DE LUCIANO PARA LUCIANO

Uma breve resposta ao Centro Dom Bosco sobre a resistência ao papa, a unidade da Igreja e a verdadeira obediência católica

Luciano Takaki
2024

Recentemente, o Centro Dom Bosco (CDB) publicou um vídeo sobre a obediência católica. O vídeo foi apresentado por alguém que guardo admiração: Luciano Pires, que é culto e bem didático quando trata de outros assuntos. Creio que assisti a todos os vídeos em que ele aparece. No entanto, ele foi infeliz ao resolver aceitar apresentar um vídeo sobre uma questão na qual o CDB tem falhado miseravelmente: a obediência católica.

Sabemos que o CDB é atualmente o maior propagador (o canal do YouTube tem no momento da escrita 508 mil inscritos) da falsa posição “reconhecer e resistir” (cf. sobre o tema, recomendo o meu artigo: “Contra a posição “reconhecer e resistir”), na qual consiste em reconhecer o que julgam ser o papa e ao mesmo tempo resisti-lo como se o mesmo fosse uma ameaça à fé e mesmo à Igreja. Tal como para a FSSPX e a Resistência, para o CDB o papa poderia ser a causa eficiente da crise. O que é absolutamente inadmissível dada não apenas a infalibilidade positiva como também a insegurança infalível. O papa poderia participar da crise indiretamente (permitindo entrada de clérigos imorais ou nomeando bispos e cardeais indignos, por exemplo), mas não poderia ser a causa direta. Para o CDB, FSSPX e a Resistência, o papa é a causa eficiente direta da crise, ensinando o erro, promovendo-o e sendo omisso para com ele.

O vídeo, que dura pouco mais de 20 minutos, começa com o web-teólogo Rafael Brito censurando (surpreendentemente com razão) o CDB por suas críticas a Bergoglio em razão do novo ensinamento sobre a pena de morte. Para contrapor a fala do Rafael Brito, os editores e roteiristas do vídeo colocaram uma cena da banda Colo de Deus rezando “em línguas”.

Mas, sejamos honestos, os que aderem a essa posição estão certos, mas estão certos pela metade. Ora, o que está certo pela metade continua errado. Se, por exemplo, a Renovação Carismática (dita) Católica (RCC) é um movimento aprovado pela Igreja liderada por um verdadeiro papa e se essa tal da oração em línguas nunca foi reprovada por eles, por que expor esse grupo rezando em línguas como se tal coisa fosse condenável? Convenhamos que eles estão mais coerentes com a obediência do que o CDB. Ambos, Rafael Brito e CDB, estão certos pela metade, ambos estão errados.

Primeiramente, vejamos os acertos do CDB: Bergoglio ensinou uma nova doutrina ao condenar a pena de morte e ser ambíguo com respeito ao aborto reprovando esse homicídio com uma perspectiva naturalista. Luciano Pires, o apresentador que carrega o meu nome, disse que é “muito pesar” que acusa Bergoglio de “atitude modernista” e “omissão pontifícia”. A postura modernista está corretamente aplicada, mas não a omissão pontifícia por não se tratar ali de um pontífice. Fora essa acusação de “omissão pontifícia”, que não tem pé nem cabeça, as críticas de fato poderiam ter saído de um sedevacantista.

No entanto, Luciano nega isso e afirma que quem fere a unidade da Igreja é quem ensina o erro. O Rafael Brito ensina o erro? Certamente que sim. Entusiasta da protestante RCC, o Rafael é um entusiasta da religião novus ordo. Qualquer um percebe os erros mesmo com mero conhecimento superficial da doutrina. Apesar da sua coerência, os seguidores da religião novus ordo obram objetivamente contra o bem comum da Igreja, ainda que em muitos casos possam fazer de boa fé. Mas, como já dito, eles buscam coerência sem perceber a contradição que há entre o Magistério anterior e o atual. Assim, o Luciano Pires parece acertar ao acusá-los de um “sedevacantismo retroativo”, que seria negar os papas do passado em favor dos “papas” do presente. Sendo os adeptos do novus ordo pessoas tomadas de princípios modernistas, seguirão os “papas” mais recentes em detrimento dos papas do passado, que praticamente são esquecidos.

Luciano Pires e o CDB, por sua vez, farão o oposto. Eles buscarão enfatizar os papas do passado e dos “papas” mais recentes pinçarão apenas aquilo que julgarão católicos. Isso é visível quando pegam algo conservador da encíclica Humanae vitae de Paulo VI ou uma e outra afirmação do João Paulo II e Bento XVI. Temos aqui uma peneira do Magistério. É do Magistério tudo aquilo que passa pelo clive do CDB e todo o resto deve ser rejeitado. O CDB, que lança inúmeros títulos e tem mais de meio milhão de inscritos, passa a ser quem decide o que deve ser crido ou não. Não é mais o “papa”. Isso contradiz a encíclica Sapientiae christianae (10 de janeiro de 1890) que citarei pela enésima vez:

“E eis a razão por que o pontífice deve ter autoridade para julgar que coisas contenha a palavra de Deus, que doutrinas concordem com ela e quais delas desdigam; e do mesmo modo determinar o que é bem e o que é mal, o que se deve fazer e o que se deve evitar para conseguir a salvação eterna. Se isso não se pudesse fazer, o Papa não seria intérprete infalível da palavra de Deus, nem o guia seguro da vida do homem.”

Antes, já líamos o seguinte:

“Melhor é a condição dos cristãos – os quais recebem da Igreja a regra da sua fé e sabem com certeza que, obedecendo à sua autoridade e deixando-se guiar por ela, estão com a verdade. Por isso assim como uma só é a Igreja, porque um só é Jesus Cristo, também entre os cristãos de todo o mundo uma só é e deve ser a doutrina ‘um Senhor, uma fé’ (Ef 4,5). Tendo todos o mesmo espírito de fé (cf. 2Cor 4,13), possuem o salutar princípio do qual espontaneamente dimana para todos um mesmo querer e um mesmo agir.”

É um tanto cansativo e frustrante citar essas passagens muitas vezes (principalmente sabendo que muito provavelmente a pessoa mencionada não lerá), mas vamos lá.

Certamente, a encíclica nos ensina que não devemos obedecer a uma autoridade que ordene algo que ofenda a Deus e obre contra a Igreja. Tal atitude implicaria conivência ou mesmo cumplicidade. No entanto, quando se trata do papa, as coisas mudam. Se queremos preservar a unidade da Igreja, o papa deve ser obedecido porque é nessa santa obediência onde a unidade da Igreja fica mais evidente.

Ao tratar sobre a tal obediência “católica”, o que foi exposto é antes uma rebeldia. Não digo aqui que Bergoglio deve ser obedecido, mas sim um falso papa. Mas Luciano Pires saca uma carta da manga: ele disse que o católico, ao contrário dos revolucionários, reconhece a hierarquia da criação cuja autoridade tem a Deus por fonte da qual participam os líderes reconhecidos, tal qual Jesus reconheceu Pilatos. Essa afirmação ecoa o argumento da aceitação universal, que já foi respondido: o fato de milhões e milhões de pessoas que se dizem católicas aceitarem Bergoglio como papa, não o faz ser papa, visto que a aceitação é apenas um dos efeitos de uma eleição válida, mas sendo Bergoglio um não católico, ele não pode ter recebido a autoridade. As outras razões já foram explicitadas inúmeras vezes. Acessem o “Índice sobre o sedevacantismo” e verão.

Luciano Pires para se referir aos modernistas novus ordo ainda se referiu a eles como papólatras, i.e., os acusou de “papolatria”. Fazendo isso, passa a impressão de que ele segue uma espécie de protestantismo mitigado. Enquanto os protestantes — em prol da Sagrada Escritura — rejeitam a Tradição apostólica; Luciano Pires, o CDB e os adeptos da posição “reconhecer e resistir” — em prol da Sagrada Escritura e Tradição — rejeitam o “magistério” vigente (segundo eles), que é o “magistério conciliar” ou “liberal”.

Não é bem assim. Quando o papa ensina algo em matéria de fé e moral, o católico aceita isso. O simples fiel não questiona. Se o CDB gostaria de reconhecer Francisco como papa, deveria pensar que os seus erros são meramente aparentes. A docilidade do católico para com o papa. Será que o Luciano Pires leu essa parte da Sapientiae christianae?

“Agora, quanto a determinar quais sejam as doutrinas reveladas, é missão da Igreja docente a quem Deus confiou a guarda e a interpretação da sua palavra, e o doutor supremo na Igreja é o pontífice romano. Por isso, assim como a união dos espíritos reclama uma perfeita concórdia na mesma fé, assim também requer uma completa submissão e obediência das vontades à Igreja e ao pontífice romano, como a Deus mesmo.” (Grifo meu)

Luciano Pires afirma que para os sedevacantistas, “um papa que erra apenas parece ser papa”, pois um papa nunca poderia errar. Ele afirma depois que não seria a intenção deles se aprofundar nesse vídeo sobre o dogma da infalibilidade nem sobre o sedevacantismo, porque não corresponde à posição do CDB. Por alguma razão, eles colocaram um corte do Rafael Brito dizendo que o CDB reconhece a autoridade do “Papa Francisco” e que os sedevacantistas estariam fora da Igreja.

Ora, não é bem os sedevacantistas que dizem que o nunca erra, mas sim que o papa não pode ensinar nada em matéria de fé e moral sem ao menos a segurança infalível. Afinal, é ele a cabeça visível da Igreja. Se o papa pudesse errar no essencial para conduzir as almas à salvação, não estaríamos numa situação melhor que a dos protestantes. Quanto ao que o Rafael Brito diz, isso não faz sentido nenhum. Afinal, não são os mesmos carismáticos que pregam que os protestantes fazem parte da unidade da Igreja incluindo os neopentecostais? Se o Vaticano II ensina na Unitatis redintegratio que as seitas protestantes e as igrejas cismáticas do Oriente podem ser meios de salvação, por que as comunidades sedevacantistas também não poderiam ser? Lembrando que temos sacramentos válidos tal como os cismáticos orientais.

Mas retornemos, o papa pode, pois, errar? É fácil citar Sapientiae christianae quando a citação corresponde à resistência à má autoridade. Mas e quanto ao que foi citado já anteriormente? Os erros de Bergoglio citados no vídeo não são quase nada perto do já exposto neste site. E são erros contra a fé e a moral.

O que vemos até aqui, é que o CDB, na pessoa do Luciano Pires, está mostrando que o papa pode ser uma pessoa inútil, do qual devemos tomar todo o cuidado para pinçar o que é católico e o que não é. Isso não é católico. Ser católico é preservar a fé e defendê-la intransigentemente.

Se Francisco for verdadeiro papa, ele ensina a Religião católica e podemos segui-lo de olhos fechados. Mas como a nossa fé teologal nos mostra que a Religião não tem sido ensinada como deveria, há de se concluir que ele não possui a autoridade e nem a assistência divina. Se não tem nada disso, ele não é papa.

Resumindo, nada disso é difícil de concluir. Concedo que pode ser difícil de aceitar depois de tantos anos crendo que Francisco é papa, mas com um pouco de fortaleza podemos fazê-lo. Talvez falte isso a Luciano Pires. Rezemos para que ele aceite esse fato e não ataque o papado como foi feito aqui.

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