Tio Armand
2008
É impossível deixar que acabe o ano que marcou o quinquagésimo aniversário da morte de Pio XII sem prestar homenagem a esse Papa que tanto nos faz falta hoje. Para esse fim, pego emprestado – com o consentimento de seu autor – um in memoriam publicado pela valorosa revista das famílias católicas A Cigarra de São Francisco em seu número do mês de outubro último (n.º 14). A crônica mensal do Tio Armand evoca o pontificado supremo de Eugenio Pacelli.
[Apresentação pelo Rev. Pe. Hervé Belmont – N. do T.]
* * *
É num aniversário muito especial que eu quero me deter este mês com vocês, muito queridos sobrinhos e sobrinhas que o Bom Deus – seja Ele louvado em todas as coisas – faz viver em tempos bem difíceis. Quero falar do aniversário da morte do Papa Pio XII.
De fato, faz exatamente cinquenta anos, no dia 9 de outubro, que se apagou para a vida terrestre o Soberano Pontífice que terá marcado a todos os que tiveram a graça de viver sob o seu reinado, que durou quase vinte anos (março de 1939-outubro de 1958).
Como fazer com que vocês sintam a emoção que se apoderou nesse momento de todos os que se interessam de perto pela santa doutrina católica e se inquietam com o poder crescente das correntes de erros que corroem a Fé ocultas nas sombras? Não somente um grande papa nos foi tirado, mas, sem dúvida alguma, uma época terminou. O horizonte estava bem sombrio, e a sequência dos eventos disso nos deu trágica confirmação.
Mas, mais do que interrogar-se sobre os contrastes por vezes desconcertantes de um grande pontificado, mais do que gemer com as trevas que tão rapidamente obscureceram o céu da Igreja após a morte de Pio XII, quero somente evocar com vocês alguns grandes atos que fazem de seu pontificado um grande momento da história da Igreja.
Em primeiro lugar, certamente, há a definição do dogma da Assunção da Santíssima Virgem Maria. Foi no primeiro de novembro de 1950 (Munificentissimus Deus):
“Pelo que, depois de termos dirigido a Deus incessantes e suplicantes orações, e de termos invocado as luzes do Espírito de verdade, para glória de Deus Onipotente que à Virgem Maria concedeu Sua particular benevolência, para honra de Seu Filho, Rei imortal dos séculos e triunfador da morte e do pecado, para aumento da glória de Sua augusta Mãe e para gozo e júbilo de toda a Igreja, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos São Pedro e São Paulo e com a Nossa, Nós pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso de sua vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial.”
O Papa atesta solenemente e infalivelmente que a Assunção de Nossa Senhora – na qual a Santa Igreja Católica sempre creu – é verdade revelada por Deus, e que, em consequência, é necessário crê-la como tal, sob pena de naufragar na fé.
Numerosos foram os atos realizados por Pio XII para glorificar a Santíssima Virgem Mãe de Deus: ele consagrou o mundo ao Imaculado Coração de Maria (1942), ele proclamou Ano Mariano para o centenário da definição do dogma da Imaculada Conceição (encíclica Fulgens Corona, 1953), ele instituiu a festa de Maria Rainha (encíclica Ad Cæli Reginam, 1954), pois ele encorajou e abençoou a celebração do centésimo aniversário das aparições da Santíssima Virgem em Lurdes (encíclica Le pèlerinage, 1957). Podemos dizer em toda a verdade que ele foi um Papa mariano.
Ele foi também um Papa doutrinário. Dentre as quarenta encíclicas que escreveu, três brilham com clarão doutrinal particular: Mystici Corporis sobre a Igreja (1943), Mediator Dei (1947) sobre a liturgia e Humani generis (1950) sobre os erros do modernismo ressurgente. Ao que, é preciso acrescentar os numerosos discursos ou mensagens precisando, ensinando e aplicando a doutrina social da Igreja; a solução de numerosas questões de moral provenientes seja de novas técnicas (bélicas ou médicas), seja de novas teorias que minam a vida cristã; a condenação das sagrações episcopais sem mandato apostólico perpetradas na China (encíclicas Ad Sinarum gentes, 1954; Ad apostolorum principis, 1958); e, por fim, luzes sobre numerosos domínios que tocam à vida cristã no mundo.
Ele tinha grande preocupação com a vida interior dos cristãos que vivem no meio de um mundo materialista e desesperado, e quis favorecer com todas as suas forças a integridade e o fervor da vida espiritual. Na encíclica Sacra Virginitas (1954) ele exalta o amor e a glória da vida consagrada a Deus; ele ensina qual deve ser a beleza e a santidade do culto divino na encíclica Musicæ sacræ disciplina (25 de dezembro de 1955) e legisla banindo das igrejas tudo aquilo que, em matéria de arte, não é de produção e de execução católica; ele atrai as almas ao Sagrado Coração de Jesus pela Haurietis Aquas (1956).
Assim, podemos dizer que Pio XII deixou a Igreja (e nela todos os que são dóceis ao seu ensinamento) bem provida para enfrentar uma longa travessia do deserto. Com efeito, não há problema algum que se pôs desde então do qual ele não tenha dado os princípios da solução; não há nenhuma pretensão heterodoxa (e estas abundam nos últimos cinquenta anos!) que ele não tenha condenado de antemão; não há qualquer situação angustiante que ele não tenha aclarado pela implementação de princípios claros e universais.
E isso faz parte, de maneira impressionante, dos contrastes que evoquei mais acima: Pio XII viu a sombra alargar-se, nuvens baixas e carregadas se aproximarem em alta velocidade; ele pareceu resignado ou impotente para expulsá-las, para rebentá-las antes que se tornassem trevas; mas ele nos muniu de princípios e de verdades que permitem sobreviver e caminhar em meio à tempestade, até que soe a hora do triunfo de Deus pela Igreja e na Igreja que Ele assiste continuamente, mesmo durante o que se assemelha muitíssimo a uma agonia.
Que a Santíssima Virgem Maria faça com que essa hora, o momento dessa “assunção”, não tarde em demasia.
Tio Armand
Trad. por Felipe Coelho

Deixe um comentário