DEVERES DOS CATÓLICOS REFERENTES ÀS FALTAS DO PRÓXIMO

Com dois Apêndices sobre a virtude da paciência
respeitante a quaisquer males que possam se abater sobre nós,
inclusive os provenientes do próximo.

John S. Daly
2012

As fontes para o que segue são: a “Conferência” do Padre Faber sobre receber escândalo; Sto. Tomás de Aquino – Summa Theologiae; Scupoli – Combate Espiritual; Scaramelli – Diretório Ascético; São Francisco de Sales – Introdução à Vida Devota; Thomas de Kempis – Imitação de Cristo; Balmes – A Arte de Alcançar a Verdade; Sto. Afonso de Ligório; São João Crisóstomo; e outros.

Podemos:

• Acreditar que o próximo cometeu um pecado contanto que a malícia do ato em que baseamos nossa convicção seja tão clara, óbvia e palpável que o ato não seja susceptível nem de justificativa, nem de desculpa. (D’Hauterive: Grand Cat., parte 2, seção 1, lição 27, n.º 52)

• Quando a ocasião for propícia e o pecado for manifesto, corrigir ou censurar o próximo.

• Fugir como da peste da companhia de pecadores escancarados e manifestos.

• Quando o bem de outrem tornar isto aconselhável, denunciar um pecador cuja culpabilidade for objeto de certeza, ou manifestar nossas suspeitas razoáveis, com moderação, a pessoas que tenham necessidade de ser informadas.

• Sondar o estado de consciência de pessoas sobre as quais temos autoridade, por exemplo nossos filhos menores de idade.

• Avaliar a virtude ou as motivações do próximo para uma finalidade específica, por exemplo para decidir se é apropriado empregá-lo numa dada função, com a condição de mantermos nossas conclusões apenas provisoriamente, na medida que não atingem o nível da certeza.

• Suspeitar da existência de uma falta ou vício, ou ao menos duvidar da virtude de alguém, caso a necessidade nos obrigue a refletir sobre a questão e existam razões suficientemente sólidas para nossas conclusões.

• Até mesmo relatar nossas suspeitas a outras pessoas, com prudência e caridade, por uma razão suficiente.

Não podemos:

• Acreditar que o próximo é culpado de algum pecado, seja qual for, quando outra possibilidade existir.

• Condenar alguém por faltas duvidosas, ou então com severidade quando a brandura for suficiente.

• Tratar alguém como malvado antes de a caridosa pressuposição de sua bondade ter sido definitivamente refutada.

• Difamar alguém sem haver certeza de que o que estamos dizendo é verdadeiro, nem mesmo relatar um pecado que é objeto de certeza a não ser que seja necessário fazê-lo; nem tampouco podemos revelar uma suspeita infundada ou uma suspeita exagerada, nem de fato suspeita alguma sem necessidade.

• Analisar, do ponto de vista moral, os atos e omissões do próximo, a não ser que tenhamos autoridade sobre ele.

• “Assumir o papel de censores de nossos irmãos; adquirir o hábito e ter prazer de julgar os outros desfavoravelmente.” (Bacuez e Vigoroux: Man. Bibl., N.T., n. 293)

• Em geral avaliar os atos e omissões do próximo; atribuir motivações, etc., sem necessidade, ou mais severamente do que é necessário.

• Atribuir a alguém uma motivação ruim quando outra motivação, boa ou então menos má, for possível.

• Acreditar que o próximo cometeu um pecado quando isso foi relatado por pessoas que têm boa razão para comunicar essa informação e são inteiramente dignas de crédito.
[N. do T. – O A. trata mais longamente deste ponto em seu belo estudo: Há Fumaça Sem Fogo? [logo abaixo], também s/d.]

• Suspeitar da existência de uma falta ou vício em alguém, ou duvidar de sua virtude, quando temos possibilidade razoável de não formar um juízo ou de formar um juízo mais favorável.

• Relatar suspeitas que não sejam justificadas, fazê-lo com demasiada severidade, ou fazê-lo sem necessidade.

• Acreditar ou até mesmo dar ouvidos a relatos maus sobre o próximo vindos de pessoas que não são inteiramente dignas de crédito ou que têm razões más para comunicar essas coisas.

Devemos:

• Estar ocupados demais com nossas próprias faltas, e com o exame de nossa própria consciência e procura por nossos próprios pecados ocultos e desconhecidos, para sermos capazes de perceber os do próximo.

• Justificar, minimizar, mitigar ou escusar toda falta, real ou aparente, do próximo.

• Preferir supor até mesmo o que parece muito improvável, antes que crer mal do próximo, principalmente de nossos irmãos na Fé.

• Quando confrontados com as faltas ou pecados manifestos e certos do próximo, considerar que somos culpados de similares ou piores, ou ao menos que o seríamos caso tivéssemos as mesmas tentações e não tivéssemos graças especiais de Deus; e pensar que, se os outros nos julgassem com a mesma liberdade que tendemos a nos permitir com relação a eles, encontrariam em nós maldade maior, e com mais justiça.

• Ao nos depararmos com os pecados manifestos e certos do próximo, neles encontrar motivo de sermos mais humildes e de manifestarmos para com ele maior caridade.

Não devemos, de jeito nenhum:

• Ocupar-nos do estado de alma do próximo, de suas motivações ou da qualidade moral de seus atos, salvo para neles procurar edificação, a não ser que nos deparemos com defeitos certos e manifestos que exijam nossa intervenção.

• Culpar o próximo mais do que nós mesmos naturalmente gostaríamos de ser inculpados por nossas próprias faltas.

• Procurar ser “objetivos” ou “realistas” em avaliar as faltas, reais ou aparentes, do próximo.

• Nos comparar favoravelmente com o próximo, ou o próximo desfavoravelmente conosco.

• Chegar a receber escândalo, perder a paz, ou permitir a nós mesmos a menor “comoção da alma tendente a nos separar do bem” (Sto. Tomás de Aquino – Summa Theologiae, II-II, q.43, a.5) em razão das faltas, reais ou imaginárias, do próximo.

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Certos elementos da doutrina católica sobre esta matéria não se prestam a esse tipo de apresentação e são agora adicionados:

1. É falso pensar que não cometemos pecado em julgar o próximo culpado desta ou daquela falta, contanto que o nosso juízo esteja correto. Na realidade, a regra geral de que devemos tentar sempre acreditar no que for verdadeiro se choca aqui com uma exceção (Sto. Tomás de Aquino – Summa Theologiae II-II, q.60, a.4), e devemos preferir acreditar o bem sobre o próximo incorretamente, a acreditar o mal corretamente, a não ser que o pecado seja evidente e inegável. Há três razões para isso:

(a) A caridade exige que nos inclinemos em favor do próximo;

(b) Nossos vícios impedem-nos de julgar o próximo corretamente;

(c) Nós não temos jurisdição (ou seja, direito de julgar*) sobre o próximo, razão pela qual todo juízo adverso que formarmos acerca dele constitui usurpação do papel que Deus reservou para Si.

[*) Certos autores abrem uma exceção em caso de pecado manifesto (por exemplo, Sto. Agostinho); outros, tais como São Francisco de Sales, julgam que o preceito de não julgar não admite exceção alguma, mas que não é, falando propriamente, um “julgamento” se notamos, malgrado nós mesmos, aquilo que é tão evidente que nada é capaz de esconder.]

2. É falso que seja suficiente perdoar as faltas que percebemos no próximo, desejar-lhe o bem, e admitir que também nós temos as nossas faltas e fraquezas. A malícia do juízo temerário consiste no fato de pensar mal do próximo quando temos possibilidade de (a) dele pensar e presumir o bem ou (b) pôr de lado todo o caso, restringindo-nos ao que nos diz respeito ou ao que a Providência nos deu a conhecer com certeza.

3. O juízo temerário deve-se geralmente ao orgulho, o mais sutil de nossos inimigos espirituais; ele nos faz confiar excessivamente em nosso próprio juízo em todas as coisas, mas é especialmente atiçado pelo Demônio para atrair nossa atenção para as faltas do próximo (Scupoli – Combate Espiritual, capítulo 43).

4. Os pecados, faltas e motivações más que nos permitimos atribuir ao próximo, sem termos o direito de formar esses juízos, são muito geralmente nossos próprios pecados, faltas e motivações más, de que nós próprios somos culpados mas para os quais nos cegamos, embora fôssemos notá-los bem depressa se dedicássemos o mesmo esforço em examinar nossa própria consciência que dedicamos a usurpar o direito de examinar a do próximo.

5. Até mesmo os intelectos mais penetrantes raramente acertam quando atribuem este ou aquele pecado ou má intenção a seu próximo. A experiência com os juízos temerários de que nós mesmos fomos objeto por parte de outras pessoas deveria convencer-nos de que a verdade é raramente aquilo que a mente humana pensa que é quando sua natural amargura não é adocicada pela caridade, e quando ela se imiscui na autoridade d’Aquele “que esquadrinha o coração e sonda os afetos” (Jeremias 17,10).

6. Seremos nós mesmos julgados mais severamente conforme a medida com que tivermos julgado o próximo severamente, e seremos julgados com menos severidade conforme a medida em que tivermos fechado os olhos para as debilidades do próximo, desculpado suas faltas, e nos recusado a acreditar no que tende à sua desonra. Mas há mais: unicamente com a condição de não julgarmos em nada ao próximo, nós mesmos não seremos julgados, em absoluto! “Em todos os livros sacros, há alguma promessa mais maravilhosa do que esta?”, pergunta o padre Peter Gallwey S.J. em Watches of the Passion [Relógios da Paixão] (vol.1, p.792).

7. Para obter esta promessa Divina – a promessa de que, em nosso julgamento, o Diabo, que nos acusará de todos os pecados da nossa vida, não será ouvido nem sequer por um instante –, basta seguir esta simples regra com respeito às faltas do próximo: perceber pouco, crer em menos ainda do que ouvimos, desculpar prontamente, absolver generosamente, e jamais condenar.

8. Certamente, porém, não somos proibidos de pensar ou falar do que é publicamente conhecido, caso haja razão proporcional, contanto que sempre poupemos o próximo o máximo possível. E certamente, também, podemos discutir as faltas manifestas do próximo, e mesmo refletir sobre o que as motivou, caso seja com a intenção de corrigi-las, ou para nos ajudar a tomar uma decisão prática, com a condição de jamais nos esquecermos de que, mesmo quando um pecado é manifesto, seus motivos e os fatores que predispuseram ao seu cometimento, frequentemente, não são manifestos e dariam um aspecto muitíssimo diferente à questão se o fossem.

9. Por fim, os inimigos públicos de Deus e de Sua Igreja têm apenas direito à justiça e à verdade; aquilo que a caridade nos move a dar aos outros pode, e muitas vezes deve, ser recusado a eles, a fim de melhor praticar a caridade para com aqueles que tais pessoas poderiam, de outro modo, fazer extraviar.

Apêndice 1 – Sobre a Virtude da Paciência

extraído do: Textbook Of The Spiritual Life – Leading By An Easy And Clear Method From The Beginning Of Conversion To The High-Point Of Holiness [Manual da Vida Espiritual – Conduzindo, por um método fácil e claro, do início da conversão até ao ápice da santidade]

por Pe. Charles Joseph Morotius,
monge cisterciense, teólogo e pregador

Parte II, Capítulo 8, Seção 4

A Paciência e suas Auxiliares, a Longanimidade e a Equanimidade

1. Paciência é a virtude pela qual suportamos os infortúnios deste mundo com tranquilidade de espírito, para que em razão deles não fiquemos desnecessariamente perturbados ou entristecidos interiormente, e não nos permitamos fazer nada de errado ou de inadequado. As adversidades desta vida que a paciência suporta são doenças, desterros, angústia psicológica, desgraça, escárnio, maltrato, insultos, calúnias, reprimendas, fome, sede, frio, as mortes dos pais e dos filhos, dos parentes e dos amigos, massacres e calamidades públicas, e outras coisas da mesma espécie que geralmente ocorrem todos os dias. A longanimidade é a parte da paciência que fortalece o espírito contra o aborrecimento ocasionado pela demora em receber algo que esperamos. Ela difere da paciência por suportar males por um longo tempo e aguardar consolação postergada por muitos dias, meses e anos. Assim Deus é chamado longânime, porque Ele tolera nossas demoras e hesitações enquanto nos convida ao arrependimento. Também a equanimidade não é uma virtude distinta da paciência, embora seja considerada especialmente voltada a moderar o aborrecimento que advém da perda de bens exteriores.

2. A matéria próxima com que a paciência se ocupa é a aflição da mente e a tristeza por conta dos reveses enumerados acima: essa virtude as reprime por inteiro ou então as controla tanto, que elas não excedem as exigências da reta razão. Por onde, as principais ações da paciência são:

(i) Suportar todas as sobreditas adversidades calmamente, de bom grado, com ânimo e em ação de graças, e sem nenhuma murmuração ou queixa.

(ii) Suportar esses males mesmo não tendo culpa, e mesmo que nos sejam infligidos por aqueles que receberam muitos benefícios de nós.

(iii) Atribuir todos os nossos problemas e dificuldades unicamente à vontade Divina, não importa por intermédio de quem provenham.

(iv) Sempre que estivermos feridos ou irritados, voltarmo-nos para Jesus crucificado como estando presente, buscando obter d’Ele a paciência e oferecendo a Ele tudo o que sofremos.

(v) Oferecer-se a si próprio, bem no começo de todas as manhãs, a Deus para sofrer não importa o quê, e para suscitar um desejo ardente na alma de sofrer todos os males possíveis em imitação de Cristo.

Nós temos muitas ocasiões para exercitar a paciência a quase todo momento, suportando os males e perdas que nos acometem com respeito a nossa boa reputação, vida e bens exteriores.

3. Os sinais da paciência são:

(i) Suportar com calma as imperfeições dos outros.

(ii) Não ceder ao rancor quando maltratado pelo próximo.

(iii) Não murmurar contra as punições divinas.

(iv) Não evitar a companhia daqueles que cometem injustiça contra nós, mas antes ir ao seu encontro, ter amor por eles e por eles rezar.

(v) Em alguma enfermidade, rezar a Deus que aumente nosso sofrimento.

(vi) Manter silêncio em meio às injustiças, não se desculpar, mas entregar tudo nas mãos de Deus a exemplo de Nosso Senhor, que mesmo quando convocado a Se defender preferiu permanecer em silêncio.

Agora, quem não faria tudo o que está em seu poder para exercer essa virtude com máximo cuidado, considerando a paciência e longanimidade de Deus, que não somente tolera os pecadores com benevolência, mas não cessa de cobri-los com os maiores benefícios? E a vida de Cristo e Sua amaríssima paixão não proporcionam o exemplo supremo de paciência?

Nem deve ser preterido o exemplo dos santos do Antigo e do Novo Testamentos, principalmente de Jó e Tobias e dos incontáveis mártires. Ademais, quem quer que considere atentamente os inomináveis tormentos do Inferno, de que tão frequentemente escapou por conta da infinita misericórdia de Deus, não considerará os aborrecimentos desta vida, não importa quão graves e dolorosos, como de nenhuma importância, e até os tratará como prazeres?

Finalmente, como diz o Apóstolo, “A paciência vos é necessária” (Hebreus 10,36), pois ela fortalece a fé, governa a paz, auxilia o amor, instrui a humildade, excita o arrependimento, faz satisfação pelos pecados, ata a língua, refreia a carne, resguarda o espírito, aperfeiçoa todas as virtudes e dota-nos ao fim desta vida com a bem-aventurada imortalidade: “Porque agora o que é para nós uma tribulação momentânea e ligeira, produz em nós um peso eterno duma sublime e incomparável glória.” (2 Coríntios 4,17).

Apêndice 2 – Sobre a Virtude da Paciência

Sermão do Rev. Pe. Oswald Baker datado de 26 de fevereiro de 1995 intitulado “Frustração e Paciência”.

O relato que São Paulo faz de seus suplícios no curso de sua missão Apostólica proporciona uma lição de contenção, longanimidade, tenacidade, equanimidade, autocontrole, placidez, compostura, benevolência, paciência. Infinita paciência. “A ira do homem não dá fruto que seja aceitável a Deus” (Thiago 1,19). Quem perde a cabeça, sai perdendo. Você sempre perde mais do que ganha quando cede ao seu gênio. Três minutos de cólera minarão suas forças mais drasticamente do que oito horas de trabalho. Ela desgasta terrivelmente o corpo. Quando você está irado, o sangue corre para os principais músculos de seus braços e pernas, e assim você tem a força física aumentada. Mas o seu cérebro, faltando-lhe o pleno suprimento de sangue, tem sua eficiência reduzida. É por isso que você fala e se comporta de maneira bizarra. E você perde o respeito dos que testemunham a explosão. A paciência é uma vencedora.

Suponha que você esteja de pé na fila, numa liquidação, e alguém que furou a fila bem na sua frente compra o último dos artigos à venda. Qual é a sua reação? Coisinha esfomeada, intrometida, horripilante? Suponho que eu devesse ter chegado mais cedo? Ora que bem, não importa realmente, ela provavelmente precisa disso mais do que eu?

Suponha que o telefone desperte você com um sobressalto enquanto você tirava um cochilo, e, quando você vai ver, é alguém tentando vender-lhe algo que você não quer. A sua reação é: Importuno estúpido? Suponho que eu realmente não deva ficar na cama a manhã inteira? Não é razão nenhuma de irritação; é o trabalho dele?

Se alguém pegar emprestada de você uma capa de chuva e devolvê-la muito manchada, como você se sente: Esta é a última vez que lhe empresto algo? Suponho que eu não deva lhe emprestar nada que manche tão fácil? Não deve ter notado que ficou tão manchada, senão teria limpado?

Se uma pessoa conhecida passa por você sem falar nada, o que você pensa: O que será que atribulou a ranzinzinha? Suponho que eu devesse ter tomado a iniciativa de falar com ela? Ela provavelmente estava com a cabeça cheia e simplesmente não me viu?

Enxerga o padrão nos três tipos de reação? Na primeira, você culpa a outra pessoa e guarda ressentimento. Na segunda, você culpa a si mesmo. Na terceira, você não culpa a ninguém; você talvez fique embaraçado, mas não fica com raiva. O primeiro tipo de disposição chama-se extrapunitivo, inclinado a culpar os outros. O segundo é intrapunitivo, culpando a si mesmo por suas próprias frustrações. O terceiro é impunitivo, não atribuindo culpa nenhuma e tentando ignorar a frustração. A vida de virtude exige de nós que nos esforcemos sempre pela segunda ou terceira: culpar a si próprio ou não culpar ninguém. É bom, e necessário, refletir e determinar que tipo de incidentes fazem mais prontamente com que você se sinta frustrado, e como é que você lida com essas situações. As frustrações são parte inescapável da vida, e o modo como você reage a elas é uma chave para a sua personalidade. Se você está insatisfeito com o seu ambiente, seu emprego, até mesmo seus entes queridos, você pode talvez sair à cata de alguém a quem culpar, enquanto a possível causa que se deveria investigar primeiro é a imaturidade ou alguma outra inadequação sua. Talvez você não se ajuste bem à vida em geral. Considere estas questões: você é inconsistente no seu comportamento? Você é emocionalmente estável? Você tem um sentimento injustificado de insegurança? Considera que você procura dar, em vez de obter, satisfação? Você é ostentoso? Acha que tem um senso de humor satisfatório?

Nossa vida na terra é uma guerra, e em todas as esferas devemos esperar topar com provação, adversidade, reveses, todos os quais podem ser utilizados para o nosso bem mediante a virtude da paciência. Se queremos adquirir a equanimidade e o autocontrole conducentes à paciência, três reflexões: (i) Quão pouco é o que temos de suportar, em comparação com o que já merecemos por nossos pecados. Se isso falhar em nos comover, devemos rezar por um sentido mais aguçado do pecado, e pedir a Nosso Senhor que elimine em nós todo traço de complacência, de presunção e de fraude. (ii)Considerar a paciência exemplar do nosso Salvador e o sofrimento que Ele suportou por nossos pecados durante Sua Paixão e Morte. (iii) Nós devemos fixar a mente na santa Vontade de Deus, Que nos envia provações para o nosso maior bem, Que sabe o que é melhor para nós, e dispõe tudo para o melhor, se nos resignarmos ao Seu cuidado amoroso.

[Apêndice 3 – “Há Fumaça sem fogo”

Texto de John S. Daly escrito entre os anos 1990 e 2010 para o a edição de outubro de 2010 da extinta revista The Four Marks.

Quanto crédito se deve dar a relatos depreciativos sobre o próximo? Querendo ser prudente, muito pouco. E, querendo ser um discípulo de Jesus Cristo, ainda menos. Pois embora ninguém que mantenha a Fé nos últimos anos do século vinte possa duvidar de que há muito mal no mundo, não se segue que este ou aquele indivíduo pode com segurança ser presumido culpado do mal específico atribuído a ele. “A lei cristã que proíbe juízos temerários não é mera caridade; é também uma regra de prudência e de boa lógica”, diz o filósofo católico espanhol Balmes na sua Arte de Alcançar a Verdade. [N. do T. – Ligação acrescentada pelo tradutor; há edição desta obra-prima fácil de encontrar em português, sob o título “O Critério”.] E a experiência não nos autoriza a confiar no opróbrio popular – temos somente que advertir para as ocasiões em que nós próprios fomos objeto de difamação, para notar quão pouco confiável é o boato, mas quão prontamente é acreditado. É realmente, como escreveu Virgílio há mais de dois mil anos, o mais veloz dos males, incansável em suas viagens e sempre a ganhar mais força à medida que avança, recitando fato e ficção indiscriminadamente; um monstro de línguas sem conta e igual número de ávidos ouvidos. (1) Se podemos confiar no Evangelho, nos santos e nos mestres da vida espiritual, devemos antes desconfiar dos nossos próprios sentidos que pensar mal de nosso próximo quando o contrário é possível, não importa o quanto possa parecer improvável. E as línguas dos mexeriqueiros não são mais confiáveis do que os nossos próprios sentidos.

Até aqui, ousamos dizer que o leitor concorda conosco. O princípio que acabamos de enunciar atrai amplo consenso, mesmo da parte daqueles que não têm tanta prontidão em pô-lo em prática. Mas esse consenso não dura, quando o que está em jogo é um grande número de católicos incluindo gente boa, piedosa e mesmo extraordinariamente santa que concorde unanimemente em atribuir crimes horríveis a este ou aquele indivíduo, com a certeza de testemunhas visuais que relatam não por malícia para com o malfeitor, mas por caridade para com os seus ouvintes, a fim de transmitir um alerta oportuno. O que pensa o leitor de um caso assim?

Sem dúvida alguma, uma unanimidade dessas deveria pôr-nos em guarda quanto à possibilidade de o testemunho ser verdadeiro. Sem dúvida alguma, caso estejamos entre os interessados, ela pode mover-nos a fazer investigações ou a tomar precauções. Mas não nos dá o direito de acreditar. Não nos dá o direito de positivamente pensar mal do nosso próximo. Não nos dá o direito de supor que, em meio a tantas acusações vindas de tantas partes, deva haver no mínimo alguma verdade. Pois se indignação, repulsa e reprovação coletivas são por vezes a sorte do perverso, elas são invariavelmente a sorte do justo.

Não importa quem censure, não importa quantos sejam, não importa o quão santos, não importa o quão enérgicos, não importa o quão aparentemente dignos de crédito, devemos continuar considerando perfeitamente possível que o acusado seja inteiramente inocente. O ditado “onde há fumaça, há fogo” é um dos mais falsos e mais perniciosos no repertório dos provérbios.

Considere-se apenas as acusações dirigidas contra Nosso Divino Senhor. Deus Mesmo, ele foi acusado de blasfêmia, mais: foi julgado culpado de blasfêmia pela suprema autoridade religiosa existente naquele tempo. “Ele blasfemou”, disse Caifás; “que necessidade temos de mais testemunhas?” (Mateus 26:65) A Sabedoria Mesma, onisciente, ele foi descartado como um ignorante: “Como esse homem sabe letras, nunca tendo estudado?” (João 7:15) Ele foi escarnecido como falso profeta (Lucas 22:64), desprezado como louco (João 10:20), chamado de glutão e de beberrão (Lucas 7:34). Ele foi acusado de heresia, de magia negra, de possessão diabólica, e até mesmo de ser Ele Próprio um demônio! (João 8:48, Mateus 9:34 e 10:25)

Tudo isso era, para dizer o mínimo dos mínimos, fumaça sem fogo. De fato, era tão oposto à verdade – à verdade manifesta – que injustiça maior não se pode imaginar. E isso talvez mova o leitor a supor que o de Nosso Senhor era um caso especial. Mas Nosso Senhor Mesmo nos ensina o oposto: “Se chamaram Beelzebul ao pai de Família, quanto mais aos seus domésticos?” (Mateus 10:25) Se Cristo foi injustamente difamado, Seus fiéis seguidores hão de ser ainda maisterrivelmente difamados do que Ele.

Talvez se diga ainda que vozes se elevaram em favor de Nosso Senhor: “Ele tem feito bem todas as coisas.” (Marcos 7:37) Mas não foi assim na Sua Paixão. À primeira vista de modo mais fiável, talvez se argumente que os acusadores de Nosso Senhor eram homens maus, que resistiam à evidência, e que a condenação por grande número de pessoas virtuosasnão é de se esperar a não ser que a pessoa acusada tenha feito algo de errado, ainda que isso tenha sido exagerado. Fiável? Demasiadas vezes, receamos nós, aqueles que argumentam dessa forma são prontos demais a atribuir virtude aos tagarelas a quem querem dar ouvidos, para se justificarem a si próprios em atribuir o oposto da virtude às suas vítimas. Mas, mesmo quando as censuras são pronunciadas com unanimidade por bons católicos, ainda assim pode haver fumaça sem fogo. Deixemos o Padre Faber relatar-nos algumas provas sobre se a condenação unânime por parte de bons católicos é prova de culpa:

“…o sofrimento, e de todos os sofrimentos especialmente a perseguição e a oposição por parte de homens bons, parece ser um acidente inseparável da santidade, tão logo e na medida em que seja heroica… Tomemos alguns exemplos, para não ficarmos abertos ao exagero… Na causa de Sta. Teresa [de Ávila], lemos que ela foi tão completamente abandonada por todos, que ninguém sequer ouvia suas confissões. Os auditores dizem-nos de São João de Deus e de São Jerônimo Emiliano que eles foram contados entre os loucos e tratados como tais; Surius diz-nos quase o mesmo de São Luiz, rei da França… São Filipe Neri foi perseguido por prelados romanos sob os Papas Paulo IV e São Pio V; as peregrinações dele às Sete Igrejas foram atribuídas com desprezo à vanglória ou a um humor sedicioso, e ele foi desgraçado. Sto. Afonso de Ligório, depois de ter sido perseguido pelo Pe. Ripa e transformado no motivo de chacota de Nápoles, mal havia sido desertado por seus primeiros companheiros, Mandarini e outros, em Scala, quando foi denunciado nominalmente dos púlpitos da capital como advertência a outros ‘sonhadores autossuficientes’. Sta. Teresa foi denunciada à inquisição, assim como o foi Sto. Inácio de Loyola… O glorioso São José Calasâncio, cuja vida é tal estudo para estes tempos, foi convocado perante a Inquisição; ele foi destituído de seu ofício de Geral; sua ordem foi abolida e reduzida a simples congregação e não foi restaurada senão depois da morte dele, por Clemente IX. Tudo isso foi em Roma e sob os olhos dos Soberanos Pontífices;… e contam-nos que tão frequentes e dolorosas foram as perseguições que São José Calasâncio suportou de bons homens e prelados com autoridade, que os postuladores ficaram mais de uma vez a ponto de desesperar da causa e desistir, tal era a tediosa dificuldade que tinham em bem fundamentar seu caso contra o Promotor da Fé… Mais: até mesmo a ausência desse tipo de perseguição parece ter equivalido quase a uma objeção no caso de Sta. Francisca Romana; insinuou-se que ela estava entrando na sua glória sem esse sofrimento.”
(Essay on Beatification, Canonization and the Processes of the Congregation of Rites [Ensaio sobre a Beatificação, a Canonização e os Processos da Congregação dos Ritos], Londres, Richardson and Son, 1848. Grifo nosso.)

Conseguimos imaginar só uma última objeção. Talvez se diga que, de fato, os santos e Nosso Senhor podem ter sido acusados erroneamente e deles ter-se pensado mal equivocadamente, mesmo por parte dos bons, mas que ninguém nem sequer alega que o indivíduo acusado seja um santo. Na melhor das hipóteses, ele não passa de um pecador ordinário e, portanto, não receberia a provação da calúnia e da detração injusta como um privilégio de santidade. Logo, a única explicação credível da desaprovação popular a ele é que ela foi merecida.

Mas não. Se os santos podem ser vítimas de censura injusta, também o podem os pecadores. E estes têm mais necessidade da nossa caridade do que têm os santos.

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(1) Fama malum qua non aliud velocius ullum.
Mobilitate viget virisque adquirit eundo;
…monstrum horrendum…
tot linguae, totidem ora sonant, tot subrigit auris.
(Æneida IV, 173 et seq.)

Trad. de Felipe Coelho

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