Padre Hervé Belmont
2006
No cerne do estudo da reforma litúrgica derivada do Vaticano II, reaparece com frequência a questão da intenção necessária à confecção válida dos sacramentos. Aí está uma coisa que é mais complexa do que certas simplificações apressadas dão a entender. Parece-me importante recordar um ponto crucial: a intenção nada tem de subjetivo, ela fica principalmente do lado do rito que a especifica.
Para confeccionar validamente um sacramento, um ministro deve ter a intenção de fazer o que a Igreja faz. É essa intenção que faz dele em atoministro da Igreja e instrumento de Jesus Cristo, razão pela qual ela é necessária.
O objeto dessa intenção é aquilo que a Igreja faz, isto é, aquilo que a Igreja faz através das mãos do ministro, aquilo que a Igreja dá ao ministro para este fim: é o rito da Igreja, fruto e expressão da fé da Igreja. É a fé da Igreja em ato.
“Os sacramentos correspondem à fé: eles são protestações dela, e é dela que haurem sua potência” (Santo Tomás de Aquino, IV Sent. D. I Q. 1 a. 2 sol. 5).
“A eficácia – ou virtude – dos sacramentos provém de três coisas: da Instituição divina, que é seu principal agente; da Paixão de Cristo, que é sua primeira causa meritória; da Fé da Igreja, que coloca o instrumento em continuidade com o agente principal” (IV Sent. D. I Q. I a. 4 sol. 3).
“A fé [da Igreja] dá a eficácia aos sacramentos, porquanto conecta-os à causa principal [Jesus Cristo]” (Ibid.)
A intenção sacramental não é a intenção cujo objeto é o finis operantis (a razão que coloca o agente em ação), mas, sim, a intenção que se refere ao finis operis (aquilo que é o termo da ação), à ação mesma enquanto objeto da vontade.
O ministro de um sacramento é um instrumento, e um instrumento livre. Mas a sua liberdade não passa de uma liberdade de exercício: fazer ou não fazer; simular [por malícia, ou para fazer uma repetição litúrgica etc.] ou não simular.
O instrumento não tem liberdade de especificação, ele não consegue “escolher sua intenção”: ele deve querer fazer aquilo que a Igreja faz.
E o que a Igreja faz, é o seu rito: é a sua fé, a sua intenção contida no seu rito. É o seu rito, fruto e expressão da sua fé.
O ministro recebe, pois, o rito sacramental tal como este lhe é dado pela Igreja: ele não escolhe sua intenção, ele não a forma ele próprio; ele a recebe ao receber o rito, ao utilizá-lo.
Está aí a garantia da validade dos sacramentos: a utilização do rito da Igreja (que é uma realidade objetiva, constatável) assegura [fora o caso, diretamente querido, de simulação] a realidade do sacramento e do seu efeito. Mesmo se o ministro estiver em erro quanto à natureza ou ao efeito do sacramento, mesmo se ele for ignorante, incréu, simoníaco etc.
Quando um rito é reformado (e particularissimamente quando a forma dele é modificada), a utilização desse novo rito implica necessariamente a intenção de fazer aquilo que quis fazer aquele que promulgou esse rito, a intenção que é especificada pela fé da qual o rito é fruto e expressão.
Se é a Igreja que modifica seu rito, aí então intenção, fé e eficácia (as quais estão necessariamente ligadas) são divinamente garantidas.
Se falta a promulgação da Igreja, aí então falta a garantia; se falta a fé da Igreja, faltam então a intenção e a eficácia.
Essa fé da Igreja está presente na significação do rito.
Se olhamos para o sinal sacramental, a realidade última da união entre a matéria e a forma é a sua significação. No ato sacramental, essa significação fica do lado do sinal e não da intenção.
Mas, no rito mesmo, essa significação é o termo da intenção dada pela promulgação e exprimida pelo rito como um todo, intenção esta que o ministro “endossa” ao utilizar o rito. É por isso que a significação é, então, o efeito e o sinal da intenção que presidiu à confecção do rito (intenção não enquanto presente nos redatores, mas enquanto presente no ato da promulgação, que evidentemente não deixa de ter relação com a dos redatores).
Essa unidade significação-intenção é interior à fé da Igreja, ela é a fé da Igreja a propósito do sacramento, de sua natureza e de sua eficácia. Ela é a fé da Igreja Católica, da qual a significação e o rito são fruto e expressão.
É por isso que essa unidade significação-intenção não pode ser garantida senão por uma promulgação da autoridade legítima (e em virtude da infalibilidade da Igreja em tal matéria, ela é garantida pela mencionada promulgação).
Na realidade, é impossível dissociar três coisas: a conformidade de um rito litúrgico com a fé católica (conformidade em ato); a validade do sacramento confeccionado de acordo com esse rito (no mínimo a garantia dessa validade); a legitimidade da autoridade que promulgou esse rito. Toda a doutrina católica se opõe a essa dissociação, tanto a teologia sacramental quanto a da infalibilidade da Igreja em matéria de fé e em matéria sacramental.
Logo, se os novos ritos provêm da verdadeira Autoridade da Igreja, é impossível que sejam discrepantes da fé ou inválidos; a assistência do Espírito Santo garante tanto a conformidade deles com a fé como a eficácia de graça deles;
• se esses ritos são não conformes à fé católica, é impossível que provenham da Autoridade, que não tem como dar à Igreja uma lei má ou rito desprezível;
• se, quanto ao essencial, eles não estão de acordo com a fé católica, eles não têm como ser válidos: a fé da Igreja, ausente, não tem como lhes conferir eficácia no sentido que dissemos;
• se, enfim, eles não provêm da autoridade da Igreja, não existe garantia nenhuma da validade deles, que só pode ser conhecida na fé e pelo testemunho da Igreja.
Trad. por Felipe Coelho

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