Cardeal S. Roberto Belarmino
1586
CAPÍTULO I
PROPÕE-SE A QUESTÃO: QUAL É O MELHOR REGIME?
Ninguém pode duvidar de que nos Salvador Jesus Cristo poderia e quererá governar a sua Igreja pelo sistema e modo que seja o melhor e o mais útil entre todos. Três são as formas do bom governo: A monarquia isto é, o governo de um só, cujo vício contrário é a tirania; a aristocracia, isto é, o regime dos melhores, ao qual se opõe a oligarquia, ou seja, uma facção de poucos; e a democracia, isto é, o império de todo o povo, que não raro degenera em sedições.
Tal doutrina é ensinada pelos príncipes dos filósofos, Platão [in Politic.] e Aristóteles, [lib. 3 Polit. cap. 5, et lib. 8 Ethic. cap. 10] e não sem grande razão. De fato, se a multidão é para ser governada isto não pode acontecer senão de uma das seguintes três maneiras: ou um só homem será colocado como chefe da república, ou alguns de muitos, ou absolutamente todos. Se um só, será a monarquia; se alguns entre muitos, a aristocracia; se absolutamente todos, a democracia.
Ainda que sejam somente três as formas de governo simples, todavia elas podem como que se misturar entre si. Ora, essa mistura produzirá quatro outras formas de governos mistos: uma feita pela combinação de todas as três; outra pela combinação da monarquia e da aristocracia; a terceira pela combinação da monarquia e da democracia; e a última pela combinação da democracia e da aristocracia. Sendo as coisas assim, surge a primeira questão: qual é a melhor dentre essas sete formas de governo?
João Calvino, para obstruir todos os caminhos pelos quais se costuma chegar à constituição da monarquia eclesiástica, antepõe a aristocracia às outras formas simples, e o regime feito pela combinação da aristocracia e da democracia às outras formas mistas. Ele sustenta que a monarquia seja o pior de todos os regimes, especialmente se for constituída em toda a face da terra ou na Igreja inteira. Estas são as palavras dele: [ex lib. 4. Instit. cap. 6 § 9] “Seja pois verdade, como querem, que é bom e útil que toda terra seja governada por uma monarquia. Isso é, todavia, absurdíssimo – mas assim seja. Contudo, eu nunca concederei que isso seja válido no governo da Igreja”. E mais abaixo: [cap. 20 § 8] “Se aquelas três formas de regimes que os filósofos colocam forem consideradas em si mesmas, de minha parte eu não negaria, de maneira alguma, que a aristocracia, ou o regime feito pela combinação entre ela e a democracia, é de longe mais excelente que todas as demais”. Calvino acrescenta, em seguida, duas razões: uma tomada à experiência, e a outra à autoridade divina. Ele diz: “Este fato, além de ter sido sempre comprovado pela experiência, foi também confirmado pela autoridade do Senhor, quando ele instituiu a aristocracia (que é vizinha da democracia) no povo de Israel”.
Nós, porém, que seguimos o pensamento de Santo Tomás e de outros teólogos católicos, dentre as três formas simples de governo, antepomos às restantes a monarquia, embora pensemos que, por causa da corrupção da natureza humana, nos dias de hoje a monarquia em combinação com a aristocracia e a democracia seja mais útil para os homens do que a simples monarquia, contanto que as primeiras partes sejam da monarquia, as segundas sejam da aristocracia, e a democracia fique em último lugar.
Contudo, para que a coisa toda possa ser mais facilmente explicada e confirmada por argumentos, dividiremos nossa sentença em três proposições. Primeira proposição: das formas simples a superior é a monarquia. Segunda: o regime feito pela combinação das três formas é mais útil que a simples monarquia, por causa da corrupção da natureza humana. Terceira: excluídas as circunstâncias, a simples monarquia é excelente de modo simples e absoluto.
CAPÍTULO II
PROVA-SE A PRIMEIRA PROPOSIÇÃO: QUE A MONARQUIA SIMPLES É MAIS EXCELENTE DO QUE A ARISTOCRACIA OU A DEMOCRACIA.
Portanto, a fim de começarmos pela primeira, não comparamos, neste lugar, a monarquia com as formas de regimes mistos, nem a antepomos a todos os regimes mistos e simples, mas somente declaramos que, se alguma forma simples de regime necessariamente deve ser escolhida, sem dúvida essa forma é a monarquia. Esse fato, comprovamo-lo pelos seguintes argumentos.
Primeiro: com essa sentença estão de acordo todos os antigos escritores, sejam eles hebreus, gregos, latinos, teólogos, filósofos, oradores, historiadores ou poetas. Filão, [in lib. de confusione linguarum] louvando a sentença de Homero, diz: “A frase: Multos imperitare malum est, rex unicus esto [“É mau que muitos governem: que haja um só rei”. Ilíada 2,204s] não se refere mais a cidades e a homens do que ao mundo e a Deus”.
Dentre os gregos, São Justino [In orat. exhort. ad gent.] ensina que o principado de muitos é nocivo, e que, ao contrário, o principado de um só é útil e salutar. “Porque o principado de um só costuma ser livre, e isento de guerras e disputas”. Também Santo Atanásio [in orat. advers. idol.] diz: “De fato, da mesma forma como dissemos que a multidão dos deuses é na verdade a nulidade dos deuses, assim também é necessário que, na multidão dos príncipes, nenhum deles pareça ser príncipe. Ora, onde não há príncipe, aí nasce uma grande perturbação”.
Entre os latinos, São Cipriano ensina o mesmo, provando [in tract. de Idol. vanit.] que Deus é um só sobretudo a partir do fato de que a monarquia é o melhor e mais natural regime. Diz ele: “Para o império divino, podemos tomar emprestado até mesmo um exemplo terreno: como é que a sociedade do reino ou começou com a fé ou cessou sem derramamento de sangue”. E São Jerônimo: [in epist. ad Rusticum monachum] “Um só imperador é juiz de uma só província. Roma, quando fundada, não pôde ter simultaneamente dois irmãos reis”. Finalmente, Santo Tomás [in 1 p. q. 103 art. 3 et lib. 4 cont. gent. cap. 76] ensina o mesmo.
Entre os filósofos, Platão [in Polit. ultra med.] diz: “O domínio de um só, auxiliado por boas leis, é o melhor de todas aquelas seis formas de domínio. Por outro lado, o governo no qual não muitos imperam, devemos considerá-lo como mediano. De resto, [devemos considerar] a administração de muitos como débil e fraca em todas as coisas”. Aristóteles, [lib. 8 Ethic. cap. 10] seguindo Platão, depois de ter enumerado aquelas três formas de regime, acrescentou estas palavras: “Destas a melhor de todas é o reino, a pior de todas a república”. Sêneca [lib. 2 de benef.] diz que Marco Júnio Bruto não agiu assaz prudentemente ao matar Júlio César pela esperança da liberdade. E prestando contas disso, diz: “Porque o estado mais excelente da cidade é estar sob um rei justo”.
Além disso, Plutarco escreveu todo um opúsculo sobre a monarquia e as outras formas de reger a multidão. Ele assim expressou sua sentença: “Se for concedida a opção de escolher, não se escolha outra coisa senão o poder de um só”. E novamente o mesmo Plutarco, [in Solone] dizendo que haviam surgido em Atenas muitas sedições quando vigorava a democracia, acrescenta, em seguida: “Parecia haver um único meio de trazer de volta o bem-estar e a tranquilidade: que as coisas fossem entregues ao domínio [de um só homem].”
Dentre os oradores, Isócrates, no discurso que leva o nome de Nicocles, se esforça por provar esse mesmo fato de muitas maneiras. João Estobeu, por sua vez, deu ao seu 45° sermão o título “Que a monarquia é o que há de melhor”. E nesse discurso ele produz os testemunhos de Hesíodo, Eurípedes, Sirino, Ecfantes e muitos outros para confirmar esse mesmo fato.
Dentre os historiadores, Heródoto, [lib. 3 de título Thalia] tendo exposto a matança dos magos que haviam ocupado o Reino da Pérsia, expõe também a disputa que ocorrera entre os príncipes a respeito da constituição da república. O resultado dessa disputa foi que, uma vez refutadas com diligência as sentenças daqueles que disputavam em favor da aristocracia ou da república [democracia], com o consenso de todos, à exceção de um único príncipe, a monarquia foi julgada a mais útil e a melhor forma de governo, e por isso foi conservada também na Pérsia.
Finalmente, dentre os poetas, Homero, no livro 2 da Ilíada, expõe a sentença que foi celebrada por quase todos os escritores: “É mau que muitos governem: que haja um só rei”. Este testemunho de Homero é o único, entre tantos outros, que Calvino confrontou com a sua sentença, respondendo-lhe: [lib. 4 Instit. cap. 6 § 8] “É fácil a resposta, porque a monarquia não é louvada pelo Ulisses de Homero, ou por outros, no sentido de que um único homem devesse reger o mundo inteiro com seu império. Ao contrário, eles apenas quiseram indicar que não cabem dois no reino, e que o poder [como ele diz] não suporta um consorte”.
E certamente, se para Calvino foi fácil responder, ser-nos-á ainda mais fácil refutar a sua resposta. Com efeito, ou ele nada disse, ou disse o que nós dizemos, ou disse o que é falso, contradizendo a si mesmo. Pois suponhamos que, ao dizer que um único reino não comporta dois regentes, Calvino enfatiza a palavra reino, querendo dizer que o reino propriamente dito não comporta dois regentes, já que o reino propriamente dito é a suma autoridade de um só homem. Nesse caso, ele não diz absolutamente nada, mas apenas confunde os ignorantes com a ambiguidade de palavras obscuras. Porque dizer, nesse sentido, que um reino não comporta dois significa o mesmo que se alguém dissesse que o regime de um só não é o regime de dois, e que um só homem não são dois homens. Para pronunciar essas sentenças não era necessária a sabedoria de Ulisses.
Suponhamos, por outro lado, que ele não dá ênfase à palavra reino, mas dá a entender por ela a multidão que deve ser regida. Nesse caso, ele diz exatamente o mesmo que nós dizemos. Pois o motivo pelo qual afirmamos que a monarquia antecede a república [democracia] e a aristocracia é que a multidão não é regida comodamente por muitos, e o poder não suporta um consorte.
Finalmente, suponhamos que ele queira que a palavra reino não signifique qualquer multidão, mas uma única província, ou um só reino pequeno, de modo que o sentido seja: “A uma só província deve ser dado um só rei, contudo esse julgamento não se aplica a toda a face da terra”. Nesse caso ele diz algo falso, e contradiz a si mesmo. Pois o Ulisses de Homero não discute sobre constituir uma república em uma única província, mas, pelo contrário, ele prega para todo o exército dos Gregos que lutava contra Troia, exército no qual havia muitas nações, muitos príncipes e também alguns reis.
Ora, ele afirma que não é conveniente que toda esta multidão seja regida por muitos, mas apenas por um só. Assim, pois, o sentido dessa celebérrima passagem não pode ser outro senão o seguinte: em qualquer multidão unida deve haver um só reitor primário, o que acontece igualmente em um reino pequeno e nos maiores impérios. Com efeito, a razão pela qual um só reino pequeno deve ter um único rei não é porque ele seja pequeno, mas porque ele é um só.
Por isso, se algum reino amplíssimo – como foi o de Nino, o de Ciro, ou também o de Alexandre ou Augusto – for um só, ele deverá ter um só príncipe. Ora, a Igreja é uma só, como se diz em Lucas 1,33: “O seu reino não terá fim”; e também em Daniel 2,44: “No tempo desses reis, suscitará o Deus do céu um reino que não será jamais destruído”. Por esse motivo a Igreja deverá ser governada por um só.
Ademais, Calvino também está em conflito consigo mesmo, pois ele não somente considera que a monarquia não é útil em toda a face da terra, mas também que ela não o é em nenhuma cidade ou Igreja, como se colhe abertamente das Institutas, [lib. 4 Instit. cap. 41 § 6] onde ele atribui todo o poder eclesiástico à assembléia dos anciãos, E na mesma obra [lib. 4 cap. 20 § 8] ele louva as cidades que derrubaram os príncipes e são governadas pelo povo e pelo senado, tais como a República de Genebra, na Suíça. Portanto, visto que Calvino não deixa absolutamente nenhum lugar à monarquia, trate de responder bem a tantos e tão graves autores que louvam a sentença de Homero.
Outra razão é tomada à autoridade divina, a qual demonstra de três modos ser a monarquia a forma mais excelente de governo. Primeiro, pela instituição do gênero humano: Deus, de fato, fez o gênero humano a partir de um só, como diz o Apóstolo. [At 17.] Pois Deus não produziu o homem e a mulher a partir do barro, mas o homem a partir do barro, e a mulher a partir do homem. Expondo a causa disso, São João Crisóstomo [hom. 34 in epist. 1 ad Cor. cap. 13] diz: para que houvesse entre os homens não a democracia, mas o reino. E assim, se muitos homens tivessem sido produzidos a partir do barro, todos eles deveriam, justamente, ter sido príncipes da sua posteridade; nesse caso, poderíamos com razão duvidar se agradaria ou não a Deus o regime de um só. Agora, porém, visto que ele fez todo o gênero dos homens a partir de um só, e quis que todos dependessem de um só, parece ter dado a entender suficientemente que aprova mais o principado de um só do que o governo de muitos.
Em seguida, Deus indicou a sua sentença ao enxertar, não apenas nos homens, mas também em quase todas as coisas, uma inclinação natural para o regime monárquico. E não pode haver dúvida de que a propensão natural deve ser atribuída a Deus, autor da natureza. Ora, que o principado de um só, para além das outras formas de regime, seja maximamente natural – isso é declarado sobretudo pelo fato de que, em qualquer casa, o governo da cônjuge, dos filhos, dos servos e enfim das demais coisas pertence, naturalmente, a um só pai de família. Declara-o, igualmente, o fato de que a maior parte da face da terra é governada por reis; e, ademais, o de que os reinos são muito mais antigos do que as repúblicas. “No princípio das coisas, diz Justino, [lib. 1] império dos povos e das nações estava inteiramente em poder dos reis”.
Finalmente, observa-se o mesmo a partir do fato de que até mesmo os seres vivos carentes de razão parecem reivindicar o principado de um só.
Assim fala São Cipriano: [in Tratact. de Idol. vanit.] “As abelhas têm um único rei, cada rebanho tem um único chefe, e as manadas têm um único guia”. São Jerônimo [in Epist. ad Rustic.] acrescenta: “E as aves seguem um só, em uma ordem sábia”. Calvino, [lib. 4 Instit. cap. 6 § 8] porém, zomba dessa noção: “Se agrada a Deus, eles tomam a prova dessa coisa das aves e das abelhas, que escolhem para si sempre um só chefe, e não muitos. Certamente eu aceito os exemplos que eles aduzem, mas porventura as aves se reúnem de toda a face da terra para escolher um só rei? A verdade é que cada rei se contenta com a sua colmeia. Assim também nas aves, das quais cada grupo possui seu rei próprio. Que mais se pode provar a partir disso, senão o fato de que cada uma das igrejas deve escolher o seu próprio bispo?”.
Mas é fácil refutar esta resposta de Calvino. Pois a Igreja é “um só rebanho”, [Jo 10,16] e não muitos rebanhos. Assim ela também pode ser dita uma só colmeia e um só rebanho. E, por isso, assim como as abelhas têm um só rei e as aves seguem um só guia, em uma ordem sábia, assim também toda a Igreja deve ter e seguir um só chefe e doutor primário, Ademais, as aves e as abelhas não são de uma natureza tal que se possam unir, por conjunção dos espíritos, com os animais ausentes e situados a uma longa distância. Por isso, não é de admirar que elas não se reúnam de toda a terra para escolherem um só rei. E pelo fato de que o rebanho de qualquer uma delas tem o seu próprio rei, fica claro quão natural é o regime de um só.
Finalmente, se por estes exemplos aduzidos pelos mais sérios Padres nós provamos (como diz Calvino) que cada igreja deve escolher seus próprios bispos, por que é que o próprio Calvino não suporta os bispos (a não ser, talvez, nominalmente), atribuindo todo o poder eclesiástico à assembleia dos anciãos?
Omitidas, porém, todas essas coisas, queremos saber qual é a forma de governo que Deus quis confirmar pela sua autoridade. Ora, isso pode ser deduzido também (e maximamente) a partir da república que ele instituiu no povo dos hebreus. Com efeito, o governo dos hebreus não foi (como Calvino diz sem provar) uma aristocracia próxima à democracia, mas absolutamente uma monarquia. Os príncipes dos hebreus foram primeiros patriarcas, como Abraão, Jacó, Judas e os demais; depois chefes, como Moisés e Josué; então juízes, como Samuel, Sansão e outros; depois reis, como Saul, Davi e Salomão; e por último novamente chefes, como Zorobabel e os macabeus.
Que os patriarcas foram dotados de poder real, indicam-no os feitos históricos deles. Abraão [Gn 14] pconduziu uma guerra contra quatro reis, e não lemos que ele tenha recebido esse poder de algum senado de aristocratas, e nem sequer que ele tenha consultado algum senado. Judas, [Gn 38] quando sua nora foi acusada de adultério, condenou-a ao fogo, sem ter consultado ou pedido essa autoridade a nenhum senado. Moisés, [Ex 32] como verdadeiro e sumo príncipe do povo dos judeus, mandou matar, em um só dia, muitos milhares de judeus por causa do bezerro de ouro que tinham erigido, e não lemos que alguma decreto do senado ou plebiscito tenha precedido essa decisão. Absolutamente a mesma coisa pode ser dita a respeito dos juízes.
Sem ter recebido do senado ou do povo nenhuma faculdade, travavam guerras e entregavam à morte aqueles que queriam. Certamente Gedeão, [Jz 8] depois da vitória sobre os madianitas, matou 70 homens na cidade de Socó e derrubou a torre de Fanuel.
Ademais, os reis dos judeus, e os chefes que os seguiram, estiveram revestidos de poder supremo, e até régio. Isso é mais evidente do que algo que necessite de provas. Portanto, cabe lá a Calvino mostrar onde leu que a república dos judeus costumava ser governada por uma aristocracia e pelo povo, e não por um só príncipe.
Mas talvez ele possa objetar a passagem [1Sm 8] onde os israelitas são repreendidos por Deus por terem pedido um rei. Porque, se a Deus não aprouve instituir um rei para governar aquela república, como se pode crer que os chefes e juízes instituídos por Deus tinham poder régio?
Respondemos: há dois modos diferentes pelos quais um único homem pode, com sumo poder, governar toda a república. De um modo, como rei e senhor, não dependendo de ninguém. De outro modo, como vice-rei ou chefe primário, que certamente está acima de todo povo, mas que, todavia, deve submeter-se ao seu rei.
Ora, Deus já havia instituído a república dos judeus desse segundo modo, no tempo dos chefes e dos juízes, naturalmente de tal maneira que ele mesmo fosse como que o rei próprio e peculiar àquele povo. No entanto, visto que eles eram homens e necessitavam de um reitor visível a quem pudessem ir e consultar, Deus lhes deu um homem que, na qualidade de vice-rei, não dependesse de nenhum modo do povo que lhe estava sujeito, mas somente do verdadeiro Deus e rei. É por isso que foi dito a Samuel: [1 Sm 8] “Não é a ti que eles rejeitaram, mas a mim, para eu não reinar sobre eles”. E é também por isso que diz o Apóstolo: [Hb 3] “Moisés na verdade era fiel em toda a casa de Deus, como um servo”.
Contudo os judeus, descontentes com esse estado da república, quiseram ter um rei daquele primeiro modo, isto é, um rei que não só fosse o único governante de todos (o que até mesmo os chefes e juízes faziam), mas que possuísse todo o reino, e o transmitisse aos seus filhos e netos como uma espécie de herança. Ora, os judeus foram, por causa disso, merecidamente repreendidos e castigados pelo Senhor. Contudo, esse desejo do povo de ter seu próprio rei não desagradou tanto ao Senhor a ponto de ele ordenar que os judeus dirigissem sua atenção antes à democracia ou à aristocracia. Pelo contrário, Deus mesmo designou para eles um rei excelente, e posteriormente conservou e protegeu tanto o rei como o reino deles, durante todo o tempo em que permaneceram no ofício.
Segue-se a última razão, que é tirada da lista de suas propriedades que, como todos reconhecem, convém ao melhor regime. E a primeira propriedade é a ordem, visto que um governo é tanto melhor quanto mais ordenado. Por outro lado, que a monarquia seja mais ordenada que a democracia e a aristocracia, isso pode ser demonstrado da seguinte maneira. Toda ordem consiste em que alguns presidam e outros estejam sujeitos, pois não se reconhece a existência de ordem entre iguais, mas entre superiores e inferiores. Ora, onde existe uma monarquia, aí absolutamente todos têm alguma ordem, não havendo ninguém que não seja submetido a alguém, excetuado somente aquele que administra o cuidado de todos. Por esta razão, existe uma ordem suprema na Igreja Católica, pela qual os povos estão submetidos aos párocos, os párocos aos bispos, os bispos aos metropolitanos, os metropolitanos aos primazes, os primazes ao sumo pontífice, e o sumo pontífice a Deus. No entanto, onde o governo é inteiramente dos melhores (isto é, na aristocracia), o povo tem de fato a sua ordem, pois que está submetido aos aristocratas; mas os aristocratas entre si não têm nenhuma ordem. A democracia carece ainda muito mais de ordem, visto que nela todos os cidadãos da república são considerados como tendo a mesma condição e autoridade.
A outra propriedade é a consecução do fim próprio. De fato, não pode haver dúvida de que a melhor forma de reger a multidão seja aquela que mais comodamente e mais facilmente alcança o fim proposto. Ora, o fim do governo é a união e a paz dos cidadãos entre si – união esta que parece estar situada sobretudo em que todos sintam o mesmo, queiram o mesmo e sigam o mesmo. Por outro lado, isso será muito mais certa e facilmente obtido se os cidadãos tiverem de obedecer a um só do que se tiverem de obedecer a muitos. Com efeito, mal pode acontecer que muitos, dos quais um não depende do outro, julguem as mesmas coisas do mesmo modo.
Assim que, se forem muitos os que regem a multidão, e se um deles der certas ordens, e outros outras – então ou não se obedecerá a alguém, ou necessariamente o povo se dividirá em inclinações diversas. Isso não pode acontecer de maneira alguma quando a tarefa de imperar pertence ao ofício de um só homem.
Esse mesmo fato é confirmado pelo uso e pela experiência, que é a mestra das coisas. Com efeito, lemos que entre os romanos, quando estes eram governados por reis, as dissensões entre os cidadãos eram muito raras. Ora, uma vez expulsos os reis, sendo a república administrada por magistrados anuais, raros foram os anos em que não houve contendas entre os patrícios e os plebeus. E, finalmente, as disputas entre os civis progrediram até o ponto em que aquela poderosíssima república, de certo modo, pereceu por suas próprias mãos. Acresce também que a nação romana nunca experimentou maior e mais longa paz do que quando esteve sob o império de Augusto, o qual foi o primeiro a instituir uma monarquia estável em Roma.
A terceira propriedade é a força e a potência da república. Com efeito, conforme o julgamento de todos, o governo mais excelente que os demais é aquele que torna a república mais potente e mais forte. Ora, é mais forte a república na qual a união e a concórdia dos cidadãos entre si são maiores, pois as forças são mais fortes quando estão unidas do que quando estão dispersas. Mas onde todos dependem de um só existe maior união do que onde eles dependem de muitos, como acima foi demonstrado. Portanto, a monarquia tanto faz uma república mais forte quanto é a mais excelente forma de governo.
Acrescenta-se a experiência. Dos quatro mais poderosos impérios, três cresceram debaixo de reis: o império dos assírios, o dos persas e o dos gregos. Um só cresceu sob o domínio do povo, isto é, o dos romanos, mas também ele não podia conservar-se, nas máximas perturbações, sem um ditador, que é nada menos que um rei constituído por algum tempo. E esse império floresceu muito mais depois, sob a monarquia de Augusto, do que jamais havia florescido no tempo da república.
A quarta propriedade é a estabilidade e a longevidade. De fato, não se pode negar que o melhor governo é aquele que é mais estável e mais longevo. Mas nós já demonstramos que a monarquia é muito mais duradoura do que a aristocracia ou a democracia, ao ensinar que ela é sem dúvida mais forte que as restantes formas de governo.
Agora resta demonstrar que, sem empregar nenhuma força externa, a monarquia está menos sujeita a ser prejudicada pelos acasos e pela mutação do que qualquer outra forma de governo. Isso prova-se pelas palavras de Cristo: “Todo reino dividido contra si mesmo será destruído”. [Mt 12, 25] Ora, a monarquia é mais difícil de ser dividida do que qualquer outra forma de governo, pois que se divide menos facilmente aquilo que é mais uno. Mas é mais uno aquilo que é simplesmente uno do que uma multidão que concorda de modo a tender à unidade. Com efeito, aquilo é uno por si mesmo e naturalmente, ao passo que esta é una somente de maneira artificial, mas por si e naturalmente é constituída de muitos elementos diferentes. Portanto a monarquia, que depende de um só, pode ser dividida ou destruída menos facilmente do que a aristocracia ou a democracia, que dependem de uma multidão que concorda de modo a tender à unidade.
É por isso, naturalmente, que a monarquia dos assírios, desde Nino até Sardanápalo, durou 1240 anos, como ensina Eusébio; [in Chronico] ou 1300, como deduz Justino; [lib. 1] ou mais de 1400, como sustenta Deodoro. [lib. 2 cap. 7] Ora, esse reino durou de tal maneira que, morto o rei, o sucessor do reino foi sempre o seu filho, se é verdadeiro o que escreve Veleio Patérculo. [In piore volumine historiarum]
O reino dos Citas, por sua vez, que é considerado por todos como o mais antigo, não pôde ser destruído por nenhum inimigo externo (como escreve Justino [lib. 2]), e não foi dissolvido por si mesmo em nenhum tempo. Por isso deduzimos que esse reino necessariamente permaneceu de pé por alguns milhares de anos, ao passo que não houve república alguma que tenha sido duradoura e estável.
Certamente a república mais poderosa foi a dos romanos, a qual, todavia, mal pôde chegar aos 480 anos. De fato, esse é o tempo que decorreu entre a expulsão dos reis e o império de Júlio César. Mas debaixo dos monarcas do oriente, de Júlio até ao último Constantino, o império durou 1495 anos sem interrupção.
No ocidente, desde o mesmo Júlio César até a Augusto, o império durou mais de 500 anos, e desde Carlos Magno até o presente imperador decorreram quase 800 anos. Mas, mesmo naqueles 480 anos nos quais floresceu a democracia no império romano, nem sempre a república era regida do mesmo modo. Porque no início nomearam-se cônsules anualmente; depois de algum tempo, foram acrescentados os tribunos; então, removidos os cônsules e os tribunos, foram nomeados os decênviros; também estes foram rejeitados depois de um ano, e novamente os cônsules e os tribunos foram introduzidos; e não raro foram introduzidos ditadores e tribunos militares dotados de poder consular. Assim, pois, nenhuma forma única durou muito tempo, e nem sequer todas essas formas tomadas em conjunto conseguiram chegar à idade dos reinos nobres.
Alguns talvez objetem a república dos vênetos (Veneza), que já conta mais de 1100 anos. Mas nem ela chegou aos anos do reino dos citas ou dos assírios, e na verdade nem sequer aos do reino dos francos. Ademais, a república dos vênetos não é uma aristocracia misturada com democracia (forma louvada por Calvino), mas uma aristocracia misturada com monarquia, e não há lugar algum para a democracia nessa nação.
A quinta e última propriedade é a facilidade do governo. Com efeito, muito importa saber se é fácil ou difícil obter que uma nação seja bem governada. Por outro lado, que seja mais fácil uma nação ser regida corretamente por um só do que por muitos – isso se pode provar pelas seguintes razões.
Primeiro: É mais fácil encontrar um só homem bom do que muitos. Depois, os povos obedecerão mais facilmente a um só do que a muitos, Ademais, os magistrados que administram uma república em turnos e por breve tempo são frequentemente obrigados a abandonar a província antes de terem conhecido completamente os negócios da república, ao passo que o rei, que exerce sempre o mesmo ofício, embora de vez em quando seja de inteligência mais lenta, contudo é preferível a muitos outros por seu costume e experiência. Ademais, os magistrados anuais consideram os negócios da república quase como alheios, porque não são próprios, mas comuns, ao passo que o rei os considera como algo seu e próprio. Ora, é evidente que se cuida das coisas próprias não só mais facilmente, como também com mais diligência do que das alheias. Além disso, onde há muitos que regem, dificilmente pode-se fazer que estejam ausentes a emulação, a ambição e a contenda, razão pela qual não raro costuma acontecer que alguns impeçam a outros, e façam com que aqueles que por ora gerenciam as coisas administrem mal a república, para que lhes venha maior glória quando exercem a magistratura. Contudo o monarca, que não tem a quem invejar e com quem contender sobre o governo, modera todas as coisas com mais facilidade.
Finalmente, vemos que acontece nas grandes famílias que, onde muitos servos são designados para os mesmos ministérios, cuida-se dos negócios com negligência, porque cada um deixa as tarefas comuns para o outro. Assim também, quando há muitos príncipes na república, um olha para o outro, e enquanto cada um passa o encargo para os seus colegas, ninguém usa de cuidado diligente o bastante para com a nação. O rei, porém, que sabe que todas as coisas dependem apenas dele próprio, é obrigado a não negligenciar nada. Até agora demonstramos que a monarquia simples está muito acima da simples aristocracia. Agora passemos à comprovação da segunda proposição.
CAPÍTULO III
QUE A MONARQUIA MESCLADA COM A ARISTOCRACIA E A DEMOCRACIA É MAIS ÚTIL NESTA VIDA DO QUE A MONARQUIA SIMPLES.
A outra proposição era a seguinte:o regime feito pela mistura de todas as três formas, por causa da corrupção da natureza humana, é mais útil do que a simples monarquia. Certamente tal governo requer que haja na república algum sumo príncipe, que impere a todos e não esteja sujeito a ninguém. Os presidentes das províncias ou das cidades, por sua vez, não devem ser vigários do rei ou juízes eleitos anualmente, mas verdadeiros príncipes que obedeçam ao império do sumo príncipe e que, no entanto, governem a sua província ou cidade não como alheia, mas como própria. Assim teria lugar, na república, tanto uma certa monarquia régia como também uma aristocracia dos melhores príncipes.
Se a isto se acrescentasse que nem o sumo rei nem os príncipes menores adquirissem tais dignidades por sucessão hereditária, mas que fossem trazidos a elas os melhores de todo o povo, já estaria atribuído à democracia um certo lugar seu na república. Essa seria a melhor e a mais desejável forma de regime nesta vida mortal, como comprovaremos por dois argumentos.
Em primeiro lugar, vemos que esse governo teria todos os bens que, como acima demonstramos, são inerentes à monarquia, e seria nesta vida mais agradável e mais útil. E é manifesto que os bens da monarquia estão presentes nesse nosso governo, porquanto este governo abrange certa monarquia de forma verdadeira e própria. E que ela será mais agradável para todos pode ser visto pelo fato de que todos amam mais aquele gênero de regime do qual podem participar, o que sem dúvida é o caso do nosso regime, já que ele não é entregue por causa da linhagem, mas da virtude.
Sobre a utilidade, por outro lado, nada há para dizermos, porquanto é certo que não é possível a um homem governar cada uma das províncias ou cidades por si mesmo, e, querendo ou não, será obrigado a entregar a administração delas ou aos seus vigários auxiliares, ou aos príncipes próprios de cada uma delas. E, inversamente, é certo que os príncipes serão muito mais fiéis no cuidado das suas coisas do que os vigários no das alheias.
Some-se a isso um outro argumento, tomado à autoridade divina. Deus instituiu na sua Igreja, tanto do Antigo como do Novo Testamento, um regime tal como este que acabamos de descrever. Quanto ao Antigo Testamento isso pode ser facilmente provado, porque o povo hebreu sempre teve um único homem, fosse ele chefe, juiz ou rei, para imperar sobre toda a multidão, coisa que pertence à monarquia. Ele teve, ademais, muitos príncipes menores, sobre os quais assim lemos: “Tendo escolhido entre todo o povo de Israel homens de valor, constituiu chefes de mil, de cem, de cinquenta e de dez homens. Eles faziam justiça ao povo em todo o tempo”. [Ex 18,25s] Ora, isso pertence à aristocracia. Finalmente, os príncipes eram escolhidos de todo o povo, e não de uma só tribo, (como se colhe abertamente do mesmo lugar do Êxodo e também do primeiro capítulo do Deuteronômio), o que de algum modo pertence à democracia.
Quanto à Igreja do Novo Testamento, provar-se-á o mesmo depois, isto é, que nela existe uma monarquia do Sumo Pontífice e uma aristocracia dos bispos – os quais são verdadeiros príncipes e pastores, e não vigários do pontífice máximo. E, finalmente, também a democracia tem nela o seu lugar, já que não há ninguém de toda a multidão cristã que não possa ser chamado ao episcopado, contanto, é claro, que seja julgado digno de tal função.
CAPÍTULO IV
QUE, AFASTADAS TODAS AS OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS, A MONARQUIA SIMPLES É EXCELENTE DE MODO SIMPLES E ABSOLUTO.
Segue-se a terceira proposição, que é a seguinte: desconsideradas as circunstâncias, a Monarquia está acima de todas as outras formas de governo de modo absoluto e simples. Pois nós antepomos o regime misto, entre os homens, à simples monarquia porque um único homem não pode estar presente a todos os lugares, e é necessariamente forçado a tratar dos negócios da república por procuração, seja por meio dos seus vigários auxiliares, seja por meio dos príncipes auxiliares. Ora, excluída esta circunstância e outras do mesmo gênero (se as houver), não haverá nenhuma razão por que a simples monarquia não seja preferida às outras formas de governo.
Mas nós temos, além disso, um outro argumento mais eficaz: a monarquia simples tem o seu lugar no império de Deus e de Cristo. Ora, a Deus e a Cristo deve-se atribuir tudo o que há de melhor. Portanto, o melhor regime deve necessariamente ser a monarquia simples. Se alguém quiser negar isto, não vejo como possa não cair no erro de Marcião e dos maniqueus, e também dos gentios. Porque, visto que o mundo é governado pelo seu criador, e – sem controvérsia – da melhor maneira possível: se a aristocracia for a melhor forma de regime, então haverá muitos moderadores deste mundo, e disso se seguirá que há muitos criadores, muitos primeiros princípios, e muitos deuses.
É por isso que os antigos padres – como São Cipriano, [in Tract. de Idol. vanit.] São Justino [in Orat. exhortat.] e Santo Atanásio, [in Orat. adver. Idol.] aos quais também se pode juntar o judeu Filão [in lib. de confus. lingu.] – demonstram que há um só Deus, que rege e governa todas as coisas criadas, provando sobretudo pelo argumento de que a monarquia é o melhor regime. E também por essa mesma causa que Justino e Filão deixaram à posteridade livros intitulados “Sobre a Monarquia de Deus”. [De monarchia Dei]
Sendo as coisas assim, não se pode escusar o erro de João Calvino, que, cegado pelo ódio à hierarquia eclesiástica, antepôs a aristocracia a todas as demais formas de governar, mesmo se as considerarmos por si mesmas e separadas de todas as demais circunstâncias. Estas são as palavras dele: [lib. 4 Instit. cap. 20 § 6] “E se comparares os próprios estados entre si, afastadas as circunstâncias, não será fácil discernir qual deles é preponderante pela sua utilidade. Na verdade, em condições iguais eles rivalizam uns com os outros”. E pouco depois: “Se aquelas três formas de regime que os filósofos colocam forem consideradas em si mesmas, eu por minha parte não negaria, de maneira alguma, que a aristocracia, ou o regime feito pela combinação entre ela e a democracia, é de longe mais excelente que todas as demais”. Isso é o que ele diz.
Mas, dirás tu, lê o que se segue, e encontrarás a solução da tua objeção. Pois Calvino assim acrescenta: “Contudo isso não é assim por si mesmo, mas porque rarissimamente acontece que os reis governem de tal maneira que sua vontade nunca se afaste da justiça e da retidão, e que eles sejam dotados de tamanha agudeza e prudência que cada um veja quanto seja necessário. Portanto, é o vício ou a deficiência dos homens que faz com que seja mais seguro e mais tolerável que haja diversos governantes”.
Eu ouço essas palavras, mas o que dizer da edição do ano de 1554, onde essas palavras não se encontram? Mas, dirás tu, Calvino foi posteriormente avisado, e corrigiu seu erro. Omitirei o fato de que não se deveria tolerar um erro tão grave em tamanho mestre em Israel. O que me admira é que Calvino não tenha podido corrigir seu erro sem entrar em conflito consigo mesmo. Pois se, como ele mesmo diz, não é fácil discernir qual estado é preponderante mesmo se os comparamos sem levar em conta as circuns-tâncias; e se, quando são consideradas em si mesmas aquelas três formas de governo que colocam os filósofos, ele indica que a aristocracia é a mais excelente; então como pode ser verdadeiro aquilo que ele imediatamente acrescenta: “Contudo isso não é assim por si mesmo”, e: “Portanto, é o vício ou a deficiência dos homens que faz com que seja mais seguro e mais tolerável que haja diversos governantes”? Se não me engano, estas frases estão em conflito umas com as outras: “Se aquelas três formas de regimes forem consideradas em si mesmas, a aristocracia é a mais excelente”, e: “Contudo isso não é assim por si mesmo, mas porque rarissimamente acontece que os reis não se afastem da retidão”.
E tampouco é menor o conflito entre aquelas outras frases: “E, se comparares os próprios estados entre si, não será fácil discernir qual deles é preponderante, afastadas as circunstâncias”. E: “É o vício ou a deficiência dos homens que faz com que a aristocracia seja julgada mais útil”. Pois, excluindo a questão do vício dos homens e removendo todas as demais circunstâncias, ou a monarquia será mais excelente, ou não. Se ela é mais excelente, por que razão será verdadeira aquela frase segundo a qual “não se pode discernir qual estado prepondera”, mesmo se os comparamos entre si sem as circunstâncias? Por outro lado, se a monarquia não é mais excelente, como poderemos defender a monarquia divina contra os maniqueus e os gentios? Mas com isto já nos aproximamos da segunda questão. [NOTA DA ADMINISTRAÇÃO: o excerto encerra-se aqui, ademais, as próximas conclusões ensinam que o regime da Igreja deve ser monárquico e não democrática.]
Excerto de: S. ROBERTO BELARMINO; Disputas sobre a Fé Cristã – Volume I – Sobre o Romano Pontífice, Editora CDB, 2021, pp. 29-48. Original: Disputationes de Controversiis Christianae Fidei adversus hujus temporis Haereticos, De Romano Pontifice, lib. I, cap. I-IV.
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