CONTRA A POSIÇÃO “RECONHECER E RESISTIR”

Luciano Takaki
2022-2024

BREVE APRESENTAÇÃO

Iniciei a escrita deste artigo há quase dois anos, quando tinha acabado de me tornar sedevacantista. Com o tempo, devido à conduta demasiado agressiva e sectária de alguns e publicações que resumem o problema (cf. “A RESISTÊNCIA ÀS MUDANÇAS E A INDEFECTIBILIDADE”, do Mons. Donald Sanborn) hesitei em publicar o artigo. Também fiquei um pouco insatisfeito com o resultado, diria também que preocupado em não ser repetitivo com as citações (e.g., as da carta encíclica Sapientiae christianae) e argumentos.

No entanto, percebi que seria útil um artigo propriamente meu, com a minha didática e ampliar o acervo de material sobre o assunto. Resolvi alterar o modo de argumentação e suprimir excessos e acrescentar o que ficou ausente. Certos pontos simplesmente troquei quase tudo. Quis não apenas deixar o texto mais maduro, como também mais adequado à minha atual maturidade. Espero que o resultado final tenha ficado satisfatório.

A quem estiver lendo até aqui, desejo uma boa e frutuosa leitura.

INTRODUÇÃO: UMA ORIGEM, EM PARTES, DESCULPÁVEL

Após o encerramento do Concílio Vaticano II, não demorou para que muitos padres percebessem que algo deu errado. Os documentos do Concílio Vaticano II apresentavam uma linguagem estranha, evidentemente alheia à que a Igreja sempre usou no exercício do seu Magistério e, em muitos pontos, parecia ensinar (e realmente ensina) novidades. A esmagadora maioria dos clérigos que assistiu ao Concílio preferiu suspender o juízo. E assim podemos dizer que houve três grupos bem distintos: os que resistiram às novidades e inovações do Concílio (os nomes mais célebres foram sem dúvida os de Mons. Marcel Lefebvre e Mons. Antônio de Castro Mayer e há outros menos conhecidos como Mons. Pierre Martin Ngô Đình Thục, que aqui chamaremos de Mons. Thuc simplesmente), que são os tradicionalistas; os que procuraram conciliar as inovações do Concílio com a Tradição da Igreja, que são os chamados continuístas (a esmagadora maioria, quase a totalidade); e por fim os modernistas pura e simplesmente, os modernistas simpliciter, que comemoram as inovações e deliberadamente as promovem.

Como explicar tais inovações e novidades na doutrina, na forma de atuar do magistério, nas disciplinas, os novos ritos sacramentais, a nova missa, etc? Vejam que na prática temos uma religião nova substancialmente distinta da verdadeira Religião. Se observarmos as posições acima, vemos que as duas últimas posições, ainda que uma delas tenha sido abraçada pela esmagadora maioria do clero, a dos modernistas é apostasia pura e simplesmente. É a posição de quem realmente odeia a Religião Católica e comemoraram não a mudança porque a Religião revelada por Deus não admite mudanças, mas sim a criação de uma nova religião que agora ocupa a estrutura que antes era utilizada pela Igreja Católica. A posição dos continuístas é uma apostasia secundum quid, ou seja, sob certo aspecto. Os continuístas ainda possuem uma intenção de continuar católicos, mas ao tentar conciliar a luz com as trevas acabam engolidos pelas inovações e em verdade acabam sempre em conflito interno. Muitos tentam denunciar abusos litúrgicos, heresias escandalosas proferidas por padres ou mesmo bispos e cardeais. Mas com relação ao papa, tentam fazer todo tipo de malabarismo ou estudar manuais de teologia ou direito canônico para tentar explicar como um papa pode errar tanto. Os continuístas ao não enxergarem o óbvio, viverão nesse conflito interno gostando ou não de certas inovações. Os continuístas, portanto, pecam ao identificar essa nova religião com a Religião Católica e assim atentar contra o dogma da indefectibilidade da Igreja Católica.

Assim sobra a posição dos tradicionalistas. Essa posição se divide em três ramificações: em duas delas há uma resistência às inovações, concomitante a um reconhecimento da hierarquia conciliar. Uma dessas posições são as dos acordistas, ou “indultistas”, como chama Mons. Sanborn, que criticam (positivamente) o Concílio Vaticano II, procuram ter seminários regularizados com ensino mais tradicional, buscam ordenações de seus padres no rito tradicional e não querem rezar a missa nova. Eles procuram se submeter ao bispo diocesano. Neste grupo estão o Instituto Bom Pastor, Fraternidade Sacerdotal São Pedro, Instituto Cristo Rei e comunidades Ecclesia Dei em geral. Também podemos destacar o Una Voce, fundado por Michael Davies. Dentre os grupos de leigos, destaca-se a Associação Cultural Montfort. Os acordistas estão assim numa posição intermediária entre a dos continuístas e os lefebvristas, que é o outro grupo.

Os lefebvristas, os resistentes por antonomásia, já rejeitam o Concílio Vaticano II e a missa nova porque entendem que o Concílio ensina doutrinas inaceitáveis e que a mesma missa nova é má e perigosa para a fé. Aqui há um grave problema doutrinário, pois é uma negação prática do dogma da infalibilidade papal (ou até mesmo da Igreja, pois se a hierarquia toda pode errar, significa que a Igreja pode errar) e a sua postura é cismática por sua insubmissão ao papa. Aqui chamamos de lefebvristas por descenderem do Mons. Marcel Lefebvre (mas chamaremos se resistentes) e por isso podemos incluir a Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), Fraternidade Sacerdotal São Josafá-Koncévitch (FSSJK) e a Resistência, um movimento dissidente da FSSPX liderado principalmente por Mons. Richard Williamson, um dos bispos sagrados por Mons. Lefebvre que hoje possui diversas congregações. Dentre os grupos de leigos, destacam-se Tradição, Família e Propriedade (TFP), Centro Dom Bosco (CDB), The Remnant, dentre outros.

Por fim, temos os sedevacantistas, que rejeitam absolutamente todas as inovações do Vaticano II e a hierarquia conciliar e pós-conciliar. Os sedevacantistas se dividem acidentalmente entre sedevacantistas puro ou totalistas, os sedevacantistas simpliciter, e os guerardianos, os adeptos da Tese de Cassiciacum. Os totalistas simplesmente declaram toda a hierarquia absolutamente inválida. Os guerardianos reconhecem que ao menos o poder de designação. O movimento começou com o Padre Joaquín Sáenz y Arriaga e Mons. Thuc garantiu a sucessão apostólica (principalmente) sagrando Mons. Michel-Guérard des Lauriers, Mons. Moisés Carmona Rivera e Mons. Adolfo Zamora Hernandez. Desses derivam vários bispos sedevacantistas de ambas as posições: Donald Sanborn, Joseph Selway, o falecido Daniel Dolan, Charles McGuire, Mark Pivarunas, Martín Dávila-Gándara, Robert Neville etc. Mais recentemente, Mons. Rodrigo da Silva sagrou os bispos Fernando Altamira e Pierre Roy. Noutro ramo, temos a linhagem de Mons. Alfredo Mendez Gonzalez, que sagrou Mons. Clarence Kelly e este depois sagrou Mons. Joseph Santay.

Esclarecendo essas posições, das quais compararemos apenas os resistentes e sedevacantistas. Assim, vamos fundamentar a nossa tese, que é a seguinte:

Com essa base nisso, vamos iniciar as acusações.

A OBSTINAÇÃO DOS RESISTENTES E AS ESCANDALOSAS DEFESAS DA POSIÇÃO

Algo notável nessa posição é a sua obstinação no perversíssimo erro de resistir a uma autoridade legítima e não uma resistência a uma falsa autoridade.

Em qual base eles se fundamentam? Sabemos que o Concílio Vaticano II confundiu muitos católicos, inclusive os que abraçaram as novidades tentando conciliar com a Doutrina. Assim, os tradicionalistas da posição RR buscaram explicações não mais na Doutrina, mas buscando reduzir até onde pode se estender a infalibilidade do Papa, do Magistério e em quais somos obrigados a ter assentimento.

Dois autores leigos trabalharam muito nessas questões para defender a posição: o brasileiro Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira e o britânico Michael Davies. Ambos mentiram (objetivamente, mas não julgarei o foro interno deles) nas suas exposições, principalmente descontextualizando diversas citações. Inclusive a do São Roberto Belarmino em que ele diz:

“Assim como é lícito resistir ao Pontífice que ataca o corpo, também é lícito resistir a ele se ataca as almas ou destrói a ordem civil, ou acima de tudo tenta destruir a Igreja. Digo que é lícito resistir a ele não fazendo o que ordena e impedindo a execução de sua vontade; não é lícito, todavia, julgá-lo, puni-lo ou depô-lo, pois esses são atos próprios de um superior.”
(De Romano Pontifice, lib. II, cap. XXIX. Cf. “RESPONDENDO AOS ARGUMENTOS DE PODEMOS JULGAR O PAPA”. Ainda, o artigo do Pe. Anthony Cekada: “SÃO ROBERTO BELLARMINO CONDENOU O SEDEVACANTISMO?”).

Parece que justifica bem a posição RR, mas ao usarem essa citação recortada, veremos que há também uma armadilha. Uma das razões para alertar sobre isso é o fato de não citarem o contexto todo. Afinal, o que exatamente encontramos nesse capítulo, sobre o que é? Poucos perguntam. Mas como seria muito extenso uma citação completa do capítulo XXIX do segundo livro do De Romano Pontifice, resumirei. O capítulo trata da impossibilidade de julgar o Romano Pontífice. Ali se expõem vários argumentos para julgar o Romano Pontífice, como os que, por exemplo, falam que o Romano Pontífice pode ser julgado pelos príncipes se cometer infração contra leis civis, ou que ele está sujeito ao tribunal do Sacramento da Penitência diante do confessor etc. E então, ali diz que é lícito reagirmos até mesmo matando um Papa se ele tentar nos matar. Nessa parte, São Roberto Belarmino escreve o seguinte:

“Sétimo argumento. É lícito a qualquer um matar o pontífice, se este o atacar injustamente. Portanto, muito mais será lícito aos reis ou a um concílio depor o pontífice, se ele perturbar a república, ou se esforçar por matar as almas com seu mau exemplo.
“Respondo negando a conseqüência, porque, para resistir a um invasor e se defender, não se requer nenhuma autoridade. E não é necessário que aquele que é atacado seja um juiz, e superior àquele pelo qual é atacado. Mas para julgar e punir, requer-se autoridade. De modo que, assim como é lícito resistir a um pontífice que ataca o corpo, assim também é lícito resistir a um pontífice que ataca as almas ou perturba a república, e muito mais se ele se esforçar por destruir a Igreja. É lícito resistir-lhe, digo, não fazendo o que ele ordena, e impedindo que a sua vontade seja executada, contudo não é lícito julgá-lo, puni-lo ou depô-lo, porque isto pertence somente a um superior. Vejam-se, sobre este assunto, Caetano e Juan de Torquemada.”

Veja que aqui se trata de uma outra coisa. É lícito resistir a um papa imoral, imprudente ou mesmo criminoso. Nada aí diz sobre resistir a um ato magisterial ou a promulgação de uma nova disciplina. Alguém ainda perguntaria se a posição sedevacantista não iria contra a parte de que não podemos julgá-lo ou depô-lo, mas isso fica para uma outra parte.

Além disso, há outras coisas como, por exemplo, mentir descaradamente sobre papas antigos que supostamente erraram contra a fé ou uma confusão entre um erro pontual e um erro contra a fé, da qual trataremos agora. Sobre isso, cita-se o que decretou o Concílio Vaticano I, na sua constituição dogmática Pastor aeternus (Sessão IV, Cap. IV):

“Esta Santa Sé sempre tem crido que no próprio primado Apostólico que o Romano Pontífice tem sobre toda a Igreja, está também incluído o supremo poder do magistério. O mesmo é confirmado também pelo uso constante da Igreja e pelos Concílios Ecumênicos, principalmente aqueles em que os Orientais se reuniam com os Ocidentais na união da fé e da caridade.
“Assim, os Padres do IV Concílio de Constantinopla, seguindo o exemplo dos antepassados, fizeram esta solene profissão da fé: ‘A salvação consiste antes de tudo em guardar a regra da fé verdadeira. […]. E como a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo que disse: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja [Mt 16,18] não pode ser vã, os fatos a têm confirmado, pois na Sé Apostólica sempre se conservou imaculada a religião católica e santa a doutrina. Por isso, não desejando absolutamente separar-nos desta fé e desta doutrina, […] esperamos merecer perseverar na única comunhão pregada pela Sé Apostólica, na qual está sólida, íntegra e verdadeira a religião cristã’.” (Grifos meus)

E mais à frente lemos:

“Foi, portanto, este Dom da verdade e da fé, que nunca falece, concedido divinamente a Pedro e aos seus sucessores nesta cátedra, a fim de que cumprissem seu sublime encargo para a salvação de todos, para que assim todo o rebanho de Cristo, afastado por eles do venenoso engodo do erro, fosse nutrido com o pábulo da doutrina celeste, para que assim, removida toda ocasião de cisma, e apoiada no seu fundamento, se conservasse unida a Igreja Universal, firme e inexpugnável contra as portas do inferno.” (Grifos meus)

Assim, vendo que está tudo registrado numa constituição dogmática. Nunca nenhum papa ensinou heresia e nem a Igreja. Se tal coisa acontecesse, as portas do inferno teriam prevalecido. Mas, não para por aí. Podemos ver em diversos lugares em sites da posição RR várias citações de diversos teólogos descontextualizadas, falsas ou mesmo caducas. Como se vê num artigo intitulado “Santos e Teólogos Sobre o Papa”. Um exemplo é eles citarem Santo Tomás, mas citaremos a resposta à segunda objeção toda, diferentemente do site. A citação colocada no site coloquei em itálico:

“Resistir na cara, em presença de todos, excede o modo da correção fraterna; e por isso, Paulo não teria assim repreendido a Pedro, se não lhe fosse igual, de certa maneira, na defesa da fé. Mas advertir oculta e reverentemente, também pode fazê-lo quem não é igual. Por isso o Apóstolo escreve que os súditos advirtam o seu prelado, quando diz: ‘Dizei a Arquipo: cumpre o teu Ministério’. Devemos, porém, saber, que correndo iminente perigo à fé, os súbitos devem advertir os prelados mesmo publicamente. Por isso Paulo, súdito de Pedro, repreendeu-o em público, por causa de perigo iminente de escândalo, para a fé. E assim, diz a Glosa de Agostinho: ‘O próprio Pedro deu aos maiores o exemplo de se porventura se desviarem do caminho reto, não se dedignem ser repreendidos mesmo pelos inferiores’.”
(S.Th. II-II, q. 33, a. 4, ad. 2. Grifos meus.)

Será que Santo Tomás está dizendo que São Pedro pecou contra a fé? Para os da posição RR, se os papas conciliares e pós-conciliares erram e erraram, seria natural encontrarmos erros em papas passados e não seria diferente com São Pedro, o primeiro papa. Mas essa passagem nada tem que ver com erros magisteriais ou disciplinares. Na melhor das hipóteses, foi uma falha de conduta de São Pedro que poderia escandalizar os gentios, que poderiam perder a fé com seu mau exemplo (veja a citação de São Roberto Belarmino mais acima). Para deixar mais claro, coloquemos uma citação de São João Crisóstomo que complementa a citação de Santo Tomás:

“… se aquele que pregava em Jerusalém permitindo a circuncisão, mudasse em Antioquia, pareceria aos judeus que acreditaram que agia assim por medo de Paulo e os discípulos o censurariam por empregar grande facilidade e causaria grande escândalo, embora a Paulo, que perfeitamente conhecia o motivo da mudança, sua recusa não causava nenhuma suspeita, porque sabia com que disposição assim procedia. Por conseguinte, Paulo censura e Pedro aceita. Enquanto o mestre cala ao ser censurado, mais facilmente os discípulos mudariam de parecer.”
(Comentário às Epístolas de São Paulo, tomo II, c. 2, 11-12).

O que aprendemos aqui? São João Crisóstomo tem uma leitura diferente, mas podemos concluir que a repreensão de São Paulo ajudou São Pedro a dar o bom exemplo de humildade.

O mais grave em certos trabalhos, podemos ver em trabalhos como “Is That Chair Vacant? A SSPX Dossier on Sedevacantism”.

Mas, insistirá o resistente, que se podemos resistir a uma imprudência ou ato imoral do papa, muito mais se ensina o erro ou prescreve uma disciplina nociva. Parece fazer muito sentido isso, mas não é o que a Igreja ensina. Antes de ver o porquê, veremos o que a Igreja ensina por meio do seu Magistério.

ALGUMAS CITAÇÕES MAGISTERIAIS CONTRA A POSIÇÃO “RECONHECER E RESISTIR”

Que seja lícito resistir a um papa imoral, imprudente ou escandaloso, ninguém nega. Mas é lícito resistir a um ato magisterial ou disciplinar de um papa sabendo que ele é infalível em matéria de fé e moral e suas prescrições disciplinares serão sempre seguras graças à assistência do Espírito Santo? Provaremos que absolutamente não. Primeiramente, consultemos o que diz o Código de Direito Canônico de 1917. Comecemos pela sujeição ao Magistério:

“De fé divina e católica devem ser cridas todas as verdades contidas na Palavra de Deus, escritas ou transmitidas pela tradição, e que são propostas pela Igreja, seja por meio de um juízo solene, seja por seu magistério ordinário e universal para que possam ser admitidos como divinamente revelados.”
(cânon 1323, §1. Grifos meus).

Com relação à sujeição ao Romano Pontífice:

“Todo aquele que, depois de ter recebido o batismo e mantendo o nome de cristão, nega obstinadamente qualquer das verdades da fé divina e católica que devem ser cridas ou duvidadas, é um herege; se ele se distancia totalmente da fé cristã, é um apóstata; se finalmente se recusa a submeter-se ao Sumo Pontífice e a permanecer em comunhão com os membros da Igreja que lhe estão sujeitos, é cismático.”
(cânon 1325, §2. Grifos meus).

Com relação à sujeição aos bispos diocesanos, i.e., com jurisdição ordinária:

“Embora individualmente ou reunidos em concílios particulares não gozem de infalibilidade no seu ensino, os bispos são também, sob a autoridade do Romano Pontífice, os verdadeiros doutores e os verdadeiros mestres dos fiéis confiados aos seus cuidados.”
(cânon 1326. Grifos meus).

Bem, sabemos que os bispos sagrados por Mons. Lefebvre e Mons. Williamson não gozam de jurisdição como gozariam os diocesanos se estes fossem validamente sagrados e não fossem hereges. Se, todavia, reconhece-se esses pretensos bispos como bispos válidos eleitos por um papa legítimo, deveríamos ouvi-los como deveríamos ouvir o papa ou aquele que reconhecemos como papa. Sabemos, no entanto, que o que acontece é outra coisa. Os ditos tradicionalistas e conservadores criticam os bispos abertamente quase sem nenhuma restrição, como se bispos fossem funcionários negligentes que dependessem do nosso salário. Mas retornemos à sujeição ao papa e vejamos o que os próprios papas disseram sobre isso começando pelo grande Papa Pio IX:

“De fato, todos aqueles que obstinadamente resistem aos legítimos prelados da Igreja, especialmente ao Supremo Pastor de todos, e se recusam a cumprir suas ordens, não reconhecendo sua dignidade, sempre foram considerados cismáticos pela Igreja Católica.”
(S.S. PIO IX; carta encíclica Quartus supra, 6 de janeiro de 1873. Grifos meus).

Ainda o venerável Santo Padre Pio IX:

De fato, Veneráveis ​​Irmãos e Filhos amados, trata-se da obediência que deve ser dada ou negada à Sé Apostólica; trata-se de reconhecer o seu poder supremo, também nas vossas Igrejas, pelo menos no que diz respeito à fé, verdade e disciplina; quem o nega é um herege. Aqueles que a reconhecem, mas orgulhosamente se recusam a obedecê-la, são dignos do anátema”.
(S.S. PIO IX; carta encíclica Quae in patriarchatu, 1º de setembro de 1876. Grifos meus).

O Primeiro Concílio Ecumênico do Vaticano deixa bem claro ainda:

“[Cânon] Se, pois alguém disser que ao Romano Pontífice cabe apenas o ofício de inspeção ou direção, mas não o pleno e supremo poder de jurisdição sobre toda a Igreja, não só nas coisas referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se referem à disciplina e ao governo da Igreja, espalhada por todo o mundo; ou disser que ele só goza da parte principal deste supremo poder, e não de toda a sua plenitude; ou disser que este seu poder não é ordinário e imediato, quer sobre todas e cada uma das igrejas quer sobre todos e cada um dos pastores e fiéis – seja excomungado.”
(Concílio Vaticano I, constituição dogmática Pastor aeternus, Sessão IV, cap. III. Grifos meus).

Após o Concílio, o chanceler Otto von Bismarck suspeitou que o Papa poderia se tornar uma hiper-autoridade, os bispos alemães escreveram uma declaração conjunta em resposta ao chanceler sobre a interpretação autêntica da constituição dogmática Pastor aeternus. Numa certa altura, eles ensinam, com a aprovação de Sua Santidade Pio IX:

“Sem dúvida, depois destas decisões o poder de jurisdição eclesiástica do Papa se configura como uma potestas suprema, ordinaria et immediata <= poder supremo, ordinário e imediato», um poder de governo supremo dado ao Papa por Jesus Cristo, Filho de Deus, na pessoa de S. Pedro, <e> que se estende diretamente sobre a Igreja inteira, portanto também sobre cada diocese e sobre todos os seus fiéis, afim de conservar a unidade da fé, da disciplina e do governo da Igreja, não uma simples atribuição que se resume em alguns direitos reservados. Mas esta não é uma doutrina nova; é uma verdade reconhecida da fé católica, … recentemente explicada e confirmada pelo Concílio do Vaticano … contra os erros dos galicanos, dos jansenistas e dos febronianos. De acordo com esta doutrina, o Papa é bispo de Roma, não bispo de nenhuma outra cidade ou diocese, nem bispo de Breslau, nem de Colônia etc. Ora, na sua qualidade de bispo de Roma, ele é ao mesmo tempo Papa, isto é, pastor e chefe supremo da Igreja universal, cabeça de todos os bispos e fiéis, e seu poder papal não aflora apenas em determinados casos excepcionais, mas tem validade e força sempre e em todo lugar. Nesta sua posição, o Papa deve velar para que cada bispo cumpra seu dever em toda a extensão de seu encargo, e se um bispo é impedido disso ou se uma necessidade qualquer o exige, o Papa tem o direito e o dever, não na qualidade de bispo da diocese, mas na qualidade de Papa, de ordenar tudo o que for necessário para a administração daquela diocese.”
(Resposta à circular do chanceler Bismarck acerca da interpretação da Constituição Pastor Aeternus do Concílio do Vaticano, janeiro-março de 1875, Denzinger-Hünermann 3113).

O Santo Padre Gregório XVI ensinou:

“Tenham todos presente que o julgar da sã doutrina, que os povos têm de crer, e o regime e o governo da Igreja universal é da alçada do Romano Pontífice, a quem foi dado por Cristo pleno poder, para apascentar, reger e governar a Igreja universal, segundo os ensinamentos legados pelos Padres do Concílio de Florença (Sess. 25, in definit. apud Labb., tom. 18, col. 527. Edit. Venet.). Portanto, todo Bispo deve aderir fielmente à Cátedra de Pedro, guardar o depósito da fé santa e apascentar religiosamente o rebanho de Deus que lhe foi confiado. Os presbíteros estejam sujeitos aos Bispos, considerando-os, segundo aconselha São Jerônimo, como pais da alma (Ep. 2 ad Nepot., a. 1, 24); e jamais esqueçam que os cânones mais antigos lhes vedam o desempenho de qualquer ministério, o ensino e a pregação sem licença do Bispo, a cujo cuidado foi confiado ao povo e de quem se hão de pedir contas das almas (Ex can., app 33 apud Labb., tomo I, p. 38, edt. Mansi.). Por fim, tenha-se por certo e estável que, quantos intentarem contra esta ordem estabelecida, enquanto depender de sua parte, perturbam o estado da Igreja.”
(S.S. GREGÓRIO XVI; carta encíclica Mirari vos, n. 5, 14 de agosto de 1832. Grifos meus).

Assim, parece ficar claro que é absolutamente ilícito resistir a quaisquer atos magisteriais e disciplinares do Papa. E por que o é? Porque o Papa é infalível, como veremos agora.

A INFALIBILIDADE PAPAL

A infalibilidade papal nos obriga a ter assentimento para com o Magistério, seja ele Extraordinário ou Ordinário, daí o que foi dito acima com respeito ao cânon 1323 §1 do Código de Direito Canônico de 1917. Também os papas não deixaram de detalhar a extensão de sua infalibilidade. Com efeito, o Santo Padre Leão XIII nos ensina:

É, portanto, incontestável, depois do que acabamos de dizer, que Jesus Cristo instituiu na Igreja um magistério vivo, autêntico e também perpétuo, investido de sua própria autoridade, revestido do espírito da verdade, confirmado por milagres e desejado, e muito ele ordenou severamente que os ensinamentos doutrinários desse magistério fossem recebidos como seus.  Quantas vezes, pois, a palavra daquele magistério declara que esta ou aquela verdade faz parte do conjunto da doutrina divinamente revelada, cada um deve crer com certeza que isso é verdade;  pois se pudesse ser falso de alguma forma, seguir-se-ia, o que é obviamente absurdo, que o próprio Deus seria o autor do erro dos homens.”
(S.S. LEÃO XIII; carta encíclica Satis cognitum, 29 de junho de 1896. Grifos meus).

O mesmo papa também ensina noutro lugar:

“Quanto à determinação dos limites da obediência não imagine alguém que basta obedecer à autoridade dos pastores das almas e sobre todos do Pontífice Romano nas matérias de dogma, cuja rejeição pertinaz traz consigo o pecado de heresia. Nem basta ainda dar sincero e firme assentimento àquelas doutrinas que, apesar de não definidas ainda com solene julgamento da Igreja, são, todavia, propostas à nossa fé pelo magistério ordinário e universal da mesma como divinamente reveladas, as quais por decreto do Concílio Vaticano I devem ser cridas com fé católica e divina. É necessário também que os cristãos contêm entre os seus deveres o de se deixarem reger e governar pela autoridade e direção dos bispos e principalmente da Sé Apostólica. Efetivamente das coisas contidas nos divinos oráculos, umas referem-se a Deus, e as outras ao mesmo homem e aos meios necessários para chegar à sua eterna salvação. Ora, nessas duas ordens de coisas, isto é, quanto ao que se deve crer e ao que se deve fazer, compete por direito divino à Igreja, e na Igreja ao Pontífice Romano determiná-lo. E eis a razão por que o pontífice deve ter autoridade para julgar que coisas contenha a palavra de Deus, que doutrinas concordem com ela e quais delas desdigam; e do mesmo modo determinar o que é bem e o que é mal, o que se deve fazer e o que se deve evitar para conseguir a salvação eterna. Se isso não se pudesse fazer, o Papa não seria intérprete infalível da palavra de Deus, nem o guia seguro da vida do homem.”
(S.S. LEÃO XIII; carta encíclica Sapientiae christianae, 10 de janeiro de 1890. Grifos meus).

O Santo Padre Leão XIII deixa muito clara a obrigação de crermos com fé divina em tudo o que o papa ensina. Por quê? Porque o papa é infalível naquilo que ele ensina em matéria de fé e moral. Seja no Magistério Extraordinário, seja no Magistério Ordinário, porque se o papa é infalível naquilo que ele define, também deve ser quando ele ensina o que já foi definido. Por isso o Concílio Vaticano I nos ensina na Constituição Pastor aeternus que a Sé Apostólica sempre foi preservada de todo erro. Por isso convém não apenas ler o cânon como também todo o texto onde se trata a infalibilidade papal. Mas leiamos uma parte só que é a que nos interessa:

“Com o fim de satisfazer a este múnus pastoral, os nossos predecessores empregaram sempre todos os esforços para propagar a salutar doutrina de Cristo entre todos os povos da Terra, vigiando com igual solicitude que, onde fosse recebida, se guardasse pura e sem alteração. Pelo que os bispos de todo o mundo, quer em particular, quer reunidos em sínodos, seguindo o velho costume e a antiga regra da Igreja, têm referido a esta Sé Apostólica os perigos que surgiam, principalmente em assuntos de fé, a fim de que os danos da fé se ressarcissem aí, onde a fé não pode sofrer quebra. E os Pontífices Romanos, conforme lhes aconselhavam a condição dos tempos e as circunstâncias, ora convocando Concílios Ecumênicos, ora auscultando a opinião de toda a Igreja dispersa pelo mundo, ora por sínodos particulares ou empregando outros meios, que a Divina Providência lhes proporcionava, têm definido como verdade de fé [tudo] aquilo que, com o auxílio de Deus, reconheceram ser conforme com a Sagrada Escritura e as tradições apostólicas. Pois o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de S. Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo, pregassem uma nova doutrina, mas para que, com a sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o depósito da fé, ou seja, a revelação herdada dos Apóstolos. E esta doutrina dos Apóstolos abraçaram-na todos os veneráveis Santos Padres, veneraram-na e seguiram-na todos os santos doutores ortodoxos, firmemente convencidos de que esta cátedra de S. Pedro sempre permaneceu imune de todo o erro, segundo a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo feita ao príncipe dos Apóstolos: Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos [Lc 22, 32].
“Foi, portanto, este Dom da verdade e da fé, que nunca falece, concedido divinamente a Pedro e aos seus sucessores nesta cátedra, a fim de que cumprissem seu sublime encargo para a salvação de todos, para que assim todo o rebanho de Cristo, afastado por eles do venenoso engodo do erro, fosse nutrido com o pábulo da doutrina celeste, para que assim, removida toda ocasião de cisma, e apoiada no seu fundamento, se conservasse unida a Igreja Universal, firme e inexpugnável contra as portas do inferno.”
(Concílio Vaticano I, constituição dogmática Pastor aeternus, Sessão IV, cap. IV. Grifos meus).

A importância de mostrar essa parte é a seguinte: uma é que nos mostra que nunca nenhum papa ensinou heresia e outra que a infalibilidade papal não deve ser reduzida a decretos solenes. Se assim fosse, na prática a função do papa seria quase inútil uma vez a incerteza prevaleceria, tal como as portas do inferno. Bem antes do Concílio, Pio IX ensina:

“É claro, portanto, em quão grande erro se debatem também aqueles que, abusando da razão e julgando coisa humana as palavras de Deus, têm a audácia de explicá-los e interpreta-los a seu arbítrio, se bem que Deus mesmo tenha constituído uma autoridade viva que ensinasse e precisasse o sentido verdadeiro e legítimo da sua celeste revelação, e decidisse de todas as questões quanto à fé e os costumes com juízo infalível, para que os fiéis não sejam levados por todo vento de doutrina, pela malícia com que os homens os induzem ao erro [cf. Ef 4,14].
“Esta viva e infalível autoridade vigora somente naquela Igreja que – edificada pelo Cristo Senhor sobre Pedro, de toda a Igreja o chefe, príncipe e pastor, cuja fé ele prometeu nunca seria abalada – teve sempre, sem interrupção, os seus legítimos Pontífices, que trazem sua origem do mesmo Pedro, estabelecidos na cátedra dele e herdeiros e defensores da sua doutrina, dignidade, honra e poder.
“E já que, onde está Pedro, aí está a Igreja (Ambrósio de Milão; In Psalmos 40, n. 30 [PL 14, 1134B]), e Pedro fala pela boca do bispo de Roma e, nos seus sucessores, sempre vive e julga e garante aos que a buscam a verdade da fé, é claro, portanto, que as palavras divinas devem ser recebidas com o mesmo sentimento que anima esta cátedra romana do beatíssimo Pedro, a qual, mãe e mestra de todas as Igrejas, manteve sempre integra e inviolada a fé transmitida pelo Cristo Senhor e a tem ensinado aos fiéis, mostrando a todos o caminho da salvação e a doutrina da incorrupta verdade.”
(S.S. PIO IX; carta encíclica Qui pluribus, 9 de novembro de 1846, Denzinger-Hünermann 2781. Grifos meus).

A infalibilidade foi prometida por Cristo e consequentemente comunicada aos sucessores de Pedro e a partir de Pedro, dos apóstolos. Assim, todos nós, católicos, temos a obrigação de crermos com fé divina no que a Igreja. Assim, como ensinam os catecismos, a Igreja tem uma parte docente e outra discente: a primeira é a que ensina e outra é a parte que é ensinada. Como diz o Padre Júlio Maria de Lombaerde, a Igreja inteira é infalível porque o papa o é (O Christo, o Papa e a Egreja, Editora: o Lutador, 1940, pp. 267). A parte discente, assim, é tão infalível quanto a docente se essa parte estiver em união com esta, cuja cabeça é o papa. Logo, se Francisco é papa, podemos crer em absolutamente tudo o que ele ensina sem nenhum temor, sem nenhuma contestação. Não só podemos como devemos crer. E não apenas isso, mas a Igreja também é infalível nas suas disciplinas, como ensina o Cardeal Louis Billot, S.J.:

“A respeito da infalibilidade das coisas que pertencem à disciplina, deve-se brevemente notar que ela consiste inteiramente em que a autoridade suprema da Igrejas, em virtude da assistência do Espírito Santo, não pode jamais instituir leis que são de um modo ou de outro opostas aos preceitos revelados da fé e da moral.”
(Tractatus De Ecclesia Christi, q. XI, tese XXII, §3).

Reconhecendo tal infalibilidade, devemos concluir que devemos prestar a mais absoluta obediência nas suas disciplinas. E mesmo não havendo a intenção de infalibilidade, há a obrigação de obedecer, como se lê em Franzelin:

“Nestas declarações, embora a verdade da doutrina não seja infalível — dado que por hipótese não há a intenção de fechá-la — há, entretanto, uma segurança infalível, enquanto para todos é seguro abraçá-la, e não é seguro rejeitá-la, nem isto pode ser feito sem violação da submissão devida ao Magistério constituído por Deus.”
(Cardeal JOHANN BAPTIST FRANZELIN S.J.; Tractatus de Divina Traditione et Scriptura; c. II, tese XII, scholion I. Roma, 1875, p. 127. Cf. “O MAGISTÉRIO DA IGREJA, INFALIVELMENTE SEGURO”).

Assim, vamos agora ao ponto capital: é absolutamente impossível um concílio ecumênico aprovado pelo romano pontífice ensinar erroneamente em matéria de fé e costumes. Com efeito, escreve o Doutor da Igreja São Roberto Belarmino:

“Para que tomemos o princípio à primeira questão, os hereges deste tempo sustentam que não haja concílio algum que não possa errar.
“Assim afirmam Lutero, Brenz, e Calvino. Todos os católicos, porém, ensinam inexoravelmente que os concílios gerais confirmados pelo pontífice não podem errar, nem na explicação da fé, nem na transmissão de preceitos de costumes comuns a toda a Igreja. Já quanto aos concílios particulares parece haver certa dissensão entre os católicos; pois, uma vez que a solidez desses concílios depende quase inteiramente da solidez do pontífice, aqueles que dizem que o pontífice pode errar devem, por conseguinte, dizer que também tais concílios podem errar. A fim de mais fácil e claramente explicar esse ponto, constituiremos duas proposições.
“Portanto, seja esta a primeira proposição: Deve ser crido pela fé católica que os concílios gerais confirmados pelo sumo pontífice não podem errar nem na fé, nem nos costumes.”
(De Ecclesia, lib. II, cap. II. Cf. “O CONCÍLIO GERAL APROVADO PELO PAPA É INFALÍVEL”).

Em toda a extensão do segundo livro de De Ecclesia, São Roberto Belarmino deixa claro, praticamente esgotando todos os argumentos. Aqui mesmo no site há outros dois artigos expondo que, se o Concílio Vaticano II foi realmente um concílio da Igreja Católica, não pode haver absolutamente nenhum erro (cf. “SOBRE A INFALIBILIDADE DO CONCÍLIO VATICANO II” e ainda “O VATICANO II ENSINOU INFALIVELMENTE?”).

Assim, podemos concluir que, ainda que os resistentes não sejam cismáticos de fato, dado que não resistem a verdadeiras autoridades, podemos dizer que, no entanto, possuem mentalidade cismática, o são subjetivamente. No entanto, há outro problema: o reconhecimento dessas falsas autoridades.

O RECONHECIMENTO DOS FALSOS PAPAS É INSUSTENTÁVEL

Ao reconhecer falsas autoridades como a de Bergoglio, mesmo vendo seus problemas, põe em xeque a doutrina católica do papado e o dogma da infalibilidade. Podemos deduzir isso usando a própria razão natural.

Imagine que um professor de português se mostre analfabeto e ensine tudo errado, de tal modo que os alunos percebam o problema e apontem os erros desse professor. Torna-se evidente assim que não estaríamos diante de um verdadeiro professor de português, pois, para ser, não apenas deve conhecer o idioma, mas dominar o idioma de tal modo que deve ser competente em ensinar as classes gramaticais, suas funções, conhecer as conjugações dos verbos, os casos etc. Um suposto professor que sequer consegue escrever direito não é verdadeiro professor, senão que seria antes uma impostura.

Como aquele falso professor parou ali, é um assunto secundário. O fundamental naquele momento é rejeitar totalmente a autoridade daquele falso professor. Devemos também rejeitar tudo o que ele ensinou. Se reconhecermos esse suposto professor como professor, não haveria razão para rejeitarmos o que ele ensinou, porque com efeito seria alguém mais competente que nós para ensinar o idioma. Se somos obrigados a rejeitar o seu ensinamento na matéria, é porque sabemos que se aceitarmos, aprenderemos um português todo errado ou no mínimo com alguns que comprometerão a nossa alfabetização e aperfeiçoamento no conhecimento da matéria.

Muito pior é quando se trata do papa. O papa é o centro da unidade da Igreja. O simples fato de nos afastarmos de um papa verdadeiro, já significa se colocar fora da Igreja. O papa existe para nos confirmar na fé, para nos santificar, para governar a Igreja. O papa não conta apenas com uma formação sacerdotal para instruir os fiéis. O papa goza da assistência habitual do próprio Deus, ele é o Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo. Um papa não poderia assim ensinar nenhum erro em fé e moral porque o Espírito Santo dará o auxílio necessário para que isso jamais aconteça.

No entanto, se virmos alguém se apresentando como papa e ensina uma doutrina já condenada ou que contradiga o que já foi definido — seja dogmaticamente em Magistério Solene ou Extraordinário, seja por repetição via Magistério Ordinário —, devemos já saber que não estaríamos diante de um verdadeiro papa. Há razões para atestar de Jorge Mario Bergoglio não é verdadeiro romano pontífice (cf. “POR QUE FRANCISCO NÃO É VERDADEIRO PAPA DA IGREJA CATÓLICA”).

Reconhecer, assim, Bergoglio como papa, assim como seus predecessores, significa solapar a doutrina do papado e o mesmo papado. Com efeito, se um papa pudesse ensinar um erro que nos obrigue a resisti-lo, seria extremamente trágico e o próprio papado seria inútil. Em nada seríamos diferentes dos cismáticos orientais ou mesmo dos protestantes. Se o papa pudesse errar como erra hoje, o que nos garante que não erraram como hoje?

Não preciso estender-me muito porque o que foi escrito antes deste tópico é o suficiente para demonstrar o ponto: se a resistência àquele que se reconhece como verdadeiras autoridades é uma mentalidade cismática, o próprio ato de reconhecer esses homens como verdadeiras autoridades percebendo os erros é uma mentalidade herética, i.e., é de alguma forma negar a infalibilidade e indefectibilidade do papa e mesmo da Igreja.

CONCLUSÃO

Assim, não há uma posição mais certa e coerente que a posição sedevacantista, pois a nossa resistência está justificada não apenas no fato de que o que se ensina está em substancial ruptura com o Magistério Autêntico da Igreja, senão no fato que essa ruptura não pode ser efeito de verdadeiras autoridades.

Este artigo, confesso, foi escrito com certa dor, pois escrevi depois de praticamente sentir-me enganado.

Não nego, no entanto, que aprendi muito. Não nego o valor da contribuição de diversos trabalhos que apontam os erros e os enganos da religião do Vaticano II. Foi o trabalho de Mons. Lefebvre e do Pe. Calderón (há aqui inúmeros textos de ambos, principalmente do segundo) que me persuadiram a abandonar essa falsa religião. No entanto, ambos ensinaram que verdadeiras autoridades da Igreja poderiam impor ao orbe católico uma falsa religião.

Como eles ainda não perceberam esse erro flagrante, eu realmente não sei. Não coloco sobre mim, uma superioridade intelectual e moral sobre eles. Se dissinto deles, não é mérito nenhum meu, mas de Deus primeiramente por ter dado uma iluminação que não mereço e seus instrumentos, um conjunto de autoridades que evidenciaram a mim a verdade da posição.

BREVE EPÍLOGO ADICIONAL

Aqui, coloco, após a “conclusão inconclusa”, algo abruptamente, um epílogo. Como disse, esse texto escrevi esse artigo há quase dois anos (assumi essa posição em março de 2022). Revisei uns pontos e acrescentei novas referências.

A conclusão acima foi inconclusa, mas não inconclusiva. A posição é certa. À época, não era guerardiano, hoje sou guerardiano convicto. Muito se passou e mudou. O artigo escrito acima é fruto de um estudo breve, mas intenso e conclusivo. Foi escrito às pressas e de forma descompromissada e hoje o retomo amadurecido tanto na atitude como na inteligência.

Hoje decido publicar para que seja de alguma útil. Não publico este artigo tanto pelos argumentos, pois temos artigos sobre isso (e.g., “UMA POSIÇÃO INSUSTENTÁVEL”, do Pe. Hervé Belmont; ainda “INFALIBILIDADE E OBRIGAÇÃO”, do Pe. Bernard Lucien; ou ainda “ENTRE A INFALIBILIDADE E A OBEDIÊNCIA”, meu artigo mesmo). O que escrevi aqui, escrevi antes para servir de uma nota, uma memória. Agora, mais do que como um artigo argumentativo, publico esse artigo como um testemunho.

Deixe um comentário

Blog no WordPress.com.

Acima ↑