Sua Santidade Bento XV | 1920
AOS PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS, BISPOS, E AOS DEMAIS ORDINÁRIOS EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
XV CENTENÁRIO DA MORTE DE SÃO JERÔNIMO, DOUTOR DA IGREJA
1. O Espírito Santo, que deu ao gênero humano o tesouro das Sagradas Escrituras para iniciá-lo nos mistérios da divindade, providencialmente fez surgir ao longo dos séculos numerosos exegetas, notáveis pela santidade ou doutrina, os quais, não contentes de não deixar infecundo esse celeste tesouro, [Concílio de Trento, Sessão V, Decreto De reformatine, c. 1] promoveram, por meio de seus estudos e suas obras, entre os fiéis cristãos, a consolação das Escrituras (Rm 15,4). É universalmente reconhecido o lugar excelso ocupado por são Jerônimo, no qual a Igreja católica reconhece e venera o maior doutor com o qual o céu lhe tenha feito dom para a interpretação das Sagradas Escrituras. Na verdade, uma vez que em poucos dias deveremos comemorar o décimo quinto centenário de sua morte, não queremos, veneráveis irmãos, deixar passar ocasião tão favorável para entreter-vos sobre a glória que são Jerônimo adquiriu e sobre os serviços que ele propiciou com a sua sabedoria no que se refere às Sagradas Escrituras. A consciência do nosso oficio apostólico e o desejo de incrementar o estudo nobilíssimo das Escrituras, incitam-nos, de um lado, a propor como exemplo a ser imitado esse grande gênio, e do outro, a confirmar com a nossa apostólica autoridade e a melhor adaptar aos tempos que a Igreja atravessa hoje, as preciosíssimas diretrizes e as prescrições dadas nessa matéria por nossos predecessores de santa memória Leão XIII e Pio X. Afinal, são Jerônimo, “espírito completamente impregnado de sentido católico e muito versado no conhecimento da lei santa”, [Sulpicius Severus, Dial., 1, 7; PL 20, 188C] “mestre dos cristãos”, [Cassianus, De inc. (Contra Nest.), 7, 26; PL 50, 256ª] “modelo de virtude e luz do mundo inteiro”, [S., Prosper, Carmen de ingratis, v. 57; PL 51, 98ª] expôs maravilhosamente e defendeu a doutrina católica com base nos livros sagrados; e a esse propósito fornece-nos um conjunto de ensinamentos de altíssimo valor, dos quais nos valemos para exortar todos os filhos da Igreja, especialmente os membros do clero, ao respeito, à leitura devota e a assídua meditação das Escrituras divinas.
I PARTE
VIDA DE SÃO JERÔNIMO
2. Como sabeis, veneráveis irmãos, São Jerônimo, nascido em Estridão, “cidade localizada entre a Dalmácia e a Panônia”, [De viris illustribus, 135; E. C. Richardson, Hieronymus, Liber de viris illustribus, TU 14, Leipzig 1896, p. 55; PL 23, 756B] formado desde a primeira infância no catolicismo, [Ep. 82 ad Theophilum, 2, 2; PL 23, 737] depois que com o batismo revestiu aqui em Roma a veste de Cristo, [Ep. 15 ad Damasum 1, 1; Ep. 16 ad Damasum, 2, 1; PL 22, 355 e 358] até o final de sua longa vida consagrou todas as suas forças ao estudo, à explicação e à defesa dos livros sagrados. Especializando-se em letras latinas e gregas, logo depois de ter deixado a escola dos retóricos, ainda adolescente, esforça-se em comentar o profeta Abdias. Esse ensaio de sua primeira juventude, [In Abdiam, Prol.; PL 25, 1098C] fez crescer a tal ponto o seu amor pelas Escrituras, que, seguindo a parábola do evangelho, decidiu que devia sacrificar ao tesouro que tinha descoberto todas as vantagens deste mundo. [In Mt 13,44; PL 26, 97C] Por isso, desafiando todas as dificuldades de semelhante decisão, abandonou a sua casa, os pais, a irmã, os parentes, renunciou a uma mesa farta que lhe era habitual e partiu para os lugares santos do Oriente, com o objetivo de procurar, com maior abundância, as riquezas de Cristo e o conhecimento do Salvador com a leitura e o estudo dos livros sagrados. [Ep. 22 ad Eustochium, 30, 1; PL 22, 416] Freqüentemente ele próprio nos descreve como se dedicou a esse empreendimento, sem economizar empenho: “Uma maravilhosa sede de saber me empurrava a instruir-me e não fui, como pensam alguns, mestre de mim mesmo. Em Antioquia acompanhei freqüentemente as lições de Apolinário de Laodicéia; no entanto, embora tivesse sido discípulo nas Sagradas Escrituras, nunca adotei o seu dogmatismo obstinado em matéria de sentidos (bíblicos)”. [Ep. 84 ad Pammachium et Occeanum, 3, 1, PL 22, 745] Da Palestina, são Jerônimo retirou-se para o deserto de Cálcis, na Síria; e para penetrar mais intimamente no sentido da palavra divina e, ao mesmo tempo, para frear, com trabalho árduo, os ardores da juventude, pôs-se na escola de judeu convertido, de quem aprendeu a língua hebraica e caldéia. “Quantas penas tudo isso me custou, quantas dificuldades tive de vencer, quantos desânimos sofrer, quantas vezes abandonei esse estudo, para em seguida retomá-lo, estimulado de paixão pela ciência, somente eu que experimentei isso posso dizer, e comigo os que me estavam próximos. Bendiga a Deus os doces frutos a mim proporcionados pela amarga semente do estudo das línguas”. [Ep. 125 ad Rusticum, 12; PL 1079]
3. São Jerônimo, fugindo dos grupos de heréticos que vinham perturbá-lo na solidão do deserto, transferiu-se para Constantinopla. O bispo dessa cidade era então o teólogo São Gregório, celebre pela fama e glória universal de sua ciência. Jerônimo, durante quase três anos, escolheu-o como guia e mestre na interpretação das Sagradas Escrituras. Nesse tempo ele traduziu para o latim as homilias de Orígines sobre os profetas, e a crônica de Eusébio, comentando também as visões dos serafins de Isaías. Voltando para Roma, devido às dificuldades atravessadas pela cristandade, foi paternalmente acolhido pelo papa Dâmaso, que ele assistiu no governo da Igreja. [Ep. 123 ad Geruchiam, 9 (al. 10); Ep. 127 ad Principiam, 7, 1; PL 22, 1052 e 1091] Embora ocupado a tempo pleno por esse encargo, nunca transcurou seja de dedicar-se aos livros sagrados, [Ep. 127 ad Principiam, 7; PL 22, 1091] de transcrever e de examinar os códices, [Ep. 36 ad Damasum, 1; Ep. 32 ad Marcellum, 1; PL 22, 452 e 446] seja de resolver as dificuldades que lhe eram postas e de iniciar os discípulos de ambos os sexos ao conhecimento da Escritura. [Ep. 45 ad Asellam, 2; Ep. 126 ad Marcellium et Anapsychiam, 3; Ep. 127 ad Principiam, 7; PL 22, 481, 1087 e 1091] O papa havia-lhe confiado o importantíssimo encargo de rever a versão latina do Novo Testamento. Nessa atividade ele revelou tal penetração e fineza de juízo que sua obra torna-se cada vez mais estimada e admirada até pelos exegetas modernos. Mas todos os seus pensamentos, todos os seus desejos o atraíam para os locais da Palestina. Foi assim que, com a morte de Dâmaso, Jerônimo retirou-se para Jerusalém; aí, fundado um mosteiro junto ao berço de Jesus, consagrou-se totalmente a Deus, dedicando todo o tempo que lhe sobrasse da oração ao estudo e ao ensinamento das Escrituras. Assim diz ele: «Minha cabeça já encanecia e tinha um aspecto mais de mestre que de discípulo. Não obstante isso fui para Alexandria e ingressei na escola de Dídimo. Devo muito a ele, pois ensinou-me o que ignorava, e o que já sabia revelou-me sob outra forma. Parecia que não tivesse mais nada a aprender, e agora, em Jerusalém, ao preço de fadigas e esforços ainda segui, à noite, as lições de Baranina! Ele temia os judeus e me produziu o efeito de um segundo Nicodemos” [Ep. 84 ad Pammachium et Occeanum, 3; PL 22, 745]. Longe de contentar-se com as lições e a autoridade desses mestres – e não apenas desses – ele valeu-se, para conquistar novos progressos, de fontes de documentação de todo o tipo. Depois de ter-se procurado desde o início os melhores manuscritos e comentários das Escrituras, estudou os livros das sinagogas e as obras da biblioteca de Cesaréia, implantada por Orígenes e Eusébio. O confronto desses textos com os que já possuía, devia pô-lo em condições de fixar a forma autêntica e o verdadeiro sentido dos textos bíblicos.
4. Para melhor alcançar o seu escopo, visitou a Palestina em toda a sua extensão, firmemente convicto do ganho que tivera, como expressou em sua carta a Domnião e a Rogazião: “A Sagrada Escritura será muito mais penetrável naquele que viu a Judéia com os próprios olhos, que encontrou os restos das antigas cidades, e aprendeu os nomes das várias localidades, idênticos ou modificados. Esse era o pensamento que nos guiou quando nos impusemos a fadiga de percorrer, junto com os judeus mais eruditos, a região cujo nome ressoa em todas as Igrejas de Cristo” [Ad Domnionem et Rogatianum in Pref.: Biblia sacra iuxta latinam vulgatam versionem ad codicum fidem. Liber Verborum Dierum ex interpretatione Sacti Hieronymi um praefationibus et duplici capitulorum serie, Roma, 1948, pp. 7s; PL 29, 423A.]. Eis, portanto, são Jerônimo nutrindo o seu espírito desse maná celeste sem descanso, comentando as cartas de são Paulo, corrigindo, segundo os textos gregos, os códices latinos do Antigo Testamento, traduzindo novamente do original hebraico, para o latim, quase todos os livros sagrados, explicando diariamente a Sagrada Escritura aos fiéis reunidos, respondendo as cartas que lhe chegavam de todas as partes, submetendo-lhe a dificuldades exegéticas a serem resolvidas, confutando vigorosamente os detratores da unidade e da fé católica, e – tão grande era a energia que lhe infundia o amor para com a Escritura – não deixando de escrever e ditar, até que a morte não tivesse enrijecido sua mão e apagado sua voz. Assim, não economizou nem fadigas, nem vigílias, nem despesas; nunca, até a mais avançada velhice, deixou de meditar dia e noite, junto ao santo presépio, sobre a lei do Senhor, tornando mais consistente o nome católico, do profundo de sua solidão, com o exemplo de sua vida e com os seus escritos, do que os que poderia produzir se tivesse vivido em Roma, centro do mundo.
II PARTE
O ENSINAMENTO DE SÃO JERÔNIMO SOBRE A SAGRADA ESCRITURA
5. Depois desse rápido exame da vida e das obras de são Jerônimo, vejamos agora, veneráveis irmãos, qual foi o seu ensinamento sobre a dignidade divina e a absoluta veracidade das Sagradas Escrituras. Com esse propósito, analisamos os escritos do grande doutor. Não há página em que não fique evidente como ele tenha consistente e invariavelmente afirmado, em harmonia com toda a Igreja católica, que os livros sagrados tenham sido escritos sob a inspiração do Espírito Santo, que o autor desses livros é Deus mesmo, e que, como tais, a Igreja os recebeu. [1°Concílio Vaticano I, Sessão III, Const. De fide catholica. Dei Filius, cap. 2, De revelarione] “Os livros da Sagrada Escritura – afirma ele – foram compostos sob a inspiração, sugestão ou mesmo o ditado direto do Espírito Santo. Além disso, foi esse mesmo Espírito que os compôs e divulgou”. Por outro lado, porém, são Jerônimo não duvida um instante que cada autor desses livros tenha dado, segundo a própria possibilidade e o próprio gênio, livre contributo à inspiração divina. Portanto, ele não só afirma sem reservas o elemento comum a todos os escritores dos livros sagrados – isto é, o fato que tais escritos sejam obras do Espírito Santo, a tal ponto que Deus mesmo deve ser considerado causa principal e determinante de cada expressão da Escritura – mas também distingue acuradamente e põe em relevo o que num escritor singular existe de particularmente característico. Sob diferentes pontos de vista, segundo a ordenação do material, o uso dos vocábulos, a qualidade e forma do estilo, ele demonstra como cada um tenha posto em ação as próprias faculdades e capacidades pessoais; chega a fixar e a delinear bem o caráter singular, a marca característica e a fisionomia de cada autor, sobretudo no que diz respeito aos profetas e ao Apóstolo Paulo. Para melhor pôr em relevo essa colaboração de Deus e do homem na mesma obra, são Jerônimo aduz o exemplo do operário que se serve na construção de um objeto qualquer, de um instrumento ou de um utensílio; afinal, tudo o que os escritores sagrados dizem “outra coisa não é senão a palavra de Deus e não a sua palavra, e falando por meio de sua boca, Deus quis servir-se de uma espécie de instrumento”. [Trat. de Ps. 88; G. Morin, Anecdota Maredsolana, 3 vol, Maredsoli, 1893-1903, 3, 3, 53] Se nós procuramos compreender como é preciso interpretar esta influência de Deus sobre o escritor dos livros sagrados e a ação que como causa principal exercitou, veremos que a opinião de são Jerônimo está em perfeita harmonia com a doutrina comum da Igreja católica. Deus, afirma ele, com um dom da sua graça ilumina o espírito do escritor, no que se refere à verdade que este deve transmitir aos homens por ordem divina (“ex persona Dei”). Deus suscita nele a vontade e o constrange a escrever, conferindo-lhe assistência especial até o livro completar-se. É principalmente sobre esse ponto do concurso divino que o nosso santo funda a excelência e a dignidade incomparável das Escrituras, cuja ciência compara ao tesouro precioso? [In Mt 13,44s; PL 26, 97C; Tratact. de Ps. 77; Anecdota Maredsolana, 3, 2, 62] e à esplêndida pérola, [In Mt 13, 55ss; PL 26, 98A] onde, assegura, encontra-se a riqueza de Cristo, [Hebraicae Quaestiones in Libro Geneseos, Praef.; PL 23, 984A] “preciosidades que ornam a casa de Deus”. [In Agg., 2, 1ss; PL 25, 1404C; Cf. In Gl 2, 10; PL 26, 363AB etc]
6. Proclamava eloqüentemente, com palavras e com fatos, a autoridade soberana das Escrituras. Logo que se levantava uma controvérsia, ele recorria à Bíblia como a fonte mais autorizada para deduzir testemunhos, argumentos consistentes e inconfundíveis, com a finalidade de demonstrar abertamente os erros dos adversários. Assim, são Jerônimo respondeu, com a máxima franqueza e simplicidade a Helvídio, que negava a virgindade perpétua da mãe de Deus: “Se admitimos tudo o que diz a Escritura, negamos logicamente o que ela não diz. Nós acreditamos que Deus tenha nascido de uma virgem, exatamente porque lemos isso na Escritura. Negamos que Maria não tenha permanecido virgem depois do parto, porque a Escritura não o refere em absoluto”. [Adv. Helv., 19; PL 23, 213A] Serve-se dessas mesmas armas para defender-se, com o máximo vigor, de Joviano no que se refere à doutrina católica sobre a virgindade de Maria, sobre a perseverança, a abstinência e o mérito das boas obras: “Eu farei todo esforço para opor a cada uma de suas asserções os textos das Escrituras. Evitarei, assim, que ele espalhe que eu o venci mais com a minha eloquência do que com a força da verdade”. [Adv. Iovin., 1, 4; PL 23, 225A] Na defesa de suas obras contra esse mesmo herege, acrescenta: “Pareceria que lhe tenham suplicado que cedesse diante de mim, enquanto não se deixou vencer senão de má vontade, debatendo-se nas armadilhas da verdade”. [Ep. 49 (al. 48) ad Pammachium, 14; PL 22, 503] No que se refere ao conjunto da Sagrada Escritura, lemos ainda no seu comentário sobre Jeremias – que a morte o impediu de concluir. –: “Não há necessidade de seguir o erro dos pais nem o dos antepassados, mas a autoridade da Escritura e a vontade de Deus mestre”. [In Hiet., 2, 77 (9, 12-14); PL 24, 772B] Eis como descreve a Fabíola o método e a arte para combater o inimigo: “Uma vez que alcanças a erudição nas Sagradas Escrituras, armado de suas leis e dos seus testemunhos, que são os vínculos da verdade, irás contra os teus inimigos, dominá-los-ás, acorrentá-los-ás e os trarás prisioneiros; e desses adversários e prisioneiros de ontem, tu farás muitos filhos de Deus”. [Ep. 78 ad Fabiolam, 30; PL 22, 714s]
7. Por outro lado, são Jerônimo ensina que a inspiração divina dos livros sagrados e sua soberana autoridade comportam, como conseqüência necessária, a imunidade e a ausência de todo tipo de erro e engano. Tal princípio ele aprendera nas mais célebres escolas do Oriente e do Ocidente, como fora sido transmitido pelos Padres e aceito pela opinião comum. Na verdade, depois que ele retomou, por ordem do papa Dâmaso, a revisão do Novo Testamento, alguns espíritos mesquinhos (“homunculi”) criticaram-no asperamente de tentar, contra a autoridade dos antigos e a opinião de todos, fazer alguns retoques aos evangelhos. São Jerónimo contentou-se com responder que não era simplório de espirito, nem tão ingênuo, para pensar que a menor parte das palavras do Senhor tivesse necessidade de ser corrigida, ou de considerar que não fosse divinamente inspirada. [Ep. 27 ad Marcellam, 1; PL 22, 431] No comentário à primeira visão de Ezequiel, a respeito dos quatro evangelhos, faz notar: “Não achará estranhos aquele corpo aqueles dorsos repletos de olhos, quem percebeu que do evangelho desprende-se uma luz que ilumina com seu raio o mundo inteiro; daquilo que aparentemente é mais descuidado brilha o majestoso esplendor do Espírito Santo”. [In Ez 1, 15-18; PL 25, 28A] Ora, esse privilégio que ele reivindica aqui para o evangelho, reclama-o depois em cada um dos seus comentários para todas as outras palavras do Senhor, construindo daí a lei e a base da interpretação católica. Esse é, por outro lado, o critério com o qual São Jerônimo se vale para distinguir o verdadeiro do falso profeta. [In Mich., 2, 11s; 3, 5-8; PL 25A] Pois, “a palavra do Senhor é verdade, e para ele dizer significa realizar”. [In Mich., 4, 1ss; PL 1188B] Portanto, a Sagrada Escritura não pode mentir, [In Hier., 6, 27 (31, 35ss); PL 24, 919B] e não é permitido acusá-la de mentira, [In Nah., PL 25, 1238C] e nem admitir nas suas palavras sequer um erro verbal. [Ep. 57 ad Pammachium, 7, 4; PL 22, 573] De resto, o santo doutor acrescenta que ele não põe no mesmo plano os apóstolos e os outros escritores, isto é, os autores profanos; “aqueles dizem sempre a verdade, enquanto estes, como acontece com os homens, enganam-se em alguns pontos”, [Ep. 82 ad Theophilum, 7, 2; PL 22, 740] muitas afirmações da escritura que, à primeira vista, podem parecer indignas de fé, são verdadeiras, [Ep. 72 ad Vitalem, 2, 2; PL 22, 674] e nessa palavra de verdade não é possível descobrir nenhuma contradição, “nenhuma discordância, nenhuma incompatibilidade”, [Ep. 18A ad Damasum, 7, 4; cf. Ep. 46 Paulae et Eustochium ad Marcellum, 6, 2; PL 22, 366 e 486s] em conseqüência “se a Escritura contivesse dois dados que parecessem se excluir, ambos permaneceriam verdadeiros”. [Ep. 36 ad Damasum, 11, 2; PL 22, 457] Sempre fiel a esse princípio, se lhe acontecesse encontrar nos livros sagrados aparentes contradições, são Jerônimo concentrava todos os seus cuidados e todos os esforços do seus espírito para resolver a dificuldade, e se julgasse a solução ainda pouco satisfatória, logo que se lhe apresentasse a ocasião recomeçava o exame do problema, sem desanimar, mesmo não tendo a segurança de, no final, obter êxito. Nunca, no entanto, ele culpou os escritores sagrados da mínima falsidade: “Deixo fazer isso aos ímpios, como Celso, Porfírio e Juliano”. [Ep. 57 ad Pammachium, 9, 1; PL 22, 575]
O ensinamento de São Jerônimo confirmado por Leão XIII
8. Nisso estava perfeitamente de acordo com santo Agostinho. Esse – lemos numa de suas cartas a são Jerônimo – tinha pelos livros sagrados uma veneração tão repleta de respeito, que acreditava firmemente não haver erro que não tivesse escapado da pena sequer de um de tais autores; por isso, caso encontrasse nos escritos sagrados um ponto que parecia contrastar com a verdade, longe de crer numa mentira, atribuía a culpa a alteração do manuscrito, a erro de tradução, ou a total incompreensão de sua parte. Ao que acrescentava: “Eu sei, irmão, que tu não pensas de outro modo. Quero dizer que não me imagino que tu desejas ver tuas obras lidas com a mesma disposição de espírito com que são lidas as obras dos profetas e dos apóstolos. Duvidar disso seria delito”. [Santo Agostinho, Ad Hieron., inter. S. Hier., 116, 3; PL 22, 937] Essa doutrina formulada por São Jerônimo confirma, pois, esplendidamente e, ao mesmo tempo, explica a declaração do nosso predecessor de santa memória Leão XIII, de que era precisada a fé antiga e constante da Igreja sobre a perfeita imunidade que põe a Escritura ao reparo de todo o erro. É absurdo que a inspiração divina incorra no perigo de errar, quando não apenas o mínimo erro é-lhe essencialmente excluído, mas também que essa exclusão e essa impossibilidade são tão necessárias quanto é necessário que Deus, soberana verdade, não seja autor de erro algum, mesmo o mais leve. Depois de ter referido as conclusões do Concílio de Florença e de Trento, confirmadas pelo Sínodo no Vaticano, Leão XIII prossegue: “A questão não muda pelo fato de o Espírito Santo servir-se de homens como de instrumentos para escrever, como se algum erro pudesse fugir não do autor principal, mas dos escritores que dele eram inspirados. Pois ele próprio, com sua ação sobrenatural, estimulou-os e encorajou-os para que escrevessem; depois os assistiu no decurso da obra a tal ponto que esses pensavam traduzir fielmente e exprimir com perfeição, com exatidão infalível, tudo o que ele ordenava-lhes escrever, e apenas isso escreviam. De outro modo não podia ser o Espírito Santo o autor da Sagrada Escritura”. [Providentissimus Deus]
Falsa interpretação de Leão XIII
9. Esses palavras de nosso predecessor não deixavam margens a nenhuma dúvida, nem a hesitação alguma. Mas, ai de mim, veneráveis irmãos, não faltaram os que, não só entre os estranhos, mas também entre os filhos da Igreja católica e – angústia ainda maior ao nosso coração – até entre o clero e os mestres das ciências sagradas, espíritos que com orgulhosa fidelidade no próprio critério de julgar, refutaram abertamente ou atacaram dissimuladamente o magistério da Igreja. Por certo aprovamos a intenção dos que, desejosos para si e para os outros de libertar o tesouro sagrado de suas dificuldades, procuraram com o apoio de todos os dados da ciência e da crítica, novos modos e novos métodos de resolução. Mas eles faliram miseravelmente no seu intento, transcuraram as diretivas do nosso predecessor e ultrapassaram os limites indicados pelos santos Padres [cf. Pr22,28]. Ora, alguns modernos não se preocupam em nada com essas prescrições e limites; distinguindo na Sagrada Escritura um duplo elemento – um principal e religioso e outro secundário e profano –, eles aceitam o fato que a inspiração se revele em todas as proposições e também em todas as palavras da Bíblia, mas restringem-nas e as limitam aos efeitos, a partir da imunidade dos erros e da absoluta veracidade limitada ao elemento principal e religioso. Segundo eles, Deus não se preocupa e não ensina pessoalmente na Escritura senão o que diz respeito à religião; o restante comunicou por meio das ciências e não tem outra serventia, para a doutrina revelada, do que servir de invólucro exterior à verdade divina. Deus permite que isso seja assim, confiando nas débeis faculdades do escritor. Por isso não há nada de estranho se a Bíblia apresenta, nas questões físicas, históricas e em outras com temáticas semelhantes, passagens freqüentes que não é possível conciliar com os atuais progressos das ciências. Alguns sustentam que essas opiniões errôneas não contrastam com as prescrições do nosso predecessor. Acaso não declarou ele que em matéria de fenômenos naturais o autor sagrado falou segundo as aparências exteriores, suscetíveis portanto de engano?
10. Quanto tal afirmação seja temerária e mentirosa prova-o manifestamente o conteúdo do documento pontifício. A aparência exterior das coisas declarou muito sabiamente Leão XIII, seguindo santo Agostinho e santo Tomás de Aquino deve ser tida em certa consideração; mas esse princípio não pode suscitar a mínima suspeita de erro na Sagrada Escritura; pois a sã filosofia afirma como coisa segura que os sentidos, na percepção imediata das coisas, objeto verdadeiro de conhecimento não se enganam. Por outro lado, o nosso predecessor, depois de ter negado toda distinção e possibilidade de equívoco secundário, demonstra claramente o gravíssimo erro dos que sustentam que “para julgar a verdade das proposições é preciso, sem dúvida, procurar o que Deus disse, e, mais ainda, avaliar o motivo que o induziu a falar”. Leão XIII precisa ainda que a inspiração divina está presente em todas as partes da Bíblia, sem seleção nem distinção alguma, e que é impossível que até o mínimo erro tenha sido introduzido no texto inspirado. Segundo ele: “Seria erro muito grave restringir a inspiração divina só para determinadas partes da Sagrada Escritura, ou admitir que o autor sagrado tenha-se enganado”.
11. E não são menos discordantes da doutrina da Igreja, confirmada pela autoridade de são Jerônimo e dos outros Padres, os que retêm que as partes históricas das Escrituras apoiam-se não na verdade absoluta dos fatos, mas somente sobre sua verdade relativa, como eles a denominam, e no modo comum de pensar. Para sustentar essa teoria, eles não temem de recorrer às mesmas palavras do papa Leão XIII, o qual teria afirmado que os princípios esquecidos em matéria de fenômenos naturais podem ser levados para o campo histórico. Como na ordem física os escritores sagrados falaram seguindo as aparências, assim – pretendiam eles – quando se tratava de trazer acontecimentos não perfeitamente conhecidos, referiram-nos como apareciam fixados segundo a opinião comum do povo ou as relações inexatas de outros testemunhos; por outro lado, eles não citaram as fontes de suas informações, e não garantiram pessoalmente as narrações concernentes a outros autores. Com que objetivo refutar por mais tempo uma teoria verdadeiramente injuriosa para com o nosso predecessor e, ao mesmo tempo, falsa e repleta de erros? Afinal, que relação há entre os fenômenos naturais e a história? As ciência físicas ocupam-se de objetos que agridem os sentidos e devem, portanto, concordar com os fenômenos como aparecem; a história, ao invés, narração de fatos, deve – sendo esta a sua lei principal – coincidir com esses fatos, como realmente se verificaram. Se se aceitasse a teoria deles, como seria possível conservar à narração sagrada aquela verdade, imune de toda falsidade, que, como declara nosso predecessor no contexto da sua encíclica, não se deve relembrar?
Falsa interpretação de são Jerônimo
12. Antes, quando ele afirma haver interesse em transportar à história e às ciências afins os princípios que valem para as ciências físicas, não entende estabelecer lei geral e absoluta, mas indicar simplesmente um método uniforme a seguir, para refutar as objeções falazes dos adversários e defender dos seus ataques a verdade histórica da Sagrada Escritura. Se ao menos os partidários dessas teorias parassem aqui! Mas chegam ao ponto de invocar o doutor dálmata para defender suas opiniões. São Jerônimo, a crer neles, teria declarado que é necessário manter a exatidão e a ordem dos fatos históricos na Bíblia, tomando como regra “não a realidade objetiva, mas a opinião dos contemporâneos”, que seria a verdadeira lei da história. [In Hier. 5, 62; In Mt 14, 9; Adv. Helv. 4; PL 26, 101B; 23, 197A] Como são hábeis em transformar a seu favor as palavras de são Jerônimo! Mas não é possível haver dúvidas sobre o seu exato pensamento. Ele não afirma que na exposição dos fatos o escritor sagrado apropria-se de uma falsa crença popular a propósito de dado que ignora, mas diz somente que na designação das pessoas e objetos usa linguagem corrente. Assim, quando um escritor denomina são José pai de Jesus, indica claramente, ao longo de sua narração, como entende esse nome de pai. Segundo são Jerônimo, “a verdadeira lei da história” requer que no emprego da denominação o escritor se atenha, depois de ter afastado todo o perigo de erro, ao modo geral de exprimir-se; pois o uso é o árbitro e o regulador da linguagem.
13. Por acaso o nosso doutor não põe no mesmo plano os fatos importantes da Bíblia e os dogmas nos quais é necessário crer, se se quer alcançar a salvação eterna? Eis, pois, o que lemos no seu comentário sobre a carta a Filêmon: “Quanto a mim, eis o que penso: Não seria possível alguém crer em Deus criador se ele não acreditasse na verdade de tudo aquilo que a Escritura traz no que se refere aos seus santos”. E elenca uma extensa série de citações tiradas do Antigo Testamento, concluindo: “Qualquer que prestar fé a todos esses fatos e a todos os outros, sem exceção, no que se refere aos santos, não poderá crer no Deus dos santos”. [In Fm 4ss; PL 26, 645D] São Jerônimo está, portanto, em perfeito acordo com santo Agostinho, o qual, intérprete do sentimento comum de toda a antiguidade, assim escrevia: “Nós cremos em tudo aquilo que a Sagrada Escritura, posta no cume da autoridade dos testemunhos seguras e veneráveis da verdade, nos atesta com respeito a Enoc, Elias e Moisés… Assim, se nós cremos que o Verbo nasceu da Virgem Maria, não pelo fato de que ele não tivesse podido encontrar outro meio para assumir forma realmente encarnada, e para manifestar-se aos homens (como pretendeu sustentar Fausto), mas porque assim afirma a Escritura à qual devemos prestar fé se queremos permanecer cristãos e salvar-nos”. [S. Agostinho, Contra Faustum, 26 3, 7; PL 42, 480s e 483] Existe, depois, outro grupo de difamadores da Sagrada Escritura. São os que abusam de certos princípios, de resto justos se se mantivessem dentro de determinados limites, chegam a destruir a base da veracidade das Escrituras, e a difamar a doutrina católica transmitida pelos Padres. Se ainda vivesse, certamente são Jerônimo lançaria afiados dardos contra esses imprudentes que, desprezando o sentimento e o juízo da Igreja, recorrem com tanta facilidade àquele sistema definido por citações implícitas e narrações que são históricas apenas na aparência. Esses indivíduos pretendem descobrir nos livros sagrados procedimentos literários inconciliáveis com a absoluta e perfeita veracidade da palavra divina, e professam sobre a origem da Bíblia uma opinião que tende unicamente abalar-lhe a autoridade ou até a anulá-la. E o que pensar dos que, na interpretação do evangelho, atacam a autoridade, seja humana, seja divina, diminuindo aquela e destruindo esta? Das palavras e obras de nosso senhor Jesus Cristo, nada nos veio, segundo esses, na sua integridade e sem alterações, malgrado os testemunhos dos que trouxeram com religioso cuidado o que tinham visto e ouvido. Eles não vêem – sobretudo, por aquilo, que concerne ao IV evangelho – que houve uma compilação constituída por um lado dos acréscimos consideráveis devidos à imaginação dos evangelistas, e por outro da narração dos fiéis de outra época; essas correntes, portanto, brotando de fonte duvidosa, misturaram de tal modo as águas do mesmo leito que hoje não é mais possível ter critério seguro para distingui-las. Não é assim que Agostinho, Jerônimo e outros doutores da Igreja compreenderam o valor histórico dos evangelhos, nos quais: “Aquele que viu dá testemunho e seu testemunho é verdadeiro; e ele sabe que diz a verdade, para que também vós creiais” (Jo 19,35). São Jerônimo, depois de ter repreendido aos heréticos, autores de evangelhos apócrifos, de “ter tentado mais ordenar a narração do que estabelecer a verdade”, [In Mt, prol.: PL 26, 17A. Cf: Lc 1, 1] acrescenta ao contrário, a propósito dos livros canônicos: “Ninguém tem o direito de pôr em dúvida a realidade do que está escrito”. [Ep. 78 ad Fabiam, 1, 1; PL 22, 698. In Mc 1, 13-31] A respeito desse ponto, está novamente de acordo com santo Agostinho, o qual dizia, a propósito do evangelho: “Essas coisas verdadeiras foram escritas com toda a fidelidade e veracidade a seu respeito, a fim de que quem quer que creia no seu evangelho, seja nutrido de verdade, e não seja enganado pela mentira”. [S. Agostinho, Contra Faustum, 26, 8; PL 42, 484]
O sentido das Escrituras
14. Vede, portanto, veneráveis irmãos, com que ardor deveis aconselhar aos filhos da Igreja a fugir desta louca liberdade de opinião, com o mesmo cuidado que tinham os Padres. Vossas exortações serão mais facilmente ouvidas se convenceis o clero e os fiéis, confiados aos vossos cuidados pelo Espírito Santo, que são Jerônimo e os outros Padres da Igreja receberam esta doutrina referente aos livros sagrados da escola mesma do divino Mestre Jesus Cristo. Anal, lemos nós talvez que nosso Senhor tivera concepção diferente da Escritura? As palavras: “Está escrito e é preciso que a Escritura se realize” são em seus lábios argumento sem exceção, tal de excluir toda a possível controvérsia. Mas insistimos ainda mais nessa questão. Quem não sabe ou não recorda o modo como nos seus discursos ao povo – seja na montanha próxima ao lago de Genezaré, seja na sinagoga de Nazaré e na sua cidade de Cafarnaum –, Jesus tornava os pontos principais e as provas da sua doutrina do texto sagrado? Não era disso que ele tornava armas invencíveis para as discussões com os fariseus e saduceus? Seja que ensine ou discuta, ele relembra afirmações e exemplos extraídos de cada parte da Escritura; assim, por exemplo, se refere indistintamente a Jonas, aos habitantes de Nínive, à rainha de Sabá e a Salomão, a Elias e Eliseu, a Davi, a Noé, a Lot, aos habitantes de Sodoma e à mulher de Lot (cf. Mt 12,3.39-42; Lc 17,26-29.32 etc.). Ele atribui grande testemunho à verdade dos livros sagrados, com a solene declaração: “Não será omitido um só i, uma só vírgula da lei, sem que tudo seja realizado” (Mt 5,18); e ainda: “Aquele, portanto, que violar um só desses menores mandamentos e ensinar os homens a fazerem o mesmo, será chamado o menor no Reino dos céus. Aquele, porém, que os praticar e os ensinar, esse será chamado grande no Reino dos céus” (Mt 5,19). Antes de retornar ao seu Pai no céu, ele quis entregar esta doutrina aos apóstolos que logo teve de deixar na terra: “Então abriu-lhes a mente para que entendessem as Escrituras, e disse-lhes: ‘Assim está escrito que o Cristo devia sofrer e ressuscitar dos mortos ao terceiro dia’” (Lc 24,45s). A doutrina de são Jerônimo concernente à excelência e à verdade da Sagrada Escritura é, então, para exprimir-nos brevemente, a própria doutrina de Cristo. Por isso, exortamos todos os filhos da Igreja, e de modo particular os que ensinam Sagrada Escritura aos estudantes eclesiásticos, a seguir sem descanso o caminho traçado pelo doutor de Estridão; resultará certamente que esses terão pelas Escrituras a mesma estima profunda, e que a posse desse tesouro proporcionar-lhes-á frutos sublimes.
III PARTE
OUTROS ASPECTOS DO EXEMPLO E DO ENSINAMENTO DE SÃO JERÔNIMO
O amor pela Escritura
15. Não apenas as grandes vantagens já recordadas virão do fato de tomar o grande doutor como guia e mestre, mas muitas outras ainda haverão de emanar. Agrada-nos, veneráveis irmãos, lembrar isso mesmo brevemente. Antes de tudo, por se apresentar a nós antes de qualquer outro, ressaltamos o apaixonado amor pela Bíblia, testemunhado em são Jerônimo em cada ato de sua vida e de suas obras, todas tomadas pelo espírito divino, amor que ele procurou despertar sempre mais nas almas dos fiéis: “Ama a Sagrada Escritura – parece querer dizer a todos quando se dirige à virgem Demétria – e a sabedoria te amará, ama-a afetuosamente, e ela te protegerá, honra-a e receberás os seus afagos. Que ela seja para ti como os teus colares e os teus brincos”. [Ep. 130 ad Demetriadem, 20; PL 22, 1124; cf. Pr 4, 6.8] A leitura assídua da Escritura, o estudo profundo e diligente de cada livro, ou melhor, de cada proposição e de cada palavra, permitiu-lhe familiarizar-se com o texto sagrado, mais do que qualquer outro escritor da antiguidade eclesiástica. Se a versão vulgata, compilada pelo nosso doutor, deixa, segundo parecer de todos os críticos imparciais, muito atrás de si as outras versões antigas, porque se julga que esta reproduza o original com mais exatidão e elegância, isso se deve ao conhecimento que são Jerônimo possuía da Bíblia, conhecimento unido ao espírito de fina sensibilidade. Essa versão vulgata que o Concílio de Trento decidiu considerar autêntica e seguir no ensinamento e na liturgia, sendo consagrada pelo longo uso que dela fez a Igreja por tantos séculos, é nosso vivo desejo ver corrigida e apresentada na sua pureza primitiva, segundo os antigos textos dos manuscritos, se Deus na sua infinita bondade quiser conceder-nos vida suficiente; tarefa árdua e grande, confiada, por feliz decisão, aos Beneditinos por nosso predecessor Pio X de santa memória, que constitui, estamos certos, novas fontes autorizadas de compreensão das Escrituras. Esse amor de são Jerônimo pela Sagrada Escritura revela-se de modo particular em suas cartas, de tal modo que elas parecem ser um encadeamento de citações tomadas dos livros sagrados; assim como São Bernardo achava insignificante cada página que não incluísse o dulcíssimo nome de Jesus, são Jerônimo não gostava de nenhum escrito que não resplandecesse da luz das Sagradas Escrituras. Com toda a simplicidade, ele podia escrever numa carta a são Paulino, brilhante senador e cônsul, recentemente convertido à fé cristã: “Se tivésseis tido este terreno de apoio (quero dizer as ciências das Escrituras), vossas obras nada teriam a perder, mas adquiririam certa fineza, não sendo inferior a nenhuma outra pela elegância, pela ciência e pela limpidez da forma… Uni a essa douta eloqüência o gosto e a compreensão das Escrituras, e em breve ver-vos-ei posto nas primeiras filas dos nossos escritores”. [Ep. 58 ad Paulinum, 9, 2 e 11, 2; PL 22, 585s]
O amor à Escritura manifestado na sua vida
16. Mas qual caminho e qual método seguir para procurar com alegre esperança descobrir aquele precioso tesouro que o Pai celeste deu a seus filhos como consolação durante o seu exílio? O próprio são Jerônimo nô-lo indica com o seu exemplo. Exorta-nos, antes de tudo, a retomar o estudo da Escritura com diligente preparação e com ânimo bem disposto. Observamos são Jerônimo, após ter recebido o batismo, para superar todos os obstáculos exteriores que podiam opor-se ao seu santo desejo, imitando a personagem do evangelho que, depois de ter encontrado um tesouro, “na sua alegria, vai, vende tudo o que possui e compra aquele campo” (Mt 13,44), dizendo adeus aos prazeres efêmeros e frívolos deste mundo, deseja ardentemente a solidão e abraça vida austera com tanto maior ardor quanto mais percebe o perigo que até então correra a sua salvação em meio as seduções do vício. Superados esses obstáculos, devia ainda, por outro lado, dispor seu espírito a adquirir a ciência de Jesus Cristo e a revestir-se daquele que é “manso” e “humilde de coração”; na verdade, experimentara a mesma repugnância que Agostinho confessava ter sofrido quando se preparara para o estudo das Sagradas Escrituras. Depois de ter-se dedicado durante sua juventude à leitura de Cícero e dos outros autores profanos, quando quis voltar o seu espírito à Escritura Sagrada, assim se pronuncia: “Pareceu-me indigna de ser comparada à prosa ciceroniana. Minha ênfase tinha horror da sua simplicidade e a minha inteligência não penetrava no seu sentido mais profundo; consegue penetrá-la sempre melhor, quanto mais alguém se torna pequeno; mas eu desdenhava fazer-me pequeno, e a vaidade engrandecia-me ante meus próprios olhos”. [S. Agostinho, Confissões 3, 5; PL 32, 686] Não de modo diferente Jerônimo, também na sua solidão, experimentava a tal ponto a literatura profana, que a pobreza de estilo das Escrituras impedia-o ainda de reconhecer nela a Cristo na sua humildade. “Assim – diz ele – a minha loucura levava-me ao ponto de jejuar para ler Cícero. Depois de passar muitas noites sem dormir, depois de ter derramado muitas lágrimas, que a lembrança das coisas passadas fazia surgir do fundo do meu coração, tomava em mãos Plauto. E quando, voltando a mim mesmo, retomava à leitura dos profetas, seu bárbaro estilo me horrorizava; quando os meus olhos cegos ficavam fechados à luz, eu não acusava disso meus próprios olhos, mas o sol”. [Ep. 22 ad Eustochium, 30; PL 22, 416] Mas cedo amou com tal ardor a loucura da cruz, que se tornou a prova viva do que um ânimo humilde e pio possa contribuir à compreensão da Bíblia.
17. Consciente como era que, “na interpretação da Sagrada Escritura nós temos sempre necessidade do socorro do Espírito Santo”, [In Mich., 1, 10-15; PL 25, 1159B] e que, para a leitura e compreensão dos livros sagrados, devemos nos ater “ao sentido que o Espírito Santo queria dar no momento em que foram escritos, [In Gl 5, 19-21; PL 26, 415A] esse santo homem invocava com as suas súplicas, reforçadas pelas orações dos seus amigos, o auxílio de Deus e a luz do Espírito Santo. Também se diz que, iniciando os comentários dos livros sagrados, quis recomendá-los à graça de Deus e às orações dos co-irmãos, a quem atribuiu o sucesso, depois que a obra foi completada. Além da graça divina, ele também lembra a autoridade da tradição, de tal modo que afirma ter aprendido “tudo o que não sabia, não dele mesmo, isto é, da escola daquele mau mestre que é o orgulho, mas dos ilustres doutores da Igreja”. [Ep. 108 sive Epitachium S. Paulae, 26, 2; PL 22, 902] Confessa, afinal, “nunca ter confiado nas próprias forças no que diz respeito às Sagradas Escrituras”; [Ad Domnionem et Rogatianum in l. Par. Praef… Liber Verborum Dierum ex interpretatione Sancti Hieronymi cum praefationibus et duplici capitulorum serie, Roma, 1948; PL 29, 423A] e em carta a Teófilo, bispo de Alexandria, ele assim formula a regra segunda, a quem tinha ordenado a sua vida e as suas santas fadigas: “Saibas, então, que nada nos é mais caro do que salvaguardar os direitos do cristianismo, não mudar em nada a linguagem dos Padres, e não perder nunca de vista esta romana fé, da qual o Apóstolo se orgulha”. [Ep. 63 ad Theophilum, 2; PL 22, 607]
18. E à Igreja, soberana mestra na pessoa do romano pontífice, Jerônimo se submete com todo o seu espírito de devoção. Do deserto da Síria, onde ficava exposto às facções dos heréticos, escreve ao papa Dâmaso, querendo submeter à Santa Sé, para que resolvesse a controvérsia dos orientais sobre o mistério da santíssima Trindade: “Achei por bem consultar a cátedra de Pedro e a fé glorificada da palavra do Apóstolo, para pedir hoje alimento à minha alma, tendo recebido os paramentos de Cristo… Pois quero que ele seja para mim único guia, mantendo-me em estreito liame com a tua beatitude, isto é, com a cátedra de São Pedro. Eu sei que sobre essa pedra está edificada a Igreja… Decidi, peço-vos. Se assim estabeleceis não hesitarei admitir as três hipóstases; se vós ordenais, eu aceitarei que nova fé substitua a de Nicéia, e que nós, ortodoxos, nos sirvamos das mesmas fórmulas que usam os arianos”. [ Enfim, na epístola seguinte, ele renova esta notabilíssima confissão de fé: “Na expectativa, grito a todos os ventos: Eu estou com quem quer que esteja unido à cátedra de Pedro”. [Ep. 16 ad Damasum, 2, 2; PL 22, 359] Sempre fiel, no estudo da Sagrada Escritura, a essa regra de fé, ele se vale apenas deste argumento para refutar uma interpretação falsa do texto sagrado: “mas a Igreja de Deus não admite essa opinião”; [In Dan., 3, 37; PL 25, 510A] e com estas palavras apenas, refuta um livro apócrifo, sustentado contra ele pelo herético Vigilâncio: “Este livro nunca li. Que necessidade temos, então, de recorrer àquilo ao que a Igreja não reconhece?“. [Adv. Vigil., PL 23, 360B]
Luta contra a interpretação livre
19. Tamanho zelo em salvaguardar a integridade da fé, arrastava-o a polêmicas expressivas em relação aos filhos rebeldes da Igreja, que ele considerava inimigos pessoais: “Basta responder que nunca poupei os heréticos e que empreguei todo o meu zelo para fazer dos inimigos da Igreja meus inimigos pessoais”. [Dial. c. Pelag., Prol., 2; PL 23, 519B] E em carta a Rufino assim escreve: “Há um ponto a respeito do qual não posso estar de acordo contigo: poupar os heréticos e não mostrar-me católico”. [Contra Ruf., 3, 43; PL 23, 511] Todavia, contristado pela sua decisão, suplicava-lhe que retornasse à sua mãe entristecida, fonte única de salvação; [In Mich., 1, 10-15; PL 25, 1163A] e em favor dos que haviam saído da Igreja e abandonado a doutrina do Espírito Santo, para seguir o próprio critério, invocava com todo o coração a graça que retornassem a Deus. [In Is 6 (16,1ss); PL 24, 235A] Veneráveis irmãos, se já foi necessário que o clero e os fiéis se embebessem do espírito do grande doutor, muito mais agora, quando numerosos espíritos se insurgem com orgulhosa teimosia contra a autoridade soberana da revelação divina e do magistério da Igreja. Afinal, vós sabeis – Leão XIII já nos havia admoestado – “que homens se debatem nessa luta e a qual artifício ou a quais armas eles recorrem”. Qual categórico dever se impõe, portanto, a vós de suscitar para esta sagrada causa defensores o mais numerosos e o mais competentes possíveis. Eles deverão combater não apenas os que, negando a ordem sobrenatural, não reconhecem a revelação nem a inspiração divina, mas também deverão medir-se com os que, sedentos de novidades profanas, ousam interpretar as Escrituras Sagradas como livro puramente humano, e refutam as opiniões acolhidas pela Igreja desde os mais remotos tempos, destilando o seu desprezo para com o magistério até o ponto de desprezar, de passar sob silêncio ou até de mudar segundo o próprio interesse, alterando, seja dissimuladamente, seja com descaramento, as constituições da Santa Sé e os decretos das Comissões pontifícias para os estudos bíblicos. Seja possível ao menos a nós ver todos os católicos seguindo a áurea regra do santo doutor e, dóceis às ordens da própria mãe, terem a modéstia de não ultrapassar os limites tradicionais fixados pelos Padres e aprovados pela Igreja.
Diretivas de são Jerônimo para a interpretação da Bíblia
20. Mas voltemos ao nosso tema. Armados os espíritos de piedade e de humildade, Jerônimo os convida ao estudo da Bíblia. Sua recomendação incansável a todos era a leitura cotidiana da palavra divina: “Libertemos o nosso corpo do pecado e nossa alma se abrirá à sabedoria, cultivemos a nossa inteligência com a leitura dos livros sagrados, e a nossa alma encontrará seu alimento diário”. [In Tit., 3, 9; PL 26, 630AB; cf. Sb 1,4] Em seu comentário à carta aos Efésios, escreve: “Nós devemos, portanto com todo o ardor ler as Escrituras, e meditar dia e noite a lei do Senhor. Poderemos, assim, como hábeis cobradores, distinguir as moedas verdadeiras das falsas”. [In Eph., 4, 31; PL 26, 549CD; cf. Sl 1,2] Ele não excluiu dessa obrigação comum as matronas nem as virgens. À matrona romana Leta dá, entre outros, estes conselhos a respeito da educação da família: “Assegura-te que ela estude todo dia alguma passagem da Escritura… Que ao invés das jóias e das sedas, ame os códices divinos… Deverá aprender o saltério, ocupar-se com esses cantos e atingir a regra de vida dos provérbios de Salomão. O Eclesiastes lhe ensinará a esmagar com os pés os bens deste mundo; Jó lhe dará um modelo de força e de paciência. Passará depois aos evangelhos, que deverá sempre ter nas mãos. Deverá assimilar avidamente os Atos dos apóstolos e as Epístolas. Depois de ter enriquecido desses tesouros o místico cofre de sua alma, aprenderá de memória os Profetas, o Pentateuco, os livros dos Reis e dos Paralipômenos (Crônicas), para chegar sem perigo ao Cântico dos cânticos”. [Ep. 107 ad Laetam, 9, 12; PL 22, 875 e 876s] São Jerônimo traça as mesmas diretivas à virgem Eustóquio: “Seja muito assídua à leitura e ao estudo, quanto mais te é possível. Que o sono te surpreenda com os livros na mão e que a página sagrada acolha a tua cabeça debruçada pelo cansaço”. [Ep. 22 ad Eustochium, 17, 2 e 29, 2; PL 22, 404 e 415s] No elogio fúnebre que São Jerônimo enviou a Eustóquio, referente à mãe de Paula, louvava também essa santa mulher por ter cultivado a tal ponto na filha o estudo da Escritura, que chegou a conhecer a fundo, recordando-a de memória. E acrescentava ainda: “Relevarei este detalhe, que parecerá talvez inacreditável aos seus adversários: ela quis aprender o hebraico, que eu mesmo em parte estudei desde minha juventude ao preço de muitas fadigas e de muito suor, e que continuo a aprofundar com incessante trabalho para não esquecê-lo. Ela chegou a ter tamanho domínio dessa língua, que chegou a cantar os salmos em hebraico e a falar sem o mínimo sotaque latino. Isso repete-se também hoje na sua santa filha Eustóquio”. [Ep. 108 sive Ephitaphium S. Paulae, 26; PL 22, 902ss] Também não esquecemos de lembrar Marcela, igualmente versada na ciência das Escrituras. [Ep. 127 ad Principiam, 7; PL 22, 1091s]
21. Quem não vê quantas vantagens e contentamento reserva aos espíritos bem dispostos a leitura piedosa dos livros sagrados? Quem quer que entre em contato com a Bíblia, com sentimento de piedade, com fé robusta, com humildade, e com o desejo de aperfeiçoar-se, encontrará e poderá experimentar o pão descido do céu (cf. Jo 6,33) e nele se verificará a palavra de Davi: “e me ensinas a sabedoria no segredo” (Sl 50,8). Sobre essa mesa da palavra divina encontra-se, afinal, verdadeiramente “a doutrina santa, que ensina a verdadeira fé, levanta o véu (do Santuário), e conduz com firmeza até o lugar mais santo entre todas as coisas”. [Imit. Chr., 4, 11] Por aquilo que nos diz respeito, veneráveis irmãos, nunca cessaremos, a partir do exemplo de Jerônimo, de exortar todos os cristãos a ler cotidiana e intensamente sobretudo os santíssimos Evangelhos de nosso Senhor, e também os Atos dos apóstolos e as Epístolas, de modo a assimilá-los completamente.
A “Sociedade de São Jerônimo”
22. Portanto, por ocasião deste centenário, apresenta-se ao nosso pensamento a agradável lembrança da Sociedade denominada São Jerônimo, lembrança tanto mais cara por termos tomado parte das origens e da organização definitiva dessa obra; felizes por termos podido constatar seu desenvolvimento passado, e com o desejo que haja continuidade no futuro. Vós conheceis, veneráveis irmãos, o escopo desta Sociedade: ampliar a difusão dos quatro Evangelhos e dos Atos dos apóstolos, de modo que esses livros encontrem seu lugar em toda família cristã e que cada um adquira o costume de os ler e meditar todos os dias. Nós desejamos vivamente ver que esta obra, que tanto amamos por ter-lhe constatado a utilidade, se propague e se desenvolva em toda a parte, com a fundação, em cada uma de vossas dioceses, de sociedades que tenham o mesmo nome e o mesmo escopo, todas coligadas com a casa mãe situada em Roma. Na mesma ordem de idéias os mais preciosos serviços são prestados à causa católica pelas que, em vários países ofereceram, e ainda oferecem, todo o seu zelo, para publicar em formato cômodo e atraente, e para difundir todos os livros do Novo Testamento e a parte escolhida dos livros do Antigo. É certo que esse apostolado foi singularmente fecundo para a Igreja de Deus, pois, graças a essa obra, grande número de alma avizinhara-se desta mesa da doutrina celeste, que nosso Senhor preparou para o universo cristão por meio dos seus profetas, dos seus apóstolos e dos seus doutores. [Imit. Chr., 4, 11]
Dever de ler e estudar a Escritura
23. O dever de estudar o texto sagrado é inculcado por Jerônimo a todos os fiéis, mas o faz de modo especial aos que dobraram o pescoço ao jugo de Cristo e têm a celeste vocação de pregar a palavra de Deus. Eis a exortação que, na pessoa do monge Rústico, Jerônimo dirige a todo o clero: “Até que te encontras em tua pátria, faze da tua cola um paraíso, colhe os divos e de sua cela um paraíso, colhe os diversos frutos das Escrituras, goza das delícias desses livros e de sua intimidade… Tem sempre a Bíblia à mão e sob os olhos, aprende o saltério palavra por palavra, e faze de modo que a tua oração seja incessante e o teu coração constantemente vigilante e fechado aos pensamentos vãos”. [Ep. 125 ad Rusticum, 7, 3 e 11, 1; PL 22, 1076 e 1078] Ao presbítero Nepociano dá este conselho: “Lê com muita frequência as divinas Escrituras; que o livro sagrado não seja nunca deposto de tuas mãos. Aprende aqui o que deves ensinar. Permanece firmemente ligado à doutrina tradicional que te foi ensinada, para que possas exortar segundo a sã doutrina e confutar os que a contradizem”. [Ep. 52 ad Nepotianum, 7, 1; PL 22, 533; cf. Tt 1, 9] Depois de ter recordado a são Paulino os preceitos dados por são Paulo aos seus discípulos Timóteo e Tito, a respeito da ciência das Escrituras, Jerônimo acrescenta: “A santidade sem a ciência não adianta senão a si própria; e quanto essa edifica a Igreja de Cristo por meio de uma vida virtuosa, outro tanto prejudica se não rechaça os ataques dos seus inimigos. O profeta Malaquias, ou, antes, o próprio Senhor por sua boca dizia: ‘Consulta os sacerdotes sobre a lei. Data de então o dever que tem o sacerdote de dar explicações a respeito da lei e aos que o interrogam. Lemos também no Deuteronômio: ‘Pede a teu pai e ele te indicará, aos teus sacerdotes e eles te dirão’. Daniel, no final de sua santa visão, entreviu que os justos brilham como estrelas, e os inteligentes – quer dizer, os sapientes – como o firmamento. Vê quanta distância separa a santidade sem sabedoria da ciência revestida de santidade. A primeira nos torna semelhantes às estrelas, a segunda semelhantes ao próprios céu”. [Ep. 52 ad Paulinum, 3ss; PL 22, 542; Ag 2,12 (não Malaquias); Dt 12,3] Em outra circunstância, em carta a Marcela, ele ironiza a virtude sem ciência de outros clérigos: “Esta ignorância têm-na como santidade, e se declaram discípulos de pescadores, como se aqueles fizessem consistir sua santidade no fato de nada saberem”. [Ep. 27 ad Marcellam, 1, 2; PL 22, 431] Mas esses ignorantes não estão sozinhos – notava Jerônimo – a cometer o erro de não conhecer as Escrituras; esse é também o caso de alguns clérigos instruídos. Ele emprega os termos mais severos para recomendar aos presbíteros a prática assídua dos livros sagrados.
O clero encontra na Escritura:
a) O alimento para a vida espiritual
24. Veneráveis irmãos, deveis procurar com todo o vosso zelo imprimir esses ensinamentos do santo exegeta, o mais profundamente possível, no espírito do vosso clero e dos vossos fiéis. Um dos vossos primeiros deveres é, afinal, o de reportar, com suma diligência, sua atenção sobre o que a missão divina a vós confiada requer, se eles não querem mostrar-se indignos: “Pois os lábios do sacerdote guardam o conhecimento, e de sua boca procura-se o ensinamento, porque ele é o mensageiro do Senhor dos exércitos” (MI 2,7). Saibam eles, portanto, que não devem descuidar do estudo das Escrituras e nem dedicar-se a espírito diferente daquele que Leão XIII expressamente impôs na sua encíclica Providentissimus Deus. Obterão seguramente resultados melhores se freqüentarem o Instituto Bíblico que o nosso imediato predecessor, realizando o desejo de Leão XIII, fundou para o maior bem da Igreja, como claramente demonstra a experiência dos últimos dez anos. A maior parte não tem a possibilidade; sendo, portanto, desejável, veneráveis irmãos, que por vossa iniciativa e sob os vossos auspícios, membros escolhidos de um de de outro clero de todo o mundo venham a Roma para se dedicar aos estudos bíblicos em nosso Instituto. Os estudantes que responderem a esse apelo terão muitos motivos para acompanhar as lições desse Instituto. Enquanto uns – e este é o escopo principal do Instituto – aprofundam as ciência bíblicas “para se tornarem, por sua vez, aptos a ensinar privadamente ou em público, por escrito ou por meio da palavra, ou para sustentar a honra seja como professores, nas escolas católicas, seja como escritores, expoentes da verdade católica”; [Pio X; Carta apostólica Vinea electa, 7 de maio de 1909] os outros, já iniciados no santo ministério, poderão acrescentar aos conhecimentos adquiridos durante os seus estudos teológicos, ainda mais sobre a Sagrada Escritura, sobre as autoridades exegéticas, sobre as cronologias e sobre as topografias bíblicas. Esse aperfeiçoamento terá sobretudo a vantagem de fazer deles ministros perfeitos da palavra e de prepará-los para toda a forma de bem (cf. 2Tm 3,17).
25. Veneráveis irmãos, o exemplo e as autorizadas declarações de são Jerônimo indicaram-nos as virtudes necessárias para ler e estudar a Bíblia. Agora ouçamo-lo indicar para onde deve tender o conhecimento das Escrituras Sagradas e qual deve ser o escopo. Aquilo que é preciso, antes de tudo, procurar na Escritura é o nutrimento que alimenta a nossa vida espiritual e a faça proceder na via da perfeição. É com esse escopo que Jerônimo habituou-se a meditar dia e noite a lei do Senhor e a nutrir-se, nas Sagradas Escrituras, do pão descido do céu e do maná celeste, que reúne em si todas as delícias. [Tract. de Ps., 147; Sl 1,2; Sb 16,20] De que modo nossa alma pode abster-se desse alimento? E como o sacerdote poderá indicar aos outros o caminho da salvação se ele próprio descuida instruir-se através da meditação da Escritura? E com qual direito confiará no seu sagrado ministério “de ser o guia dos cegos, a luz dos que andam nas trevas, o educador dos ignorantes, o mestre dos que não sabem, possuindo na lei a expressão da ciência e da verdade…” (Rm 2,19s), recusar-se-á a escrutar essa ciência da lei e fechará a sua alma à luz que vem do alto? Infelizmente. Quantos são os ministros consagrados que, por terem transcurado a leitura da Bíblia, morrem eles próprios de fome e deixam morrer grande número de almas, segundo quanto está escrito: “as crianças pedem pão: ninguém que lho parta!” (Lm 4,4). “Toda a terra está devastada e não há ninguém que ponha isso em seu coração!” (Jr 12,11).
b) O argumento para a defesa dos dogmas
26. Em segundo lugar, é preciso procurar, conforme a necessidade, nas Sagradas Escrituras os argumentos para esclarecer, reforçar e defender os dogmas da fé. Isso foi feito exemplarmente por Jerônimo combatendo contra os heréticos do seu tempo; quando queria confundi-los, quais armas bem pungentes e sólidas ele tenha encontrado nos textos das Escrituras, demonstra-o claramente todas as suas obras! Se os exegetas de hoje imitassem seu exemplo, ter-se-ia, sem nenhuma dúvida, esta vantagem: “Resultado necessário e infinitamente desejável – dizia nosso predecessor na sua encíclicaProvidentissimus Deus que o uso da Sagrada Escritura influirá sobre toda a ciência teológica e lhe será, em certo sentido, a alma”. Enfim, a Sagrada Escritura servirá de modo especial para santificar e fecundar o ministro da palavra divina. Nesse ponto é-nos particularmente gratificante confirmar, com o testemunho do grande doutor, as diretrizes que nós próprios traçamos sobre a pregação sagrada em nossa carta encíclica Humani generis. Na verdade, se o ilustre comentador aconselha tão vivamente, e com tanta freqüência aos sacerdotes, a leitura assídua dos livros sagrados, é sobretudo para que esses preencham dignamente o seu ministério de ensinamento e de pregação. Sua palavra, afinal, perderia toda influência e autoridade, como também toda a eficácia para a formação das almas, se não se inspirasse na Sagrada Escritura e dela não auferisse força e vigor. “A leitura dos livros sagrados será como o tempero para a palavra do sacerdote”. [Ep. 52 ad Nepotianum, 8, 1; PL 22, 534] “Afinal, cada palavra da Sagrada Escritura é como trompa que faz ressoar nos ouvidos dos fiéis a sua retumbante voz ameaçadora”; [In Am 3,3; PL 25, 1016C] “e nada suscita maior repercussão do que o exemplo tomado da Sagrada Escritura”. [In Zc 9,15s; PL 25, 1488]
c) A matéria para estudo assíduo
27. Quanto aos ensinamentos do santo doutor sobre a regras a observar no estudo da Bíblia, ainda que dirigidos principalmente aos exegetas, todavia não devem ser ignorados pelos sacerdotes na pregação da palavra de Deus. Antes de tudo ensina-nos que devemos, com exame muito atento das palavras mesmas da Escritura, assegurar-nos, sem nenhuma possibilidade de dúvida, do que o autor sagrado escreveu. Ninguém, afinal, ignora que Jerônimo freqüentemente recorria, em caso de necessidade, ao texto original, para confrontar entre eles as diferentes interpretações, avaliar o alcance das mensagens, e, se descobrisse um erro, procurava as causas, de modo a descartar do texto toda incerteza. Assim ensina nosso doutor: “é preciso procurar o sentido e o conceito que se escondem sob as palavras, pois para discutir sobre a Sagrada Escritura é maior a importância do significado do que o da palavra”. [Ep. 29 ad Marcellam, 1, 3; PL 22, 436] Nessa busca de penetração do significado, reconhecemos sem nenhuma dificuldade, são Jerônimo, seguindo o exemplo dos doutores latinos e de alguns doutores gregos do período anterior, talvez tenha concedido às interpretações alegóricas mais do que fosse preciso conceder. Mas o seu amor pelos livros sagrados, o seu esforço constante por identificá-los a fundo, permitiram-lhe fazer a cada dia novo progresso na justa apreciação ao sentido literal, e de formular sobre esse ponto princípios válidos. Nós os reassumimos brevemente, pois eles constituem ainda hoje a via segura que todos devem seguir para extrair dos livros sagrados o verdadeiro significado. É, portanto, necessário antes de tudo voltar a nossa atenção à busca do sentido literal ou histórico: “Eu dou sempre aos leitores prudentes o conselho de não aceitar interpretações supersticiosas, que isolam trechos do texto segundo o capricho da fantasia, mas de examinar bem o que acontece, o que antecede e o que segue o ponto em questão, de tal modo a se poder estabelecer coligação entre todos os trechos”. [In Mt 25,13; PL 26, 193B] Todos os outros métodos para interpretar as Escrituras – ele acrescenta – baseiam-se no sentido literal, [In Ez 38,1ss; 41,23; 42,13ss; PL 25, 355D, 404B, 412A,m; In Mc 1,13-31; PL 22, 1105 etc] e não há razão para crer que isso falte quando se encontra uma expressão figurada, pois “freqüentemente a história é tecida de metáforas e usa estilo rico de imagens”. [In Hab. 3, 14ss; PL 25, 1328C] Alguns pretendem sustentar que o nosso doutor declarou que não se releva em certas passagens das Escrituras um sentido histórico. Ele próprio rebate isso: “Sem negar o sentido histórico, nós adotamos preferencialmente o espiritual”. [In Mc 9,1-7; cf. Ez. 40, 24-27; PL 25, 387A]
28. Estabelecido com certeza o sentido literal e histórico, são Jerônimo procura os sentidos menos óbvios e mais profundos, para nutrir o próprio espírito de alimento mais seleto. Afinal, ele ensina a propósito dos livros dos Provérbios e aconselha frequentemente a respeito dos livros da Escritura, de não parar no puro sentido literal, “mas penetrar em maior profundidade, para vislumbrar o sentido divino, assim como se procura o ouro no seio da terra, a noz sob a casca, o fruto que se esconde sob o ouriço da castanha”. [In Eccle 2, 24-26; PL 23, 1169B] Por isso defendia, indicando a são Paulino, “a via a seguir no estudo das Sagradas Escrituras: Tudo o que lemos nos livros divinos resplandecem na sua casca fúlgida e brilhante, mas é ainda mais doce no miolo. Quem quer saborear o fruto rompa a casca”. [Ep. 58 ad Paulinum, 9, 1; PL 22, 585] São Jerônimo faz observar também a necessidade de usar, na procura do sentido escondido, certa discrição, “a fim de que o desejo da riqueza do sentido espiritual não pareça fazer-nos desprezar a pobreza do sentido histórico”. [In Eccle 2, 24-26; PL 23, 1085C] Portanto, ele reprova muitas interpretações místicas de antigos escritores por terem descuidado completamente o sentido literal: “Não é preciso reduzir todas as promessas que os livros dos santos profetas decantaram, em seu sentido literal, a não ser as que se referem a formas vazias e termos extrínsecos de simples figura de retórica; essas devem, ao contrário, pousar sobre terreno bem firme, que é o de se estabelecer em bases históricas, para que possam depois postar-se no lugar mais elevado do significado místico”. [In Am 9, 6; PL 25, 1090B] A esse propósito, observa sabiamente que não devemos distanciar-nos do método de Cristo e dos apóstolos, os quais, ainda que o Antigo Testamento não seja a seus olhos mais do que a preparação e quase a sombra da Nova Aliança e, em consequência, interpretem segundo o sentido figurado grande número de passagens, todavia, não reduzem a imagens todo o conjunto do texto. Para sustentar essa tese freqüentemente são Jerônimo refere-se ao apóstolo São Paulo, que, para citar um caso, “descrevendo as figuras espirituais de Adão e Eva, não negava que essas foram criadas, mas, sublinhando a interpretação mística sobre a base histórica, escrevia: Por isso o homem abandonará…”. [In Is 6,1-7; Eph 5,31s] Os comentaristas das Sagradas Escrituras e os pregadores da palavra de Deus, seguindo o exemplo de Cristo e dos apóstolos e as diretivas traçadas por Leão XIII, não devem transcurar “as transposições alegóricas ou outras do mesmo gênero feitas pelos Padres em algumas passagens, sobretudo se essas se distanciam do sentido literal e são sustentadas pela autoridade de um Padre renomado”. Enfim, tomando por base o sentido literal, devem chegar, com jeito e discrição, a interpretações mais elevadas. Esses colherão com São Jerônimo a verdade profunda do que diz o Apóstolo: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça” (1Tm 3,16), e o tesouro inexaurível das Escrituras dar-lhe-á grande apoio de fatos e de idéias para orientar, com força de persuasão, em direção à santidade e à vida os costumes dos fiéis.
Fidelidade ao texto e simplicidade de estilo
29. Quanto ao que se refere à exposição e à expressão, pois o que se requer dos propagadores dos mistérios de Deus é a versão fiel do texto original, São Jerônimo sustenta principalmente que é necessário ater-se antes de tudo à interpretação exata e que o dever do comentador não é o de expor as idéias pessoais, mas as do autor que é comentado”. [Ep. 49 (al. 48) ad Pammachium, 17; PL 22, 507] Por outro lado, acrescenta ele, “cedo ou tarde, o ardor sacro fica exposto a grave perigo, devido a alguma interpretação errada, de fazer do evangelho de Deus o evangelho do homem”. [In Gl 1,11s; PL 26, 347B] Em segundo lugar, “na explicação das Sagradas Escrituras não se procura o estilo ornamentado e florido de retórica, mas o valor científico e a simplicidade da verdade”. [In Amos, Praef. in 1,3; PL 25, 1058C] Uniformizando-se com essa regra na compilação das suas obras, Jerônimo declara, nos Comentários, que o seu escopo não era o de “obter aplauso às suas palavras, mas de fazer compreender o verdadeiro sentido das palavras dos outros”. [In Gal., Praef. in 1,3; PL 26, 427D] A exposição da palavra divina, diz ele, requer estilo que “não se atenha a elucubrações, mas que revele a idéia objetiva, que trate detalhadamente o significado, que clarifique os pontos obscuros e que não se emaranhe nos efeitos floridos da linguagem. [Ep. 36 ad Damasum, 14, 2; PL 22, 459 e 1166] Seria recomendável recordar aqui algumas passagens de Jerônimo, que demonstram claramente como ele tinha horror da eloqüência própria dos retóricos, os quais, na ênfase da declamação e na eloqüência vertiginosa das palavras vazias não objetivam senão vãos aplausos. “Não sejas – aconselha ao presbítero Nepociano – declamador e inexaurível turbilhão de palavras; mas procura familiarizar-te com o sentido oculto e penetra a fundo no mistério do teu Deus. Ampliar a forma expressiva e fazer-se valer da agilidade do estilo aos olhos do vulgo ignorante, é próprio dos estultos”. [Ep. 52 ad Nepotianum, 8; PL 22, 354] “Todos os espíritos doutos atualmente não se preocupam em assimilar a seiva das Escrituras, mas de lisonjear os ouvidos da multidão com flores de retórica”. [Dial. c. Lucif., 11; PL 23, 174BC] “Não quero falar daqueles que, como eu próprio no passado, põem-se em contato com as Sagradas Escrituras depois de terem praticado a literatura profana e recriado o ouvido da multidão com o estilo florido, retêm que cada palavra sua seja a lei de Deus e não se dignam examinar o que pretenderam dizer os profetas e os apóstolos, mas adaptam ao seu ponto de vista testemunhos que não se referem a eles de modo algum; como se fosse eloqüência de grande valor, e não a pior que existe, qual seja a de falsificar os textos e distanciar abusivamente a Sagrada Escritura do seu traçado”. [Ep. 53 ad Paulinum, 7; PL 22, 544] “Pois, sem a autoridade das Escrituras esses falastrões perderão toda a sua força persuasiva, e não parecerá mais que eles reforcem com os textos a falsidade de suas doutrinas”. [In Tt 1,10; PL 26, 605] Ora essa fala eloqüente e essa eloqüente ignorância “não têm nada de incisivo, de vital, mas não são senão um todo fraco, estéril e inconsistente, que produz somente raquíticas árvores e erva, que bem cedo perdem o viço e jazem pelo solo; ao contrário, a doutrina do evangelho, feita de simplicidade, produz algo de melhor do que insignificantes plantinhas e, como o pequeníssimo grão de mostarda, transforma-se em árvore, de tal modo que os pássaros do céu vêm pousar em seus ramos”. [In Mt 13,32; PL 26, 93BC] São Jerônimo procurava em toda a parte essa santa simplicidade de linguagem, que não exclui o esplendor e a beleza naturais: “Que os outros sejam eloqüentes e recebam o aplauso tão desejado e declamem com voz enfática e rios de palavras; quanto a mim, contento-me de fazer compreender e, tratando-se das Escrituras, imitar sua mesma simplicidade”. [Ep. 36 ad Damasum, 14; PL 22, 459] Portanto, “a exegese católica, sem renunc amido coisa de estilo belo, deve ocultá-lo e evitá-lo para dirigir-se não a vãs escolas de filósofos e a alguns discípulos, mas a todo o gênero humano”. [Ep. 48 (al. 49) ad Pammachium, 4; PL 22, 512] Se os jovens sacerdotes puserem em prática esses conselhos e essas normas, se os presbíteros mais idosos não os perderem nunca de vista, nós estamos seguros que o seu santo ministério será muito eficaz às almas dos fiéis.
IV PARTE
FRUTOS ESPIRITUAIS DA SAGRADA ESCRITURA
30. Resta-nos, veneráveis irmãos, comemorar “os doces frutos” que Jerônimo colheu “da semente amarga das Escrituras”, na esperança que o seu exemplo inflamará o espírito dos sacerdotes e dos fiéis confiados aos vossos cuidados, suscitando neles o desejo de conhecer e também de participar na salutar virtude do texto sagrado. Mas todas essas suaves delícias espirituais que invadem o ânimo do piedoso anacoreta, preferimos que vós as aprendais, por assim dizer, de sua própria boca, antes que de nós. Ouvi, portanto, em que termos ele fala desta ciência sagrada a Paulino, seu “irmão, companheiro e amigo. Peço-te, irmão caríssimo: viver em meio a esses mistérios, meditá-los, nada mais conhecer e saber, não te parece que tudo isso seja já o paraíso na terra?”. [Ep. 53 ad Paulinum, 10; PL 22, 549] Diga-me, pergunta Jerônimo à sua discípula Paula: “O que te é mais santo do que esse mistério? Que há de mais atraente do que esse prazer? Que alimento, que mel mais doce do que o de conhecer os desígnios de Deus, de ser admiti do no seu santuário, de penetrar o pensamento do Criador e as palavras do seu Senhor, que os doutos deste mundo desdenham e que são repletas de sabedoria espiritual? Deixemos que os outros gozem de suas riquezas, tomem em uma taça ornada de pedras preciosas, ostentem sete brilhantes, alimentem-se de aplausos da multidão, sem que a variedade dos prazeres arrisque a exaurir os seus tesouros. As nossas delícias consistirão, ao invés, em meditar dia e noite a lei do Senhor, em bater à porta na expectativa que se abra, em receber a mística doação do pão da Trindade, em caminhar, guiados pelo Senhor, sobre as vagas da vida”. [Ep. 30 ad Paulum, 13; PL 22, 444; cf. Sl 1,2] Ainda a Paula e a sua filha Eustóquio são Jerônimo escreve no seu Comentário sobre o livro aos efésios: “Se houver alguma coisa, Paula e Eustóquio, que nos segura aqui na sabedoria e que, em meio às tribulações e aos redemoinhos deste mundo mantêm o equilíbrio da alma, creio que seja antes de tudo a meditação e a ciência das Escrituras”. [In Eph., Prol.; PL 26, 467C] E é recorrendo a essas que ele, aflito no íntimo de profundas dores e golpeado no corpo pela doença, podia ainda gozar da consolação da paz e da alegria do coração. Essa alegria ele não se limitava a degustar numa vã ociosidade, mas o fruto da caridade se transformava em caridade ativa ao serviço da Igreja de Deus, ao qual o Senhor confiou a guarda da palavra divina.
a) O amor pela Igreja e pelo papa
31. Na verdade, cada página das Escrituras, dos dois Testamentos, era para ele a glorificação da Igreja de Deus. Quase todas as mulheres célebres e virtuosas, que no Antigo Testamento são lembradas com honra, não são por acaso a imagem desta esposa mística de Cristo? O sacerdócio e os sacrificios, os ritos e as solenidades, e quase todos os fatos reportados no Antigo Testamento não lhe constituem por acaso a sombra? E o fato que se acha divinamente realizado na Igreja assim tão grande número de promessas dos salmos e dos profetas? Enfim, ele próprio não conhecia, talvez, pelo anúncio que havia feito nosso Senhor e os apóstolos, os insignes privilégios desta Igreja? Como seria possível que a ciência dessas Escrituras não tivesse inflamado o coração de Jerônimo de amor cada dia mais ardente pela esposa de Cristo? Nós já sabemos, veneráveis irmãos, que profundo respeito e amor entusiasta ele nutria pela Igreja romana e pela cátedra de Pedro; sabemos com que vigor ele combateu contra os inimigos da Igreja. Assim escrevia, exprimindo a sua satisfação a Agostinho, seu jovem companheiro de armas, que mantinha as mesmas batalhas e se alegrava de ser como ele confrontado com a ira dos heréticos: “Aviva os teus valores! O mundo inteiro tem os olhos postos em ti. Os católicos veneram e reconhecem em ti o restaurador da fé dos primeiros tempos do cristianismo e, marco ainda mais glorioso, todos os heréticos te amaldiçoam e contigo me perseguem com o mesmo ódio, para poder, dado que sua espada não tem a força, matar-nos com o desejo”. [Ep. 141 ad Augustinum, 2; PL 22, 1161s e 1180] Esse testemunho acha-se egregiamente confirmado no Sulpício Severo de Postumiano: “Uma luta contínua e um duelo ininterrupto contra os malvados concentraram sobre Jerônimo o ódio dos perversos. Nele os heréticos odeiam aquele que não cessa de atacá-los, e os clérigos aquele que desaprova sua vida e as suas culpas. Mas todos os homens virtuosos, sem exceção, amam-no e o admiram”. [Postumianus apud Sulp. Sev., Dial., 1, 9; PL 20, 189] Esse ódio dos heréticos e dos malvados fez Jerônimo sofrer muito, sobretudo quando os pelagianos irromperam no monastério de Belém e o saquearam; mas ele suportou de bom ânimo todas as ofensas e todos os ultrajes, nunca perdendo a coragem, como aquele que não hesita em morrer na defesa da fé crista: “A minha glória – escrevia ele a Aprônio – é a de aprender que os meus filhos combatem por Cristo e que aquele no qual acreditamos, reforça em nós o zelo e a coragem a fim de que possamos estar prontos e derramar o nosso sangue pela fé nele… As perseguições dos heréticos arruinaram de cima abaixo o nosso mosteiro, quanto às suas riquezas materiais, mas a bondade de Cristo cumulou-o de riquezas espirituais. É melhor não ter pão para comer, do que perder a fé”. [Ep. 139 ad Apronium; PL 22, 1166]
b) Dignidade sacerdotal e graça santificante
32. E se nunca permitiu ao erro difundir-se impunemente, o zelo não foi menor ao levantar-se para reagir contra os costumes corrompidos, querendo, à medida que suas forças lhe permitiram, apresentar a Cristo “uma Igreja gloriosa, sem mancha nem ruga, ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5,27).Com que vigor Jerônimo repreende os que profanavam com vida culpável a dignidade sacerdotal! Com que eloqüência ele se confronta com os costumes pagãos que invadem em grande parte a cidade de Roma! Para barrar a todo custo essa invasão de todos os vícios e culpas, ele opôs a isso a excelência e a bondade das virtudes cristas, convencido que nada vale mais contra o mal do que o amor às coisas puríssimas; exige insistentemente para a juventude uma educação perpassada de sentido religioso e de honestidade, exorta com severos conselhos os esposos a terem vida pura e santa, suscita nas almas mais débeis o culto à virgindade, não encontra suficiente elogio para a severa mas doce austeridade da vida do espírito, evoca, com todas as suas forças, o primeiro preceito da religião cristã – o mandamento da caridade unida ao trabalho – cuja observância devia livrar a sociedade humana dos turbamentos e restaurar a tranqüilidade da ordem. Lembramos esta bela frase, que dirigiu a Paulino, a propósito da caridade: “O verdadeiro templo de Cristo é a alma fiel; orna esse santuário, embeleza-o, depõe nele as tuas ofertas e recebe Cristo. Com que objetivo revestir as paredes de pedras preciosas, se Cristo morre de fome na pessoa do pobre?” [Ep. 58 ad Paulinum, 7, 1; PL 22, 584] Quanto ao dever do trabalho, ele o recorda a todos com tal ardor, nos seus escritos e mais ainda nos exemplos de toda a sua vida, que Postumiano, após ter permanecido seis meses em Belém juntamente com Jerônimo, deixou este testemunho no Sulpício Severo: “Ele está sempre ocupado na leitura, totalmente imerso nos livros; não repousa nem de dia nem à noite, mas está sempre lendo e escrevendo”. [Postumianus apud Sulp. Sev., Dial., 1, 9; PL 20, 190A] De resto, o seu ardente amor para com a Igreja revela-se dos seus Comentários, em que ele não perde ocasião para celebrar a esposa de Cristo. Citemos, por exemplo, esta passagem do Comentário do profeta Ageu: “Acorreu à flor de todas as nações e a glória preencheu a casa do Senhor, isto é, a Igreja de Deus vivo, coluna e fundamento da verdade… Esses metais preciosos dão mais esplendor à Igreja do Salvador comparativamente ao que davam no passado à Sinagoga; dessas pedras vivas é construída a casa de Cristo, coroando-se de paz eterna”; [In Agg.2, 1-10; PL 25, 1404BD] e, em outra passagem, comentando Miquéias, diz: “Vinde, subamos à casa do Senhor. É necessário subir se se quer chegar a Cristo e à casa do Deus deJacó, a Igreja, a casa de Deus, coluna e fundamento da verdade”. [In Mich., 4, 1-7; PL 25, 1187B] No prefácio ao Comentário de São Mateus, lemos: “A Igreja foi construída sobre uma pedra por uma palavra do Senhor; é esta que o rei introduziu na sua sala e é a ela que através da abertura secreta estendeu a mão”. [In Mt, Prol.; Pl 26, 17B]
c) União de Cristo com a sua Igreja
33. Como se constata nessas últimas passagens que citamos, freqüentemente o nosso doutor exalta a união íntima do Senhor com a Igreja. Isso porque não é possível separar a cabeça do seu corpo místico, o amor para com a Igreja leva necessariamente consigo o amor por Cristo, que deve ser considerado o fruto principal e dulcíssimo da ciência das Escrituras. Jerônimo, afinal, estava a tal ponto convencido que esse conhecimento do texto sagrado é a via exata que conduz ao conhecimento e ao amor de nosso Senhor, que não hesitava afirmar: “Ignorar as Escrituras significa ignorar o próprio Cristo”. [In Is., Prol.; PL 24, 17B] Com o mesmo entendimento escreve a santa Paula: “Como se poderia viver sem a ciência das Escrituras, através das quais se aprende a conhecer o próprio Cristo, que é a vida dos que crêem?” [Ep. 30 ad Paulam, 7; PL 22, 443] Afinal, é para Cristo que convergem, como ponto central, todas as páginas dos dois Testamentos; e no comentário da passagem do Apocalipse, onde se encontra a questão do rio e da árvore da vida, Jerônimo em particular escreve: “Não existe senão um rio que emana do trono de Deus, trata-se da graça do Espírito Santo, e essa graça está englobada nas Sagradas Escrituras, isto é, neste rio das Escrituras. Esse rio, no entanto, escorre entre duas margens, que são o Antigo e o Novo Testamento, e a cada lado surge uma árvore, que é o próprio Cristo”. [Tract. de Ps., 1] Não há, portanto, nada de estranho se Jerônimo nas suas pias meditações freqüentemente referia a Cristo tudo o que lia nos livros sagrados: “Quando leio o evangelho e me encontro diante de testemunhos sobre a lei e os profetas, não penso senão em Cristo; se estudei Moisés e os profetas, foi somente para compreender o que eles diziam de Cristo. Quando um dia estiver diante do esplendor de Cristo, quando a sua fúlgida luz, como a do sol abrasador, resplandecer nos meus olhos, não poderei ver mais com a luz de uma lâmpada. Se acenderes uma lâmpada em plena luz do dia ela iluminará? Quando resplandece o sol, a luz dessa lâmpada se esvai. Assim, na presença de Cristo, a lei e os profetas desaparecem. Nada quero retirar à glória da lei e dos profetas. Ao contrário, louvo-os quais anunciadores de Cristo. Se me preparo para a leitura da lei e dos profetas, o meu escopo não é parar neles, mas alcançar, através deles, a Cristo”. [Tract. in Mc., 9, 1-7] Assim nós o vemos elevar-se, maravilhosamente, por meio dos Comentários às Escrituras, ao amor e ao conhecimento de Jesus nosso Senhor, e encontrar a pedra preciosa de que fala o evangelho: “Não há entre todas senão uma única pedra preciosa, o conhecimento do Salvador, o mistério de sua paixão e o arcano secreto de sua ressurreição”. [In Mt 13,45s; PL 26, 98A]
d) Prática da vida cristã
34. O amor ardente por Cristo levava-o, pobre e humilde junto a ele, a libertar-se completamente de todo liame de preocupações terrestres, a não procurar senão Cristo, a penetrar no seu espírito, a viver com ele na mais estreita união, a formar a própria vida segundo a imagem de Cristo sofredor, a não ter desejos mais intensos do que sofrer com Cristo e por Cristo. Por isso, no momento de partir, uma vez que, estando morto Dâmaso, pérfidos inimigos com seus vexames fizeram-no tomar distância de Roma, assim escrevia: “Alguns podem considerar-me criminoso, esmagado sob o peso de suas culpas, mas isso não é nada em confronto com os meus pecados; tu podes, no entanto, crer no teu íntimo numa virtude dos pecadores… Eu rendo graças a Deus por merecer o ódio do mundo. Que parcela de sofrimento atingiu a mim, o soldado da cruz? A calúnia cobriu-me com a marca de um delito; mas eu sei que com a má ou com a boa fama se chega ao reino dos céus”. [Ep. 45 ad Asellam, 1, 6; PL 22, 480, 482, 483] Assim exortava a piedosa virgem Eustóquio a suportar corajosamente por amor de Cristo as penas da vida presente: “Grande é o sofrimento, mas também grande é a recompensa ao imitar os mártires, os apóstolos e a Cristo. Todas essas dificuldades que enumero pareceriam intoleráveis para quem não ama a Cristo; mas, ao contrário, quem considera toda a pompa da vida terrena como um lodaçal imundo, quem acha que tudo é vão sob a luz do sol, quem não quer enriquecer-se a não ser de Cristo, quem se une à morte e à ressurreição do seu Senhor e quem imola a carne com todos os seus vícios e desejos, este poderá livremente gritar: Quem me separará do amor de Cristo?” [Ep. 22 ad Eustochium, 38s; PL 22 422-3; cf. Rm 8,35; Fl 3,8; Tm 2,11; Cl 3,1; Gl 5,24]
e) Amor à eucaristia
35. Jerônimo, portanto, auferia abundantes frutos da leitura dos livros sagrados. Daí ele alcançava aquela luz interior que o impulsionava a avançar no conhecimento e no amor de Cristo; daí o espírito de oração que tão bem expressou nos seus escritos; daí, enfim, adquiriu a admirável e íntima comunhão com Cristo, que com a sua doçura o incitou a sustentar sem trégua, através do áspero caminho da cruz, a conquista da palma de vitória. Assim o ímpeto do seu coração levava-o continuamente à santíssima eucaristia: “Pois ninguém é mais rico do que aquele que leva o corpo do Senhor num cestinho de vime e o seu sangue numa ampola”. [Ep. 125 ad Rusticum, 20; PL 22, 1085] Jerônimo nutria essa mesma veneração à Santíssima Virgem, de quem defende com todas as forças a perpétua virgindade; e a mãe de Deus, ideal de todas as virtudes, era o modelo que ele propunha aos esposos de Cristo para que o imitassem. [Ep. 22 ad Eustochium, 38; PL 22, 422] Ninguém se surpreenderá, portanto, se os lugares da Palestina santificados pelo nosso Redentor e sua Santíssima Mãe exerceram tanto fascínio e atração sobre Jerônimo. Sejam quais forem os sentimentos dele a respeito disso, poder-se-á facilmente adivinhar o que Paula e Eustóquio, suas discípulas, escreviam de Belém a Marcela: “Com que palavras nós podemos dar-te uma idéia da gruta na qual nasceu o divino Salvador? Do berço no qual emitiu seus vagidos infantis? E mais digno o silêncio do que nossas pobres palavras… Não virá, portanto, o dia no qual nos será dado ingressar na gruta do Salvador, de chorar sobre o sepulcro do divino Mestre ao lado de uma irmã, de uma mãe? De beijar o lenho da cruz e sobre o monte das Oliveiras seguir em espírito, ardentes de desejo, Cristo na sua ascensão?” [Ep. 46 Paulae et Eustochium ad Marcellam, 11,13 (al. 10,12); PL 22, 490 e 491] Jerônimo, longe de Roma, levara vida de mortificação para o seu corpo, mas evocação das sagradas lembranças infundia em sua alma doçura ao escrever: “Ah! se Roma possuísse aquilo que possui Belém, que, no entanto, é mais humilde que a cidade romana”. [Ep. 54 ad Furiam, 13; PL 22, 557]
f) O sentido espiritual de Roma e as advertências de Jerônimo
36. O desejo do santíssimo exegeta realizou-se de modo diferente do compreendido por ele, e nós, bem como todos os cidadãos de Roma, temos motivo de nos alegrar. Afinal, os restos mortais do grande doutor, depostos naquela gruta que por tanto tempo habitara, que devido a isso a cidade de Davi se gloriava um tempo de conservá-los, Roma hoje tem o privilégio de guardá-los na Basílica de Santa Maria Maior, onde repousam ao lado do berço do Salvador. A voz que do deserto percorria o mundo inteiro silenciou; mas através dos seus escritos, “que resplandecem sobre todo o universo como chamas divinas”. [Io. Cassianus, De Incarnatione (Contra Nest.), 7, 26; PL 50, 256A] Jerônimo ainda fala. Ele proclama a excelência, a integridade e a veracidade histórica das Escrituras, e os doces frutos que a sua meditação e leitura oferecem. Proclama a todos os filhos da Igreja a necessidade de retornarem a uma vida digna do nome cristão e de protegerem-se do contágio dos costumes pagãos, que no presente parecem ter sido restabelecidos. Proclama que a cátedra de Pedro, graças sobretudo à piedade e ao zelo dos italianos, que o céu estabeleceu o privilégio de a possuir nos confins de sua pátria, deve gozar da honra e da liberdade absolutamente indispensáveis para a dignidade e o exercício da missão apostólica. Proclama, para as nações cristas que tiveram a desventura de se destacar da Igreja, o dever de retornar a sua mãe, onde repousa toda a esperança de salvação eterna. Deus queira que esse apelo seja entendido sobretudo pelas Igrejas orientais, que há muito tempo são hostis à cátedra de Pedro. Quando vivia naquelas regiões e tinha por mestres Gregório Nazianzeno e Dídimo de Alexandria, Jerônimo sintetizava nesta fórmula, que se tornou clássica, a doutrina dos povos orientais daquela época: “Qualquer que não se refugie na arca de Noé, será envolvido pelos turbilhões do dilúvio”. [Ep. 15 ad Damasum, 2, 1; PL 22, 355] Se Deus não interrompe hoje esse flagelo, não estão ameaçadas de destruição todas as instituições humanas? O que permanece ainda se Deus, autor e mantenedor de todas as coisas, é afastado? O que pode continuar a existir separado de Cristo, fonte da vida? Mas aquele que no passado, ao apelo dos seus discípulos, acalmou o mar bravio, pode ainda conceder à sociedade humana desorientada o preciosíssimo benefício da paz. Queira São Jerônimo atrair esta graça sobre a Igreja de Deus, que ele, com tanto ardor, amou e com tanta coragem defendeu contra todo tipo de assalto dos inimigos. Possa o seu patrocínio obter para nós que todas as discórdias sejam acalmadas segundo o desejo de Jesus Cristo, e que haja um só rebanho sob um único pastor.
37. Comunicai sem demora, veneráveis irmãos, ao vosso clero e aos vossos fiéis, as instruções que vos demos por ocasião do décimo quinto centenário da morte do grande doutor. Gostaríamos que todos, segundo o exemplo e sob o patrocínio de Jerônimo, não apenas permanecessem fiéis à doutrina católica, sob a inspiração divina das Sagradas Escrituras, tomando-lhe a defesa, mas também que observassem com escrupuloso cuidado as prescrições da encíclica Providentissimus Deus e da presente carta. Na expectativa disso, formulamos o desejo que todos os filhos da Igreja se deixem penetrar e fortificar da doçura das Sagradas Escrituras, para chegar ao conhecimento perfeito de Jesus Cristo. Como penhor de tal desejo, e em testemunho de nossa paterna benevolência, concedemos, na suprema graça do Senhor, a vós, a todo o clero e a todos os fiéis que vos são confiados, a bênção apostólica.
Roma, dado em São Pedro, 15 de setembro de 1920, ano sétimo do nosso Pontificado.
BENTO PP. XV
Extraído de Documentos de Pio X e de Bento XV, Paulus, 2002, pp. 375-425.