O SEDEVACANTISMO BELARMINIANO VINDICADO

Contra os deturpadores da
unidade visível da Igreja

James Larrabee
2006

Há muitas objeções específicas que foram feitas contra a assim chamada tese “sedevacantista”, que é simplesmente a de São Roberto Belarmino, dos demais Doutores da Igreja, e do próprio Direito Canônico. Falando de modo geral, essas objeções não são difíceis de responder. Deve bastar a todo e qualquer católico saber que elas são contrárias ao ensinamento comum da Igreja. Mas elas podem ser refutadas por argumentos também. As objeções a São Roberto Belarmino parecem surgir do malogro em aceitar ou entender a unidade visível da Igreja, tal como foi sempre defendida pela Igreja contra os protestantes.

A posição de São Roberto deriva por simples lógica de sua definição da Igreja como instituição visível. Como tal, ela deve ter membros visíveis, distinguíveis dos outros homens por meios visíveis (perceptíveis). A Igreja é uma visível unidade de fé. Quem se aparta dessa unidade por uma rejeição perceptível dos ensinamentos dela (um herege) deixa, por esse fato mesmo, de pertencer a essa unidade, por seu próprio ato.

Essa posição é ensinada claramente pelos Papas. Primeiro que tudo, Belarmino foi feito Doutor da Igreja por eles, e ele é provavelmente a principal autoridade teológica sobre a Igreja e o Papado desde a Reforma, cujos erros ele se dedicou a refutar. Destarte, o ensinamento dele é reconhecido como solidamente católico, com a mais excelsa autoridade. É confirmado tanto pelas fontes legais citadas por São Roberto Belarmino no capítulo sobre um Papa herege (no texto “Si papa”), como pelo Código de Direito Canônico (1917). O cânon 188 claramente afirma: “Ob tacitam renuntiationem ab ipso iure admissam quaelibet officia vacant ipso facto et sine ulla declaratione, si clerus … (4) a fide catholica publice defecerit.” Esse cânon é baseado, em parte, na constituição do Papa Paulo IV, Cum ex Apostolatus, que claramente ensina que nenhum ofício pode ser possuído por um herege manifesto e que, se um homem for herege manifesto antes de ser eleito Papa (assim como para qualquer outro ofício), a eleição é nula, ainda que (como ele declara explicitamente) a Igreja inteira o reconhecesse como Papa.

Em acréscimo, a doutrina de Belarmino sobre a pertença à Igreja é a base da exposição na [Encíclica do Papa Pio XII] Mystici Corporis. Ali, quatro exigências para a condição de membro são feitas: quem for batizado, professar a Fé integralmente, submeter-se à legítima autoridade do Papa e da Hierarquia em comunhão com ele, e não tiver sido excluído da Igreja por excomunhão. Assim, os hereges, os cismáticos, os infiéis e os excomungados estão excluídos da Igreja, ainda que sejam batizados. Hereges e excomungados são duas categorias diferentes. No caso daqueles (e dos cismáticos também), eles são excluídos por suas próprias ações; já no caso dos excomungados, eles são excluídos por julgamento da Igreja, como punição dos crimes cometidos.

Os que alegam, por qualquer argumentação que seja, que João Paulo II é verdadeiro Papa, implicitamente aceitam que a Igreja não tem nenhuma unidade visível de fé. Eles aceitam como membros da Igreja não apenas ele, como também todos os bispos na comunhão dele, e todos os que rejeitam abertamente tanto os ensinamentos quanto a autoridade da Igreja, nenhum dos quais, ou virtualmente nenhum, foi excomungado. Assim, negam eles, efetivamente, a unidade da Igreja. O Abbé de Nantes não tem dificuldade em admitir que Paulo VI e João Paulo II são hereges, bem como cismáticos, apóstatas e escandalosos, e ele prova isso copiosamente, mas ele ainda assim alega que eles permanecem membros da Igreja. Isso é negar o ensinamento dos Doutores, dos Papas e do próprio Direito Canônico. É reduzir a Igreja a mera unidade política, como os protestantes, que não têm absolutamente nenhuma unidade de fé, nem mesmo no interior de uma mesma seita.

Argumenta-se que “não podemos julgar”. Mas um herege é alguém que julga a si próprio, e que abandonou a Igreja por sua própria ação. É um fato visível que ele não é membro. Observar e afirmar esse fato não é “julgar” em sentido legal, não mais do que observar que alguém está morto. Na Escritura e na lei da Igreja, somos gravemente obrigados a evitar os hereges. Isso seria largamente impossível caso se restringisse tão somente aos indivíduos formalmente condenados nominalmente pela Santa Sé, e não há fundamento algum na tradição da Igreja para essa maneira de ver.

Abbé de Nantes parece argumentar que o ensinamento de Bellarmino não mais se aplica. (Por que, ele não diz.) Se esse argumento estiver baseado no raciocínio de que não há provisão específica no Código de 1917, sem embargo, enquadra-se no cânon 188:4, como foi dito acima. Além disso, Belarmino responde a argumentos semelhantes dizendo que a conclusão decorre da própria natureza da Igreja e da heresia, conforme demonstrado pelas citações dos Padres que ele faz. Não é questão de lei positiva humana.

De Nantes argumenta ainda que surgiriam desordens se todo e qualquer Fulano, Beltrano e Sicrano fossem capazes de acusar o Papa de heresia. Esta parece uma objeção frívola. Em primeiro lugar, apenas nos casos mais raros Papa algum jamais foi acusado de heresia, e ainda mais raramente foram dados fundamentos razoáveis para uma acusação dessas. (Por exemplo, Libério, Honório e João XXII.) E parece impensável que um número particularmente amplo de pessoas possa algum dia ser levado a fazê-lo; muitíssimo mais provável é que, como no presente, um “Papa” manifestamente herético atraia os bispos e boa parte do povo para a heresia dele. Esta é uma situação incomparavelmente pior do que toda e qualquer alternativa concebível, e é exatamente a realidade hoje. Se Montini tivesse sido abertamente contestado como um não-Papa já em 1964, quando ele emitiu a “Ecclesiam Suam”, tudo indica que dificilmente a revolução conciliar (ou nova Reforma) poderia ter ocorrido. Parece absurdo sustentar desordens imaginárias em contraposição ao caos total que vemos como resultado do erro de De Nantes. Em segundo lugar, dado que a conclusão deriva da natureza da Igreja e da natureza da jurisdição, nenhuma consideração das consequências pode ser relevante. Essa objeção parece vir de Bouix e João de S. Tomás, que sustentam que um Papa herege retém seu ofício. A opinião deles foi rejeitada por todos os demais canonistas desde o tempo de Belarmino, bem como pela maioria deles antes disso, então essa deveria ser uma opinião irrelevante.

Também é feita a objeção (por De Nantes e outros) de que algum procedimento legal seria exigido, antes de o Papa realmente perder o ofício. Isso parece implicar no grave erro do conciliarismo. Se um concílio, ou qualquer outra autoridade na Igreja abaixo do Papado, é capaz de realizar uma ação legal que resulte na deposição do Papa, não importa como isso seja explicado, está claro que estes são superiores a ele. Caetano, que argumentou isso, tentou em vão reconciliá-lo com a supremacia do Papa (a qual ele também mantinha firmemente). São Roberto Belarmino refuta os argumentos dele convincentemente, e os argumentos de João de S. Tomás, tentando defender Caetano, fazem pouco sentido comparativamente.

Ademais, esse mesmo argumento, em geral, confunde o processo de excomunhão (que também requer deposição do ofício) com o auto-afastamento da Igreja por parte de um herege, malogrando assim em compreender a natureza da questão, como se viu acima. As categorias de hereges e cismáticos são implicitamente eliminadas, e apenas a de excomungados formais sobra, entre acatólicos batizados. Isso é simplesmente negar a Mystici Corporis. João de S. Tomás está tão longe de entender o argumento de Bellarmino, que ele alega que as palavras de São Paulo “após uma ou duas advertências” refira-se a monições legais, ao passo que São Roberto cita os Padres para provar que isso não tem nada a ver com admoestações formais legais. É um argumento arbitrário. Os excomungados devem ser evitados DEPOIS do julgamento pela Igreja; os hereges devem ser evitados quando a contumácia deles for evidente, isto é, depois de uma ou duas advertências. Esse é o ponto de todo o argumento de Belarmino, e dos Padres que ele cita.

A mesma coisa se manifesta pelo fato de que a seção do Direito Canônico citada (188/4) absolutamente não é a da lei criminal, na qual as excomunhões são consideradas, mas é a seção sobre resignações (renúncias) de todos os tipos. Não é de modo algum considerada à luz de ações criminais, embora seja o resultado de uma ação criminosa (assim como o são algumas das outras ações listadas no 188, tais como a tentativa de matrimônio). Não tem diferença alguma, essencialmente, da perda de ofício por morte.

Argumenta-se (aparentemente João de S. Tomás, entre outros) que a jurisdição é mantida nos hereges conforme a lei canônica. Contudo, isso novamente é confundir as provisões legais referentes aos efeitos da EXCOMUNHÃO, na lei criminal, com o efeito natural da heresia manifesta. Isso simplesmente faz o Direito Canônico contradizer-se, em vista do cânon 188/4, o qual afirma que o ofício é perdido ipso facto, por resignação aceita pela própria lei, e sem nenhuma declaração seja qual for. Claro que perder ou renunciar ao seu ofício é a mesma coisa que perder ou renunciar à sua jurisdição, já que ofício e jurisdição são uma só e mesma coisa. Embora a jurisdição possa ser suprida pela Igreja num determinado caso (por exemplo, de modo a absolver um católico em perigo de morte), a heresia é incompatível com a jurisdição ordinária. A mesma coisa é demonstrada pelo caso de Nestório, citado por São Roberto. O Papa da época, quando o caso chegou à sua atenção muito depois dos eventos ocorridos em Constantinopla, claramente declarou que a jurisdição de Nestório cessara de existir a partir do momento em que ele começou a pregar o seu erro, de modo que todos os seus atos subsequentes de deposição e excomunhão dirigidos contra aqueles católicos ortodoxos que a ele resistiram foram simplesmente nulos. Esse caso parece ser ignorado por todos os que geralmente ignoram ou desdenham do ensinamento de Belarmino. De fato, a conduta aconselhada pelo Abbé de Nantes e muitos outros no presente opõe-se diretamente àquilo que foi claramente aprovado pelo Papa naquela época.

João de S. Tomás e alguns no presente argumentam ainda que a heresia do Papa não é manifesta antes de ser assim declarada por um concílio geral. Este é um argumento arbitrário, para o qual prova nenhuma é dada. Ele contradiz, novamente, todo o argumento de Belarmino sobre a natureza visível da Igreja, assim como as autoridades que ele cita. “Manifesto” não é uma categoria legal proveniente apenas de um procedimento legal, mas uma questão de fato (embora tenha de estar definida na lei, assim como os outros termos). (Se fosse [uma categoria jurídica], isso tornaria inútil a distinção que é feita entre notoriedade de direito e notoriedade de fato – cânon 2197/2-3; nem “manifesto” exige o mesmo grau de publicidade de “notório”.) Ou essa alegação supõe que a heresia pessoal é algo diferente num Papa do que em qualquer outra pessoa, ou não supõe. No primeiro caso, refuta-se dizendo que é claro que o Papa, como pessoa, não é diferente de ninguém, e a heresia manifesta nesse caso não é diferente da mesma coisa nos demais. Possuir um ofício, inclusive o mais alto ofício que existe, não tem efeito algum na natureza do indivíduo ou em suas ações pessoais. Se o argumento não supõe uma diferença referente ao Papa, então deve estar baseado na mesma suposição de que uma autoridade inferior à do Papa é capaz de tomar ação legal que resulte na perda do ofício pelo Papa, o que já foi refutado.

Argumentam alguns que não podemos saber se o “Papa” é herege formal ou meramente material, pois somente Deus pode julgar do interior, e a heresia é uma questão de rejeição interior da doutrina católica, não meramente exterior. É impressionante para mim que um católico possa argumentar isso, mas muitos o argumentam, dentre vários padres e leigos supostamente tradicionais dedicados à defesa dos “pontífices” conciliares. Isso destrói por inteiro a natureza visível da Igreja. A questão está inteiramente no foro externo, de modo que ela depende unicamente dos indícios exteriormente verificáveis, como em qualquer procedimento legal. Se esse argumento fosse válido, ninguém jamais poderia ter sido condenado como herege, nem mesmo poderia ser condenado por crime algum, seja pela Igreja ou pelas autoridades seculares, já que a intenção culposa, essencial a todo e qualquer crime, nunca poderia ser julgada. O princípio fundamental da razão é que as pessoas são responsáveis por suas ações. Se um ato criminoso é cometido, presume-se, até que se prove o contrário, que a pessoa responde por ele. Isso está afirmado na lei canônica (cânon 2200/2): “Posita externa legis violatione, dolus in foro externo praesumitur, donec contrarium probetur.

Argumenta-se ainda que, no caso da heresia, dolus consiste na rejeição pertinaz do ensinamento católico, a qual não pode ser presumida meramente pela negação de uma doutrina. Isso é verdade, mas a pertinácia pode também, e deve também, ser inferida a partir das ações da pessoa. É por isso que uma ou duas admoestações são mencionadas por São Paulo. Essas admoestações não precisam ser formais e explícitas para julgar que a pertinácia está presente, ao menos não precisam ser feitas por todo indivíduo. Se as evidências públicas são suficientes para dar certeza moral de que há pertinácia, então a conclusão se segue. No caso de homens que são bem versados na teologia católica, e que estavam bem cientes da oposição deles aos ensinamentos dos Papas passados, e que ouviram pessoalmente a rejeição e refutação de muitos de seus erros no Vaticano II, bem como por terem estudado as condenações do modernismo por todos os Papas desde Pio IX e pelo Concílio do Vaticano, não se pode negar razoavelmente que eles estavam bem cientes de sua rejeição dos ensinamentos passados da Igreja. Então, no caso de muitos (não necessariamente todos) os ensinamentos deles, a pertinácia é moralmente certa a partir de qualquer consideração inteligente da história da revolução vaticana. Em acréscimo, a cumplicidade inveterada dos que estão em Roma, Wojtyla e Ratzinger evidentissimamente, com a heresia bem mais escancarada de seus colegas como Kung, Kasper, Schillebeeckx, Rahner, De Lubac, e assim por diante ad infinitum, juntamente com sua tolerância universal de todos os tipos de erros por parte de homens inferiores, já seria por si só suficiente para julgar da pertinácia. Some-se a isso o seu emprego de todos os meios convenientes para suprimir os católicos ortodoxos e destruir a tradição. Nenhuma dessas coisas é compatível, para qualquer católico com um mínimo de senso comum e de conhecimento da Fé, com uma intenção de professar a Fé Católica, e essencialmente a mesma coisa foi declarada pelos Papas e Concílios. O Papa Pio VI, na Bula Auctorem Fidei, descreve o emprego da ambiguidade pelos hereges, no sínodo de Pistoia; São Pio X, citando o Concílio de Constantinopla na Pascendi, refere-se aos hereges como aqueles que derrubam até mesmo uma única das tradições, não apenas Apostólicas como inclusive eclesiásticas. Os empenhados no ecumenismo foram descritos pelo Papa Pio XI como afastando-se até mesmo da religião revelada por Deus. Tudo isso está no foro externo.

Pode-se argumentar ainda que, até mesmo na ausência de heresia interna, “formal”, de acordo com o argumento de São Roberto Belarmino caso as ações exteriores de alguém levem a uma conclusão razoável de que esse alguém é herege, aí então ele perde tanto a condição de membro da Igreja quanto o seu ofício. É precisamente isto o que ele diz com respeito a Libério, e é assim que ele reconcilia a opinião dele de que jamais um verdadeiro Papa cairá em heresia pessoal com o fato (acreditado por ele) de Libério ter sido legitimamente “deposto” pelo Clero Romano por suas ações vistas como pactuantes com os hereges arianos. Isso encontra paralelo exato no julgamento da Igreja, nos primeiros séculos, de que aqueles que sacrificassem sob ameaça de perseguição eram todos (legalmente) apóstatas, não importa se realmente renunciaram interiormente à Fé ou o fizeram por medo. Claramente, no foro externo, nenhuma distinção dessas é possível. Na realidade, até mesmo aqueles que “meramente” subornaram oficiais em troca do “libellus” que certificasse que eles haviam sacrificado, sem o terem feito, eram tratados como apóstatas.

O argumento familiar de que um herege só pode ser detectado se ele negar um ensinamento dogmaticamente definido nem deveria precisar ser refutado aqui. É indigno de um católico, e tem sido a palavra de ordem dos piores hereges liberais desde o Vaticano II. Michael Davies, entre outros, deu crédito a essa monstruosa aberração citando erroneamente o Direito Canônico (ao mesmo tempo que admitia não ser nem canonista nem teólogo), como se o cânon 1323/3 (“Declarata seu definita dogmatice res nulla intelligitur, nisi id manifeste constiterit”) quisesse dizer que todos os ensinamentos estão em dúvida até que tenham sido definidos. O significado dessa seção é simplesmente que, em caso de dúvida sobre se uma doutrina foi definida, não se deve presumir que ela tenha sido DEFINIDA, o que deixa ainda disponíveis provas a partir do Magistério Ordinário, como é óbvio pelo contexto. Do contrário, o cânon 1323/1, baseado no Vaticano I, não teria sentido algum, quando se refere a “sive ordinario et universali magisterio tanquam divinitus revelata credenda”. Claro está que a palavra em latim “seu” indica uma equivalência verbal, de modo que “declarata seu definita” referem-se ambos a definições ex cathedra.

Em acréscimo, o Vaticano II negou abertamente dogma definido. A liberdade religiosa foi condenada numa definição ex cathedra pelo Papa Pio IX, como se pode ler na Quanta Cura, na qual uma clara fórmula de definição está contida (Nós por Nossa Autoridade Apostólica etc.). O ensinamento do Vaticano II é quase verbatim o contrário daquilo que foi condenado.

Parece inútil fazer referência a argumentos mais simplistas contra o “sedevacantismo”. Por exemplo, o de que ele é cismático. Contudo, os que aderem a um FALSO papa é que são os cismáticos, não aqueles que o rejeitam.

Concluindo, eu poderia mencionar que “sedevacantismo” é um termo não muito apropriado para a situação presente. Argumentar que um ou mais papas aparentes não eram validamente o Papa não é argumentar que a Sé de Pedro esteja ou tenha estado vacante. Nem o oposto, claro. Ademais, não sustentamos necessariamente que algum Papa legítimo tenha, de fato, perdido o seu ofício por heresia. Tanto São Roberto Belarmino quanto Santo Afonso, bem como muitos outros teólogos, defendem como crença piedosa (não como divinamente revelado, ao menos no caso desses dois Doutores) que Deus nunca permitirá que um Papa efetivamente caia em heresia pessoal. Sou bem inclinado a assim crer também, pelas razões que eles dão. Na presente situação, é muito fácil de argumentar que Montini e Wojtyla eram hereges manifestos antes de suas eleições, de modo que nunca foram eleitos ao Papado validamente para começo de conversa (a heresia de eleitores “cardeais” também é relevante, pois um herege não pode votar numa eleição, assim como não pode ser eleito). Há também indícios – embora talvez não suficientes no presente para provar o que quer que seja, com certeza, no que se refere ao conhecimento público geral – de que os conclaves a começar pelo de 1958 sofreram interferência ou manipulação, de modo que é questão aberta se até mesmo a eleição de João XXIII foi válida, independentemente de toda questão de heresia (um caso sério o dele, particularmente em vista de suas ações subsequentes), ou se o Cardeal Siri e/ou algum outro foi de fato eleito.

Pode-se objetar que a lei dos conclaves permite que até mesmo Cardeais excomungados votem ou sejam eleitos. Mas, novamente, isso se aplica à excomunhão, como tal e exclusivamente, não a quem tenha saído da Igreja por heresia.

Na mesma linha, o Papado deve ser aceito pelo candidato eleito, mesmo que validamente eleito. No entanto, pode-se argumentar que os novos “papas” de João Paulo I em diante NÃO aceitaram o Pontificado Romano, mas um novo, conciliarista e “aggiornato” papado, uma monarquia constitucional ou ofício simbólico de algum tipo, ou, como diria De Nantes, a liderança do MASDU [Movimento de Animação Espiritual da Democracia Universal]. Assim, eles de maneira nenhuma aceitaram o Papado, nem realmente o exerceram. Isso foi claramente manifestado em sua mera “instalação” ao invés da tradicional coroação, e indubitavelmente de outros modos. Quanto a Paulo VI, poder-se-ia dizer facilmente que, se a heresia dele não fosse ainda manifesta, ele manifestou claramente sua rejeição do Papado ao remover (permanentemente) muito pública e formalmente a sua tiara na presença, creio, do concílio inteiro. Dada a importância atrelada aos sinais e símbolos cerimoniais e exteriores, tanto pela razão quanto pela Igreja em toda a sua vida exterior, dificilmente se poderia imaginar maneira mais certeira de renunciar ao Papado TAL COMO TRADICIONALMENTE ENTENDIDO do que esse ato. Certamente, a partir desse momento, a Autoridade Papal tal como foi instituída por Cristo e exercida por 260 Pontífices não foi mais exercida por esses “papas”. É precisamente essa vacância de facto (no mínimo) da autoridade papal o que deixou a Igreja aberta à revolução dos modernistas. (Assim, é claramente o resultado do plano franco-maçônico denunciado há mais de 150 anos pelos próprios Papas.)

Uma última objeção é que, se a posição “sedevacantista” for verdadeira, o Romano Pontificado fracassou, contradizendo assim a indefectibilidade da Igreja. Isso pode ser pretendido a partir de três pontos de vista:

1) Pela duração de tempo envolvido desde o último Papa válido. (Muito provavelmente, o Papa Pio XII e não João XXIII.) Mas o Grande Cisma do Ocidente durou tempo comparável, e até mais tempo dependendo de exatamente qual for considerada a conclusão final dele. (42 anos é uma estimativa razoável.) Durante esse tempo, não havia certeza alguma no foro exterior acerca de quem era o Papa legítimo. Sem embargo, a Igreja não afundou. (Dizer que isso não importa, porque UM Papa devia ser o legítimo, é inútil. A unidade da Igreja não pode ser mantida por um Papa irreconhecível. Daí que “Papa dubius, papa nullus”.) É verdade e de fide que o Papado não pode ficar vacante permanentemente. A questão é: quanto tempo é permanente? Em questões humanas, um pouco mais do que a duração da vida de um homem, ou talvez algo em torno de 50 anos, pode ser permanente. Não pretendo pôr uma medida exata nisso, mas isso me parece razoável. O Cisma do Ocidente aproximou-se do marco de meio século. Enquanto a autoridade do Papado for reconhecida, e a necessidade de o Papado ser preenchido for defendida, então, dentro desses limites de tempo, não vejo como se possa alegar que estejamos negando a indefectibilidade da Igreja.

Por outro lado, a mesma objeção pode ser voltada contra os defensores dos “pontífices” conciliares. Se estes forem Papas legítimos, se a “reforma” deles for permanente e estabelecida legalmente (tal como em todas as instituições e lei advindas do Vaticano II), aí, sim, é que a Igreja teria defeccionado de suas fundações Apostólicas. Se a Igreja pudesse mudar, ela por esse fato mesmo defeccionaria. Só esse argumento já é suficiente para provar a invalidade desses papas. Indefectibilidade significa que a Igreja perdurará sempre na mesma forma com que ela foi estabelecida.

2) A partir do ensinamento da Igreja de que a Sé de Pedro nunca pode ser maculada de heresia. Porém, se considerarmos que a Igreja de Roma não é representada por hereges manifestos mais do que ela o seria caso Átila tivesse invadido Roma, posto a tiara e passado a “definir” doutrinas, esse argumento não tem peso algum. Quando os bispos e cardeais aceitaram a heresia no Vaticano II, eles simplesmente deixaram de representar a Igreja Católica, tanto quanto o “Arcebispo” de Canterbury ou o “Patriarca” (ortodoxo) de Constantinopla.

A longuíssima história de antipapas na Igreja deveria ser suficiente para responder a esse argumento. Como um exemplo digno de nota, Anacleto II foi aceito por praticamente todos os cardeais e “governou” em Roma até a morte, um período de oito anos. Seu governo foi gradualmente rejeitado pela maior parte da Europa, mas, nesse contexto, é a indefectibilidade da Igreja de Roma enquanto tal que deve ser considerada, pois somente na indefectibilidade dela é que reside a indefectibilidade da Igreja Católica como tal. Se “papas” usurpadores mantidos e reconhecidos por cardeais cismáticos e praticamente todo o clero romano fossem algo em si mesmo contrário à indefectibilidade, a Igreja já teria defeccionado há muito tempo.

3) A pretensa impossibilidade de eleger um novo Papa, quando todos os Cardeais designados pelo Papa Pio XII estão mortos. Teólogos tais como Caetano trataram disso (cujo argumento eu não aceitaria inteiramente, embora em princípio pareça correto). Por lei divina, o clero romano tem o poder de eleger o Papa. A reserva disso aos Cardeais (que são, é claro, o clero romano sênior) é mediante lei eclesiástica positiva. Na eventual falta de Cardeais, a eleição recairia sobre o restante do clero. Isso não parece ser um problema. Claro que, se alguns ou muitos do clero tivessem defeccionado da Fé, eles teriam de expurgar-se rejeitando publicamente os seus erros e professando a Fé, antes de proceder a uma eleição. O único obstáculo que vejo para isso acontecer é o aparente reconhecimento contínuo de Wojtyla como Papa, de modo que a necessidade de eleger outro não é reconhecida. Quanto à heresia, ainda que haja apenas um resto ortodoxo, isso seria suficiente para uma eleição caso os demais não quisessem se arrepender. É possível também que Wojtyla ou outro pudesse arrepender-se publicamente, renunciar aos seus erros, e tornar-se Papa por aclamação do Clero Romano que o seguisse no arrependimento (se necessário em cada caso particular).

Há também o argumento dos papas “materiais” em oposição a “formais”, proveniente do saudoso e estimado bispo Guérard Des Lauriers, O.P. Como esse argumento sustenta que os papas conciliares não são realmente Papas (somente um Papa “formal” é realmente Papa), talvez não precise ser considerado aqui. Mas eu considero esse argumento fútil e autocontraditório, dado que deriva da aparente necessidade de prover à continuidade do Pontificado Romano. Como a impossibilidade de até mesmo um longuíssimo interregno não é evidente, esse argumento não é necessário. E, como ele busca preencher o hiato mediante uma sucessão meramente material, esse argumento não obtém aquilo a que ele se propõe. O conceito de sucessão material é usado precisamente pelos teólogos para provar que a sucessão material dos bispos nas igrejas ortodoxas ou anglicanas, por exemplo, é inadequada para preservar a apostolicidade nessas seitas. Muito menos poderia ela dar conta da legítima Sucessão Petrina em Roma. Somente a sucessão formal é uma sucessão católica. Muito mais poderia ser dito sobre esse argumento, mas, dado que é questionável a relevância dele para a presente discussão, eu o omitirei.

Espero que esses argumentos sirvam para tornar mais clara a aplicabilidade da tese de São Roberto Bellarmino de um papa herege ao presente.

Respeitosamente submetido,
James Larrabee

A.M.D.G.

Trad. por Felipe Coelho.

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