antiguidade, mas os estudiosos modernos não prestaram muita atenção a esses achados antes das descobertas de 1947 e anos subsequentes.

De maneira notabilíssima, a doutrina do conflito permanente de anjos contra demônios como fator determinante da história humana foi revivida em nosso tempo na “Obra dos Santos Anjos” ou Opus Angelorum (OA) e sua organização de fachada, os “Cônegos Regulares da Santa Cruz”. Essa ordem, da qual Santo Antônio de Pádua chegou a ser membro, foi fundada originalmente em 1131 em Portugal (Coimbra). Menos de cem anos atrás ela definhou, e foi novamente erigida em 1979, para sacerdotes-membros da OA.

Gabriela Bitterlich (1896-1978), uma viúva austríaca, pode ser considerada a fundadora do OA. O pai dela era um servidor público de destaque chamado Bernhard Gohnert, e em 1919 ela se casou com o Dr. Hans Bitterlich, advogado e servidor público. Na época do casamento, ele era um livre-pensador, bastante interessado em coisas como espiritismo e todo tipo de ocultismo. Nos seus últimos anos ele se tornou católico praticante. Em 1932, quando Gabriela esperava nenê, ele não o quis e informou a ela que ela devia procurar um aborto. O aborto acabou acontecendo quando, a pedido do marido, Gabriela ergueu uma estátua pesada demais para ela. O marido ficou contentíssimo, e a esposa, triste.

Visitas do além não eram estranhas a Gabriela. Quando tinha apenas quatro anos, ela viu seu anjo da guarda. O irmãozinho dela trancara-a nalguma parte da casa, e ela não conseguia libertar-se. De repente, de acordo com o testemunho dela, um anjo imenso apareceu na sua frente e destrancou a porta! Em tempos posteriores, outros anjos apareceram a ela, e em 1934 ela viu pela primeira vez um grupo enorme deles. Todos esses detalhes e muitos outros encontram-se na biografia dela, Sie schaute die Engel (Ela viu os anjos), escrita e publicada pelo filho dela, Hansjorg Bitterlich, um dos sacerdotes dirigentes da OA.

Essa obra de 189 páginas não está à venda (coisa típica para a OA). Embora o filho tente glorificar a mãe o máximo possível, o livro contém alguns dados que, se bem compreendidos, não lançam uma luz favorável sobre Gabriela. Como biografia, é também essencialmente (e propositalmente) incompleta. Ao leitor não são dadas maiores precisões acerca das revelações que se diz ter ela recebido, nem de quando elas foram redigidas e com a ajuda de quem. Os temas e conteúdos delas não são revelados. Lemos somente algumas coisas sobre as relações dela com o marido, as ocupações e a personalidade dele. Que ele era interessadíssimo por ocultismo, não se conta. Todas essas coisas deviam ser mantidas em segredo, e o leitor aparentemente não tem direito algum de saber delas. Mas o autor é bom o bastante para contar-nos que a revelação que sua mãe recebera “era verdadeiramente de significação global” e importante para a história mundial (Sie schaute die Engel, p. 108).

Não é fácil descobrir as doutrinas e práticas da OA, porque muitas coisas que gostaríamos de saber são mantidas em segredo. O sigilo é uma das características proeminentes da OA, e antes de 1983 (quando isto foi proibido por Roma) todo membro tinha de fazer um voto de segredo. Assim que isso foi proibido, o Dr. Blasko (antes da sua morte num acidente de carro na festa dos três Santos Arcanjos), o principal “teólogo sacerdote” da OA, declarou que essa declaração romana não dissolvia o voto de segredo dos membros que já o tinham prestado! Ademais, é claríssimo que a prática do segredo ainda predomina nos altos escalões da OA. Quando os bispos austríacos e alemães emitiram severas advertências contra a OA, e alguns deles proibiram mesmo as atividades dela em suas respectivas dioceses, a liderança da OA não revelou a seus membros as verdadeiras razões das sanções eclesiásticas. Por causa desse silêncio, os membros comuns da OA, que são via de regra não-iniciados em muitos de seus segredos, acreditam ainda que a OA esteja sendo perseguida injustamente por seus inimigos malvados.

Apesar da disciplina arcani (prática de manter as coisas em segredo) na OA, alguns de seus escritos tornaram-se conhecidos do mundo exterior. A Conferência dos Bispos alemães pediu à Santa Sé que interviesse, e vários escritos da OA tiveram de ser enviados para exame à Congregação para a Doutrina da Fé. Um membro proeminente da OA, que foi o primeiro superior geral eleito dos Cônegos da Santa Cruz, assegurou-me de que todos os livros da OA tinham sido enviados a Roma. Isso não era verdade, pois pelo menos um deles, o Handbuch (Manual), não estava entre eles. Este era estritamente reservado aos sacerdotes da OA unicamente, e não era dado aos membros ordinários, que nem suspeitavam de sua existência.

Fora emprestado também a um leigo específico, no qual a OA podia confiar plenamente. Quando esse homem morreu, dois sacerdotes da OA apresentaram-se em poucos dias à viúva do finado, para vasculhar sua biblioteca à cata dos livros secretos da OA. O Handbuch não foi encontrado, mas foi descoberto mais tarde em meio a outros livros. Dali chegou às mãos do bispo-auxiliar de Munique-Frisinga, Heinrich von Soden-Fraunhofen. O conteúdo era pavoroso, e ele enviou fotocópias de suas 819 páginas a todos os bispos dos países de língua alemã e a algumas pessoas interessadas (eu recebi um exemplar). Contém, além dos nomes e encargos de mais de 600 anjos e demônios, passagens cheias de ocultismo insano e perigoso, da pior espécie. Um fascículo inteiro desta revista poderia ser preenchido facilmente com essas coisas, e portanto só podemos citar algumas.

A doutrina geral da OA assemelha-se à da seita de Qumram. Segundo a OA, o sentido da história está no conflito incessante que acontece entre anjos e demônios. Depois de seu pecado, os anjos maus foram expulsos do paraíso e lançados no abismo do inferno. Antes de chegar a este, alguns conseguiram se agarrar a estrelas ou planetas em volta da terra (Handbuch, p. 180), outros estão operando na terra. Por meio de seus “campos de força” (Kraftfelden) e das radiações que eles transmitem (cada demônio possui seu próprio comprimento de onda, p. 185), eles influenciam os homens. 

De acordo com a OA, os anjos são bem mais poderosos que os santos (no paraíso), já que estes últimos só podem ajudar-nos com sua intercessão perante Deus, mas os anjos podem intervir em nosso proveito através do próprio poder deles. Por essa razão, a veneração e culto aos anjos tem bem maior destaque na OA do que o culto dos santos. Pode-se constatar isso no chamado Kalendarium.

Uma porção de doutrinas e de práticas correspondentes da OA são, pelas razões seguintes, inaceitáveis (por falta de espaço, mencionamos só algumas).

1. A despeito da advertência de 1983 pelo Cardeal Ratzinger [N.d.E.: o autor do artigo infelizmente é Novus Ordo, mas atentamo-nos no que é verdadeiro e útil], a prática do segredo e o correspondente voto (de segredo) ainda são considerados válidos para todos que o prestaram, sobretudo para os membros do núcleo original. A OA é inteiramente alicerçada nas secretíssimas revelações comunicadas à Sra. Bitterlich e não destinadas ao vulgo. Nunca se nos conta com qualquer detalhe quando e onde foi que ela as recebeu. Os membros da OA devem aceitá-las sem prova alguma da credibilidade delas. Conforme o Vaticano I, Deus deu provas evidentes da credibilidade do que nos foi revelado, principalmente com milagres e profecias. Na OA, as revelações privadas dadas à Sra. Bitterlich são praticamente colocadas no mesmo patamar da revelação dos artigos de fé; pede-se aos membros da OA que creiam nelas sem nenhuma prova de credibilidade. Mesmo os conteúdos delas são conservados secretos para os não iniciados. Isso é completamente irrazoável. 

2. A teoria de que o curso da história humana é determinado pelo conflito entre anjos bons e maus não é católica nem cristã. A obra de nossa redenção por Jesus Cristo fica obscurecida por ela e, finalmente, relegada a condição secundária.

É verdade que a OA aceita a doutrina católica como um todo, o Credo e o dogma da Igreja. Mas o papel bastante proeminente desempenhado pelos anjos tende a obscurecer (não a negar) partes da doutrina da Igreja. Ao ler o Kalendarium, o Handbuch e outros escritos, o leitor se vê num mundo estranho, não mais no mundo católico ao qual está (ou estava) acostumado.

3. A OA sabe o nome de mais de 365 anjos (um para cada dia do ano) e de no mínimo 234 diabos (cujos nomes são encontrados noutros escritos da OA de acordo com o Handbuch). Muitos nomes são realmente estranhíssimos e, embora pretendam ser “hebraicos”, desafiam toda e qualquer interpretação. Suponho que um bocado deles tenha origem na imaginação fértil (e doentia) da Sra. Bitterlich. Não poucos foram tirados da cabala judaica (uma tradição filosófico-teológica judaica sincretista), como demonstrei em meu artigo para Una Voce Korrespondenz. Alguns desses nomes dados a anjos são reservados estritamente a Deus — tais como Javé, Jeová, Elohim —, fato estarrecedor que só se explica pela influência da Cabala. De acordo com o falecido Pe. Dr. Blasko, os nomes dos anjos e demônios já conhecidos de fontes antigas foram revelados uma segunda vez a Gabriela Bitterlich. O próprio Blasko era um colecionador desses nomes. Presumivelmente, a Sra. Bitterlich recebeu uma quantidade de nomes já existentes de seu marido, ou ao menos dos livros dele.

4. No Kalendarium topamos com alegações absurdas. Segundo uma delas, três anjos da ordem dos serafins (a mais alta) são no momento um anjo só (porque representam a Trindade). Isso é absurdo, porque na criação 3 = 1 é uma contradição. Um anjo, chamado “Dimacheil” (palavra pseudo-hebraica sem significado, uma das muitas do tipo; festejado em 24 de dezembro) recebeu de Deus o ofício de encostar a mão no ventre da Virgem Maria quando ela estava prestes a dar à luz seu Filho (daí a festa dele ser comemorada na data supramencionada). Ele fez e ainda faz o mesmo com todas as mulheres do mundo todo, a começar por nossa mãe Eva. Realmente uma tarefa formidável! Falta espaço para mencionar outras tarefas incríveis confiadas a anjos.

As vestes e atributos dos anjos são descritas de tal maneira, que é difícil de acreditar, como alguns defensores da OA dizem, que essas descrições só devam ser entendidas em sentido espiritual. Em parte alguma se alerta o leitor de que ele deva assim fazer. Na OA, os anjos e demônios não são puros espíritos.

5. Dentre os escritos da OA conhecidos até o momento, o Handbuch é o pior de todos. Foi concebido para ser visto somente pelos padres iniciados na OA. Abriu-se uma exceção com o empréstimo desse livro a algumas poucas pessoas confiáveis (imprudência esta que levou à sua descoberta, como descrito acima). O livro contém a lista de anjos, seu posto na hierarquia angélica, seus encargos, vestes, símbolos e outros atributos, conhecidos pelo Kalendarium.

Há também uma semelhante lista de diabos, alguns de cujos nomes são recorrentes noutros escritos da OA. Acredita-se que a doença, as tentações e outros males que se abatem sobre os homens sejam frequentemente causados por demônios. Se um sacerdote da OA tem um penitente que tem queixas persistentes desse tipo, podem ter como causa um ou mais seres infernais. No Handbuch, ele pode encontrar os nomes dos diabos que as produzem e o(s) nome(s) do(s) anjo(s) específico(s) cujo encargo especial é combater esses demônios. Aí então, o penitente é direcionado a invocar esse anjo (ou esses anjos), que o libertarão desse mal. É tudo muito simples, mas só os padres do núcleo da OA têm privilégio de saber isso.

Nenhuma razão é dada para essa confidencialidade. Se o método descrito no Handbuch for bom, esse sigilo é em grau sumo um pecado contra a caridade e o amor fraterno. Tantas pessoas estão doentes, em tentação, desafortunadas e, se houvesse um meio fácil de dar cabo de tudo isso, deveria receber a mais alta forma de publicidade. Mas lastimavelmente a OA reservou essa informação apenas a membros iniciados.

Quando o bispo von Soden publicou o Handbuch, o Dr. Blasko (sacerdote e teólogo proeminente da OA) proferiu ameaças medonhas contra ele. Deu a conhecer que pediria permissão ao Vaticano para arrastá-lo perante o juiz civil, para ser condenado a pagar uma indenização por calúnia de cem mil marcos alemães. Antes de receber o indulto, o Dr. Blasko morreu.

6. De acordo com o Handbuch, os diabos emitem radiações perigosíssimas, que o livro chama de Wessenströmungen (p. 179), i.e., emanações derivadas da substância dos anjos, ideia absurdíssima, que faz lembrar uma da Cabala.

Que as radiações sejam de tipo material ficou claro para mim, pela primeira vez, numa longa conversa particular que tive com o Dr. Blasko, anos atrás. Ele desejava me ver, por eu ser um conhecido especialista nos Manuscritos do Mar Morto. Isso mostra que a similaridade entre a doutrina dos essênios e a da OA não tinha escapado a ele. Ele me contou que há no cosmos radiações que a ciência moderna não consegue explicar. Se bem que os cientistas possam descobri-las, isso só pode ser com os instrumentos deles. Consequentemente, as radiações aludidas eram de tipo material (vimos que elas têm “comprimentos de onda”). Mas, conforme a doutrina católica, os anjos e demônios são puros espíritos, e nenhuma radiação material, absolutamente radiação nenhuma pode emanar da substância deles.

De acordo com o Handbuch, as radiações dos diabos passam facilmente através de gatos pretos, galinhas e galos pretos (se tiver alguns destes, cuidado!), cachorros de pelo liso, porcos, ratos e cobras. Igualmente perigosas (por magia negra) são as penas recém-arrancadas de galos e galinhas pretas, bem como a pelugem de vacas, porcos, gatos e outros animais (Handbuch, p. 182). Cada demônio irradia o seu próprio comprimento de onda particular de acordo com o “número” dele, e ele possui um “sinal” especial. Se um “homem de Satanás” puser esse sinal numa habitação de seu inimigo, ela logo terá um enxame de diabos. As consequências são desastrosas, como se pode facilmente supor.

Se calhar de o diabo ser o próprio Belial, a situação torna-se realmente muito ruim. O número dele é 45 e, para combater seus inimigos, ele pode usar uma figura quadrada de nove pequenos campos, nos quais o número é distribuído assim:

492
357
816

Cada fileira dá 15 e a soma de todas elas dá 45 (Handbuch, p. 114, de onde o diagrama foi tirado). Belial dissemina esse terrível quadrado mágico “pela criação” (p. 114) e preenche cada subquadrado com o número de diabos indicado nesse diagrama. Se você for azarado o bastante para ter como adversário o diabo Ismael, sua situação é ainda pior: o número dele é 135 (= 4 x 34). Os diabos comandantes também podem distribuir seus esbirros infernais em triângulos (a figura mais demoníaca que existe), pentágonos, hexágonos e outras figuras. Os leitores deste artigo ficam assim avisados!

Perigosas também são as plantas e a lama. Conheço uma senhora que recebeu de um padre da OA a ordem de destruir um belo vaso que ela tinha; pois era “perigoso” (continha um pouco de lama). Pode haver diabos à espreita por toda parte, e por isso os membros iniciados da OA frequentemente proferem exorcismos contra eles.

Os diabos também podem irradiar facilmente por meio de bruxas, parteiras, ciganas e velhos camponeses vingativos (Handbuch, p. 292). Crianças mal educadas que perambulam pelas ruas de uma cidade ou vilarejo caem facilmente nas garras dos demônios e coisas muito ruins podem acontecer.

Poderíamos citar muitos exemplos mais dessas advertências, que em última análise têm origem em antigas e conhecidas superstições populares, algumas das quais perigosas, sem embargo. São agora ensinadas como tendo sido reveladas, com permissão divina, por anjos. Isso é tão absurdo quanto é ridículo.

Em 1983 a Congregação para a Doutrina da Fé enviou uma carta ao presidente da Conferência dos Bispos alemães, que era então o Cardeal Joseph Höffner. Nela, a OA recebe ordem de se ater à doutrina dos anjos tal como é ensinada pela Igreja, pelos Padres e Doutores dela. Evidentemente a “doutrina” da OA referente aos anjos vai muito além do que a Igreja permite; é muito nova e bem incrível. Nunca foi ensinada pela Igreja e permanece envolta em segredo.

A mesma Congregação proibiu também o uso dos “nomes” dos anjos conhecidos a partir de “presumidas revelações” recebidas pela Sra. Gabriela Bitterlich. A despeito dessa proibição, a OA continua usando seu Kalendarium e outros livros no quais tais nomes são salientes. O voto de segredo também foi proibido. Contrariamente ao espírito dessa interdição, a prática do sigilo continua como dantes.

Nós pedimos aos que continuam a defender a OA, malgrado as interdições de bom número de bispos alemães e austríacos e as admoestações de Roma, que ponham fim ao sigilo que ainda é praticado na OA em tão alto grau e que não distorçam a verdade em suas defesas. Se não há nada a esconder, que coloquem as cartas na mesa! Que nos digam quantos livros secretos a OA ainda tem, e que estejam disponíveis a quem quer que tenha interesse neles. Estive em contato com várias pessoas, ex-membros da OA, que ficaram estarrecidas quando foram introduzidas a alguns dos segredos mais íntimos da OA e a algumas de suas práticas ocultas. Uma delas garantiu-me várias vezes que tudo o que escrevi sobre a OA (o conteúdo deste artigo e muito mais) é absolutamente verdadeiro. Quando essa pessoa estava para sair da OA, foi fortemente pressionada a não o fazer. O mesmo sucedeu a outras pessoas.

Alguns defensores da OA escrevem longas apologias em sua defesa, mas nunca entram nas objeções levantadas acima. A essas pessoas eu digo: ponham as cartas na mesa, cavalheiros, e só então voltaremos a conversar – se é que ainda desejarão assim fazer.

Trad. de Felipe Coelho

Deixe um comentário

Blog no WordPress.com.

Acima ↑