Pe. Hervé Belmont | 2012
As blasfêmias públicas, nítidas, intencionais, se multiplicam. Em face desse desencadeamento de ódio – pois é preciso chamá-lo por seu nome –, os católicos ficam muitas vezes desarmados e sem saber como reagir. Seguem algumas reflexões, nem infalíveis nem definitivas, que podem ajudar a enxergar claro aqui.
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Blasfêmia é uma palavra (dos lábios ou do coração, ou então um ato eloquente) que constitui injúria a Deus, especialmente pela negação da fé ou pela proferição de mentira a Seu respeito. Santo Agostinho, em seu Contra Mendacium, define-a assim: “Blasphemia est per quam de Deo falsa dicuntur — a blasfêmia é aquilo pelo que são ditas coisas falsas sobre Deus”. E Santo Tomás de Aquino (IIa-IIæ q. 13 a. 1) explica que a blasfêmia é um ataque à confissão da fé, pois ela nega a bondade de Deus:
“A palavra blasfêmia implica, ao que parece, uma certa derrogação a uma bondade eminente e, sobretudo, à bondade divina. Ora, diz São Dionísio Areopagita, Deus ‘é a essência mesma da verdadeira bondade’. Por conseguinte, tudo o que convém a Deus pertence à Sua bondade, e tudo o que não lhe pertence está longe dessa razão de perfeita bondade, que é Sua essência. Logo, aquele que, ou nega sobre Deus alguma coisa que a Ele convém, ou então afirma sobre Ele o que não lhe convém, golpeia a bondade divina. Um tal ataque pode ocorrer de dois modos: ou ele se dá apenas seguindo a opinião da inteligência, ou a ele se junta uma certa detestação do sentimento. Isso faz com que esse tipo de afronta à bondade divina esteja ou no pensamento somente, ou também no afeto. Se ele se concentra unicamente no coração, é a blasfêmia do coração; mas, se ele se externa com palavras, é a blasfêmia da boca. Nisso a blasfêmia se opõe à confissão da fé.”
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É importante notar isto: negar a existência de Deus ou sua Providência, negar o mistério da Santíssima Trindade ou da Encarnação Redentora: todas essas negações são blasfêmias; e o são tanto quanto, e mais ainda, do que injuriar a Deus, insultá-Lo ou desonrá-Lo. O judaísmo, que recusa reconhecer em Jesus Cristo o Messias Filho de Deus, o islão, que nega que Ele é Deus Filho, um com Seu Pai, o ateísmo e o deísmo, essas negações fundamentais da fé são blasfêmias contra Deus: elas injuriam-nO por natureza. Logo, não se deve restringir a caracterização da blasfêmia à sonoridade das palavras ou às gesticulações exteriores; as contra verdades sobre Deus são blasfêmias, mesmo se adotam a aparência de moderação, de sapiência. É preciso também notar o seguinte: estamos numa sociedade em que a blasfêmia tornou-se institucional (na França, ela é até constitucional); ela é permanente, ela contamina toda a vida pública e torna-se, para cada um dos membros da sociedade, um risco tremendo, que se insinua nos corações como que à revelia deles. A ordem social apóstata é, portanto, uma forma especialmente grave de blasfêmia. Também aí, cumpre não se deter no escândalo exterior: a blasfêmia larvada é mais grave e mais perigosa.
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Estando isso estabelecido – será importante recordar-se disso quando formos refletir sobre o problema da colaboração –, passemos ao fato das “obras artísticas” blasfemas: teatro, cinema, esculturas, pinturas etc. As blasfêmias são uma abominação que ultraja o bom Deus e são a mais negra ingratidão para com Ele. As blasfêmias públicas atraem a cólera de Deus e são o maior atentado contra o bem comum. Este é o dado fundamental.
Se possuímos alguma autoridade pública, cumpre reagir fazendo uso dessa autoridade pública. Qualquer outra atitude é a negação mesma da autoridade.
Se não possuímos autoridade nenhuma, encontramo-nos perante uma eventual dupla obrigação: 1/ de correção fraterna; 2/ de reparação do escândalo e de prevenção contra suas devastações. É o que cumpre examinar.
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Essas duas obrigações derivam dos mesmos princípios, e pode-se, portanto, tratá-las em comum. Há que considerar dois elementos: a eficácia da reação e os meios empregados. A reação sobrenatural, aquela que consiste em “consolar” a Deus com uma caridade intensificada e em reparar o ultraje por um aumento das orações e penitências, essa reação é sempre reta e eficaz. A Santíssima Virgem Maria estava de pé, em silêncio, ao pé da Cruz; ela não estava prestes a marchar em passeata para Jerusalém. A manifestação fora organizada pelos que haviam gritado Barrabás, apagando a lembrança do desfile de Ramos, que não deu frutos a longo prazo…
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Pode-se, ou mesmo deve-se, contemplar uma reação pública. Mas faz-se mister que ela seja eficaz, e mais ainda: que ela não utilize meios que se voltarão contra a finalidade inicial. É aí que cumpre lembrar que há uma lógica dos meios, uma lógica mais forte do que a intenção de que neles se põe, mais forte do que a atenção que a eles se presta ou se pretende prestar. Utilizar meios inadequados ou meios maus é, com certeza, encontrar-se no sentido inverso à direção de partida. O que permite eliminar já de cara as manifestações e petições: estes são meios fundados na “soberania popular”, cuja argumentação fundamental é: nós somos numerosos, na falta de: nós somos os mais numerosos. Nem verdade, nem ordem, nem virtude, nem Deus nesses meios: eles são compatíveis com a blasfêmia institucional de que se tratou mais acima; é de temer que a ela não se somem. Resta, assim, a intervenção direta e as cerimônias reparadoras públicas. Não há objeção alguma, bem evidentemente, quanto às segundas, se elas não forem manifestações disfarçadas.
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Uma primeira forma de intervenção direta é a oração pública no local da blasfêmia. Aplaudo efusivamente. Fiquei muito impressionado com os jovens que se puseram de joelhos no palco do teatro blasfemador de Paris e recitaram o terço. É divinamente eficaz: “Quando dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estou entre eles.”
— “Todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai que está nos Céus.” Era também humanamente eficaz: paralisador e ridicularizador para os organizadores ripongas, que fizeram chamar as CRS (Companhias Republicanas de Segurança)! Honra à coragem desses jovens, e à sua oração edificante!
O outro tipo é a intervenção física. Não se deve exclui-la, longe disso. Os inimigos de Jesus Cristo contam demais com a nossa frouxidão. Mas é necessário que ela seja guiada pela prudência (a prudência que é a virtude dos mártires, e não a falsa prudência que é o vício dos covardes): no que se refere ao efeito, no que se refere ao cômpito global. Assim, honra a Avignon àqueles (àquele?) que despedaçaram a pretensa “obra artística” que blasfemava o crucifixo: tanto porque quebraram o objeto, quanto porque agiram de maneira a não se fazerem prender.
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Qual colaboração solicitar ou aceitar para esse gênero de ação? Com qual apoio espontâneo devemos nos rejubilar? Não havendo uma grade universal a aplicar, é preciso, todavia ter em máxima consideração o que foi recordado supra: as negações de Jesus Cristo (mesmo silenciosas) são, também elas, blasfêmias, e blasfêmias fundamentais. Não se combate uma blasfêmia pela complacência com outras blasfêmias. Talvez seja aqui o local de recordar a comparação sempre esclarecedora feita pelo Padre Pedro Descoqs, S.J. (1877- 1946):
“Suponhamos que dois grupos de homens, um de crentes e outro de não-crentes, se ponham de acordo para carregar os elementos pesados de um andaime até o adro da catedral de Notre-Dame. O primeiro grupo tem a intenção de construir o andaime para a restauração da fachada. O segundo quer construir o andaime, mas utilizá-lo para incendiar a igreja. Os dois grupos pareceriam de acordo sobre o resultado imediato: levar os pedaços de madeira para a frente da catedral. Mas as intenções e os objetivos de uns e de outros são contraditórios. Logo, seu connubium é muito simplesmente imoral e, portanto, tem de ser condenado sem reserva. Mas suponhamos, em contrapartida, que esses dois grupos tenham combinado transportar os elementos do andaime e queiram ambos servir-se disso para restaurar a fachada da igreja. É verdade que o primeiro por espírito de fé e para honrar a Deus, enquanto o segundo quer simplesmente preservar uma maravilha artística e um patrimônio da antiga França. Embora seja menos elevada, esta segunda intenção não é nada imoral. Não se vê, portanto, onde estariam a injustiça e imoralidade nos católicos que colaborassem com o segundo grupo, com vistas ao mesmo resultado prático a obter: transportar os elementos pela praça de Notre-Dame, pois uns como outros buscam cooperar na mesma boa ação.”
Qual a verdadeira finalidade daqueles que se propõem a juntar-se a nós? Eis a questão que cumpre resolver: a finalidade que eles buscam e a finalidade dos meios que eles empregam.
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É verdade que isso que digo não parecerá bastante concreto. Mas há que ver em cada caso, há que purificar a própria intenção, há que orare e laborare para saber o que convém fazer. Mas repito duas coisas que me parecem as mais concretas e mais imperativas.
A primeira reação deve ser de “consolação” (se alguém ultraja minha mãe, vou primeiro consolá-la e apoiá-la, antes de pensar em me voltar contra quem a ofendeu).
Há uma lógica dos meios, que é tenacíssima. Por isso, em nada se deve ceder aos meios fundados nos princípios dos inimigos que se quer combater: senão, o resultado não passará de publicidade às obras blasfemadoras, sem falar na diluição ou mesmo inversão dos princípios sãos e santos professados de início. Como eu disse ao principiar, estas poucas notas são mais um arroteamento do que uma conclusão firmemente amadurecida: mas podem ser úteis à reflexão.
Trad. por Felipe Coelho, de: “Les catholiques face au blasphème”
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