A VALIDADE DAS ORDENS SAGRADAS

Padre Douglas Laudenschlager, F.S.S.P.X.
1978

O Arcebispo Marcel Lefebvre foi ordenado sacerdote em 21 de setembro de 1929 e consagrado bispo em 18 de setembro de 1947, pelo (falecido) Cardeal Achille Liénart, bispo da diocese de Lille (França) do Arcebispo Lefebvre.

Recentemente, foi revelado que o Cardeal Liénart era aparentemente um maçom. A partir disso, certas pessoas ingênuas, com apenas a mais vaga compreensão dos princípios teológicos e com um desejo óbvio de interpretar tudo de modo a confirmar suas próprias teorias pessoais obsessivas sobre a atual crise na Igreja, imaginaram que os atos sacramentais realizados pelo cardeal eram inválidos, que, portanto, a ordenação e a consagração de Marcel Lefebvre eram inválidas, uma vez que “um maçom não poderia ter a intenção de ‘fazer o que a Igreja faz’”, intenção essa que eles declaram, com razão, ser necessária para a validade de um sacramento.

Como os argumentos ilusórios dessas pessoas têm angustiado muitos católicos leais, será útil considerar a falsidade de seus argumentos e estabelecer a validade das ordens sagradas recebidas pelo Arcebispo Lefebvre, à luz das definições da Igreja e da sólida teologia católica.

Antes de dar uma resposta, é necessário formular a pergunta com precisão.

Para a confecção válida de um Sacramento, sempre se acreditou e a Igreja definiu solenemente que três coisas são necessárias: 

 1. A matéria apropriada (por exemplo, pão e vinho na Eucaristia);

2. A forma apropriada (ou seja, as palavras pronunciadas sobre a matéria, por exemplo: “Isto é o meu Corpo” etc., na Eucaristia);

3. E no ministro (ou seja, naquele que confecciona o sacramento), a intenção adequada.

No caso da ordenação e consagração do Arcebispo Lefebvre, não há dúvida de que, em cerimônias tão solenes e públicas, um erro de matéria ou de forma poderia passar despercebido.

A questão, portanto, se é que existe uma questão – e tal como as pessoas acima mencionadas a colocaram – é a questão da INTENÇÃO do Cardeal Liénart quando administrou o sacramento da ordem sagrada a Marcel Lefebvre.

Antes de considerar o caso diretamente, será útil considerar em resumo o ensinamento da Igreja e da teologia sólida sobre a INTENÇÃO DO MINISTRO DE UM SACRAMENTO em geral.

Antes de mais nada, o que a pergunta NÃO é. A Igreja definiu solenemente, e todos os católicos devem acreditar, que para a confecção válida de um sacramento não é necessário que o ministro tenha fé nem estado de graça. Portanto, tanto padres ou bispos pecadores quanto hereges, cismáticos e apóstatas ainda podem confeccionar validamente (ainda que de maneira pecaminosa e ilícita) os sacramentos, desde que, é claro, usem a matéria e a forma adequadas e tenham a intenção necessária. A questão, portanto, NÃO é se o Cardeal Liénart, como maçom, poderia ou não administrar validamente um sacramento, mas se ele o fez nesse caso.

Em segundo lugar, vamos formular com mais precisão a questão da INTENÇÃO NECESSÁRIA. Distinguiremos a intenção externa (pela qual o ministro deseja realizar adequadamente as cerimônias e os ritos externos do sacramento, mas interiormente deseja não confeccionar o sacramento); e a interna (pela qual o ministro deseja verdadeira e interiormente fazer o que a Igreja faz). A questão é: a intenção externa é suficiente? Ou seja, um sacramento será válido se o ministro realizar adequadamente todos os ritos e cerimônias externos necessários (com a matéria e a forma adequadas), se dentro de si ele não desejar confeccionar o sacramento?

A Igreja definiu que o ministro deve ter a intenção de fazer o que a Igreja faz (Trento, sessão 7, cân. 11). Portanto, pelo menos a intenção externa de fazer o que a Igreja faz e, portanto, de realizar a cerimônia adequadamente, é necessária. Por uma razão, porque o ministro do sacramento age apenas como ministro de Cristo e, portanto, deve ter a intenção de agir como tal, e não simplesmente realizar uma ação natural, ou agir em seu próprio nome ou por seu próprio poder.

Mas, além disso, hoje em dia os teólogos geralmente sustentam, e as declarações da Igreja parecem confirmar, que a intenção externa não é suficiente, mas que para confeccionar um sacramento validamente, o ministro deve ter, pelo menos implicitamente, a INTENÇÃO INTERNA de fazer o que a Igreja faz.

Por quê?

A Igreja exige solenemente matéria, forma e intenção para um sacramento válido. Mas se nenhuma intenção interna fosse exigida, não haveria razão para incluir a intenção como o terceiro elemento da lista, pois a intenção externa de realizar a cerimônia adequadamente não é, na verdade, nada mais do que o uso da matéria e da forma.

Portanto, essa intenção exigida deve ser algo mais: interna.

Além disso, se o ministro não tivesse nenhuma intenção interna, ele estaria simplesmente agindo em seu próprio nome, ou por seu próprio poder, realizando um ato natural e não sobrenatural.

A questão central, então, será: Como devemos reconhecer a presença dessa intenção interna exigida no ministro para a confecção válida de um sacramento?

O Papa Leão XIII responde claramente e com solene autoridade:

“No que diz respeito à mente ou intenção, na medida em que é em si mesma algo interno, a Igreja não julga; mas na medida em que é manifestada externamente, ela é obrigada a julgá-la. Ora, se, para efetuar e conferir um sacramento, uma pessoa usou séria e corretamente a matéria e a forma devidas, presume-se, por essa mesma razão, que ela teve a intenção de fazer o que a Igreja faz. É sobre esse princípio que se fundamenta solidamente a doutrina que considera como verdadeiro Sacramento o que é conferido pelo ministério de um herege ou de uma pessoa não batizada, desde que seja conferido no rito católico.” [N. d. T.: Apostolicae Curae, nº 33]

Santo Tomás de Aquino, o Príncipe dos Teólogos, diz a mesma coisa ([S.Th.,] III, Q. 64, A. 8 ad 2): 

“Nas palavras proferidas pelo (ministro), a intenção da Igreja é expressa; e isso é suficiente para a validade do sacramento, EXCETO SE O CONTRÁRIO FOR EXPRESSO EXTERIORMENTE por parte do ministro” [ênfase dada pelo autor].

Portanto, na concessão do sacramento da ordem sacra (ou de qualquer outro), desde que o bispo ordenante, seja ele católico ou apóstata, observe externamente o rito prescrito para o sacramento, DEVE-SE presumir que ele tenha a intenção correta, e o sacramento DEVE ser aceito como válido.

Lembremos mais uma vez que não há a menor dúvida sobre a possibilidade de receber ordenações válidas de um bispo que abandonou a fé. De fato, tais ordenações recebidas de hereges ou outros são normalmente válidas.

Ao definir essa verdade de fé, o Papa Pascoal II não acrescenta a menor qualificação, nem mesmo uma referência implícita aos casos em que tais ordenações poderiam não ser válidas:

“Portanto, instruídos pelos exemplos de nossos Padres, que em diversos momentos receberam novacianos, donatistas e outros hereges em suas ordens [ou seja, reconhecendo a validade das ordens que haviam recebido em suas seitas heréticas]: Recebemos no ofício episcopal [isto é, como bispos válidos] os bispos do reino acima mencionado, que foram ordenados em cisma…” 22 de outubro de 1106.

Vamos considerar momentaneamente mais alguns pontos sobre a intenção exigida do ministro de um sacramento.

A. Devemos distinguir a intenção de fazer o que a Igreja faz e a intenção de fazer o que a Igreja pretende. A Igreja realiza (performa) um rito sagrado instituído por Cristo e, por meio desse rito, ela pretende conferir a graça – e, em alguns sacramentos, o caráter. O ministro não precisa ter a intenção de conferir a graça pelo rito que realiza. Basta que ele tenha a intenção de realizar um rito sagrado. (Assim ensinam todos os teólogos). 

B. Na verdade, ele nem mesmo precisa acreditar que o rito que está realizando é sagrado. Basta que ele tenha a intenção de realizar seriamente um rito que os cristãos consideram sagrado. Assim, por exemplo, um judeu pode batizar validamente uma criança cristã, mesmo acreditando que o batismo é uma cerimônia completamente sem sentido, se ele tiver a intenção de realizar um rito que os cristãos consideram sagrado. Assim, também um sacerdote que perdeu a fé nos Sacramentos pode ainda confeccioná-los validamente, desde que tenha a intenção de realizar seriamente os ritos que os fiéis lhe pedem e que eles consideram sagrados.

Santo Tomás ensina a mesma coisa (in IV Sent., dist. 6, Q. 1 A. 3, sol 2, ad 1): 

“Às vezes ele [o ministro] tem a intenção de fazer o que a Igreja faz, embora considere que não é nada.”

A intenção mínima exigida do ministro de um sacramento é, então, esta: Que ele tenha a intenção de realizar um rito que a Igreja considera sagrado e de cumprir seriamente todos os aspectos externos prescritos.

De fato, quem poderia não ter essa intenção mínima ao administrar um sacramento? Vimos que a Igreja considera a presença da intenção exigida o caso normal no que diz respeito aos sacramentos administrados por hereges, cismáticos etc.

De acordo com o ensino solene da Igreja, portanto, e as conclusões da teologia sólida, não há ABSOLUTAMENTE NENHUMA JUSTIFICAÇÃO para quaisquer dúvidas sobre a validade das ordens sagradas do Arcebispo Marcel Lefebvre.

Como a história registra, o Cardeal Liénart não deu em nenhum momento – nem antes, nem durante ou depois das cerimônias – a menor indicação de que não pretendia fazer o que a Igreja faz ao conferir as ordens sagradas a Marcel Lefebvre.

SE houvesse alguma justificativa para questionar a validade das ordens do Arcebispo – e já vimos que não há – a questão diria respeito à sua ordenação sacerdotal e não à sua consagração episcopal. (Lembremos, no entanto, que os casos em que as ordens conferidas por hereges etc., são inválidas são tão raros que o Papa Pascal II, ao definir a doutrina da Igreja sobre esse ponto, nem sequer prevê o caso).

A questão – se houvesse alguma – diria respeito à sua ordenação ao sacerdócio mais do que à sua consagração ao episcopado, porque um único ministro, um único bispo – o Cardeal Liénart – confere o santo sacerdócio e, portanto, tudo depende da intenção desse único ministro do sacramento. (Vimos, entretanto, que todos são obrigados a presumir que ele tinha a intenção necessária).

Se é quase impossível que uma ordenação sacerdotal seja inválida, uma consagração episcopal inválida seria ainda mais impossível por esse motivo:

“De acordo com a tradição mais antiga da Igreja, um novo bispo é sempre consagrado por TRÊS outros bispos. O Pontificale Romanum se refere a eles como assistentes, mas como, como as rubricas prescrevem, todos os três bispos impõem as mãos sobre o bispo eleito (a questão do sacramento) e recitam a forma de consagração, o Papa Pio XII (Episcopalis consecrationis, 30 de novembro de 1944) insiste que eles devem ser referidos como co-consagradores. Assim, como já era óbvio, todos os três concordam na consagração (onde apenas um seria suficiente para a validade) e, portanto, mesmo no caso inimaginável em que dois dos três bispos não tivessem a intenção necessária, o bispo restante ainda consagraria validamente o eleito.” (Cf. também Pio XII, Alocução ao Congresso Internacional de Liturgia Pastoral, 22 de setembro de 1956).

Se bem me lembro, com base em um mal-entendido sobre a natureza do episcopado, Hugo Maria Kellner parece ser da opinião de que um bispo sem jurisdição não pode conferir o episcopado a outro. A prática constante da Igreja, no entanto, refuta essa curiosa teoria: se fosse verdade, NENHUM bispo consagrado em heresia ou em cisma jamais teria sido validamente consagrado; mas a Igreja tem constantemente recebido tais bispos como bispos válidos. (Cf. decreto de Pascoal II).

(De qualquer forma, embora isso não tenha relação com qualquer questão de ordens sagradas, o Cardeal Liénart nunca perdeu sua jurisdição como Arcebispo de Lille. Mesmo sendo um maçom e, portanto, ipso facto excomungado, ele manteve sua jurisdição como bispo até uma sentença declaratória ou condenatória de uma autoridade superior, que nunca foi dada).

Mais uma vez, então, nossa conclusão:

Podemos e DEVEMOS presumir que o Arcebispo Marcel Lefebvre recebeu validamente o sacramento da ordem sacra. ABSOLUTAMENTE NADA permitiria ou justificaria uma conclusão contrária.

Trad. por Pedro Santiago; de: The Angelus, edição de fevereiro de 1978.

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