DEVERES RELIGIOSOS DO ESTADO CATÓLICO

Cardeal Alfredo Ottaviani | 1953

[NOTA DA REVISTA VOZES: No dia 2 de Março do corrente ano [1953], festa do Santo Padre, houve uma sessão solene, para homenageá-lo, no Pontifício Ateneu Lateranense, em Roma. Nessa reunião falou, perante numeroso e extraordinariamente ilustre auditório, o Eminentíssimo Sr. Cardeal Alfredo Ottaviani, Pro-Secretário da Sacra Congregação Romana do Santo Ofício. É esse discurso, cujo valor doutrinário não precisamos de encarecer, que vai aqui publicado, traduzido do original italiano impresso pela «Libreria del Pont. Ateneo Lateranense», Roma, 1953, com o Prefácio que lhe antepôs seu Autor.]

Nunca teria pensado em imprimir a conferência que pronunciei a 2 de Março de 1953 na Aula Magna do Pontifício Ateneu Lateranense se não me houvesse impelido a isso o grande número de pedidos que recebi de publicistas e membros do Corpo docente de vários Institutos de Ensino Superior, os quais salientaram quão oportuna seria a divulgação de tudo o que eu falei naquela solene ocasião. “Há já tempo demasiado – escreveu-me um distinto religioso – que o Direito Público da Igreja é conhecido, apenas, pelos frequentadores das discretas aulas dos institutos eclesiásticos. Urge divulgá-lo em todos os ambientes sociais, sobretudo nos mais elevados. Pois que a imprensa cala, de ordinário, qualquer referência aos seus princípios, dirigidacomo é por homens que cultuam muito mais a liberdade do que a verdade… A desorientação geral a que assistimos, as perplexidades em que se debatem os estadistas, os erros enormes que cometem os que promovem essas híbridas uniões entre os Estados e os partidos, exigem que o problema capital das relações do Estado com a Igreja seja proposto apertis verbis, e que sobre ele se discorra largamente, com a maior clareza, e, acima de tudo, sem medo. A coragem cristã é uma virtude cardeal, que se denomina fortaleza”.

Estas e outras semelhantes e insistentes palavras convenceram-me de que hoje, mais do que em qualquer outro tempo, é necessário que todo sacerdote e todo leigo que colabora com o clero no apostolado, imite na medida do possível o Divino Mestre, que de si mesmo disse:Para isto vim ao mundo: para dar testemunho da verdade (Jo 18, 37).

Notar-se-á que não mencionei o nome de nenhum Autor, nem sequer quando reproduzi textualmente as afirmações de algum. Assim fiz por dois motivos. Primeiro, porque pouco importa saber que tal ou qual escritor sustentou certas idéias, quando elas já estão de tal modo difundidas, que não se podem mais considerar como privativas de nenhum indivíduo. E depois, porque quis pôr em prática o conselho de S. Agostinho, o qual nos ensina a combater, não os que erram, mas os erros que cometem. Assim procedendo, ative-me também ao propósito e ao exemplo do Augusto Pontífice, gloriosamente reinante, que tomou por mote do seu Pontificado: Veritatem facientes in caritate.

Roma, 25 de Março de 1953.

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Não é de admirar que os inimigos da Igreja tenham em todos os tempos hostilizado a sua missão, negando-lhe algumas – ou mesmo todas – as suas divinas prerrogativas e os seus poderes. O ímpeto do assalto, bem como os seus falazes pretextos, vêm desde quando andava na terra o Divino Fundador dessa já bimilenária e, no entanto, sempre jovem instituição; contra Ele gritaram então – como ainda agora há quem grite – Nolumus hunc regnare super nos! (Lc 19, 14): Não queremos que este reine sobre nós! Com a paciência, porém, e a serenidade que lhe advém da segurança dos seus anunciados destinos e da certeza da sua divina missão, a Igreja canta, através dos séculos: Non eripit mortalia qui regna dat caelestia! Não tira os reinos mortais quem confere o celeste! No entanto, invade-nos a admiração, que cresce até o espanto, e se tinge de tristeza, quando vemos que são os seus próprios filhos que procuram arrancar das mãos dessa benéfica Mãe, que é a Igreja, as armas espirituais de justiça e de verdade que costuma empregar. E tanto mais o sentimos quanto esses filhos, achando-se em Estados interconfessionais, vivendo em contínuo contacto com seus irmãos dissidentes, deveriam, mais do que quaisquer outros, ter consciência da gratidão que devem a essa Mãe que tem usado incessantemente dos seus direitos para defender, guardar e salvar os seus próprios fiéis.

Igreja carismática ou Igreja jurídica?

Alguns há, hodiernamente, que só admitem na Igreja uma ordem pneumática, e daí inferem este princípio: que a natureza do direito da Igreja está em contradição com a natureza da própria Igreja, Segundo esses, o elemento original, sacramental, iria se enfraquecendo cada vez mais, até ser substituído pelo elemento jurisdicional que constitui a força e o poder da Igreja. Neles, como assevera o jurista protestante Sohm, prevalece a idéia de que a Igreja de Deus é constituída como um Estado. Mas o cânone 108 § 3o, que trata da existência na Igreja do poder de ordem e do poder de jurisdição, invoca o direito divino. E que isto seja legítimo é o que mostram os textos evangélicos, as alegações dos Atos dos Apóstolos, as citações de suas Epístolas, a que frequentemente se referem os cultores do Direito Público Eclesiástico para provar a origem divina daqueles poderes e direitos da Igreja. Na encíclica Mystici Corporis, o Augusto Pontífice felizmente reinante exprimia-se, a esse respeito, nos seguintes termos: “Reprovamos o funesto erro dos que sonham uma igreja fantástica, uma sociedade formada e alimentada pela caridade, à qual, não sem desprezo, opõem outra que chamam jurídica. Enganam-se grandemente os que introduzem tal distinção; pois não vêem que o divino Redentor, pela mesma razão por que ordenou que a sociedade humana por Ele fundada fosse perfeita no seu gênero e dotada de todos os elementos jurídicos e sociais necessários para perpetuar na terra a obra salutar da Redenção, por essa mesma razão e para conseguir o mesmo fim, quis que fosse enriquecida de dons e graças celestes pelo Espírito Santo.” (ver A. A. S., vol. XXXV, p. 224).

Não quis, por conseguinte, que a Igreja fosse um Estado; mas constituiu-a, o seu Divino Fundador, como sociedade perfeita, provida de todos os poderes inerentes a essa condição jurídica, a fim de exercer a sua missão em todo Estado, sem que haja contenda entre as duas Sociedades das quais Ele é, de modo diferente, o autor e sustentáculo.

Adesão ao Magistério Ordinário.

Surge aqui o problema da convivência da Igreja com o Estado laico. Sobre este ponto há católicos que estão espalhando idéias que não são inteiramente exatas. A muitos desses católicos não se pode negar nem o amor à Igreja, nem a reta intenção de encontrar um meio de possível adaptação às circunstâncias do tempo. Mas não é menos verdadeiro que a sua atitude lembra a do delicatus miles, que quer vencer sem combater, ou a do ingênuo que aceita uma insidiosa mão estendida sem perceber que essa mão o obrigará depois a passar o Rubicon na direção do erro e da injustiça.

O principal erro, em que estes incorrem, é exatamente o de não acolherem em sua inteireza as armas da verdade e os ensinamentos que os Romanos Pontífices neste último século e em particular o reinante Pontífice Pio XII têm ministrado deliberadamente aos católicos em suas Encíclicas, Alocuções e Discursos de todo gênero. Para se justificarem, alegam eles que, no conjunto dos ensinamentos da Igreja, é preciso distinguir duas partes, uma permanente e outra transitória, a última das quais é um reflexo das condições particulares do tempo. Vezes demais, porém, atribuem essa feição de reflexos do tempo até aos princípios afirmados nos documentos pontifícios, princípios sobre os quais tem se mantido constante o ensinamento dos Papas – que fazem parte do patrimônio da doutrina católica. Nesta matéria, não pode ter aplicação a teoria do pêndulo, apresentada por alguns escritores para avaliar o alcance das Encíclicas nas várias épocas da história. “L’Église – escreveram – scande l’histoire du monde à la manière d’un pendule oscilant qui, soucieux de garder la mesure, maintient son mouvement en le renversant lorsqu’il juge le maximum d’amplitude atteint… Il y aurait toute une histoire des Encycliques à faire sous cet angle: ainsi en matière d’études bibliques: Divino Afflante Spiritu succède à Spiritus Paraclitus, Providentissimus. En matière de théologie ou politique: Summi Pontificatus, Non abbiamo bisogno, Ubi arcano Dei succèdent à Immortale Dei” (cf. Témoignage Chrétien, de 1 de Setembro de 1950, reproduzido em Doc. Cathol. de 8 de Outubro de 1950). Ora, se isto se houvesse de entender no sentido de que os princípios gerais e fundamentais do direito público eclesiástico, solenemente afirmados na encíclica Immortale Dei, refletem apenas momentos históricos do passado, enquanto, depois, o pêndulo dos ensinamentos de Pio XI e de Pio XII, nas suas encíclicas, teria atingido, em seu movimento de “renversement”, posições diferentes daquela, – a proposição seria de considerar-se inteiramente errônea, não só por não corresponder ao conteúdo das próprias Encíclicas, como também por ser teoricamente inadmissível.

O reinante Pontífice ensina-nos, na Humani generis, como devemos acolher o magistério ordinário da Igreja, expresso nas encíclicas: “Não se deve acreditar que os ensinamentos das Encíclicas não exijam, per se, o assentimento, sob o pretexto de que os Pontífices não exercem nelas o poder de seu Supremo Magistério. Tais ensinamentos fazem parte do Magistério ordinário, para o qual também valem as palavras: Quem vos ouve, a mim ouve (Lc 10, 16); além do que, quanto vem proposto e inculcado nas Encíclicas pertence já, as mais das vezes, por outros títulos, ao patrimônio da doutrina católica” (cf. A. A. S., vol. XLIII, p. 568). Temendo serem acusados de querer voltar à Idade Média, alguns de nossos escritores não ousam considerar como pertencentes à vida e ao direito da Igreja, em todos os tempos, as posições doutrinárias assumidas constantemente nas Encíclicas. Visa a estes a advertência de Leão XIII quando, recomendando aos católicos concórdia e união no combate aos erros, acrescenta: “Por outro lado cumpre resguardarem-se todos ou de estar, no que quer que seja, de conivência com as falsas opiniões, ou de combatê-las mais molemente do que comporta a verdade” (cf. Acta Leonis XIII, vol. V, p. 148).

Deveres do Estado Católico.

Resolvida esta questão preliminar, relativa ao assentimento devido aos ensinos da Igreja, inclusive os do seu Magistério ordinário, abordemos uma questão prática, que, em termos usuais, podemos qualificar de “sensacional”: isto é, a do Estado católico e dos seus deveres para com os cultos não-católicos. É sabido que em alguns países, cuja população é em grande maioria católica, as suas respectivas Constituições proclamam que o catolicismo é a religião do Estado. Lembrarei, como exemplo típico, a Espanha. No Fuero de los Españoles, carta fundamental dos direitos e deveres dos cidadãos da Espanha, estabelece o seu artigo 6o: “A profissão e a prática da religião católica, que é a do Estado espanhol, gozará da proteção oficial. Ninguém será molestado por motivo de suas crenças religiosas nem pelo exercício privado de seu culto. Não serão permitidas outras cerimônias e manifestações externas que as da religião do Estado”. Isto provocou os protestos de muitos acatólicos e incrédulos; e, o que é mais desagradável, foi considerado anacrônico por alguns católicos que pensam que a Igreja pode conviver pacificamente e com plena posse de seus direitos no Estado laico, aliás composto de católicos.

Tornou-se notória a controvérsia recentemente travada, em um país de ultramar, entre dois escritores de tendências opostas. No seu curso, o patrocinador da tese acima referida afirmou o seguinte: 1) O Estado, propriamente falando, não pode exercer nenhum ato de religião, pois que o Estado é um mero símbolo ou um conjunto de instituições; 2) “an immediate illation from the order of ethical and theological truth to the order of constitutional law is, in principle, dialectically inadmissible” (uma relação imediata da ordem da verdade moral e teológica com a ordem da lei constitucional é, em princípio, dialeticamente inadmissível). A obrigação do Estado de prestar culto a Deus não pode entrar jamais na esfera constitucional; 3) mesmo um Estado composto de católicos não tem obrigação de professar o catolicismo; quanto à obrigação de protegê-lo, esta só é válida em circunstâncias determinadas, isto é, quando a liberdade da Igreja não pode ser assegurada por outros meios. Em consequência ataca-se o ensinamento exposto nos manuais de direito público eclesiástico, sem tomar em consideração que esse ensinamento decorre, em sua máxima parte, da doutrina contida nos documentos pontifícios.

Ora, se entre os princípios gerais do direito público eclesiástico uma verdade certa e indiscutível existe, é aquela segundo a qual, em um Estado composto em sua quase totalidade de católicos e, por conseguinte e coerentemente, regido por católicos, os seus governantes têm a obrigação de informar a legislação em um sentido católico. Do que defluem três imediatas consequências:

I. Profissão social, e não apenas privada, da religião do povo;

II. Inspiração cristã da legislação;

III. Defesa do patrimônio religioso do povo contra todos os assaltos de quem quer que tente despojá-lo do tesouro da sua fé e da paz religiosa.

Afirmei em primeiro lugar que o Estado tem o dever de professar socialmente a religião do povo. Os homens, quando se encontram socialmente unidos não ficam menos sujeitos a Deus do que quando isolados e individuados e a sociedade civil, não menos do que os indivíduos, é devedora a Deus “que a criou, que a conserva, que lhe concede inúmeros bens e a cumula de dádivas” (cf. Immortale Dei, Acta Leonis XIII, vol. V, p. 122). Destarte, como a ninguém é lícito descurar de seus deveres para com Deus e a religião pela qual Ele quer ser honrado, igualmente “não podem as sociedades civis, em consciência, proceder como se Deus não existisse ou desprezar a religião como coisa estranha ou inútil” (cf. Immortale Dei, Acta Leonis XIII, vol. V, p. 123). Pio XII reforça este ensinamento condenando “o erro contido naquelas concepções que não hesitam em dispensar a autoridade civil de toda e qualquer dependência do Ente supremo, causa primeira e senhor absoluto tanto do homem como da sociedade, e de todo liame da lei transcendente, que deriva de Deus como de fonte primária, e lhe concedem uma ilimitada faculdade de ação, abandonada à onda inconstante do arbítrio ou tão somente aos ditames de exigências históricas contingentes e de interesses relativos”. Prosseguindo, põe o Augusto Pontífice em evidência quais as consequências desastrosas que, até para a liberdade e os direitos do homem, dimanam daquele erro: “Renegada assim a autoridade de Deus e o império da sua lei, o poder civil, por consequência inevitável, tende a atribuir a si aquela absoluta autonomia que compete ao Autor Supremo, a substituir-se ao Onipotente, elevando o Estado ou a coletividade a fim último da vida, a sumo critério da ordem moral e jurídica” (Summi Pontificatus, A. A. S., vol. XXXI, p. 466).

Em segundo lugar, declarei que é dever dos governantes informar a própria atividade social e a legislação dos princípios morais da religião. É esta uma consequência do débito de religiosidade e de submissão devido a Deus, não só pelos indivíduos mas também pelas sociedades, e do qual decorrem seguras vantagens para o verdadeiro bem-estar do povo.

Contra o agnosticismo moral e religioso do Estado e de suas leis, Pio XII opõe o conceito do Estado Cristão em sua augusta carta de 19 de Outubro de 1945, a propósito da XIX Semana Social dos católicos italianos, em cujo decurso se haveria precisamente de estudar o problema da nova Constituição italiana. “Refletindo sobre as consequências deletérias que poderia trazer à sociedade e à História uma Constituição que, abandonando a pedra angular da concepção cristã da vida, tentasse basear-se no agnosticismo moral e religioso, todo católico há de compreender facilmente que agora a questão que, antes de qualquer outra, deve atrair a sua atenção e incentivar a sua atividade, é a de assegurar à geração presente e às futuras o benefício de uma lei fundamental do Estado que não se oponha aos sãos princípios da religião e da moral, mas, ao contrário, lhes dê vigoroso reforço ao mesmo tempo que proclame e persiga sapientemente a sua alta finalidade” (A. A. S., vol. XXXVII, p. 274). Assim pensando, não perdeu ocasião o Sumo Pontífice de tributar “o louvor devido à sabedoria daqueles governantes que sempre favoreceram ou quiseram e souberam enaltecer, para bem do povo, os valores da cidade cristã nas harmoniosas relações entre a Igreja e o Estado, na tutela da santidade do matrimônio, na educação religiosa da mocidade” (Radiomensagem no Natal de 1941, A. A. S., vol. XXXIV, p. 13).

Em terceiro lugar, afirmei ser dever dos governantes de um Estado católico a manutenção e defesa, contra toda tentativa em contrário, da unidade religiosa de um povo que se sente unânime na segura posse da verdade religiosa. Sobre este ponto são numerosos os documentos em que o Santo Padre confirma os princípios enunciados por seus predecessores, em especial por Leão XIII.

Ao condenar o indiferentismo religioso do Estado, Leão XIII invocou, na Encíclica Immortale Dei, o direito divino, e, na Encíclica Libertas, invocou também os princípios da justiça e a razão. Na Immortale Deipôs em evidência que os governantes “não podem admitir qualquer religião, indiferentemente, segundo o seu beneplácito”, porque – explica Ele – são obrigados, no culto divino, “a seguir estritamente as regras e o modo segundo os quais o próprio Deus declarou querer ser honrado – quo coli se Deus ipse demonstravit velle” (Immortale Dei, Acta Leonis XIII, vol. V, p. 123). E, na Encíclica Libertas, reafirma: “Veda a Justiça e também veda a razão que o Estado seja ateu ou – o que ao ateísmo conduz – que trate de igual modo as diversas religiões, como dizem, e a cada uma conceda indistintamente os mesmos direitos” (Acta Leonis XIII, vol. VIII, p. 231). Invoca o Papa a justiça e a razão porque não é justo atribuir iguais direitos ao bem e ao mal, à verdade e ao erro. E subleva-se a razão ao pensar que, para contentar as exigências de uma pequena minoria, ofendem-se os direitos, a fé e a consciência da quase totalidade do povo, e trai-se esse povo, permitindo aos pérfidos inimigos de sua fé que implantem a cisão em seu seio, com todas as consequências da luta religiosa.

Firmeza de Princípios.

Esses princípios são sólidos e imutáveis; valeram nos tempos de Inocêncio III ou de Bonifácio VIII, valeram nos tempos de Leão XIII, e valem nos de Pio XII, que os reafirmou em mais de um Documento. Por isto, com severa firmeza, o Santo Padre tem conclamado os governantes ao cumprimento dos seus deveres, lembrando-lhes a advertência do Espírito Santo, advertência que não conhece limitações no tempo: “Devemos pedir com insistência a Deus – escreve Pio XII na Encíclica Mystici Corporis – que todos aqueles que governam os povos amem a sabedoria de modo que nunca venha a feri-los esta gravíssima sentença do Espírito Santo: ‘O Altíssimo examinará vossas obras e esquadrinhará vossos pensamentos; porque, sendo ministros do seu reino, não governastes retamente, nem observastes a lei da justiça, nem procedestes de acordo com a vontade de Deus. Terrível e veloz Ele cairá sobre vós, porque será feito rigorosíssimo juízo daqueles que se acham em altas situações. Aos míseros se fará misericórdia; os poderosos, porém, serão poderosamente castigados. Porque o Senhor não retrocederá diante de ninguém, nem temerá a grandeza de ninguém: do grande como do pequeno é Ele o criador, e de todos toma igual cuidado’” (A. A. S., vol. XXXV, p. 244). Nas encíclicas acima referidas a concordância é completa sobre o assunto em discussão; e tenho a certeza de que ninguém poderá apontar nelas qualquer oscilação de princípios, pois são os mesmos que se afirmam na Summi Pontificatus de Pio XII, como nas de Pio XI — Divini Redemptoris, contra o comunismo ateu, Mit Brennender Sorge, contra o nazismo, Non abbiamo bisogno, contra o monopólio estatal do fascismo, como nas precedentes de Leão XIII — Immortale Dei, Libertas, e Sapientiae Christianae.

“As últimas, profundas e graníticas bases fundamentais da sociedade – proclamou o Augusto Pontífice, em sua radiomensagem natalícia de 1942 – não podem ser consideradas meras criações do engenho humano; podem ser ignoradas, negadas, desprezadas, violadas, mas nunca serão ab-rogadas com eficácia jurídica” (A. A. S., vol. XXXV, pp. 13-14).

Os Direitos da Verdade.

Agora é necessário resolver outra questão, ou melhor uma dificuldade, mas tão especiosa que à primeira vista parece insolúvel. Objetam-nos isto: “Sustentais dois critérios ou normas de ação diferentes, a que recorreis consoante vossas conveniências: nos países católicos defendeis a idéia do Estado confessional, com o dever de proteção exclusiva à religião católica; onde estais em minoria, porém, pugnais pela tolerância ou exatamente pela igualdade de direito a todos os cultos. Usais, portanto, de dois pesos e duas medidas; verdadeira e embaraçosa duplicidade, da qual os católicos, que têm noção dos desenvolvimentos atuais da civilização, desejam livrar-se”. Pois bem, não há dúvida que dois pesos e duas medidas têm de usar-se: um para a verdade, outro para o erro. Os homens que estão na posse tranquila da verdade e da justiça não admitem transações; exigem pleno respeito aos seus direitos. Aqueles, ao contrário, que não se sentem seguros de possuir a verdade, não ousam tampouco declarar- se únicos senhores desse campo nem recusar respeito aos direitos de quem os reclama baseado em outros princípios. O conceito de igualdade de cultos e de tolerância é um produto do livre exame e da multiplicidade religiosa. É uma decorrência lógica das opiniões daqueles que entendem não haver necessidade de dogmas em religião, bastando a consciência individual de cada um para estabelecer o critério e as normas para a profissão da fé e para o exercício do culto. Por que estranhar-se, pois, que, nos países onde vigora essa teoria, procure a Igreja estabelecer-se em condições que lhe assegurem o exercício da sua missão divina e trabalhe para que lhe sejam reconhecidos aqueles direitos que, por consequência lógica dos princípios adotados em tais países, ela pode reclamar?… A Igreja desejaria falar e reclamar em nome de Deus; mas naqueles Estados não lhe é reconhecida a exclusividade da sua missão. Contenta-se, então, com reclamar em nome daquela tolerância, daquela igualdade de direitos, daquelas garantias comuns que admitem as leis dos países referidos.

Quando, em 1949, efetuou-se em Amsterdão a reunião das várias igrejas heterodoxas para impulsionar o movimento ecumênico, encontraram-se ali representantes de 146 igrejas ou confissões diferentes. Os delegados pertenciam a cinquenta nações. Viam-se ali calvinistas, luteranos, coptas, velhos-católicos, batistas, valdenses, metodistas, episcopalianos, presbiterianos, malabares, adventistas, etc… A Igreja Católica, naturalmente, não compareceu, pois, sentindo-se já na posse da verdade e da unidade, não precisava de ir procurá-las naquela assembléia. O caso é que, no fim de muita discussão, os congressistas não conseguiram pôr-se de acordo sobre nenhum ponto, nem sequer para uma celebração final, em comum, da ceia eucarística, na qual se deveria simbolizar a união de todos eles, se não na fé, ao menos na caridade. Em resultado, na sessão plenária de 23 de Agosto de 1949, o Dr. Kraemer, calvinista holandês, nomeado depois diretor do novo Instituto Ecumênico de Coligny, na Suíça, alvitrou que seria melhor desistir de qualquer celebração eucarística, do que manifestar a existência de tantas divergências, fazendo uma multidão de ceias separadas. Sendo esses os fatos – pergunto eu – poderia qualquer uma dessas confissões, que convive com outras em um Estado, ou mesmo que nele predomine, assumir uma posição intransigente e reclamar para si aquilo que a Igreja espera de um Estado em sua grande maioria católico? Não é de estranhar, por conseguinte, que a Igreja invoque em seu favor os direitos do homem aí onde são desconhecidos os direitos de Deus! Isto ela fez nos primeiros séculos do cristianismo, em face do império e do mundo pagão; isto continua a fazer na atualidade, especialmente nos países onde todo direito religioso é negado, como nos que se acham sob o domínio soviético.

Diante das perseguições de que são alvo todos os cristãos – e em primeiro lugar os católicos – como poderia o reinante Pontífice deixar de apelar para os direitos do homem, para a tolerância, para a liberdade das consciências, mesmo que estes direitos venham sendo objeto de detestáveis burlas? Esses direitos do homem, reivindicou-os Sua Santidade em todos os campos da vida individual e social em sua Mensagem do Natal de 1942 e, mais recentemente, na do Natal de 1952, a propósito da sofredora “Igreja do Silêncio”. É claro, portanto, que andam errados aqueles que assoalham ser inconciliável com a civilização moderna o reconhecimento dos direitos de Deus e da Igreja, feito no passado, como se constituísse regresso admitir o que, em todos os tempos, é justo e verdadeiro. Acena a um retorno à Idade Média, por exemplo, o trecho seguinte de um conhecido escritor: “L’Église catholique insiste sur ce principe: que la vérité doit avoir le pas sur l’erreur, et que la vraie réligion, quand elle est connue, doit être aidée dans sa mission spirituelle de préférence aux réligions dont le message est plus ou moins défaillant et où l’erreur se mêle avec la vérité. C’est là une simple conséquence de ce que l’homme doit à la vérité. Il serait cependant très faux d’en conclure que ce principe ne peut s’appliquer qu’en réclamant pour la vraie réligion les faveurs d’un pouvoir absolutiste, ou l’assistance des dragonnades, ou que l’Église catholique revendique des sociétés modernes les privilèges dont elle jouissait dans une civilisation de type sacral, comme au Moyen Age”.

Para cumprir seu dever, o governante católico de um Estado católico não tem necessidade de ser um absolutista, nem um esbirro, nem um sacristão, nem de retornar ao complexo da civilização medieva. Outro autor objeta: “Quase todos os que até agora procuravam refletir e examinar o problema do pluralismo religioso esbarravam-se com este perigoso axioma: que só a verdade tem direitos, não cabendo nenhum ao erro. No entanto, hoje todos reconhecem que este axioma é falaz. Não que queiramos reconhecer direitos ao erro, ma simplesmente porque nos lembramos desta verdade lapalissiana: que nem o erro, nem a verdade – que são abstrações – são objetos de direitos, são capazes de possuir direitos, isto é, de criar deveres exigíveis de pessoa a pessoa”.

Parece-me, muito ao contrário, que a verdade lapalissiana seja antes esta: que os direitos em questão se acham otimamente encarnados nos indivíduos que estão na posse da verdade, e que iguais direitos não podem reclamar os indivíduos que encarnam o erro. Nas Encíclicas que citamos o primeiro sujeito desses direitos é o próprio Deus, do que se segue que só possuem verdadeiro direito aqueles que obedecem aos mandatos de Deus e se encontram, assim, na sua verdade e na sua justiça.

Em conclusão: a síntese das doutrinas da Igreja nesta matéria foi, em nossos dias, exposta clarissimamente na Carta que a Sacra Congregação dos Seminários e das Universidades enviou aos Bispo do Brasil aos 7 de Março de 1950. Esta Carta, que se refere continuamente aos ensinamentos de Pio XII, entre outras coisas previne contra os erros do renascente liberalismo católico, o qual “admite e encoraja a separação entre os dois Poderes. Nega à Igreja qualquer poder indireto em questões mistas, afirma que o Estado deve mostrar-se indiferente em matéria religiosa… e reconhecer a mesma liberdade à verdade e ao erro. À Igreja não cabem privilégios, favores e direitos superiores aos que se concedem as outras confissões religiosas nos outros países católicos”, e assim por diante.

Contraste de Legislações.

Tratada a questão pelos seus aspectos doutrinário e jurídico, seja-me permitido fazer um pequeno excursus sobre o seu aspecto prático. Pretendo falar da diferença e da desproporção que se observa entre o clamor levantado contra os princípios acima expostos, entranhados na Constituição espanhola, e o escasso repúdio manifestado por todo o mundo laicista contra o sistema legislativo soviético, opressor de todas as religiões. Abundam, no entanto, como consequência deste sistema, os mártires que definham nos campos de concentração, nas estepes siberianas, nos cárceres, sem contar as centenas daqueles que, com a extirpação da vida de todo o seu sangue, sofreram até o extremo as violências da iniquidade.

O artigo 124 da Constituição staliniana, promulgada em 1936, em estreita conexão com as leis de 1929 e 1932 sobre as associações religiosas, estatui o seguinte: “Com o fim de assegurar aos cidadãos a liberdade de consciência, a Igreja fica separada do Estado, e a Escola da Igreja. A liberdade de profissão religiosa e a liberdade de propaganda anti-religiosa são reconhecidas a todos os cidadãos”.

Posta de parte a ofensa feita a Deus, a toda religião e à consciência dos fiéis assegurando na Constituição a plena liberdade de propaganda anti-religiosa – propaganda que se efetua do modo mais abusivo – convém mostrar com clareza em que consiste a famosa liberdade de fé garantida pela lei bolchevista.

As normas que regulam o exercício dos cultos se encontram na lei de 18 de Março de 1929, que interpretou o artigo correspondente da Constituição de 1918 e cujo espírito informou o artigo 124 da Constituição atual. Toda possibilidade de propaganda religiosa é negada; assegurada é unicamente a propaganda anti-religiosa. No que respeita ao culto, este só é permitido no interior dos templos; toda formação religiosa é vedada, quer se opere por meio de discursos quer de impressos de todo e qualquer gênero. Todas as iniciativas sociais e caritativas são reprimidas, e nenhuma organização que vise prodigar-se pelo bem do próximo tem o direito de constituir-se. Para provar que essa é a situação basta ler a exposição sintética que desse estado de coisas fez um russo soviético, Orleanskij, no seu opúsculo: A lei das associações religiosas na República Socialista Federal Soviética Russa (Moscou, 1930, 224 págs.).

Liberdade de profissão religiosa significa que a ação dos fiéis na profissão dos seus dogmas religiosos é limitada ao ambiente dos próprios fiéis e se considera estritamente ligada ao culto religioso de alguma das religiões toleradas no nosso Estado… Por conseguinte toda atividade propagandística e agitadora por parte de homens de igreja ou de religiosos – e ainda mais de missionários – não se pode considerar como atividade que lhes seja permitida pela lei das associações religiosas, mas considera-se como exorbitante dos limites da liberdade religiosa tutelada pela lei e torna-se, em consequência, objeto dasleis penais e civis, em tudo quanto as contradiz”. A luta contra a religião é, ademais, levada pelo Estado até ao campo de todas essas atividades que a prática do Evangelho implica, como no que concerne à moral e às relações sociais entre os homens. Os soviéticos perceberam perfeitamente que a religião se prende intimamente à vida dos indivíduos e das coletividades; para combatê-la, pois, sufocam todas as suas possibilidades de expressão no campo educativo, moral e social. Eis o testemunho de um soviético: “O propagandista anti-religioso deve lembrar-se de que a legislação soviética, mesmo reconhecendo a cada cidadão a liberdade de praticar atos de culto, limita ao mesmo tempo a atividades das organizações religiosas, negando-lhes o direito de se imiscuir na vida político-social da U.R.S.S. As associações religiosas podem ocupar-se única e exclusivamente daquilo que concerne ao exercício do seu respectivo culto, de nada mais. Os padres não podem fazer imprimir publicações obscurantistas, nem fazer propaganda oral nas fábricas e oficinas, no Kolcoz, nos Sovchoz, nos Clubes, nas Escolas, das suas idéias reacionárias e anticientíficas. Pela lei de 8 de Abril de 1929 é proibido às associações religiosas fundar caixas de socorro mútuo, cooperativas, sociedades de produção, e, em geral, servir-se dos bens que se acham à sua disposição para quaisquer fins que não se incluam no âmbito das necessidades religiosas” (artigo Constituição Staliniana e Liberdade de Consciência, em “Sputnik Antireligioznika”, Moscou, 1939, pp. 131-133).

Antes, pois, de atirar pedras aos governos católicos que cumprem os seus próprios deveres no que toca à religião dos seus concidadãos, os tutores dos direitos do homem deverão preocupar-se com sua situação, que constitui um ultraje à dignidade do homem, qualquer seja a sua religião, criada por um poder tirânico que pesa sobre um terço da população do mundo!

Cultos Tolerados.

Também a Igreja reconhece a necessidade em que se podem achar governos de países católicos de conceder, por motivos gravíssimos, a tolerância aos outros cultos. “Posto que a Igreja entenda não ser lícito atribuir aos diversos cultos os mesmos direitos que à verdadeira religião, todavia não condena os governantes que, para conseguir um bem maior ou para evitar algum mal, toleram, na prática, a existência de vários cultos no Estado que regem” (Immortale Dei, Acta Leonis XIII, vol. V, p. 141).

Mas tolerância não significa liberdade de propaganda, fomentadora de discórdias religiosas e perturbadora da tranquila e unânime posse da verdade e do culto religioso em países como a Itália, a Espanha e semelhantes. Referindo-se às leis italianas sobre os “cultos admitidos”, Pio XI escreveu: “Cultos tolerados, permitidos, admitidos, – não seremos Nós que haveremos de levantar uma questão de palavras. O caso se soluciona, e não sem elegância, distinguindo entre texto constitucional e texto meramente legislativo: naquele, por si mesmo mais teorético e doutrinário, cabe melhor a palavra tolerados; este, de ordem mais prática, recebe sem dano as palavras permitido ou admitido, desde que devidamente entendidas. O que deve ficar clara e lealmente conhecido é que a religião católica, e só ela, é, de acordo com a Constituição e os Tratados, a Religião do Estado, e só a ela pertencem as lógicas e jurídicas consequências de tal situação constitucional, particularmente as que se referem à propaganda… Não se pode entender a liberdade de discussão de modo tão absoluto que compreenda todas as formas de discussão, inclusive essas que podem facilmente enganar a boa fé de auditores pouco esclarecidos ou que facilmente degeneram em modalidades dissimuladas de propaganda contrária à Religião do Estado e, por isso mesmo, ao Próprio Estado e exatamente naquilo que possui de mais precioso e de mais essencial à tradição do povo italiano – a sua unidade” (Carta de 30 de Maio de 1929 ao Cardeal Gasparri sobre os Pactos Lateranenses).

Entretanto os acatólicos, que desejariam evangelizar os países dos quais partiu e se difundiu sobre eles a luz do Evangelho, não se contentam com o que lhes concede a lei, mas contra a lei e sem sequer respeitar as suas prescrições, querem ter plena licença para romper a unidade de povos católicos, e se lamentam se os governos fecham as capelas que abriram sem a devida autorização ou expulsam os que se dizem missionários mas que entraram nos país declarando, para poderem entrar, que viajavam com outros objetivos. É muito significativo, aliás, que os mais zelosos defensores e auxiliares de todas as formas de propaganda protestante, em países católicos, são os comunistas, aqueles, justamente, que na Rússia proíbem qualquer propaganda religiosa, como atrás vimos, comentando o art. 124 da sua vigente Constituição. E nos Estados Unidos, embora muitos irmãos dissidentes ignorem várias circunstâncias de fato e de direito concernentes ao nosso país, não faltam os que, imitando o zelo dos comunistas, protestam contra a nossa famosa intolerância contra os missionários enviados para evangelizar-nos!

Mas – por favor – por que se haveria de negar às autoridades italianas o direito de fazerem em sua própria casa o mesmo que fazem os americanos em sua terra quando aplicam in virga ferrea leis que lhes permitem impedir o ingresso no seu país ou dele expulsar a quem quer que venham a considerar como perigoso a respeito de certas ideologias ou nocivos às livres tradições e instituições de sua Pátria? Por outro lado, se os crentes de além-mar, que recolhem fundos para os seus missionários e para os neófitos por eles conquistados, soubessem que a maior parte desses “convertidos” se compõe de autênticos comunistas, que não ligam a mínima importância às coisas religiosas, senão quando se trata de prejudicar ao catolicismo, e, ao contrário, importam-se muitíssimo com os auxílios que copiosamente enviam os que moram do outro lado do oceano, creio que pensariam mais detidamente antes de continuar a remeter o que, em última análise, reverte unicamente em proveito do comunismo.

No Templo e Fora do Templo.

Ainda uma questão, muito repetida na atualidade. Trata-se da pretensão daqueles que intentam determinar, seguindo seu próprio arbítrio e suas peculiares teorias, a esfera de ação e de competência da Igreja, para, sempre que ultrapasse essa esfera, poderem acusá-la de politicante.

Essa é a pretensão de todos aqueles que desejariam fechar a Igreja dentro das quatro paredes de um templo, separando a religião da vida e a Igreja do mundo. Todavia, mais do que às pretensões dos homens deve atender a Igreja aos preceitos divinos: “Pregai o Evangelho a todas as criaturas” (Mc 16, 15). A Boa Nova compreende toda a Revelação, com todas as consequências que dela defluem para o procedimento moral do homem em relação a si mesmo, à sua família, e à sua cidade ou país. “Religião e Moral – ensina o Augusto Pontífice – em sua estreita união constituem um todo indivisível: e a ordem moral, os mandamentos de Deus são válidos igualmente em todos os campos da atividade humana, sem exceção alguma; em toda parte aonde eles chegam, aí também chega a missão da Igreja e, portanto, a palavra do Sacerdote, o seu ensinamento, as suas advertências, os seus conselhos aos fiéis que lhe foram confiados. A Igreja Católica não se deixará encerrar nunca dentro das quatro paredes do templo. A separação entre a religião e a vida, entre a Igreja e o mundo é contrária à doutrina cristã e católica”. E com apostólica firmeza prossegue o Santo Padre: “O exercício do direito de voto é um ato de grave responsabilidade moral, pelo menos quando se trata de eleger aqueles que irão dar ao país a sua Constituição e as suas leis, especialmente as que se referem aos dias de guarda, ao matrimônio, à família, à escola, ao regulamento equitativo das múltiplas condições sociais. Incumbe, por isso, à Igreja explicar aos fiéis os deveres morais que decorrem do direito eleitoral” (Pio XII, Discurso aos Párocos, A. A. S., vol. XXXVIII, p. 187). E isto, não por ambição de vantagens terrenas, não para arrancar dos chefes civis os poderes a que Ela não pode nem deve aspirar – Non eripit mortalia qui regna dat caelestia! – mas para manter e estender o Reino de Cristo, para que se realize a Pax Christi in Regno Christi. É por isto que a Igreja não desiste de pregar, ensinar, lutar até obter a vitória.

Pelo mesmo motivo Ela sofre, chora e derrama o seu sangue. É pela via do sacrifício que a Igreja há de alcançar o triunfo, conforme recordava Pio XII na sua Mensagem radiofônica do Natal de 1941 (A. A. S., vol. XXXIV, pp. 19- 20).

Disse então o Sumo Pontífice: “Nós contemplamos hoje, amados filhos, o Homem-Deus nascido em uma gruta para de novo levantar o homem àquela grandeza, da qual por sua culpa decaíra; e para o repor sobre o trono de liberdade, de justiça e de honra que os séculos dos falsos deuses lhe tinham recusado. O fundamento daquele trono será o Calvário; o seu ornato não será o ouro nem a prata, mas o sangue de Cristo, sangue divino que há vinte séculos corre sobre o mundo e purpureia as faces de sua Esposa, a Igreja, e, purificando, santificando, glorificando os seus filhos, se torna candor de paraíso.

“Ó Roma cristã, aquele sangue é a tua vida!”

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Transcrição fiel feita por Felipe Coelho do texto impresso: IDEM, “Deveres religiosos do Estado Católico”, trad. br. in: Vozes de Petrópolis. Revista Católica de Cultura, de julho/agosto de 1953, vol. 11, fascículo 4, pp. 350-367. Cf. tb. ID., “Os deveres religiosos do Estado Católico”, Revista Eclesiástica Brasileira, Vol. 13, fasc. 3, setembro de 1953, p. 537- 554.

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