Novus Ordo Watch | 2020
O texto a seguir é uma tradução do texto intitulado “The Morality of Voting: Is it permissible to vote for the lesser of two evils?”, originalmente postado no site Novus Ordo Watch (cuja leitura recomendamos), e pode ser encontrado aqui [em inglês].
Este não é um texto de teor político. Trata-se de um texto sobre a posição católica em relação ao voto em eleições democráticas, o que é da alçada da teologia moral da Igreja. O motivo da publicação deste texto é instruir os católicos que não estão suficientemente familiarizados com o tema, a fim de esclarecer o que muitas vezes é mal compreendido, tirar dúvidas e incertezas e aliviar as consciências.
Primeiro, vamos fazer uma breve visão geral.
Em seu magnífico compêndio de dois volumes da moral católica, os padres dominicanos John McHugh e Charles Callan incluíram uma abordagem concisa do voto, que citaremos abaixo. Deve-se notar que ambos os autores eram americanos e publicaram seu livro nos (e para) os Estados Unidos, pouco antes da morte do Papa Pio XII. Em outras palavras: eles eram verdadeiros teólogos católicos romanos escrevendo especificamente no contexto do voto em uma nação não-católica (ou seja, uma nação que não possui um estado confessional católico), e o fizeram com a necessária aprovação episcopal (nihil obstat e imprimatur).
A moral católica sobre o voto é a seguinte:
2643. O DEVER DE EXERCER O DIREITO ELEITORAL.
(a) Há um grave dever de usar o privilégio concedido aos cidadãos de votar nas eleições públicas, especialmente nas primárias; pois o bem-estar da comunidade e o bem moral, intelectual e físico dos indivíduos dependem do tipo de homens que são nomeados ou escolhidos para governar e das bases políticas votadas. Assim, aqueles que negligenciam o voto cooperam negativamente com um dano grave (ou seja, o mal no poder), ou pelo menos com a indiferença pública para com assuntos públicos – por exemplo, aqueles que negligenciam condenar pelo voto por preguiça ou indiferença. Uma inconveniência grave (por exemplo, doença, ostracismo, exílio, perseguição), mas não uma inconveniência leve (como perda de tempo, problemas, ridicularização), libera do dever [de votar]; pois uma lei afirmativa tem exceções. Também não há obrigação de votar quando uma eleição é uma mera formalidade, como quando há apenas um candidato ou partido.
(b) O dever não é de justiça comutativa, pois o voto é um privilégio, ou uma coisa ordenada pela autoridade, mas não um serviço ao qual o cidadão se comprometeu por contrato ou ofício. A obrigação é, portanto, de justiça legal, decorrente do fato de que o bem comum é assunto e responsabilidade de todos, especialmente em uma república. Assim, os representantes do povo que, pela abstenção de votar, causarem um dano grave que deviam prevenir ex officio, são culpados de injustiça comutativa e estão sujeitos à restituição; mas um cidadão que se afasta das urnas peca, e talvez gravemente, contra a justiça legal, embora não haja dever de restituição pelos danos daí resultantes. Além disso, em uma eleição geral, o voto de um cidadão geralmente não tem influência decisiva, e os cidadãos não se responsabilizam por todos os atos de seus representantes.
2644. MODO DE VOTAÇÃO.
(a) Objeto. —Não é necessário votar no melhor candidato, contanto que se vote em uma pessoa que seja adequada por caráter, habilidade, histórico, experiência, etc. para o cargo, e dá indicações, não meras promessas, de que servirá bem à comunidade. Mas em certas eleições eclesiásticas os eleitores devem prestar juramento prévio de votar, não só num candidato digno, mas também na pessoa que honestamente consideram, levando em conta todos os aspectos, a mais digna. Em cargos menores (como policial ou secretário municipal), basta que o candidato seja conhecido como consciencioso; mas em cargos importantes (como presidente, governador, deputado, legislador ou juiz) os princípios partidários que ele defende devem ser considerados principalmente. Per accidens, é lícito votar em um candidato indigno quando isso é necessário para evitar um mal maior, como quando o candidato adversário é muito pior, ou uma boa chapa não pode ser eleita a menos que alguns candidatos menos dignos sejam incluídos.
(b) Finalidade. —O fim que o eleitor deve ter em mente é o bem comum e, portanto, não é correto votar em candidatos única ou principalmente porque são amigos pessoais, membros de sua própria raça, organização ou religião, ou porque se deseja ganhar favor ou escapar da inimizade.
(c) Circunstâncias. —O eleitor deve evitar tudo o que seja contrário ao direito natural (por exemplo, venda de votos, repetição, preenchimento de urnas) ou direito positivo (por exemplo, as leis estaduais exigem não apenas cidadania e um período de residência anterior, mas também outras condições como registro e isenção de suborno e outros crimes eleitorais). A opinião de que a política é necessariamente corrupta e de que tudo o que ajuda a vencer é justo é uma doutrina falsa e perniciosa. As condições para as eleições eclesiásticas são dadas nos Cânones 160 sqq.
(Rev. John A. McHugh & Rev. Charles J. Callan, Moral Theology, vol. 2 [New York, NY: Joseph F. Wagner, 1958], pgs. 2643-2644. Disponível online aqui [em inglês].)
Até aqui, temos os princípios morais que regem a prática do voto em geral.
Nada disso deveria ser considerado controverso, mas parece ser para alguns. Em particular, o que gera mais polêmica a cada período eleitoral é a parte sobre o voto estratégico: votar em um candidato impróprio ou indigno para evitar que um ainda pior seja eleito. Isso é comumente conhecido como “votar no mal menor”. Certas questões inevitavelmente se apresentam: isso é permitido? É obrigatório? E se não for possível dizer qual candidato é o mal maior ou menor? E o mal menor não é ainda… um mal?
Em vez de entrar em polêmicas acaloradas sobre esta questão, vamos simplesmente deixar que os teólogos especialistas da Igreja falem sobre o assunto.

Em 1952, o Pe. Titus Cranny, S.A. (1921-1981), na foto à esquerda, publicou sua tese de doutorado na Universidade Católica da América, intitulada The Moral Obligation of Voting. Ele carrega o nihil obstat do Pe. Francis Connell e o imprimatur do Arc. Patrick O’Boyle.
Neste estudo, o autor explora o que a teologia moral católica diz sobre o tema do voto e dedica algumas páginas especificamente à questão do voto em candidatos indignos. Abaixo, reproduzimos essa seção do livro. É importante ter em mente que o Pe. Cranny não está apenas apresentando sua opinião sobre o assunto, mas está expondo a teologia oficial da Igreja conforme enunciada por seus teólogos morais aprovados, levando em conta o caso específico dos Estados Unidos. Não é surpresa para ninguém dizer que os católicos estão vinculados à teologia moral da Igreja, mesmo no que diz respeito ao voto.
CONDIÇÕES NAS QUAIS SE PODE VOTAR EM CANDIDATOS INDIGNOS
Com o uso do termo “candidatos indignos” não estamos querendo dizer necessariamente homens cujas vidas privadas são moralmente repreensíveis, mas aqueles que, se eleitos, causariam graves danos ao Estado ou à religião, como, por exemplo, homens de temperamento vacilante que temem fazer decisões.
De forma prática, muitas vezes é difícil determinar se um determinado candidato é digno ou indigno, pois parece haver pouco sobre o que julgar com precisão, especialmente em eleições locais ou municipais. Não se segue que todo católico seja necessariamente o melhor homem para um cargo e que todo não-católico não o seja; nem que todo católico promova os interesses do bem comum do Estado e da religião e que todo não-católico não o faça. Mesmo que um homem seja de excelente caráter em sua vida privada, isso não prova que ele necessariamente seja competente em um cargo público. Às vezes também, como São Roberto Belarmino apontou em seu De laicis, os chamados governantes maus podem fazer mais bem do que mal, como Saul e Salomão. É melhor que o estado tenha um governante mau do que nenhum governante, pois onde não há governante o estado não pode resistir por muito tempo, como observou o sábio Salomão: “”Onde não há quem governe perecerá o povo” [Prov. 11,14].
Quando candidatos indignos concorrem a cargos públicos, normalmente o cidadão não tem a obrigação de votar neles. Na verdade, ele não teria permissão para votar neles se houvesse alguma maneira razoável de eleger um homem digno, seja organizando outro partido, por candidaturas independentes ou por qualquer outro meio legal. Por outro lado, seria lícito votar em um indigno se a escolha fosse apenas entre ele ou candidatos indignos; e poderia até ser necessário votar em tal candidato indigno (se a votação se limitasse a tais personalidades) e até mesmo em alguém que prejudicaria a Igreja, desde que a eleição fosse apenas uma escolha entre homens indignos e o voto para o menos indigno impediria a eleição de outro mais indigno.
Como o ato de votar é bom, é lícito votar em candidato indigno, desde que haja causa proporcional para o mal feito e o bem perdido. Essa consideração olha simplesmente para o ato de votar em si e não considera outros fatores como escândalo, encorajamento de homens indignos e má influência sobre outros eleitores. Obviamente, se algum ou todos esses outros fatores estiverem presentes, a justificativa para votar em um candidato indigno teria que ser proporcionalmente mais grave [“Quase todos os teólogos modernos admitem que eleger um homem que se considera mau não é uma coisa intrinsecamente má, e, portanto às vezes pode ser permitido per accidens para evitar males maiores.” (Prümmer, Manuale theologiae moralis)].
Lehmkuhl afirma que nunca é permitido votar em um homem de maus princípios, mas pode hipoteticamente ser permitido se a eleição for entre homens de maus princípios. Então deve-se votar naquele que representa o menor mal se: (1) ele der a conhecer o motivo de sua escolha; (2) se a eleição for necessária para excluir um candidato pior [Compêndio]. O mesmo autor em seu Casus conscientiae cita o argumento geral, acrescentando que não deve haver aprovação do homem indigno ou de seu plano de governo.
Tanquerey afirma que se a votação for entre um socialista e outro liberal, o cidadão pode votar pelo menor mal, mas deve declarar publicamente por que está votando desta forma, para evitar qualquer scandalum pusillorum [i.e. para evitar escandalizar os mais fracos na fé] [Synposis theologiae moralis et pastoralis]. Prümmer afirma o mesmo [Manuale theologiae moralis]. Todavia, nos Estados Unidos e em outros países onde a votação é secreta, parece não haver necessidade de declarar a maneira de votar.
Vários autores, incluindo Ubach, Merkelbach, Iorio, Piscetta-Gennaro e Sabetti-Barrett, permitem a cooperação material na eleição de um candidato indigno quando há dois homens indignos concorrendo ao cargo. Ubach acrescenta este ponto: (1) Não deve haver cooperação no mal que o homem traz à sociedade depois de assumir o cargo; (2) A votação não deve ser tomada como uma aprovação do candidato ou de sua indignidade. Merkelbach afirma que tal cooperação pode ser lícita per accidens se não houver esperança de que bons homens sejam eleitos sem votar nos maus na mesma eleição.
De forma prática, pode-se observar que às vezes um cidadão pode ter que votar em um homem indigno para votar em um digno, por exemplo, quando as pessoas têm que votar em uma chapa partidária, pelo menos em uma eleição primária quando o “voto dividido” não é permitido. No entanto, o bem a ser obtido teria que superar o mal a ser evitado, ou pelo menos ser igual a ele.
Em seu Casus conscientiae, Génicot apresenta um caso de eleição entre um liberal e um comunista. Para evitar escândalo, o cidadão deve dar razões para votar no liberal. Não se apoia o candidato do mal, mas simplesmente aplica-se o princípio do duplo efeito. Este autor também diz que uma pessoa pode usar uma restrição mental ao prometer votar em um homem indigno.
O Cardeal Amette, Arcebispo de Paris, sugere a licitude de votar num candidato indigno quando escreve sobre votar num candidato menos digno. “Seria lícito votar”, escreve ele, “para candidatos que, embora não dando total satisfação a todas as nossas legítimas reivindicações, nos levariam a esperar deles uma linha de conduta útil ao país, em vez de manter seus votos para aqueles cujo programa seria de fato mais perfeito, mas cuja derrota quase certa poderia abrir a porta para os inimigos da ordem religiosa e social” [John A. Ryan e Francis Boland, Catholic Principles of Politics, 207-208].
Assim, podemos dizer que é permitido votar em candidatos indignos (isto é, dar cooperação material) se estes forem o único tipo de homem nas listas de voto; para excluir os mais indignos; para garantir a eleição de alguém que é um tanto indigno em vez de votar em um homem bom cuja derrota é certa; e quando a lista é mista contendo homens dignos e indignos, de modo que um cidadão só pode votar em um do primeiro tipo se votar em um do último tipo ao mesmo tempo.
(Rev. Titus Cranny, The Moral Obligation of Voting (Washington, D.C.: The Catholic University of America Press, 1952), pp. 93-96.)
Ao final de sua dissertação, o Pe. Cranny lista um resumo de onze pontos de suas teses e descobertas, dos quais citaremos o último item, pois serve como um bom lembrete de quão seriamente um cidadão deve considerar sua obrigação de votar:
Para votar com inteligência, o cidadão deve adquirir um conhecimento razoável dos princípios do voto, dos candidatos e das questões apresentadas para a eleição. Ele deve usar qualquer meio que o ajude a votar com sabedoria, como organizações, reuniões e similares. (Cranny, The Moral Obligation of Voting, p. 135)
Mais trechos do livro do Pe. Cranny estão disponíveis aqui [em inglês].
Esperamos que este tenha sido um resumo perspicaz dos pontos mais importantes relativos à teologia da Igreja Católica no que diz respeito à moralidade do voto.
Trad. por Esdras Menezes, originalmente publicado no blogue Fidelidade Católica.
Em qual situação o voto individual no menos indigno impede a eleição do mais indigno? O candidato vencedor terá milhares ou milhões de votos a mais que seu oponente.
“Quando candidatos indignos concorrem a cargos públicos, normalmente o cidadão não tem a obrigação de votar neles. … poderia até ser necessário votar em tal candidato indigno (se a votação se limitasse a tais personalidades) e até mesmo em alguém que prejudicaria a Igreja, desde que a eleição fosse apenas uma escolha entre homens indignos e o voto para o menos indigno impediria a eleição de outro mais indigno”.
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Salve Maria!
Creio que apesar do voto ser individual, este é uma parte de um todo coletivo. Se os milhões de católicos (ou que ao menos professam ser) votarem no menos indigno, este teria condições de vencer o mais indigno.
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