CARTA ENCÍCLICA LITTERAS A VOBIS

Sua Santidade Leão XIII | 1894

A IGREJA NO BRASIL

AOS ARCEBISPOS E BISPOS DO BRASIL

1. O ano passado recebemos de vós uma carta, mensageira de alegria comum e de ânimo agradecido, relativa à ampliação, há pouco tempo atuada pela vossa hierarquia, com a instituição de uma segunda província eclesiástica e com o acréscimo de quatro sedes episcopais. Com certeza nos alegramos por essa nova manifestação de solicitude para com o vosso povo. Com efeito, entre as causas principais pelas quais a realidade católica junto de vós às vezes parecia declinar, deve também ser incluído o número dos sagrados présules, não adequado à grandeza da região e ao número dos habitantes. Por isso, acontecia que os bispos não podiam exercer a vigilância que teriam desejado sobre o clero e o rebanho a eles confiado, quer para manter afastadas as coisas danosas, quer para promover o valor e a dignidade do nome católico. Portanto, deram prova da sua solicitude pastoral, quando, reunidos em congresso em São Paulo, pediram ao romano pontífice a ampliação da hierarquia episcopal. Nós julgamos por bem ir ao encontro desses vossos pedidos. Com efeito, veneráveis irmãos, enquanto por parte dos bispos, em número maior do que antes, resplandece a esperança de um incremento copioso da realidade cristã, todavia deve-se sobretudo esperar do vosso zelo que se recorra aos remédios oportunos contra os males que se difundem de todos os lados. Nessa mesma região, para que não se sinta a falta da providência da nossa caridade, julgamos que se deva mostrar quais as coisas que queremos sejam particularmente recomendadas aos vossos cuidados, muito úteis, como esperamos, ao progresso da fé e da piedade cristã.

2. É preciso agir, antes de tudo, para que os homens sejam instruídos nas melhores disciplinas da ordem sagra-da, sobretudo aquelas que são mais necessárias para que se possa propor a verdade católica da maneira adequada à função e defendê-la com força das agressões. Pela experiência, aparece claro todo dia que os povos são completamente presa da ignorância da fé e da religião, exatamente ali onde os ministros das coisas sagradas são desprovidos de cultura adequada. A boca do sacerdote, com efeito, é o lugar em que é necessário que os fiéis procurem a instrução. “Com efeito é o anjo do Senhor”, e por esse motivo lemos: “Os lábios do sacerdote devem guardar a ciência” (MI 2,7). Também o Apóstolo, entre os outros motivos pelos quais se apresenta como “ministro de Deus” (2Cor 6,4), menciona também a sabedoria. Quando falta essa sabedoria, acontece também esta coisa funesta aos sacerdotes: exigindo Deus o castigo da função descuidada, são propriamente desprezados pelo povo: “Por isso também eu vos tornei desprezíveis e abjetos diante de todo o povo” (MI 2,9). Contudo, esse mesmo ornamento e defesa da cultura, não leva absolutamente à finalidade estabelecida se for disjunto da santidade de vida e de costumes. Além do fato de que a ciência sem a caridade “não edifica, mas incha” (1Cor 8,2), a índole dos homens é tal que, ainda que Cristo tenha dito que se deve, sim, acolher a doutrina dos ministros das coisas sagradas, mas não nos devemos ater às sua obras se elas não corresponderem à doutrina, contudo eles são levados com mais facilidade as coisas que se apanham com os olhos do que àquelas que se fazem entrar pelos ouvidos. Por isso, do próprio Deus Salvador, que se fez não somente mestre mas também modelo dos pastores de seu rebanho, lemos claramente a declaração que ele começou a fazer e a ensinar. Assim, o ensino que o sacerdote transmitir e recomendar, ele próprio o confirme com os fatos. Além disso, aquele que é preposto ao governo nas paróquias, não seja intolerante à fadiga, e chamado à vinha do Senhor, trabalhe e cultive com solicitude e constância, relembrando devotamente que um dia terá que prestar contas seriamente ao Senhor das almas a ele confiadas. Não perca tempo, por conhecê-lo em cada momento e em cada circunstância tutor escrupuloso da disciplina. É preciso servir a Cristo com grande ardor: contudo, sempre com o consentimento e a autoridade daqueles que o próprio Cristo escolheu como guias.

3. É vossa tarefa, veneráveis irmãos, formar tais colaboradores para vós: visto que já está comprovado que os sacerdotes serão exatamente como vós tiverdes tido o cuidado de formá-los. Vós tendes naturalmente um lugar onde, segundo o desejo vosso e da Igreja, possais formar ministros “dignos de aprovação diante de Deus, trabalhadores que não têm de que se envergonhar” (2Tm 2,15); quer dizer nos sagrados seminários, que, claramente, foram instituídos para esse grande bem e com essa finalidade. Portanto, a isso devem dirigir o vosso ânimo e o vosso zelo, para que os seminários eclesiásticos, que já existem, tenham vigor e floresçam, quer no que diz respeito aos estudos das disciplinas sagradas, quer no que diz respeito à santa formação dos ânimos dos adolescentes. Para que os estudos procedam retamente, são necessários ótimos mestres, que tenham não somente a posse de uma doutrina sã, mas que saibam também ensinar de maneira conforme e fiel às nossas prescrições. E para que o jovem clero atinja o genuíno espírito da Igreja e seja adornado de virtudes, os mestres da piedade devem ser escolhidos de uma maneira extremamente cuidadosa. Contudo, também a vossa solicitude cheia de zelo deve ajudar e completar o trabalho deles. Nas dioceses onde não existem ainda os seminários, procurem os présules com todo o seu empenho instituí-los quanto antes e da maneira melhor; executando, enquanto podem, todas as coisas que foram deliberadas pelo Concílio de Trento, ou que nos próprios prescrevemos na carta apostólica de 5 de maio de 1892. A própria liberdade de ensino que agora está vigorando no vosso povo, oferece-vos uma possibilidade maior de garantir o que temos recomendado a respeito de conveniente ordenamento dos estudos. Por isso foi disposto um excelente suporte no colégio dos clérigos de cuja fundação em Roma, em vantagem da América meridional, cuidou o nosso predecessor de feliz memória Pio IX, e que nós próprios procuramos promover e grandemente favorecemos. o seu sucesso responde sempre mais de dia para dia às esperanças; e é suficiente lembrar que há vários entre vós, veneráveis irmãos, que a mesma morada para adolescentes, com bom direito, se compraz de ter tido como alunos. Será portanto útil, e nós somos particularmente sustentadores disso, que vós envieis para se formarem em Roma os adolescentes sobre os quais há grandes esperanças e dos quais, depois, podereis vos servir, quer para o ensino, quer para os outros encargos.

4. E também não é o caso de falar da vantagem que vos oferecerão, em campo espiritual, as famílias das ordens religiosas. Nós, em força da providência apostólica, julgamos adequado reconduzi-las das desventuras dos tempos passados para a primitiva observância dos fundadores; e para que isso correspondesse de maneira mais adequada à intenção, no dia 7 de setembro de 1890 decretamos que as casas das ordens religiosas indígenas fossem submetidas a autoridade dos bispos. Confiamos, portanto, que numa coisa tão útil e importante não falte absolutamente a vossa colaboração. As coisas desejadas que já foram levadas a termo, com certeza foram cumpridas com a assistência do venerável irmão Jerônimo arcebispo [titular] de Petra, internúncio da sede apostólica junto aos governadores do vosso Estado. Contudo, para que as obras iniciadas tenham os desenvolvimentos maiores e mais esperados, sejam levadas a conclusão, e por isso os exortamos a executar com diligência o serviço corajoso em vantagem da religião e sobretudo dos vossos rebanhos. Entrementes nos devemos alegrar, que as famílias religiosas quer masculinas, quer femininas, com ânimo alegre, tenham acolhido as coisas por nós pedidas e se tenham prestado prontamente para o restabelecimento da condição originária de cada instituto.

5. Isso, veneráveis irmãos, quanto a reta formação do clero e ao seu serviço nas coisas sagradas; mas também as exigências dos fiéis requerem um empenho não menor de vossa parte. Nesse âmbito, o problema que deve ser anteposto a todos os outros é aquele do ensino às crianças e aos homens incultos das primeiras noções da santíssima religião, solicitando a assídua atenção dos párocos. Portanto, no que é lícito num plano público, instituam-se escolas para a instrução das crianças, para que não sejam obrigadas, com grave dano da fé e dos retos costumes, ou como acontece, a freqüentar as escolas dos hereges ou a servir-se dos ginásios públicos nos quais não se faz nenhuma menção à disciplina católica a não ser de maneira caluniosa. Além disso, como com os conselhos e os exemplos recíprocos se fortalecem e se inflamam os ânimos a cumprir e a suportar corajosamente grandes coisas para a religião, podereis adquirir um ótimo mérito diante do mundo católico e do Estado, se aconselhardes e incitardes os leigos, sobretudo os jovens, a reunir-se em associações segundo as regras cristãs. Essas associações, nós as recomendamos com insistente encorajamento, visto que não somente procuram assegurar os motivos da religião e promover os interesses dos pobres, mas também com todos os meios, tiram a força àquelas associações as quais, sob o nome impropriamente usado da caridade pública, se opõem ao bem da Igreja e da sociedade. E também não vos passe despercebido, veneráveis irmãos, qual influência tenham tido, principalmente nesses tempos, no bem e no mal, os jornais e escritos semelhantes difundidos entre o povo. Portanto, que não esteja entre as últimas preocupações dos católicos combater em defesa do nome cristão também com essas armas, respeitando sem dúvida na maneira devida a orientação dos bispos e com todo respeito que deve ser atribuído à autoridade civil. Finalmente é necessário que todos os católicos lembrem que para a Igreja interessa muitíssimo quais homens sejam admitidos na assembleia legislativa; e, portanto, sem violar o direito das leis civis, é necessário que todos juntos se esforcem por eleger com o sufrágio geral pessoas tais que unam ao amor pelo Estado o zelo provado pela religião. Isso acontecerá tanto mais felizmente se todos singularmente forem obedientes à suprema autoridade que governa o Estado e perseguirem unânimes e constantes as coisas que nós recentemente estabelecemos na carta encíclica sobre a constituição cristã das sociedades.

6. Quanto ao resto, veneráveis irmãos, haja entre vós uma profundíssima caridade e concórdia dos ânimos, “levai à plenitude minha alegria, pondo-vos acordes no mesmo sentimento” (Fl 2,2). Por isso recomendamos grandemente que tomeis frequentemente em comum entre vós as decisões, e sempre mais frequentemente renoveis as assembléias episcopais, tendo em conta as distâncias dos lugares, dos ritos sagrados e dos deveres da função. Está perto de vós o legado da Sede apostólica para esclarecer-vos o nosso pensamento e as nossas decisões. Nós, na verdade, pela caridade paterna com a qual vos abraçamos, estamos sempre prontos a assistir-vos nos vossos empenhos.

Deus vos conceda com grande benignidade os dons dos bens celestes, dos quais derivem em abundância as forças para exercer santamente o ofício pastoral. Que seja de auspício deles a bênção apostólica que de coração aberto concedemos a vós, veneráveis irmãos, ao clero e aos povos confiados aos vossos cuidados.

Roma, junto a São Pedro, a 2 de julho de 1894, XVII ano do nosso pontificado.

LEÃO PP. XIII

Excerto de: Documentos de Leão XIII, Paulus, 2005, pp. 273-278.

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