O PAPA SÃO GREGÓRIO I SOBRE A IGREJA IMEDIATAMENTE ANTES DO ANTICRISTO: “AS PALAVRAS DA DOUTRINA CALAM-SE, OS MILAGRES SÃO REMOVIDOS”

Novus Ordo Watch
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O autor, historiador, ex-redator de discursos da Casa Branca e estudioso americano Joshua Charles participou de um episódio do podcast ‘Faith and Reason’ do Life Site, apresentado por John-Henry Westen, em 26 de março de 2025, intitulado “End times prophecies [of] the Church fathers revealed”. Charles é um recém-converso (2019) que defende um tipo de tradicionalismo “Reconhecer e resistir”.

Ontem, um trecho de cinco minutos do episódio foi publicado no YouTube, com o título não menos intrigante, “The Antichrist: Warnings from the Early Church”. O trecho é muito interessante e, sem dúvida, merece ser assistido.

Neste trecho, Joshua Charles refere-se ao ensinamento do Papa São Gregório Magno sobre a condição da Igreja imediatamente antes do surgimento do Anticristo. O santo Vigário de Cristo, originalmente conhecido simplesmente como Papa Gregório I (c. 540-604), fundamentou esta ideia em uma interpretação mística do Livro de Jó, do Antigo Testamento. O santo pontífice, que é ao mesmo tempo Padre da Igreja e Doutor da Igreja, viu em Jó um “tipo” da Igreja Católica, cuja vida prefigurava alegoricamente aquilo que o Corpo Místico de Cristo haveria de sofrer antes que o Senhor Jesus retornasse em glória.

A citação à qual Charles se refere no vídeo é a seguinte:

Embora, com respeito ao nosso conhecimento de que a necessidade precede a sua face [cf. Jó 41, 13], haja outro ponto que devemos expor de modo mais melancólico. Pois, pelo curso terrível da dispensação secreta, antes que este Leviatã apareça naquele homem maldito que ele assume, os sinais de poder são retirados da Santa Igreja. Com efeito, a profecia se oculta, a graça das curas é suprimida, o poder de maior abstinência é enfraquecido, as palavras da doutrina calam-se, os prodígios dos milagres são removidos. E, conquanto a dispensação celestial não os retire inteiramente, ainda assim não os manifesta abertamente nem de maneira variada, como nos tempos antigos. E isto se dá por uma dispensação admirável, a fim de que a misericórdia e a justiça divinas se cumpram conjuntamente pelo mesmo meio. Pois, quando a Santa Igreja se apresenta como se fosse mais abjeta, com a retirada dos sinais de poder, tanto a recompensa dos bons se aumenta – que a reverenciam pela esperança das coisas celestiais, e não por causa dos sinais presentes – quanto a mente dos ímpios se revela mais rapidamente contra ela, aqueles que negligenciam buscar as coisas invisíveis que ela promete, quando não são constrangidos por sinais visíveis. Assim, quando a humildade dos fiéis é privada da manifestação variada das maravilhas, pelo terrível juízo da dispensação secreta, acumula-se uma misericórdia mais abundante para os bons e uma justa ira para os maus, pelo mesmo meio. Donde, como esses sinais de poder cessam, em grande medida, na Santa Igreja, antes que este Leviatã venha manifesta e visivelmente, diz-se agora corretamente: A necessidade precederá a sua face [Jó 41, 13]. De fato, as riquezas dos milagres são primeiro retiradas dos fiéis, e então aquele antigo inimigo se manifesta contra eles com prodígios visíveis, para que, enquanto se vangloria de suas maravilhas, seja mais poderosa e honrosamente derrotado pelos fiéis sem milagres. Pois, embora os sinais não faltem aos fiéis em seu combate com ele, ainda assim os dele serão tão grandes que os de nosso povo parecerão poucos ou nenhum. Mas, sem dúvida, a virtude deles se torna mais poderosa que todos os sinais, quando ela esmagar com o calcanhar da resolução interior todas as suas terríveis obras que contempla. Porém, o inimigo maligno se volta contra eles com crueldade tanto mais feroz quanto mais se aflige por ser desprezado, mesmo com o brilho de seus milagres. Ele, portanto, reúne-se para a sua destruição e une todos os réprobos com crueldade unânime para a morte dos fiéis, a fim de que exerça sua crueldade com tanto maior força quanto mais todos os membros de seu corpo concordarem com ele nas coisas que busca perversamente realizar. (Papa São Gregório I, Moralia in Job, vol. III, livro XXXIV, n. 7; itálicos do original; destaque nosso)

O “Leviatã” mencionado no texto acima é claramente o diabo – denominação que lhe foi atribuída pelo profeta Isaías: “Naquele dia o Senhor, com a sua espada dura, grande e forte, visitará o Leviatã, a serpente fugidia, o Leviatã, a serpente tortuosa, e matará o monstro que está no mar” (Is 27, 1).

Embora o Sr. Charles considere que a descrição gregoriana acima, sobre o estado do Corpo Místico de Cristo imediatamente antes da chegada do Anticristo, seja uma boa descrição da ‘Igreja Católica’ das últimas seis décadas, tal interpretação está longe de ser evidente. Na verdade, na opinião do presente autor, a descrição dada por São Gregório harmoniza-se bastante com o sedevacantismo e não tanto com a posição “Reconhecer e resistir”.

Examinemos isto um pouco mais detidamente.

São Gregório I fala de “sinais de poder [sendo] retirados da Santa Igreja” e esclarece: “Com efeito, a profecia se oculta, a graça das curas é suprimida, o poder de maior abstinência é enfraquecido, as palavras da doutrina calam-se, os prodígios dos milagres são removidos”.

Admitamos que estas palavras são, em certo grau, obscuras, e seria presunçoso supor que possamos compreendê-las integralmente ou discernir plenamente o seu significado pretendido. Dois elementos, contudo, parecem um tanto claros: “as palavras da doutrina calam-se” e “os prodígios dos milagres são removidos”. Ao mesmo tempo, o santo autor acrescenta imediatamente que “conquanto a dispensação celestial não os retire inteiramente, ainda assim não os manifesta abertamente nem de maneira variada, como nos tempos antigos”.

Não é este precisamente o caso apenas se supusermos que a posição sedevacantista esteja correta, a qual sustenta que os ‘Papas’, desde a morte de Pio XII, em 1958, têm sido ilegítimos e que seus atos oficiais de ensinar, governar e santificar carecem de validade?

Se supusermos que a posição do Novus Ordo (a corrente ‘católica’ mainstream) esteja correta, podemos realmente dizer que “as palavras da doutrina calam-se” e que “os prodígios dos milagres são removidos”, quando sabemos que, nas últimas seis décadas, a Igreja do Concílio Vaticano II tem produzido abundantemente documentos de ensino, continuamente proclama a canonização de novos ‘santos’ e reconhece seus supostos ‘milagres’?

Por outro lado, se supusermos que a posição “Reconhecer e resistir” (‘semi-tradicionalista’) esteja correta, podemos ainda assim dizer que “as palavras da doutrina calam-se”? De modo algum, pois mesmo os adeptos dessa posição concordariam que as palavras da doutrina têm fluído em grande abundância do Vaticano nos últimos 65 anos. O problema é, antes, que essa doutrina é frequentemente falsa, por vezes até herética ou blasfema; ao menos ambígua, confusa ou de algum modo escandalosa. Mas erro não é silêncio; é muito pior! Quanto aos milagres, os adeptos da posição “Reconhecer e resistir” têm o hábito de reconhecer, de modo geral, os milagres aprovados pelo Novus Ordo, ou apenas de forma seletiva. Em qualquer dos casos, seria incorreto descrever sua posição como harmônica com a descrição de que “os prodígios dos milagres são removidos”.

A advertência de que “conquanto a dispensação celestial não os retire inteiramente, ainda assim não os manifesta abertamente nem de maneira variada, como nos tempos antigos” tampouco favorece as duas alternativas ao sedevacantismo. Favorece, no entanto, novamente a posição de que não houve Papa válido desde Pio XII, uma vez que a verdadeira Fé ainda é ensinada, embora de forma mínima, e não mais nas estruturas ‘oficiais’, como igrejas paroquiais, basílicas ou catedrais, mas em igrejas não oficiais, em casas particulares, salões alugados e outros locais improvisados.

A explicação que o santo Papa São Gregório Magno oferece acerca do motivo pelo qual Deus permite essas terríveis provações no fim dos tempos é fácil de compreender e coerente. Ao mesmo tempo, é tanto aterradora quanto consoladora. É consoladora porque revela a mão providente de Deus em nossos tempos angustiantes. É aterradora porque mostra quão poderosas serão as forças do inferno para enganar os bons e como devemos suplicar constantemente a Deus pela graça de não sucumbirmos a elas:

Porque se levantarão falsos cristos, e falsos profetas, e farão grandes milagres e prodígios, de tal modo que (se fosse possível) até os eleitos seriam enganados. (Mt 24, 24)

Com efeito, o mistério da iniquidade (posto que ainda não tenha aparecido o Anticristo) já se opera, somente falta que aquele, que agora o retém, desapareça. E então se manifestará esse iníquo (a quem o Senhor Jesus destruirá com o sopro da sua boca e aniquilará com o resplendor da sua vinda). A vinda deste iníquo será acompanhada, por obra de Satanás, de toda a espécie de milagres, sinais e prodígios mentirosos, de todas as seduções da iniquidade para aqueles que se perdem, porque (por sua culpa) não abraçaram o amor da verdade, que os salvaria. Por isso Deus lhes envia um poder de sedução, de tal modo que creiam na mentira, para que sejam condenados todos os que não deram crédito à verdade, mas puserem a sua complacência no mal. (2 Ts 2, 7-11)

Aquele, pois, que crê estar de pé, veja para que não caia. (1 Co 10, 12)

Por fim, como se situa o sedevacantismo diante da profecia de que “os prodígios dos milagres são removidos” durante o tempo que precede o Anticristo? De forma relativamente adequada, pois uma das objeções mais recorrentes contra o sedevacantismo, nos últimos tempos, tem sido a de que ele não apresenta milagres. Confira, por favor, nossa sólida resposta a esse ponto de crítica aqui: “Signs and Wonders: Answering the ‘Sedevacantism Has No Miracles’ Objection”.

Encerramos apontando que parece que, no ensinamento católico sobre os fins dos tempos, assim como nas revelações privadas aprovadas, em nenhum lugar encontramos o cenário concebido pelo tradicionalismo “Reconhecer e resistir”; a saber, que o Papa se desvia, abandona a Fé, envenena os fiéis com um magistério falso e perigoso, etc., enquanto alguns autoproclamados ‘católicos ortodoxos’ se erguem para lutar contra a Santa Sé até que, em algum momento futuro, um Papa distinto concorde em retirar todos os erros e condenar aquilo que, pouco tempo antes, a mesma autoridade havia exigido que os fiéis aceitassem.

Seria temerário afirmar que tais coisas não se encontram no ensinamento ou na profecia católicas? Não, pois, se assim fosse, os apologistas da posição “Reconhecer e resistir” certamente estariam citando essas fontes dia após dia em apoio à sua posição.

Antes, o que encontramos é precisamente o oposto. Não apenas o ensinamento católico sobre o Papado não deixa absolutamente nenhum espaço para uma defecção papal da Fé, como a exclui positivamente. Também a revelação privada aprovada é incompatível com a ideia de um Papa herético ou de uma Igreja herética. Por exemplo, no chamado “Segundo Segredo de Fátima”, nos é dito que “o Santo Padre terá muito a sofrer”, e não que ele causará grande sofrimento (cf. Rev. Joseph Cacella, Our Lady of Fatima, 2ª ed. [New York, NY: Vatican City Religious Book Co., Inc., 1946], p. 65).

Na perseguição do Corpo Místico de Cristo, o Papa é sempre a vítima, nunca o perpetrador. Isto é inteiramente coerente, pois, como Vigário de Cristo, o Romano Pontífice representa Jesus Cristo sobre a terra. Assim, historicamente, o Papa tem sido o alvo principal dos inimigos da Igreja, e não seu servo.

Em uma carta encíclica emitida em 1853, o Papa Pio IX (r. 1846-1878) apresentou estas verdades: que a Sé Romana é indefectível e que o Papa, mais do que qualquer outro, é o alvo dos maiores inimigos da Igreja:

Esta cátedra [de Pedro] é o centro da verdade e da unidade católicas, isto é, a cabeça, mãe e mestra de todas as Igrejas, a qual devem ser prestadas toda honra e obediência. Toda igreja deve concordar com ela em razão de sua maior preeminência – isto é, aquelas pessoas que são fiéis em todos os aspectos… Ora, bem sabeis que os inimigos mais mortais da religião católica sempre travaram uma guerra feroz, mas sem sucesso, contra esta Cátedra; de modo algum ignoram o fato de que a própria religião jamais poderá vacilar ou cair enquanto esta Cátedra permanecer intacta, a Cátedra que repousa sobre a rocha que os soberbos portões do inferno não podem derrubar e na qual reside toda a solidez perfeita da religião cristã. Portanto, em razão de vossa especial fé na Igreja e de vossa particular piedade para com a mesma Cátedra de Pedro, Nós vos exortamos a dirigir vossos esforços constantes, para que o povo fiel da França possa evitar os enganos astutos e os erros desses conspiradores, e desenvolver um afeto e obediência mais filiais para com esta Sé Apostólica. Sede vigilantes em atos e palavras, para que os fiéis cresçam em amor por esta Santa Sé, a venerem e a aceitem com completa obediência; e devem executar tudo quanto a própria Sé ensina, determina e decreta. (Papa Pio IX, Encíclica Inter Multiplices, nn. 1, 7)

Em outras palavras, é justamente porque o Papado garante a força da Igreja Católica que as forças anticristãs há muito possuem tão grande interesse em eliminar (ou, ao menos, neutralizar) este ofício infalível e indefectível. 

Que Nossa Senhora de Fátima interceda por nós, e que Deus tenha misericórdia de nós!

Papa São Gregório Magno, rogai por nós.

Trad. por Dominicus. De: Novus Ordo Watch, “Pope St. Gregory I on the Church just before the Antichrist: ‘Words of Doctrine are Silent, Miracles Removed’”.

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