John S. Daly
~2000
Ninguém pode ser herege ou cismático sem ser verdadeiramente pertinaz. Isso está claro em Santo Agostinho, em Santo Tomás, no Direito Canônico e em todos os autores aprovados da Igreja. Ademais, ser pertinaz implica em rejeição consciente da Fé ou comunhão católica. Não basta errar como resultado de negligência, mesmo se a negligência for gravemente pecaminosa. Quem sustenta uma crença incompatível com a Fé Católica não é pertinaz se não se dá conta disso, mesmo que devesse se dar conta. Quem se submete a um falso papa em vez do verdadeiro não é cismático se pensava que aquele fosse o verdadeiro cabeça da Igreja Católica, mesmo se devesse ter sido mais perspicaz. Novamente, os autores estão todos de acordo quanto a isso.
Ninguém com um grão de caridade, ou mesmo senso comum, jamais imaginou que todos os que se enganaram na crise atual foram pertinazes em seus erros. Os que abandonaram conscientemente a fidelidade ao Magistério (o que se aplica a quase todos os frequentadores do Novus Ordo, por exemplo) são pertinazes, mas, para o restante, é impossível generalizar. Se são ou não pertinazes, depende de se realmente adotaram ou não uma posição herética ou cismática vendo que esta não era compatível com o Catolicismo. Duvido que isso se aplique a muitos. Outros talvez pensem que se aplica. Mas ninguém pode sugerir seriamente que se aplique a todos.
Por que então aqueles dentre nós que sustentavam a posição “linha-dura” tratavam todos os que erraram como hereges ou cismáticos? Fazíamo-lo com base no que pensávamos ser uma presunção legal. Argumentávamos que a profissão de uma posição exteriormente acatólica, mesmo de boa fé, criava um dever de presumir que a pessoa responsável fosse pertinaz: presumi-lo no foro externo, isto é, para todos os fins práticos.
Agora estou convencido de que esse modo de ver era baseado numa confusão e não tem fundamento fático.
Os teólogos, de fato, dizem que a pertinácia é presumida quando um homem professa heresia exteriormente ao mesmo tempo que retém a fé ortodoxa em seu coração. Eles estão se referindo, porém, à profissão exterior daquilo que ele sabe ser heresia. Eles se referem a quem faz afirmações heréticas por medo, ou interesse, ou enquanto se encontra sob a influência de drogas. Eles nos dizem que tais indivíduos são interiormente ortodoxos, mas devem ser tratados, para fins práticos, como hereges pertinazes.
Nem um único teólogo pode ser encontrado que diga que tal presunção se aplica quando uma pessoa sustenta, expressa ou age de acordo com uma posição herética que ela sinceramente acredita ser ortodoxa.
Semelhantemente, no caso de cisma, pensávamos que quem quer que rejeitasse um verdadeiro papa ou aceitasse um falso papa era considerado cismático para todos os fins práticos, ainda que interiormente, aos olhos de Deus, estivesse de boa fé. Ora está estabelecido além de toda a controvérsia, no entanto, que os teólogos defendem exatamente o oposto. Os textos em que nos apoiávamos referiam-se, na realidade, a pessoas que sabiam muito bem estarem se separando da comunhão da Igreja Católica. Nenhum autor sugere que os que desejam pertencer à comunhão católica mas erram, em dias de confusão, sobre quem é papa ou quem é católico, devam portanto ser considerados excluídos da Igreja.
A consequência disso é que nós, “linhas duras”, estávamos considerando excluídas da Igreja muitas pessoas que, na realidade, ainda eram membros. Pior ainda, estávamos rejeitando padres por darem os sacramentos a pessoas às quais eles, na realidade, estavam obrigados a dá-los.
Se você está convencido de que um dado indivíduo é verdadeiramente herege (i.e. que ele rejeita pertinazmente a Fé Católica), você tem de tratá-lo como acatólico. Mas, na ausência de um julgamento oficial, sua opinião obriga somente a você. Você não pode inferir legitimamente que todos os que discordarem de você quanto a essa ou aquela pessoa ser de fato pertinaz sejam, por isso, também acatólicos.
Ademais, para concluir que alguém é herege, você precisa ter certeza de que a doutrina dele é diretamente herética; i.e. que a Igreja condenou o que ele crê, não somente que as crenças dele parecem levar à heresia. Além disso, você precisa determinar que ele está ciente desse fato e mantém sua posição assim mesmo.
A Igreja passou por muitas crises, e a atual é a pior da era do Novo Testamento. Não surpreende que muitos errem apesar da vontade sincera de crer com a Igreja. A autoridade é necessária para garantir a unidade, e hoje essa autoridade falta. A mínima unidade de fé permanece, sendo essencial à Igreja, mas nem todos os católicos entendem claramente as respostas certas para as várias questões que emergem da própria crise. Sempre que isso aconteceu no passado, os desencaminhados não foram considerados hereges ou cismáticos antes de se provarem obstinados em face do julgamento direto das autoridades. Hoje a mesma coisa dever-se-ia aplicar.
Isso não é cair no erro dos que negam possamos reconhecer um herege na ausência de condenação direta. Trata-se meramente de insistir no dever de caridade de não crer que uma pessoa é culpada de heresia, ou de qualquer outro pecado, quando os fatos admitem outra interpretação. E de, acima de tudo, não recusar comunhão com os que diferem de nós em meras questões de fato e opinião, como, por exemplo, sobre se esse ou aquele indivíduo é realmente pertinaz.
Desnecessário dizer que pode haver razões prudenciais pelas quais alguém pode decidir afastar-se deste ou daquele padre ou leigo. Erros sustentados em boa fé podem, ainda assim, ser perigosos, e mesclar-se com eles não é desejável. Só que essa decisão não precisa implicar na visão de que os evitados por nós sejam acatólicos, ou de que todos os que julguem diferentemente de nós devam ser evitados também.
Trad. por Felipe Coelho.

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