SOBRE O FOGO DO INFERNO

Frei Martinho de Cochem, O.F.M. Cap.
1677

Embora nos dias de hoje muitos neguem a existência do inferno, ou, pelo menos, a eternidade do castigo, não consideramos que seja nossa obrigação apresentar uma série de provas de que o inferno existe. No caso do leitor cristão, a quem este livro se destina, evidências dessa natureza são bastante supérfluas, porque ele não terá naufragado em sua fé. Na verdade, que outras provas podem ser exigidas para a existência do inferno e a eternidade do castigo, visto que os profetas, o próprio Cristo, os Apóstolos e os Padres da Igreja, ou melhor, os próprios turcos e pagãos falam disso como um fato inquestionável. Aqueles que negam a existência do inferno devem, conseqüentemente, ser contados entre os tolos que dizem em seus corações que não há Deus que pune seus erros.

Sem dúvida, seria muito agradável para essas pessoas se tudo acabasse com esta vida, se não houvesse o dia do ajuste de contas, ou se, pelo menos, as regiões infernais fossem um pouco menos intoleráveis.

Isso justifica quaisquer argumentos aparentes para se iludirem e adormecerem seu medo dos castigos eternos do inferno. Não entraremos em nenhum exame dos sofismas miseráveis com que esses tolos se enganam; pois o ensino da Igreja Católica neste ponto é tudo de que precisamos. Ela ensina que existe um lugar ou estado de dor inigualável e sem fim reservado aos condenados.

Sabemos que realmente há fogo no inferno, pelas palavras que Cristo falou aos ímpios: “Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos” (Mt 25, 41). Isso mostra que há fogo real no inferno e que nele os condenados devem queimar eternamente. Como será a intensidade dessa dor, está além do poder do homem descrever. Pois de todos os vários tipos de sofrimento físico aos quais o homem pode estar sujeito, não há nenhum tão grande, tão cruel, tão agonizante quanto o causado pelo fogo.

A cremalheira, a roda, a amputação dos membros de um homem, são todas uma tortura terrível, mas não devem ser comparados à dor de uma queimadura. Se tocarmos em um ferro em brasa, que dor intensa ele ocasionará! Em um momento, a pele se solta, a carne crua se projeta, sangue e matéria exsudam da ferida e a dor vai até a medula de nossos ossos. Não se pode deixar de chorar e gritar como se tivesse perdido a sanidade mental. Assim, se o contato momentâneo com o ferro em brasa causa uma dor tão aguda, o que seria se alguém tivesse que segurar um ferro em brasa por qualquer período de tempo!

Imagine agora que foste condenado a ser queimado vivo pelos teus pecados e que durante todo o dia que passaste entre as chamas, incapaz de morrer. Quão deploravelmente tu irias chorar e lamentar, quão alto irias gritar e rugir em tua agonia, de modo que os gritos dilacerantes arrancados de ti pela tortura que suportaste não apenas faria com que os transeuntes estremecessem, mas os enchessem de sincera compaixão. O homem que suportasse ficar impassível diante de tal espetáculo deve ter um coração de pedra.

Em pouco tempo, tu serias queimado a tal ponto que não serias mais reconhecível, reduzido à aparência de uma brasa brilhante. Agora considere, ó cristão, se a ação do fogo terrestre causa tal agonia into-lerável, qual será a tortura do fogo do inferno, cujo calor é incomparavelmente mais intenso e mais penetrante do que o de qualquer rogo com o qual estejamos familiarizados? E se tu perguntares por que o fogo do inferno deve exceder tanto o fogo terrestre na intensidade de seu calor, há várias razões para explicar este fato.

Em primeiro lugar, todos sabem que quanto maior o fogo, maior o calor que ele expele. A chama de uma vela de cera não é muito quente, mas se toda a vela estiver queimando ao mesmo tempo, a chama que surge dela é muito mais quente. Quando uma casa está em chamas, o calor na vizinhança imediata é muito grande, mas se uma aldeia inteira está em chamas, o calor do incêndio torna-se insuportável mesmo à distância. Se tal é o efeito produzido pelo fogo da terra, que é comparativamente menor em sua extensão, qual será a ação do fogo do inferno, que é incomensuravelmente maior que qualquer incêndio visto na terra!

Em segundo lugar, um fogo fechado em uma fornalha queima com muito mais intensidade do que se estivesse ao ar livre, porque o calor fechado não pode escapar e se difundir ou ser temperado pelo ar circundante. Se assim for, com que fúria se acirrarão as chamas da enorme fornalha do inferno, com que intensidade brilharão! Suponha o infortúnio de um homem sendo jogado em um forno de cal ou em uma fornalha incandescente – quão terrível seria seu sofrimento!

A próxima razão pela qual o fogo do inferno supera em intensidade o calor todos os outros incêndios é que ele é aceso pelo sopro de Deus. Pois o profeta Isaías diz: “Vede! E o nome do Senhor que vem de longe, sua cólera é ardente, uma nuvem pesada se levanta, seus lábios respiram furor, e sua língua é como um fogo devorador. Seu sopro assemelha-se a uma torrente transbordante cuja água sobe até o pescoço. Ele passará as nações no crivo destruidor e porá nos queixos dos povos um freio que os desencaminhe” (Is 30, 27-28). E novamente: “Sim, um lugar de incineração está preparado também para Tofet*, cavado, profundo e largo; palha e lenha ali há em quantidade, e o sopro do Senhor, como uma torrente de enxofre, o acenderá” (Is 30, 33).

[*. N.T.: Um tofet é um lugar do vale dos Filhos de Hinom, ao sul de Jerusalém, tristemente célebre pelos sacrifícios humanos feitos a Moloc, deus ao qual o amonitas, uma etnia de Canaã, cultuavam.]

Que descrição assustadora é dada aqui do inferno e seu fogo torturante. Não digas que nessas e em outras passagens semelhantes da Sagrada Escritura as expressões empregadas são meras figuras, por meio das quais os profetas predisseram os juízos divinos prestes a cair sobre as nações pecadoras, e não devem ser tomados em um sentido literal, referindo-se ao inferno e suas punições.

Não nos iludamos. Essas imagens estão, é verdade, em seu significado principal para serem entendidas como indicativas da condenação de nações pecadoras, mas, em um sentido mais amplo e mais elevado, de acordo com a interpretação dada pelos eruditos da Escritura, são previsões do castigo judicial que, após o Juízo Final, será a parte que caberá aos réprobos.

Santa Brígida diz com justiça em suas revelações: “O calor do fogo do inferno é tão grande que se o mundo inteiro estivesse envolto em chamas, o calor do incêndio não seria nada em comparação com ele”.

Consequentemente, aprendemos que esse fogo terrestre guarda tanta semelhança com o fogo do inferno quanto a fraca chama de uma vela de cera guarda com o uma fornalha incandescente em seu máximo.

Lembre-te disso, ó pecador, e leve bem a sério. Santo Agostinho nos diz que o fogo mais terrível da terra é, em comparação com o fogo do inferno, como uma pintura de fogo em comparação com um fogo real. Quando vires um fogo, lembra-te do fogo do inferno. E visto que tu não suportas colocar tua mão por um único instante naquele fogo, pensa qual deve ser o calor do fogo do inferno, superando infinitamente o pequeno fogo que tu vês diante de ti. Se não suportas o fogo terrestre, como poderás suportar o outro?

Já ficou claro que os condenados um dia serão lançados, de corpo e alma, na enorme e terrível fornalha do inferno, no imenso lago de fogo, onde serão cercados por chamas. Haverá fogo abaixo deles, fogo acima deles, fogo ao redor deles. Cada respiração será o sopro abrasador de uma fornalha. Essas chamas infernais penetrarão em todas as partes do corpo, de modo que não haverá nenhuma parte ou membro, dentro ou fora, que não esteja mergulhada no fogo.

Quão desesperadores são os clamores, quão agonizantes são os gritos que vão subir deste leito de tortura!

“Ai de nós, criaturas miseráveis! Ai de nós mil vezes! Somos torturados nesta chama! A dor insuportável permeia cada membro de nosso corpo; a agonia insuportável não nos deixa descanso! Se pudéssemos morrer, se pudéssemos morrer para escapar dessa terrível tortura! Infelizmente, esse desejo é em vão! Mortos no que diz respeito à vida da alma, mortos porque perdemos a graça, a misericórdia de Deus – e, no entanto, estamos condenados a continuar a viver, a viver para todo o sempre!

“Que privilégio a morte, a aniquilação seria para nós! Mas foge ao nosso alcance; não podemos mais esperar que ela venha para nos livrar dessa miséria, dessa tortura, da fornalha do inferno. Ai, quão grande tem sido nossa loucura! Pelos prazeres inúteis de um momento, incorremos nesta miséria intolerável, uma miséria que durará por toda a eternidade.”

“Compreendei bem isto, diz Davi, vós que vos esqueceis de Deus: não suceda que eu vos arrebate e não haja quem vos salve” (Sl 49, 22). Ouça isto, ó pecador, e deixe as lamentações dos condenados serem instrutivas para ti. Imagines o poço de fogo no qual essas criaturas miseráveis devem expiar seus pecados. Tu, perguntamos novamente, por qualquer soma de dinheiro, por maior que seja, concordarias em passar um único dia imerso nessas chamas? Não, nem por todo o mundo concordarias em permanecer naquele fogo por uma curta hora.

Se for assim, por que tu, por causa de algum prazer pecaminoso, algum ganho injusto, voluntariamente te lanças para sempre no fogo do inferno? Que loucura, que loucura consumada! Queira Deus que esses pecadores cegos sejam iluminados, a fim de que se tornem conscientes da imprudência de sua conduta e possam dedicar-se a tempo às coisas que dizem respeito à sua salvação.

Ó Deus de justiça! Quão grande é a Vossa ira e quão poderoso é o Vosso ódio do pecado e do pecador! Ai de mim e de todos os que têm a terrível desgraça de cometer pecado mortal. Que Deus me proteja do pecado que seria o meio de me lançar na perdição eterna. Terei prazer em sofrer todas as coisas, os maiores problemas temporais, as dores mais agudas, até mesmo a morte mais cruel, a fim de escapar do tormento eterno no inferno. Este é meu firme propósito; portanto concedei-me Vossa graça e fortalecei-me em minha boa resolução.

Excerto de: FREI MARTINHO DE COCHEM, O.F.M. Cap.; As Quatro Últimas Coisas — Morte, Julgamento, Inferno e Céu, Editora Realeza, 2021, pp. 93-97.

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