OS INIMIGOS DA IGREJA SABEM ONDE FERIR…

Padre Hervé Belmont
2008

Fas est ab hoste doceri

Diziam os antigos que é proveitoso aprender com os inimigos. Como está enunciado no Evangelho [Luc. XVI, 8], os filhos deste mundo são mais hábeis em sua mundanidade do que os filhos da luz, no serviço de Deus: os inimigos da Igreja são frequentemente mais lúcidos que os católicos quanto ao que constitui os fundamentos da sociedade cristã, e eles sabem assim onde ferir, para destruir a cristandade e perder as almas.

Desde que a Igreja Católica saiu das catacumbas, e que ela exerce pois uma influência sobre a sociedade temporal para aí pregar e estabelecer o reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo, a luta que o mundo empreende contra esse reino de verdade e de salvação assumiu um caráter muito mais insidioso do que anteriormente: antes que tentar aniquilar o catolicismo no sangue dos cristãos, busca-se aviltá-lo e desnaturá-lo.

O arquétipo dessa nova raça de perseguidores será para sempre Juliano, o Apóstata. Este príncipe apostatou secretamente aos vinte anos de idade (em 351), e não revela sua defecção a não ser no momento de sua subida ao trono imperial (dezembro de 361). A partir de então, ele pratica abertamente e cotidianamente os ritos do paganismo, até que sucumbe na batalha de Ctesifonte, a 26 de junho de 363. Seu reino dura somente, portanto, uma vintena de meses, mas, durante este breve lapso de tempo, ele empreende uma luta sem misericórdia contra a Igreja e contra a sociedade cristã.

Essa luta, ele a conduz em três etapas – e é nisto que ele é o modelo (se assim podemos dizer) dos perseguidores: primeiro a liberdade religiosa (edito de tolerância para reabilitar os falsos deuses e humilhar a Igreja), em seguida as leis escolares (para excluir da escola imperial os professores cristãos, e educar o povo num paganismo mortífero), e por fim a perseguição escancarada.

Na sequência da história, esse diagrama propriamente diabólico se repetirá muitas vezes: por que Satanás – que, de todo modo, não tem imaginação – mudaria de tática, sendo esta eficaz? Em nossos tristes tempos, ele simplesmente aperfeiçoou seu negócio, confiando a primeira etapa (no mínimo) do processo odioso àqueles mesmos que ele quer destruir.

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Cada vez que o Estado revolucionário “concede” existência às instituições católicas (coisa que ele pretende ser senhor de fazer ou não fazer), é mediante a obrigação de praticar ou mesmo proclamar a liberdade religiosa. Assim, a restauração da monarquia francesa, depois do decênio de terror revolucionário e da sangrenta aventura bonapartista.

Quando a queda de Napoleão está consumada, os senadores elaboram, na noite de 6 para 7 de abril de 1814, uma constituição, apelidada “constituição das pensões” [constitution des rentes], para “em nome do povo francês” tornar a chamar “livremente ao trono de França” o irmão do último rei – ao qual não se reconhece, assim, nenhum título a reinar que não seja o de ser chamado pela nação soberana.

Essa constituição senatorial enuncia em seu artigo 22: “A liberdade de cultos e de consciências é garantida. Os ministros dos cultos são igualmente tratados e protegidos”. Seu texto é levado ao Papa Pio VII, que a deplora e condena, na Carta Apostólica Post tam diuturnas de 29 de abril de 1814.

Luís XVIII toma conhecimento dessa condenação, que o Papa faz ser notificada a ele pessoalmente. Mas, como fiel herdeiro do galicanismo, ele se mostra bem mais preocupado com seu próprio poder do que com o reinado de Jesus Cristo e de Sua Igreja. Assim, ele recusa a constituição senatorial em nome da prerrogativa régia, mas em 4 de junho de 1814 ele outorga a Carta [Constitucional] que, em seu artigo 5, afronta a condenação pontifícia: “Cada qual professa sua religião com igual liberdade, e obtém para o próprio culto a mesma proteção”. Por isso que a Restauração não restaurou coisa nenhuma.

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Assim também, a lei escolar francesa n.º 59-1557, de 31 de dezembro de 1959, dita Lei Debré: ela institui os contratos entre o ensino particular (essencialmente, o ensino católico) e o Estado, e estipula já no primeiro artigo:

“Na sequela dos princípios definidos na Constituição, o Estado assegura às crianças e adolescentes, nos estabelecimentos públicos de ensino, a possibilidade de receber um ensino conforme às suas aptidões, no respeito de todas as crenças.

“O Estado proclama e respeita a liberdade de ensino e garante seu exercício aos estabelecimentos privados abertos regularmente.

“Ele toma todas as disposições úteis para assegurar aos alunos do ensino público a liberdade de cultos e de instrução religiosa.

“Nos estabelecimentos privados que firmaram um dos contratos previstos abaixo, o ensino posto sob o regime do contrato está sujeito ao controle do Estado. O estabelecimento, embora conservando seu caráter próprio, deve ministrar esse ensino no respeito total da liberdade de consciência. Todas as crianças, sem distinção de origem, de opinião ou de crença, têm acesso a ele.”

É pena, os tempos mudaram: a autoridade não mais condena e deixa os católicos se precipitarem nesse engodo em que o ensino católico perde, fisgado pelo lucro, sua alma e sua razão de ser.

Claro que se pode dizer, em certo sentido, que o ganho é legítimo por não ser nada além de recuperação daquilo que o Estado retém injustamente das famílias, em vista da educação dos filhos que a ele não pertencem. Mas o Estado laico (isto é, anticristão) sabe o que faz quando pede uma contrapartida dessas: ele, que já é senhor do ensino pelo monopólio dos diplomas, torna-se isso mais ainda pelo viés dos programas, e pela superintendência dos salários e dos investimentos.

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Os inimigos da Igreja sabem, pois, onde ferir para dissolver de pouco em pouco a sociedade cristã e para carcomer a fé dos católicos sem que estes se apercebam disso rápido demais. Eles sabem, além disso, que se eles conseguem fazer admitir um direito à dita liberdade religiosa, é a ordem moral por inteiro que recebe um golpe mortal a mais ou menos longo prazo, pois faz-se admitir que um direito possa ter um objeto mau.

Que triunfo, para eles, a proclamação desse pseudo-direito no Vaticano II! Assim, esse concílio para todo o sempre funesto ensina implicitamente que a sociedade humana, da qual Deus é o autor, não é inteiramente ordenada à sua Glória, ao seu reino, à salvação eterna das almas.

Esse triunfo, Fidel Castro exprime-o claramente, ao receber João Paulo II em Havana, a 25 de janeiro de 1998:

“Vossa Santidade, nós partilhamos de vosso ponto de vista sobre numerosas questões importantes do mundo atual, e isso é para nós motivo de grande satisfação. (…) Nós conhecemos os esforços de Vossa Santidade em pregar e pôr em prática os sentimentos de respeito que vós nutris pelos crentes das outras religiões importantes e influentes que se difundiram pelo mundo.”

Ante à expressão desse triunfo, a resposta de João Paulo II é tão previsível quanto lamentável:

“Um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um de seus fundamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremista, deve promover um clima social sereno e uma legislação apropriada que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente sua fé, exprimi-la nos domínios da vida pública e contar com meios e locais suficientes para levar as riquezas espirituais, morais e cívicas à vida do país” [Homilia em Havana, 25 de janeiro de 1998. DC 2177 do primeiro de março de 1998, páginas 230-231].

Quem não choraria vendo assim a religião de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, ser mandada embora indiferentemente com as falsas religiões e o ateísmo? Não há nisto nada além de blasfêmia e apostasia social. O Evangelho de João Paulo II decididamente não é aquele em que Jesus Cristo proclama: “quem não está comigo está contra mim”.

Por um tempo é Juliano, o Apóstata, que triunfa. Até quando, Senhor?

Trad. por Felipe Coelho.

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