A EVOLUÇÃO HOMOGÊNEA E TRANSFORMISTA EM GERAL

Francisco Marín-Sola, O.P.
1952

17. EVOLUÇÃO EM GERAL. — O nome evolução, assim como os nomes sinônimos de desdobramentodesenvolvimento progresso, não significam outra coisa, tomados em geral, senão crescimento ou aumento de um ser qualquer. Por isso, o problema que hoje discutimos com os nomes modernos de progresso, desdobramento ou evolução do dogma ou da fé, os antigos escolásticos o discutiam sob o título de crescimento ou aumento da fé: Utrum articuli fidei secundum successionem temporum “creverint”; Utrum per successionem temporum fides “profecerit1.

18. EVOLUÇÃO HOMOGÊNEA E EVOLUÇÃO TRANSFORMISTA NOS SERES MATERIAIS. — Em todo ser material há duas coisas: sua matéria e sua natureza específica.

Por isso, o crescimento ou evolução do ser material pode ser de dois modos: 1.º, crescimento em matéria, sem mudança de natureza específica; 2.º, crescimento em matéria, com mudança, ao mesmo tempo, de natureza específica.

O primeiro crescimento chama-se evolução homogênea; o segundo, evolução transformista. A razão de chamar-se transformista é porque a mudança de natureza leva consigo a mudança de forma substancial e não somente de matéria.

Exemplos claros de evolução material homogênea temos no pequeno arbusto, que cresce e se converte em árvore frondosa, ou na criança, que se desenvolve e se faz adulta. Há aumento ou evolução de matéria, permanecendo a mesma natureza específica.

Exemplos não menos claros de evolução transformista temos no símio que, segundo a teoria de Darwin, se convertera em homem; no barro que Deus transformou no corpo de nosso primeiro pai Adão; na árvore em que o jardineiro enxerta um ramo de espécie diferente; no ser vivo que morre. Em todos estes exemplos, a mudança não se limita à matéria, mas estende-se também à natureza específica ou forma substancial.

Conservar, pois, ou não conservar a mesma natureza específica é o distintivo entre a evolução homogênea e a evolução transformista nos seres materiais.

19. APLICAÇÃO ÀS DOUTRINAS. — Assim como nos seres materiais há dois elementos, a saber, matéria e natureza específica, assim também há em toda doutrina duas coisas: primeiro, as palavras ou fórmulas; segundo, o seu sentido ou significação. O que é a matéria nos seres materiais, são as palavras ou fórmulas nas doutrinas. O que é a natureza específica ou forma substancial nos seres materiais, é, nas doutrinas, o sentido. Daí o dito corrente de que, nas doutrinas, as palavras são o material e o sentido, o formal.

Portanto, o crescimento ou evolução nas doutrinas poderá ser também de dois modos: 1.º, crescimento ou evolução das fórmulas, permanecendo, porém, o mesmo sentido; 2.º, não permanecendo o mesmo sentido.

No primeiro caso, a evolução é homogênea. No segundo, a evolução é transformista.

Conservar, pois, ou não conservar o mesmo sentido é o distintivo entre a evolução homogênea e a evolução transformista nas doutrinas.

Donde provém a fórmula tradicional da evolução homogênea do dogma católico, dada pelo Lirinense e consagrada pelo Concílio Vaticano: “Crescat igitur… sed in eodem sensu”. Desenvolvimento, sim, mas no mesmo sentido.

20. QUANDO PERMANECE O MESMO SENTIDO. — O sentido de uma doutrina através das diversas fórmulas permanece o mesmo quando o sentido das fórmulas posteriores não provém de fora, mas já estava implicitamente contido nas fórmulas anteriores. O sentido não permanece o mesmo no caso contrário, isto é, quando o sentido das fórmulas posteriores não estava implicitamente contido nas fórmulas anteriores, mas constitui um sentido contrário ou, ao menos, diverso daquele que as fórmulas anteriores continham.

Para entender claramente quando o sentido de uma fórmula está ou não implicitamente contido no sentido de outra, convém distinguir bem, com Santo Tomás e São Boaventura, três classes de sentidos ou conceitos: a) conceitos explicativos; b) conceitos diversos; c) conceitos contrários.

Chamam-se conceitos explicativos aqueles que se derivam por completo uns dos outros, desde que a nossa inteligência penetre bem todo o seu conteúdo.

Chamam-se conceitos diversos aqueles que não se derivam, nem podem se derivar uns dos outros, por mais que se penetre neles, embora também não se oponham nem se destruam mutuamente.

Chamam-se conceitos contrários aqueles que não somente não se derivam uns dos outros, mas se destroem mutuamente, por serem incompatíveis entre si.

Exemplos de conceitos explicativos, que os antigos também chamavam pelo nome latino de conceitos conformes (consonum), temos nos conceitos de imutabilidade absoluta e eternidade, ou de espiritualidade e imortalidade. Se se penetra bem o conceito de imutabilidade absoluta, dele se deriva o conceito de eternidade. Se se penetra bem o conceito de espiritualidade, dele se deriva o de imortalidade. Não são senão aspectos parciais de um conceito total2.

Exemplos de conceitos diversos temos nos conceitos de ciência e virtude, ou de quantidade e qualidade, ou de cor e sabor. Por mais que se penetre o conceito de ciência, dele jamais se derivará o conceito de virtude; nem do conceito de quantidade se derivará o de qualidade; nem do conceito de cor se derivará o de sabor. Contudo, embora esses conceitos não se derivem uns dos outros e, por isso, não sejam explicativos, tampouco se opõem entre si e, por isso, não são ainda contrários, mas simplesmente diversos.

Exemplos de conceitos contrários temos nos conceitos de espiritual e material, ou de necessário e contingente, ou de branco e negro. Esses conceitos não somente não se derivam uns dos outros, como tampouco se derivam dos diversos, mas se excluem mutuamente em um mesmo sujeito ou na mesma fórmula doutrinal.

Tudo isso, que por sua importância ou por nossa falta de concisão nos levou a dedicar bastantes parágrafos para expor, havia sido condensado por Santo Tomás e São Boaventura em poucas palavras. A questão que hoje discutimos, sobre se cabem novos dogmas, era discutida pelos escolásticos sob a rubrica de se cabe acrescentar (apponere) algo ao depósito revelado. Eis a objeção e a resposta:

“Contra: dicitur Apocalypsis, capite ultimo, 18: Si quis apposuerit ad haec, apponet Deus super illum plagas.
Respondeo: est apponere duplex: vel aliquid quod est contrarium vel diversum, et hoc est erroneum: vel quod continetur impliciteexponendo, et hoc est laudabile3.


Est additio in qua additum est contrarium: et est in qua additum est diversum: et est in qua est consonum. Prima additio est erroris: secunda, praesumptionis: tertia, fidelis instructionis, quia quod implicitum est, explicat4.

21. EVOLUÇÃO EXPLICATIVA E EVOLUÇÃO SUBSTANCIAL. — Sempre, pois, que os conceitos das fórmulas sucessivas não sejam contrários nem sequer diversos, mas mutuamente implícitos (consona), a evolução é no mesmo sentido e, portanto, homogênea. No caso contrário, a evolução é transformista.

Quando a evolução doutrinária é homogênea, por as fórmulas estarem implicitamente contidas umas nas outras, os antigos teólogos chamavam-na evolução explicativa (quoad explicationem); quando é heterogênea ou transformista, por não estarem implicitamente contidas, chamavam-na evolução substancial (quoad substantiam).

Portanto, o que distingue a evolução homogênea ou explicativa da evolução transformista ou substancial, quando se trata de doutrinas, é a continência ou não continência implícita do sentido das fórmulas posteriores no das fórmulas primitivas ou ponto de partida.

Notas:

  1. Santo Tomás, Summa Theologica, II-II, q. I, a. 7, e In III Sent., d. 25, q. 2, a. 2. [Se os artigos de fé, segundo a sucessão dos tempos, “cresceram”; se, pela sucessão dos tempos, a fé “progrediu” (N. do T.)]. ↩︎
  2. Pela mesma razão, embora para alguns leitores não houvessem sido tão claros, poderíamos ter aduzido, como exemplos de conceitos explicativos, os conceitos de “homem perfeito” e “homem dotado de entendimento e vontade humanos”; ou os conceitos de “Verdadeiro Filho de Deus” e “consubstancial com o Pai”; ou de “Trindade de pessoas divinas” e “Trindade de relações opostas e subsistentes”; ou de “Espírito Santo procedente do Pai” e “Espírito Santo procedente do Filho”; ou de “fundamento indefectível da Igreja” e “regra infalível de fé e costumes”; ou de “digna Mãe de Deus” e “imune de toda mancha de pecado”, etc., etc. Em todos esses exemplos, como esperamos fazer ver no decurso desta obra, os conceitos são mutuamente implícitos ou explicativos, pois, ao apenas analisar ou penetrar bem todo o conteúdo de um dos conceitos, deriva-se o outro. ↩︎
  3. Santo Tomás, In I Sent.divisio textus Prologi cum eius expositione. [Contra: diz-se em Apocalipse, capítulo último, 18: Se alguém acrescentar [algo] a estas coisas, Deus sobre ele lançará pragas. Respondo: acrescentar é duplo: ou algo que é contrário ou diverso, e isto é errôneo; ou aquilo está contido implicitamenteexpondo-o, e isto é louvável (N. do T.)]. ↩︎
  4. São Boaventura, In I Sent.expositio in prologum. [Há adição em que o que se acrescenta é contrário; há em que o que se acrescenta é diverso; e há em que o que se acrescenta é conforme. A primeira adição é de erro; a segunda, de presunção; a terceira, de fiel instrução, pois aquilo que está implícito é explicado (N. do T.).] ↩︎

Trad. por Dominicus. De: La evolución homogénea del dogma católico, Biblioteca de Autores Cristianos, 1952, pp. 146-149.

Deixe um comentário

Blog no WordPress.com.

Acima ↑