MEDITAÇÕES PARA O ADVENTO – I SEMANA

Santo Afonso de Ligório | século XVIII

DOMINGO

A TEMERIDADE DO PECADOR E O DIA DO JUÍZO

Videbunt Filium hominis venientem in nube cum potestate magna et maiestate – “Verão o Filho do homem que virá sobre uma nuvem com grande poder e majestade” (Lc 21, 27)

Sumário. Uma consideração séria nos ensina que não há atualmente no mundo pessoa mais desprezada de que Jesus Cristo; pois é injuriado tão continuamente e com tão desenfreada liberdade, como não o seria o mais vil dos homens. Eis por que o Senhor destinou um dia, no qual virá, com grande poder e majestade, a reivindicar a sua honra. Recorramos agora ao trono da divina misericórdia, para que naquele dia não sejamos condenados pela justiça de Deus.

I. CONSIDERANDO BEM, NÃO há no mundo atualmente quem seja mais desprezado que Jesus Cristo. Trata-se com mais consideração um aldeão do que o próprio Deus. Receiam que o aldeão ao ver-se por demais ofendido, se encolerize e tire vingança; Deus, porém, é ofendido incessantemente e de caso pensado, como se não pudesse vingar-se quando quisesse. Por isso o Senhor marcou um dia (chamado com razão, na Sagrada Escritura, o dia do Senhor, Dies Domini, quando vai dar-se a conhecer tal como é: Cognoscetur Dominus iudicia faciens (Sl 9, 17). Diz São Bernardo, explicando este texto: O Senhor será conhecido quando vier a fazer justiça, ao passo que agora, porque quer usar de misericórdia, é desconhecido. Então esse dia não mais se chama de misericórdia e de perdão, senão “dia de ira, dia de tribulação e de angústia, dia de calamidade e de miséria” (Sf 1, 15).

Conforme nos ensina o Evangelho de hoje, esse dia será prece. dido de sinais pavorosos. Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; na terra os povos estarão angustiados sob o rugido surdo e confuso do mar e das ondas; os homens morrerão com medo dos males que hão de vir sobre o mundo. Por fim, as virtudes dos céus (isto é, na interpretação dos Padres, os noves coros dos Anjos) se comoverão, e então se verá aparecer sobre as nuvens o Filho do homem, com grande poder e majestade, a reivindicar a glória que os pecadores nesta terra lhe quiseram tirar.

Diz Santo Tomás: “Se, no horto de Getsêmani, com as palavras de Jesus Cristo: Ego sum, caíram por terra os soldados que o tinham vindo prender, que será, quando Jesus, sentado para julgar, disser aos condenados: Aqui estou, sou eu aquele a quem tanto haveis desprezado…; que será quando pronunciar contra eles a sentença eterna: ‘Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno!’ Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum!” (Mt 25, 41).

II. O dia do juízo, assim como será para os réprobos um dia de pena e de terror, será, ao contrário, para os escolhidos um dia de regozijo e triunfo; porque, então, à vista de todos os homens, as suas beatas almas serão proclamadas rainhas do paraíso e feitas esposas do Cordeiro imaculado. Ó! Que ventura experimentarão os bem-aventurados, quando Jesus, voltando-se para a direita, lhes disser: Vinde, meus benditos filhos, vinde possuir o reino dos céus que vos foi preparado: possidete paratum vobis regnum! (Mt 25, 34).

Irmão meu, o que será de ti naquele dia? São Jerônimo, quando passava os dias na Gruta de Belém, em contínuas orações e morti-ficações, tremia só em pensar no Juízo Universal. O venerável Pe. Juvenal Ancina, lembrando-se do Juízo ao ouvir cantar a sequência da Missa de defuntos, Dies irae, dies illa, deixou o mundo e fez-se religioso. E tu, o que fazes para mereceres no dia do Juízo as bênçãos divinas, em companhia dos escolhidos?

Com o intuito de nos preparar para o Santo Natal, a Igreja propõe hoje o Juízo à nossa meditação. Sabendo que Nosso Senhor, na sua primeira vinda, apareceu num trono de graça e que na segunda aparecerá num trono de justiça rigorosíssima, quer que procuremos agora recorrer a Jesus a fim de experimentarmos os efeitos de sua infinita misericórdia. Aproximemo-nos com confiança do trono de graça: Adeamus ergo cum fiducia ad thronum gratiae (Hb 4, 16).

Ah! Jesus meu e meu Redentor, Vós que um dia haveis de ser o meu juiz: perdoai-me antes que chegue este dia. Agora, sois meu Pai, e como tal recebeis na vossa graça um filho que, arrependido, se prostra a vossos pés. Meu Pai, eu Vos amo de todo o meu coração e no futuro não me quero mais afastar de Vós, não quero mais ter a temeridade de voltar a ofender-Vos.

Mas já que conheceis a minha fraqueza, ajudai-me com a vossa graça. “Excitai, Senhor, o vosso poder e vinde em meu auxílio, a fim de que, mediante a vossa proteção, livrado dos perigos iminentes por causa de meus pecados, mereça ser salvo por Vós”. Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima.

SEGUNDA-FEIRA

O PECADO DE ADÃO E O AMOR DE DEUS PELOS HOMENS

Et nunc quid mihi est hic, dicit Dominus, quoniam ablatus est populus meus gratis? – “E agora, que tenho eu que fazer aqui, diz o Senhor, visto ter sido levado sem nenhuma razão o meu povo?” (Is 52,5)

Sumário. Peca Adão, nosso primeiro pai, e em castigo de seu pecado é expulso do paraíso terrestre com toda a sua descendência condenado a uma vida de misérias e excluído para sempre do Céu. O Senhor, porém, teve compaixão dele, e como se a sua beatitude dependesse da dos homens, e ele não pudesse ser feliz sem estes, resolveu a todo o custo salvá-los. Ó incompreensível amor de Deus! Mas, como é que nós lhe temos correspondido?

I. ADÃO, NOSSO PRIMEIRO pai, peca; desagradecido por tantos benefícios recebidos, revolta-se contra Deus, transgredindo o preceito de não comer da árvore proibida. Por esse motivo vê-se Deus constrangido a expulsá-lo agora do paraíso terrestre e a privar no futuro, tanto Adão como todos os descendentes deste revoltoso, do paraíso celeste e eterno, que lhes havia preparado para depois desta vida temporal.

Eis, pois, todos os homens condenados a uma vida de trabalhos e misérias, e para sempre excluídos do Céu. O demônio tem poder sobre eles, e incalculáveis são os estragos que o inferno continuamente faz.

Vendo, porém, o Senhor os homens reduzidos a tão mísero estado, compadeceu-se deles. Mas, como nos dá a entender o profeta Isaías, parece que Deus, por assim dizer, se lamenta e se aflige, dizendo: Et nunc quid mihi est hic, quoniam ablatus est populus meus gratis? – “E agora, que tenho eu que fazer aqui, visto ter sido levado sem nenhuma razão o meu povo?”. Como se quisesse dizer: Que me restou de delícia no paraíso, uma vez que perdi os homens que eram as minhas delícias? Mas, não; quero a todo o custo salvá-los, venha, por isso, um redentor, que em lugar do homem satisfaça à minha justiça e assim o redima da morte eterna.

Mas, meu Senhor, tendes no Céu tantos serafins e tantos anjos, e de tal modo Vos aflige o terdes perdido os homens? Que necessidade tendes Vós, tanto dos anjos como dos homens para a perfeição de vossa beatitude? Sempre tendes sido e sempre sois felicíssimo em Vós mesmo: que poderá jamais faltar à vossa felicidade que é infinita? – Tudo isso é verdade (assim o faz responder o cardeal Hugo), mas, perdido o homem, afigurasse-me ter perdido tudo, porquanto as minhas delícias eram estar com os homens; agora perdi os homens, e os infelizes estão condenados a viver sempre longe de mim. – Ó amor imenso de Deus! Ó amor incompreensível! Ó amor infinito!

II. Ó meu Senhor, como é possível que, depois de terdes reparado, com a morte do vosso divino Filho, os danos causados pelo peca-do, tenha eu tornado tantas vezes a renová-los voluntariamente, com as ofensas que Vos tenho feito? Vós me salvastes à custa de tamanhos sacrifícios, e eu tão repetidas vezes tenho querido perder-me, perdendo-Vos, a Vós, Bem infinito. Inspirai-me, porém, confiança à vossa palavra, que, se o pecador se converter a Vós, não Vos recusareis a abraçá-lo: Convertimini ad me et convertar ad vos – “Convertei-vos a mim e eu me converterei a vós” (Zc1, 3). Vede, Senhor, eis que sou um daqueles rebeldes, um ingrato e traidor que por mais de uma vez Vos voltei as costas e Vos expulsei da minha alma. Pesa-me de todo o coração de Vos haver assim ofendido e desprezado a vossa graça. Pesa-me, e amo-Vos acima de todas as coisas. A porta do meu coração já está aberta para Vós: entrai nele, mas entrai para nunca mais Vos retirardes. Sei que nunca Vos retirareis, se eu não tornar a expulsar-Vos. Eis aí o que me faz medo, eis aí também a graça que espero pedir-Vos sempre; deixai-me morrer antes que venha a cometer para convosco semelhante nova e maior ingratidão.

Jesus, meu caro Redentor, pelas ofensas que Vos tenho feito mereceria não mais poder amar-Vos; mas pelos vossos méritos, peço-Vos o dom do vosso santo amor. Por isso fazei com que eu conheça o grande bem que sois, o amor que me tendes dedicado e quanto tendes feito para me obrigar a Vos amar. Ah! Meu Deus e Salvador meu, que eu não viva doravante tão ingrato à vossa tão grande bondade. Não quero separar-me mais de Vós, meu Jesus. Basta de pecados. É justo que eu empregue os anos de vida que me restam inteiramente em Vos amar e dar- Vos gosto. Jesus meu, Jesus meu, ajudai-me; ajudai um pecador que Vos quer amar. – Ó Maria, minha Mãe, vós podeis tudo para com Jesus, visto que sois sua Mãe. Dizei-lhe que me perdoe; dizei-lhe que me prenda com os laços do seu santo amor. Vós sois a minha esperança; confio em vós.

TERÇA-FEIRA

O DECRETO DA ENCARNAÇÃO DO VERBO

Et audivi vocem dicentis: Quem mitam? Et quis ibit nobis? Et dixi: Ecce ego, mitte me – “E ouvi a voz de quem dizia: Quem enviarei eu? E quem nos irá lá? Então disse eu: Aqui me tens a mim, envia-me” (Is 6, 8)

Sumário. Embora o Filho de Deus previsse a vida penosa que teria de levar, submeteu-se contudo de boa vontade ao decreto da Encarnação, ofereceu-se mesmo a fazer-se homem. E isso não só a fim de satisfazer plenamente à justiça divina, mas também para nos mostrar seu amor, e obrigar-nos a que O amemos sem reserva. Como é que até o dia de hoje temos respondido a tão grande benefício?

I. AFIGURA-SE A SÃO Bernardo [Opusc. 63] em sua contemplação sobre a condição do gênero humano depois do pecado do primeiro homem, ver travarem contenda a justiça divina e a misericórdia.

Estou perdida – diz a justiça – se Adão não for punido.

A misericórdia, ao contrário, replica: Estou eu perdida, se o homem não for perdoado.

Em vista de tal contenda, o Senhor decide que, para salvar o homem réu de morte, há de morrer um inocente: Moriatur qui nihil debeat morti.

Na terra, porém, não se achava um que fosse inocente.

Portanto – disse o Pai Eterno – já que entre os homens não há quem possa satisfazer à minha justiça, quem irá resgatar o homem? Os anjos, os querubins, os serafins, todos guardam silêncio, ninguém responde; só responde o Verbo Eterno e diz: Ecce ego, mitte me – “Aqui me tens a mim, envia-me”.

Meu Pai – diz o Filho unigênito – a vossa majestade, por ser infinita, e ofendida pelo homem, não pode ser plenamente satisfeita por um anjo, que é uma pura criatura. E ainda que Vós quisésseis contentar com as satisfações de um anjo, considerai que, apesar de tantos benefícios prestados ao homem, apesar de tantas promessas e ameaças, não conseguimos ganhar o seu amor, porque até hoje não conheceu o amor que lhe tínhamos. Se quisermos obrigá-lo irresistivelmente a amar-nos, que ocasião se nos pode deparar mais própria do que esta? Permite que, para remir o homem, eu, vosso Filho, desça sobre a terra e tome a natureza humana; permite que, pagando com a minha morte as penas devidas ao homem, satisfaça plenamente a vossa justiça divina, e o homem fique bem convencido do nosso amor.

Mas considera, meu Filho – assim torna o Pai – considera que, encarregando-Te de pagar pelos homens, terás de levar uma vida toda de trabalhos, e os homens Te pagarão com a mais negra ingratidão. Depois de teres vivido trinta anos como simples auxiliar de um pobre artífice, quando afinal saíres a pregar e a manifestar quem és, haverá, é verdade, uns poucos que Te queiram seguir; mas a maior parte dos homens Te desprezará, chamando-Te impostor, feiticeiro, louco, samaritano, e finalmente te farão morrer ignominiosamente, exausto de tormentos, sobre um lenho infame.

Não importa – responde o Filho – a tudo me sujeito, contanto que seja salvo o homem: Ecce ego, mitte me – “Aqui me tens a mim, envia-me”.

E assim foi decretado que o divino Filho se fizesse homem e redentor dos homens. O amor incompreensível de Deus! Mas como temos nós até este momento respondido a tão grande benefício?

II. O Verbo Eterno, Vós Vos fizestes homem para nos remir e acender em nossos corações o divino amor; como foi possível que encontrásseis nos corações dos homens tão grande ingratidão? Vós nada poupastes para Vos fazer amado dos homens; chegastes a dar o vosso sangue e a vossa vida; como é que os homens se mostram tão ingratos para convosco? Ignoram-no porventura? Não; sabem e creem que por eles viestes do Céu para revestir-Vos de carne humana e tomar sobre Vós as nossas misérias; sabem que por amor deles levastes uma vida penosa e abraçastes uma morte ignominiosa: como vivem então assim esquecidos de Vós? Amam aos parentes, amam aos amigos, amam os próprios animais; somente para convosco são tão frios, tão ingratos.

Mas ai de mim! Acusando aqueles ingratos, acuso-me a mim próprio, que pior do que os outros Vos tenho tratado! Anima-me, porém, a vossa bondade, que me tem tolerado tanto tempo a fim de perdoar-me, contanto que eu queira arrepender-me e amar-Vos. Sim, meu Deus, quero arrepender-me; pesa-me de toda a minha alma de Vos ter ofendido e quero amar-Vos de todo o meu coração. Reconheço, ó meu Redentor, que o meu coração já não merece mais ser por Vós aceito, visto que Vos tem deixado por amor às criaturas; mas vejo que, não obstante isso, Vós ainda o quereis, e eu, com todo o poder de minha vontade, Vo-lo dou e consagro. Abrasai-o, pois, todo em vosso santo amor, e fazei com que de hoje em diante não ame senão a Vós, bondade infinita, digna de infinito amor. Amo-Vos, Jesus meu, amo-Vos, meu sumo Bem, amo-Vos, ó amor único de minha alma. — Ó Maria, minha Mãe, vós, que sois a mãe do belo amor, impetrai-me a graça de amar o meu Deus; de vós a espero.

QUARTA-FEIRA

O VERBO SE FAZ HOMEM NA PLENITUDE DOS TEMPOS

Ubi venit plenitudo temporis, misit Deus Filium suum, factum ex muliere, factum sub lege – “Quando veio a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, feito da mulher, feito sujeito à Lei” (Gl 4, 4)

Sumário. O divino Redentor demorou a sua vinda quatro mil anos, não somente para que fosse mais apreciada pelos homens, senão também para que melhor se conhecesse a malícia do pecado e a necessidade do remédio. Chegada que foi a plenitude dos tempos, enviou Deus um arcanjo à Santíssima Virgem e, obtido o consentimento desta, o Verbo se fez homem no seio puríssimo de Maria. Quanto não devemos agradecer ao Senhor o ter-nos feito nascer depois que se cumpriu tão grande mistério!

I. CONSIDERA COMO DEUS depois do pecado de Adão deixou decorrer mil anos antes de enviar à terra o seu Filho para remir o mundo. E, entretanto, que trevas desoladoras reinavam sobre a terra! O Deus verdadeiro não era conhecido nem adorado, senão apenas num canto da terra. Por toda a parte reinava a idolatria, de sorte que eram adorados como deuses os demônios, os animais e as pedras. Admiremos nisso a sabedoria divina. Demora a vinda do Redentor para torná-la mais aceitável aos homens: demora-a para que se conheça melhor a malícia do pecado, a necessidade do remédio e a graça do Salvador. Se Jesus Cristo tivesse vindo logo depois do pecado de Adão, a grandeza do benefício teria sido pouco apreciada. Agradeçamos, pois, à bondade de Deus, o ter-nos feito nascer depois de já realizada a grande obra da Redenção.

Eis que já é chegado o feliz tempo que foi chamado a plenitude do tempo: ubi venit plenitudo temporis. O Apóstolo diz: plenitudo, por causa da abundância da graça que por meio da Redenção o Filho de Deus vem trazer aos homens. Eis que já se envia o anjo embaixador à Virgem Maria na cidade de Nazaré para anunciar a vinda do Verbo que no seio dela quer encarnar-se. O anjo a saúda, chama-a cheia de graça e bendita entre as mulheres. A virgenzinha humilde perturba-se com esses louvores por causa da sua profunda humildade. O anjo, porém, anima-a e lhe diz que achou graça diante de Deus; isto é, a graça que estabelece a paz entre Deus e os homens, e repara os estragos ocasionados pelo pecado. Em seguida anuncia-lhe o nome de Salvador que deveria dar ao filho: Vocabis nomen eius lesum (Lc 1, 31) – “Pôr-lhe-ás o nome de Jesus”. Anuncia-lhe que seu filho seria o próprio Filho de Deus, que devia remir o mundo e desta forma reinar sobre os corações dos homens. Eis que afinal Maria consente em ser mãe de tal Filho: Fiat mihi secundum verbum tuum (Lc 1, 38) – “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. E no mesmo momento o Verbo Eterno se fez carne e ficou sendo verdadeiro homem: Et Verbum caro factum est (Jo 1, 14) – “E o Verbo se fez carne”.

II. O Verbo divino feito homem por mim, se bem que Vos veja tão humilhado e feito criança pequenina no seio de Maria, tenho e reconheço-Vos por meu Senhor e Rei, mas Rei de amor. Meu caro Salvador, visto que viestes sobre a terra e tomastes a nossa mísera carne a fim de reinar sobre os nossos corações, ah! Vinde estabelecer vosso reino também em meu coração, que em outros tempos esteve sob o domínio dos vossos inimigos, mas agora, assim o espero, é vosso. Quero que seja sempre vosso e que de hoje em diante Vós sejais o seu único senhor: Dominare in medio inimicorum tuorum (SI 109, 2) – “Reinai no meio dos vossos inimigos”. Os outros reis reinam pela força das armas, mas Vós vindes reinar com a força do amor, e por isso, não viestes com pompa real, não vestido de púrpura e ouro, não ornado com cetro e coroa, nem acompanhado de exércitos de soldados. Viestes para nascer numa estrebaria, pobre e abandonado, para ser posto numa manjedoura sobre um pouco de palha, porque é assim que quereis começar a reinar em nossos corações.

Ó meu Rei-Menino! Como tenho podido revoltar-me tantas vezes contra Vos e viver tanto tempo como vosso inimigo, privado de vossa graça, ao passo que Vós, para me obrigardes a Vos amar, abdicastes da vossa majestade divina e Vos humilhastes até ser visto, ora como criança numa lapa, ora como oficial numa loja, ora como réu sobre uma cruz? Feliz de mim, se tendo saído, conforme espero, da escravidão de Lúcifer, me deixe para sempre governar por Vós e pelo vosso amor! Ó Jesus, meu Rei, Vós que sois tão amável e tão enamorado de nossas almas, eia, tomai posse da minha; eu Vo-la dou toda inteira. Aceitai-a a fim de que Vos sirva sempre, mas Vos sirva por amor. A vossa majestade merece ser temida, mas a vossa bondade muito mais merece ser amada. Vós, ó meu Rei, sois e sereis sempre o meu único amor, e único temor que terei, será o de Vos dar desgosto. Assim espero. Ajudai-me com a vossa graça. – Querida Senhora minha, Maria, vós deveis impetrar-me a graça de fidelidade a este Rei amado da minha alma.

QUINTA-FEIRA

JESUS ILUMINA O MUNDO E GLORIFICA A DEUS

Creavit Dominus novum super terram – “O Senhor criou uma coisa nova sobre a terra” (Jr 31, 22).

Sumário. Antes da vinda do Messias, o mundo estava abismado na ignorância, e o Deus verdadeiro era apenas conhecido num cantinho da terra, na Judeia. De todas aquelas trevas livrou-nos Jesus Cristo, que desde o primeiro instante da sua conceição deu mais glória ao Pai Eterno do que lhe têm dado e darão todos os Anjos e Santos. Tomemos ânimo nós, os pobres pecadores, e ofereçamos a Deus Pai este Menino e ressarci-Lo-emos de todas as ofensas que Lhe temos feito.

I. ANTES DA VINDA do Messias, o mundo estava abismado na noite tenebrosa da ignorância e do pecado. No mundo, o Deus verdadeiro era conhecido tão somente num cantinho da terra, a saber, na Judeia: Notus in ludaea Deus – “Deus é conhecido na Judeia” (SI 75, 2). Em todo o resto do mundo eram adorados como deuses os demônios, os animais e as pedras. Em toda a parte reinava a noite do pecado, que cega as almas, enche-as de vícios, e priva-as da vista do estado miserável em que se acham, inimigas de Deus e condenadas ao inferno. Dessas trevas veio Jesus livrar o mundo. Livrou-o da idolatria dando-lhe o conhecimento do Deus verdadeiro; livrou-o do pecado com a luz de sua doutrina e dos exemplos divinos: O Filho de Deus veio ao mundo para destruir as obras do diabo (1Jo 3, 8).

O profeta Jeremias predisse que Deus havia de criar um novo Menino para ser o Redentor dos homens: Creavit Dominus novum super terram. Esse novo Menino foi Jesus Cristo, que faz as delícias do paraíso e é o amor de Deus Pai, que fala assim: Este é o meu Filho dileto em que deposito as minhas complacências (Mt 17, 5). É este Filho quem se fez homem. Embora criança nova, deu a Deus mais honra e glória no primeiro momento de sua criação do que lhe têm dado e durante toda a eternidade lhe poderão dar todos os Anjos e Santos juntos. Por isso é que no nascimento de Jesus os Anjos cantaram: Gloria in excelsis Deo – “Glória a Deus nas alturas”. Jesus Menino rendeu a Deus mais glória do que Lhe arrebataram os pecados de todos os homens.

II. Tomemos, pois, ânimo, nós, pobres pecadores. Ofereçamos ao Pai Eterno o divino Menino; apresentemo-Lhe as lágrimas, a obediência, a humildade, a morte e os méritos de Jesus Cristo e ressarciremos a Deus toda a injúria que com as nossas ofensas Lhe tenhamos feito.

Ah! Meu Deus eterno, eu Vos desonrei, pospondo tantas vezes a vossa vontade à minha, e a vossa santa graça às minhas satisfações vis e miseráveis. Que esperança de perdão poderia eu ter, se Vós não me tivésseis dado Jesus Cristo exatamente a fim de que fosse a esperança de nós, pecadores? Ipse est propitiatio pro peccatis nostris (1Jo 2, 2) – “Ele é a propiciação pelos nossos pecados”. Sim, porque Jesus Cristo, sacrificando a vida para satisfação das injúrias que nós Vos tínhamos feito, mais glória Vos deu, do que nós Vos desonráramos com os nossos pecados. Aceitai-me, pois, ó meu Pai, pelo amor de Jesus Cristo.

Pesa-me, ó Bondade infinita, de Vos ter ofendido. Não sou digno de perdão; mas Jesus Cristo é digno de ser por Vós atendido. Estando pregado na cruz por mim, Ele Vos pediu um dia: Pater, dimitte – “Pai, perdoai-lhes”; e mesmo agora no Céu Vos pede que me aceiteis por filho: Advocatum habemus lesum Christum, qui etiam interpellat pro nobis (1Jo 2,1) – “Temos por advogado Jesus Cristo, que também intercede por nós”. Aceitai um filho ingrato que primeiro Vos deixou, mas agora volta com a resolução de Vos amar. Sim, meu Pai, eu Vos amo e quero amar-Vos sempre. Ah! Meu Pai, agora que conheço o amor que me tendes tido e a paciência que por tantos anos haveis usado para comigo, não quero mais viver sem Vos amar. Dai-me um grande amor que me faça sempre chorar os desgostos que Vos tenho dado, a Vós, meu Pai tão bom, e me faça sempre arder de amor para com um Pai tão amante. Meu Pai, eu Vos amo, eu Vos amo, eu Vos amo. – Ó Maria, Deus é meu Pai e vós sois minha Mãe. Vós podeis tudo junto de Deus; ajudai-me; alcançai-me a santa perseverança e o seu santo amor.

SEXTA-FEIRA

QUAIS SEJAM OS QUE NA VERDADE SEGUEM A JESUS CRISTO

Si quis vult post me venire, abneget semetipsum, et tollat crucem suam quotidie, et sequatur me – “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia, e siga-me” (Lc 9, 23)

Sumário. Devemo-nos persuadir de que Deus nos conserva no mundo para que suportemos com paciência as tribulações que Ele mesmo nos envia para o nosso bem. Resolvamo-nos, pois, a recusar a nós mesmos aquilo que um amor-próprio desordenado nos pede; abracemos de boa vontade a nossa cruz de cada dia; e não nos cansemos de a carregar após Jesus Cristo até ao Calvário, isto é, até a morte.

1. FAÇAMOS HOJE ALGUMAS reflexões sobre estas palavras de Jesus Cristo. Si quis vult post me venire – “Se alguém quer vir após mim”. Jesus não somente quer que a Ele vamos, senão que vamos em seu seguimento. Jesus vai sempre para diante e não pára enquanto não chegar ao Calvário, onde irá morrer. Portanto, se O amamos, devemos segui-Lo até a nossa morte. Por isso faz-se mister que cada um se negue a si mesmo: abneget semetipsum; isto é, recuse a si mesmo o que o amor-próprio pede, mas que não é do agrado de Jesus Cristo.

Diz ainda: Tollat crucem suam quotidie et sequatur me – “Tome a sua cruz cada dia e siga-me”. Tollat, “tome”: de pouco serve carregá-la forçadamente; todos os pecadores a carregam, mas sem merecimento. Para a carregarmos com merecimento, devemos abraçá-la de boa vontade. – Crucem, a Cruz: sob o nome de cruz vem toda a tribulação, que por Jesus Cristo é chamada cruz, a fim de no-la tornar doce, com pensar que em uma cruz Ele morreu por nosso amor.

Jesus diz: suam, a sua cruz. Alguns, ao receberem qualquer consolação espiritual, se oferecem para sofrer o que tem sofrido os mártires: acúleos, unhas de ferro e lâminas candentes; mas, logo em seguida não sabem sofrer alguma dor de cabeça, uma falta de atenção da parte de um amigo, o enfado de um parente. Irmão meu, Deus não quer de ti que sofras nem cavaletes, nem unhas de ferro, nem lâminas candentes; mas quer que sofras com paciência essa dor, esse desprezo, esse aborrecimento. Tal outro quisera ir a um deserto para sofrer; quisera praticar grandes penitências; entretanto não sabe suportar um seu superior, um seu companheiro de ofício. Deus, porém, quer que ele carregue a cruz que lhe é dada para carregar, e não aquela que ele mesmo escolheu.

Ainda diz: quotidie, “cada dia”. Alguns abraçam a cruz no princípio, quando ela se apresenta; mas quando dura, dizem: “Não posso mais”. Todavia, Deus quer que continues a carregá-la com paciência, muito embora fosse preciso carregá-la sem cessar até à morte. Eis aí portanto em que consiste a salvação e a perfeição; consiste em cumprir estas três palavras: Abneget, recusemos ao amor-próprio o que não lhe convém. Tollat, abracemos a cruz que Deus nos envia. Sequatur, sigamos as pegadas de Jesus Cristo até a morte.

II. Devemo-nos, pois, persuadir de que Deus nos conserva no mundo, para que carreguemos as cruzes que nos envia; e é isto o que faz a nossa vida meritória. Porque nosso Salvador nos ama, veio sobre esta terra, não para gozar, mas para sofrer, a fim de que lhe sigamos as pegadas: Christus passus est pro nobis, vobis relinquens exemplum ut sequamini vestigia eius – “Cristo padeceu por nós, deixando-nos exemplo, para que sigais as suas pisadas” (1Pd 2, 21). Contemplemo-lo, a Ele que vai adiante com a sua cruz, a fim de traçar-nos o caminho pelo qual devemos segui-Lo, se nos quisermos salvar. Ó! Que grande remédio, dizer a Jesus Cristo em cada aflição: Senhor, Vos quereis que eu carregue esta cruz; aceito-a e quero sofrê-la até quando quiserdes. Assim, e muito mais ainda, o merece Jesus Cristo, que, para nos livrar do inferno, escolheu uma vida de trabalho e uma morte de dor. Jesus meu, somente Vós pudestes ensinar-nos estas máximas de salvação, de todo contrárias às máximas do mundo, e somente

Vós nos podeis dar a força para carregarmos a cruz com paciência. Não Vos peço que me façais isento dos sofrimentos; peço-Vos somente que me deis força para sofrer com paciência e resignação. Pai Eterno, vosso Filho prometeu que nos haveis de dar tudo quanto Vos pedíssemos em seu nome: Amen, amen dico vobis, si quid petieritis Patrem in nomine meo, dabit vobis (Jo 16, 23). Eis, pois, o que Vos pedimos: dai-nos a graça de sofrer com paciência as aflições desta vida: atendei-nos pelo amor de Jesus Cristo. – E Vós, ó meu Jesus, perdoai-me todas as ofensas que Vos tenho feito, por não ter praticado a paciência nas cruzes que me enviastes. Dai-me o vosso amor, que me dará força para sofrer tudo por Vós, privai-me de todas as coisas, de todos os bens terrestres, dos parentes, dos amigos, da saúde do corpo, de todas as consolações; tirai-me ainda a vida, mas não o vosso amor. Dai-Vos a mim, e nada mais Vos peço. Virgem Santíssima, obtende-me para com Jesus Cristo um amor constante até a morte.

SÁBADO

INEFÁVEL DIGNIDADE DE MARIA SANTÍSSIMA

De qua natus est lesus, qui vocatur Christus – “Da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo” (Mt 1, 16)

Sumário. E tão grande a dignidade de Maria como Mãe de Jesus Cristo, que só Deus com a sua sabedoria infinita a pode compreender; mas toda a sua onipotência não pode fazer outra maior. Façamos um ato de viva fé acerca desta divina maternidade; alegremo-nos com a Santíssima Virgem, e aumentemos a nossa confiança nela, porquanto de certo modo nos é devedora da sua altíssima dignidade.

I. PARA COMPREENDER A altura a que Maria foi sublimada, mister se faria compreender quão sublime é a alteza e grandeza de Deus. Bastará dizer que Deus fez a Santíssima Virgem mãe do seu Filho para ficar entendido que Deus não a pode elevar mais alto do que a elevou. Bem disse Santo Arnaldo Carnotense que Deus, fazendo-se Filho da Virgem, sublimou-a acima de todos os Santos e Anjos. Ainda que: em verdade, ela seja infinitamente inferior a Deus: ao mesmo tempo está imensa e incomparavelmente acima de todos os espíritos celestiais, como fala Santo Efrém. Por este motivo lhe diz Santo Anselmo: Senhora, vós não tendes quem vos seja igual, porque tudo quanto há está acima ou abaixo de vós; só Deus vos é superior, e todos os mais vos são inferiores.

Em uma palavra, é tão grande a dignidade da Virgem, que, se bem que Deus só com a sua sabedoria infinita a possa compreender, todavia, no dizer de São Boaventura, com toda a sua onipotência não pode fazer outra maior – Ipsa est qua maiorem facere non potest Deus. – Quem considerar isto, deixará de estranhar porque os santos Evangelistas, que tão difusamente registram os louvores de um João Batista, de uma Madalena, tão escassos se mostram em descrever as grandezas de Maria. Tendo dito que desta exímia Virgem nasceu Jesus: de qua natus est lesus, não julgaram necessário acrescentar outra coisa; porque neste seu maior privilégio se acham incluídos os demais. Qualquer título que se lhe dê, nunca chegará a honrá-la tanto quanto o de Mãe de Deus. Façamos um ato de viva fé na maternidade divina de Maria, alegremo-nos com ela, agradeçamos a Deus por ela e protestemos que estamos prontos a dar a nossa vida em defesa desta verdade, como de todas as outras que lhe dizem respeito.

II. Diz Santo Anselmo que é mais pelos pecadores do que pelos justos que Maria foi sublimada a Mãe de Deus; do mesmo modo que Jesus disse de si próprio que veio para chamar, não os justos, senão os pecadores. A divina Mãe tem, pois, certa obrigação de socorrer os miseráveis que se lhe recomendam, porquanto é a eles que é, por assim dizer, devedora de sua altíssima dignidade: Totum quod habes, peccatoribus debes [Guilh. Paris]. – Congratulemo-nos, portanto, com Maria, sim; mas congratulemo-nos também com nós mesmos e ponhamos nela toda a nossa esperança.

† O Mãe de Deus, eis aqui a vossos pés um miserável pecador, que a Vós recorre e em Vós confia. Não mereço que lanceis sobre mim o vosso olhar; mas sei que, vendo vosso Filho morto para a salvação dos pecadores, tendes um extremo desejo de ajudá-los. O Mãe de misericórdia, vede as minhas misérias e tende piedade de mim. Ouço que todos vos chamam refúgio dos pecadores, esperança dos que desesperam, sede também o meu refúgio, a minha esperança, o meu auxílio. Deveis salvar-me com a vossa intercessão. Socorrei pelo amor de Jesus Cristo. Estendei a mão a um pobre caído que se recomenda a vós. Sei que é a vossa consolação ajudar um pecador, quando é possível; ajudai-me, pois, já que o podeis fazer. Pelos meus pecados perdi a graça divina e a minha alma. Entrego-me em vossas mãos; dizei-me o que hei de fazer para de novo entrar na graça do meu Senhor; quero fazê-lo sem demora. Ele me envia a vós, para que me socorrais, quer que eu me refugie na vossa misericórdia, a fim de que eu me salve não somente pelos méritos de vosso Filho, mas também pelas vossas orações. A vós recorro; e vós rogai por mim. Mostrais como sabeis valer a quem confia em vós. Assim espero, assim seja.*

*. Quem recitar esta oração em dia de Domingo, acrescentando três Ave-Marias, em reparação das blasfêmias contra à Bem-aventurada Virgem, ganha 300 dias de indulgência.

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