“ESSE UT ACTUS INTENSIVUS” NOS ESCRITOS DE CORNELIO FABRO

Ralph M. Inerny
1964

Em seus dois livros sobre a participação, o Padre Cornelio Fabro elaborou uma teoria do modo como o esse é central para a metafísica de Sto. Tomás, a qual, se bem que soe um tanto parecida com aquilo que, para o bem ou para o mal, tornou-se um lugar-comum da interpretação tomista recente, é contudo assentada de tal maneira que, embora as asserções de Fabro sejam verbalmente as mesmas que as feitas por outros, o significado das asserções muda de maneira importante.

La Nozione Metafisica di Partecipazione [A noção metafísica de participação] foi publicado pela primeira vez em 1938, e uma segunda edição apareceu em 1950. Após um panorama histórico da doutrina da participação, Fabro prefacia a sua interpretação do Aquinate com uma discussão do realismo tomista ao longo da qual ele trata da natureza da metafísica. O texto que ele toma como ponto de partida é o famoso artigo três da questão cinco da Expositio do De Trinitate de Boécio, em que abstractio e separatio são utilizadas para falar da diferença entre a ciência natural e a matemática, de um lado, e a metafísica, de outro. Não tenciono deter-me na interpretação dessa passagem por Fabro, que se acha nas pp. 129-135 do livro dele. Fabro não deseja negar que abstração formal e total estejam envolvidas na determinação do objeto da metafísica; o ponto dele pareceria ser que mais do que abstração é requerido.

“Questa astrazione termina alla ragione di essere; e per il modo secondo il quale avviene quest’astrazione, che ormai possiamo chiamare senz’altro metafisica, la ragione di essere è a un tempo la più astratta ed insieme quella che maggiormente ci fa conoscere la realtà quale è in sè.” (p. 138). [N. do T. – Tradução livre: “Esta abstração termina no conceito de ser; e, pelo modo segundo o qual essa abstração advém, – a qual, doravante, podemos chamar sem mais de metafísica–, a noção de ser é a um só tempo a mais abstrata e, juntamente, aquela que mais nos faz conhecer a realidade como ela é em si.”]

A metafísica é descrita como retornando das noções abstratas, através do fantasma, para os indivíduos existentes, nos quais a igualdade conquistada como resultado da abstração é perturbada pelo reconhecimento da desigualdade entre espécies do mesmo gênero e entre indivíduos da mesma espécie. Em suma, o modo de ser das noções abstratas implica em diversidade, e, dado que a metafísica se ocupa do ser, ela incluirá essa diversidade e desigualdade sob a noção de ser. Pois há uma noção de ser, e é abstrata.

“Anche l’atto di essere, che è il termine della riflessione teoretica, e che è detto oggetto della metafisica, in quanto diviene oggetto della considerazione intellettuale, anch’esso è infine una ragione nozionale astratta, anzi, come si diceva, è la ragione più astratta…” (p. 139). [N. doT. – Tradução livre: “Também o ato de ser, que é o termo da reflexão teórica, e que é dito objeto da metafísica na medida em que se torna objeto de consideração intelectual, também ele é, afinal, uma razão nocional abstrata, ou melhor, como se dizia, é a razão mais abstrata…”]

A noção de ser, primeiramente apreendida por abstração formal, é a mais imperfeita e confusa imaginável e é obtida logo no início da vida intelectual. Reflexão metafísica é necessária para transformar esse conceito confuso e imperfeito naquele que é o mais rico em poder representativo (cf. p. 143, n. 1). Essa reflexão metafísica é descrita como dialética. Todas as coisas concordam em ter a noção própria de ser (p.140), contudo cada ser tem seu modo próprio de ser. Consequentemente,

“la nozione di essere è intrinsecamente inadeguata ad informare la mente una volta per sempre, ma esige di essere esplicitata, volta per volta, nell’oggettivazione: onde dal sapere il modo di essere reale di una cosa, non è deducibile, a priori, quale sia quello di un’altra cosa, se non in un modo approssimativo ovvero proporzionale.” (p. 140).[N. do T. – Tradução livre (o itálico é do próprio C. Fabro): “a noção de ser é intrinsecamente inadequada para informar a mente de uma vez por todas, mas exige ser explicitada, a cada vez, na objetivação: por onde, a partir de se saber qual o modo de ser real de uma coisa, não é dedutível, a priori, qual seja o [modo de ser real] de uma outra coisa, salvo de modo aproximativo, isto é, proporcional.”]

Como exatamente o conceito mais empobrecido é transformado no conceito mais rico? Fabro sugere que, à medida que a vida do intelecto prossegue e nos tornamos cada vez mais familiarizados com a diversidade dos seres, o conceito de ser é não tanto preenchido por meio dessas determinações, como reconhecido como algo que transcende os modos de ser particulares e que não é esgotado por eles. O conceito de ser passa a significar uma perfeição e formalidade que é superior a toda e qualquer outra formalidade à qual ele possa ser aplicado. Fabro resume as opiniões dele enumerando três passos no nosso entendimento do ser. Primeiro, há uma apreensão confusa do ser mediante abstração formal, que é o ponto de partida da vida intelectual. Em segundo lugar, a noção proporcional de ser é apreendida, e isso é o objeto da metafísica. Finalmente, há a noção de ser (ultima ragione d’Essere) que é o termo da indução metafísica. Essa apreensão final é da plenitude da actualidade, plenitude da inteligibilidade. Em relação a ela, todos os modos de ser são vistos como restrições, como degradações, como negações parciais da plenitude dela. A via para este conceito culminante é chamada por Fabro de abstração intensiva, para opô-la à abstração extensiva das prévias apreensões do ser. Aonde chega tal abstração intensiva é a uma coincidência da universalidade conceitual com a intensidade de representação. Fabro indica que é dessa maneira que o Aquinate fala da ciência divina e mesmo da ciência angélica, e adiciona:

“A suo modo anche la conoscenza uma na tende a realizzare qualcosa di simile nel suo grado supremo ch’è la metafisica.”[N. do T. – Tradução livre: “A seu modo, também o conhecimento humano tende a realizar algo de similar no seu grau supremo, que é a metafísica.”]

Fabro retorna a essa abordagem do ser em Participação e Causalidade, publicado em 1960. [1]

[1. Partecipazione e Causalità, Turim, 1960; Participation et Causalité, Lovaina, 1961. Ao resenhar essas duas versões para The Thomist {N. doT. – The Thomist, vol. XXVI (1963), pp. 120-2.}, indiquei com alguma minúcia que uma não é tradução da outra. Por isso, ao citar, prefacio os números de página com Fr. ou It.]

Mas agora ele está dubitativo acerca do papel crucial do texto contido na Expositio do De Trinitate de Boécio. Juízo é consciência [awareness] da existência factual das coisas (esse in actu), e Fabro é crítico da proposta de que uma consciência perceptual da existência factual seja a tônica dominante da metafísica tomista (Fr., p. 75). Isso [essa consciência perceptual] deve dar lugar à reflexão metafísica:

“entre la première notion de l’ens, à l’aube de la pensée, et la notion technique d’esse de la ‘resolutio’ métaphysique, il y a au moins undouble passage. En premier lieu: de la notion initiale confuse d’ens en général à la notion méthodologique de l’ens comme ’id quod est, quodhabet esse’ selon une dualité explicite de sujet (essentia) et d’acte (esse). Aristote s’en tient là, tandis que saint Thomas poursuit jusqu’à la détermination de l’esse comme acte ultime transcendantal, qui est l’objet propre et immédiat de la causalité divine.” (Fr., p. 79). [N. do T. –Tradução livre: “entre a primeira noção do ens, no alvorecer do pensamento, e a noção técnica de esse da ‘resolutio’ metafísica, há pelo menos uma dupla passagem. Em primeiro lugar: da noção inicial confusa de ens em geral para a noção metodológica de ens como ‘id quod est, quod habet esse’ conforme uma dualidade explícita de sujeito (essentia) e de ato (esse). Aristóteles detém-se aí, enquanto que Santo Tomás prossegue até à determinação do essecomo ato último transcendental, que é o objeto próprio e imediato da causalidade divina.”]

Nós devemos ir além do esse in actu até ao esse ut actus, além dos atos limitados até à ilimitada plenitude do ser.

Fabro vê a síntese tomista como incorporando o que há de melhor em Aristóteles e no platonismo, e o itinerário mais fácil para um entendimento do que ele quer dizer com: esse ut actus, esse como ato intensivo, o termo da abstração intensiva, é através da comparação que ele faz entre Aristóteles e Platão.

Para Aristóteles, einai, por si só, não significa nada, diz Fabro [2].

[2. Para uma outra perspectiva, ver “Some Notes on Being and Predication” {Algumas Notas sobre Ser e Predicação}, The Thomist, XXII (1959), pp. 330-3. {N. do T. – Estudo republicado como primeira metade do cap. 13 deBeing and Predication: Thomistic Interpretations (Washington,D.C.: Catholic Univ. of America Press, 1986); o trecho aludido encontra-se à p. 184s.}]

Adquire significado apenas enquanto ligado a alguma coisa que é. Por isso que Aristóteles tem de considerar o ser como imediatamente dividido pela substância e o acidente. A substância, a substância concreta, é uma maneira de ser in actu, o acidente é outra, e fora dessas determinações o ser não significa nada. A crítica de Aristóteles a Platão dirige-se contra a reificação das abstrações da qual ele considerava culpado o seu mestre. Humanidade não existe, homens, sim; doença não existe, mas alguns homens são/estão doentes. As formas são aquilo graças ao qual alguma coisa é assim e assado, mas as formas mesmas não subsistem. Fabro julga que Aristóteles está dizendo que o locus da realidade é não o abstrato, mas o concreto. Se considerarmos a hierarquia predicável, a la a árvore de Porfírio, é ao descê-la que nós obtemos o realmente real. Fabro chama isso de uma concepção intensiva do concreto.

“L’approfondimento dell’aristotelismo portò presto San Tommaso a quella che abbiamo detta la concezione intensiva del concreto secondo la quale la forma sostanziale è l’atto primo in senso forte, in quanto cioè porta alla materia col proprio atto specifico — p.es. l’anima che da all’uomo la razionalità — tutte le altre formalità che quest’atto presuppone: nell’uomo l’animalità e la corporeità nell’ordine predicamentale, la vita, l’intelligenza e l’esse nell’ordine transcendentale… poichè soltanto a questo modo si salva l’unità del reale e quindi la consistenza dell’essere stesso.” (It. pp. 328-9; Fr., p. 341). [N. do T. – Tradução livre (N.B.: as reticência são do próprio C. Fabro): “O aprofundamento do aristotelismo logo levou Santo Tomás àquela que chamamos de a concepção intensiva do concreto, segundo a qual a forma substancial é o ato primeiro em sentido forte, isto é, enquanto leva à matéria, com o seu próprio ato específico — por ex., a alma, que dá ao homem a racionalidade, todas as outras formalidades que esse ato pressupõe: no homem a animalidade e corporeidade na ordem predicamental, a vida, a inteligência e o esse na ordem transcendental… pois somente desse modo fica salva a unidade do real e, assim, a consistência do ser mesmo.”]

A intensificação é obtida procedendo na direção do concreto, portanto, e não na direção do abstrato. O corolário disso, é claro, seria que conhecer uma coisa somente como um ser é conhecer o menos possível sobre ela.

A hierarquia predicável que acaba de ser delineada é considerada uma consequência de nosso modo peculiar de conhecer. Ela não implica em qualquer correspondência um-para-um entre os patamares ou degraus na escala dela e os seres reais. Não há nada que seja ser que não seja ou substância ou acidente; não há nada que seja meramente substância; [não há] coisa alguma que a noção genérica de coisa vivente nomeie exatamente enquanto tal, ou seja, como concreta, etc. Se bem que de certo modo fundada na ordem real, a hierarquia predicável refere-se imediatamente à nossa maneira imperfeita e abstrativa de conhecer as coisas sensíveis.

Vamos assumir que, além da hierarquia predicável ou lógica, há uma real ou ontológica, uma escala que se estenderia desde a mais mínima das substâncias cósmicas, passando pelo homem e seguindo até à hierarquia angélica, e que culminaria em Deus. Qual é a relação entre as hierarquias predicável e ontológica? O intrigante, na interpretação que Fabro faz do Aquinate, é que ele quer juntar intensificação com abstração, e, na implementação disso, ele enxerga uma vantagem do platonismo sobre o aristotelismo.

“On peut dire que la forme, en avançant plus loin dans l’abstraction, s’enrichit en même temps et se charge toujours plus d’être et de perfection d’être. Il s’agit pourtant plutôt d’une universalité de perfection, que de celle de prédication, et elle ne pourra être universalité de prédication qu’étant d’abord universalité de perfection. La ‘prédication intensive’ et, par conséquent, l’abstraction intensive, sont les bases de la prédication extensive et de l’abstraction logique.” (Fr., p. 201). [N. do T. – Tradução livre: “Pode-se dizer que a forma, ao avançar mais longe na abstração, ao mesmo tempo se enriquece e se preenche cada vez mais de ser e de perfeição de ser. Trata-se, no entanto, mais duma universalidade de perfeição que da [universalidade] de predicação, e só poderá ser universalidade de predicação sendo primeiro universalidade de perfeição. A ‘predicação intensiva’ e, consequentemente, a abstração intensiva, são as bases da predicação extensiva e da abstração lógica.”]

Este é um ponto crucial na interpretação de Fabro. Há uma escala predicável com o ser no topo que vai descendo a árvore de Porfírio rumo a cada vez menos termos em comum que não obstante expressam atos cada vez mais intensivos. Por isso, vivere, como um modo de esse, não deixa para trás coisa alguma expressada por este último termo: [vivere] é uma posse mais intensiva do esse. Por outro lado, o Aquinate, sob influência do platonismo, fala às vezes como se o inverso fosse verdade:

“…esse inter omnes alias divinae bonitatis participationes, sicut vivere et intelligere et huius modi, primum est et quasi principium aliorum, praehabens in se omnia praedicta, secundum quemdam modum unita” (I Sent. 8.1.1,c.).[N. do T. – Tradução livre: “…o ser, dentre todas as outras participações na bondade divina, tais como o viver, o inteligir e semelhantes, é a primeira e como que o princípio das demais, pré-contendo em si todas as precitadas, de um certo modo unidas” (I Sent. 8.1.1,c.).]

Fabro acha aqui a base para dizer que o esse, que na hierarquia predicável é a menor das asserções, pode ser considerado como pré-contendo em si mesmo os atos designados pelos termos mais concretos na escala predicável.

“Mais il faut admettre que, dans cette dialectique, la ‘compréhension’et l’‘extension’, par rapport à la ‘forme d’être’ (forma essendi), ne se trouvent pas en relation inverse, mais qu’elles se réfèrent l’une à l’autre, et que l’une se fonde sur l’autre.” (pp. 201-2). [N. do T. – Tradução livre: “Cumpre, porém, admitir que, nesta dialética, a ’compreensão’ e a ‘extensão’, relativamente à ‘forma de ser’ (forma essendi), não se acham em relação inversa, mas se referem uma à outra, e uma se funda na outra.”]

Fabro reconhece que para o “pensamento clássico” e para a lógica essa é uma doutrina difícil, pois na sinopse metafísica e dialética [dele, Fabro,] aquilo que tem a maior extensão tem também a maior intensão, aquilo que pode ser dito de tudo diz-nos mais sobre qualquer coisa. A natureza exata do que ele pensa estar fazendo resulta clara de seu elogio de Platão:

“mais il est certain, néanmoins, que si dans l’antiquité quelqu’un a compris que le ‘mouvement’ de la pensée devait être parallèle et correspondre au ‘mouvement’ de l’être, et ne pas seulement être son mirage, c’était Platon.” (Fr., p. 202). [N. do T. – Tradução livre: “mas é, não obstante, certeza que se alguém na antiguidade compreendeu que o ‘movimento’ do pensamento devia ser paralelo e corresponder ao ‘movimento’ do ser, e não somente ser miragem deste, foi Platão.”]

A subida dialética até o esse como ato intensivo, como o somatório de todas as perfeições, é descrita por Fabro como um tipo de “passaggioal limite” [“passagem ao limite”] (La nozione, p. 169, n.), e claramente o esse como perfectio separata é a intensão [intent] de Ipsu messe subsistens como nome divino. Mas Fabro não está empregando esse ut actus simplesmente como um terminus ad quem da empresa metafísica.

“La perspective propre à l’analyse métaphysique, c’est que le point de départ et le point d’arrivée coïncident effectivement: le départ estl’esse comme acte de l’ens et l’arrivée est l’esse comme acte des actes et perfection de toutes les perfections. L’esse qui est au départ, l’acte le plus commun, se manifeste à la fin comme l’acte le plus intense, qui transcende tous les actes et doit les engendrer de l’éternelle et inépuisable profondeur de sa plénitude.” (Fr., p. 252). [N. do T. – Tradução livre: “A perspectiva que é própria da análise metafísica consiste em que o ponto de partida e o ponto de chegada efetivamente coincidem: a partida é o esse como ato do ens e a chegada é o esse como a todos atos e perfeição de todas as perfeições. O esse que há no começo, o ato mais comum, manifesta-se no fim como o ato mais intenso, que transcende todos os atos e deve engendrá-los [a partir] da eterna e inesgotável profundidade da plenitude dele”.]

É seguramente difícil de apreender a natureza exata da coincidência ou identidade entre ponto de partida e ponto de chegada em que insiste Fabro. Ademais, esse ut actus corresponde em seu seio todas as perfeições, todas as determinações de ser. Em suma, para Fabro, o esse, da maneira peculiar que o Aquinate fala dele, é uma janela para o mundo que traz à vista todas as coisas, porque significa a somatória de todas as perfeições. Conhecendo o esse, nós conhecemos tudo.

O parágrafo anterior assumiu um tempero crítico, e quero continuar e concluir criticamente. Primeiro, e repetitivamente, Fabro tende a identificar os dois sentidos de ens commune que o Aquinate se esforça um tanto em manter separados, ou, se não identifica os dois sentidos, Fabro sugere algum tipo de identidade de referência, como na citada observação sobre a coincidência entre o ponto de partida e o termo da reflexão metafísica. Fabro parece querer fazer do esse comune, ens sine adjecto, o mais intensivo.

“Nec oportet, si dicimus quod Deus est esse tantum, ut in errorem eorum incidamus, qui Deum dixerunt esse illud esse universale quo quaelibet res formaliter est. Hoc enim esse quod Deus est, huius conditionis est ut nulla sibi additio fieri possit: unde Per ipsam suam puritatem est esse distinctum ab omni esse … Esse autem commune, sicut in intellectu suo non includit aliquam additionem, ita nec includit in intellectu suo aliquam praecisionem additionis; quia si hoc esset, nihil posset intelligi esse in quo super esse aliquid adderetur.” (De ente, cap.5). [N. do T. – Tradução livre: “[§ 63.] Não é porque afirmamos que Deus é somente ser, que precisamos cair no erro dos que disseram que Deus é aquele ser universal pelo qual cada coisa formalmente é. Com efeito, o ser que é Deus é de uma condição tal que nenhuma adição lhe pode ser feita; daí que, pela sua pureza mesma, é um ser distinto de todo e qualquer outro ser. […] Quanto ao ser comum, assim como não inclui no seu conceito adição alguma, tampouco inclui na sua intelecção qualquer exclusão de adição; pois, se tal se desse, não se poderia conceber nenhum ser em que, para além do ser, se adicionasse algo mais.”] {Tradução cotejada com as traduções em português de “O ente e a essência” por Dom Odilão Moura, O.S.B. (Rio de Janeiro: Presença, 1981, p. 84), Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento (Petrópolis: Vozes, 1995, p. 44-45) e Mario Santiago de Carvalho (Covilhã: LusoSofia.net, 1995/2008, p. 35).}

Acaso Ipsum esse subsistens nomeia Deus mediante um conceito tão representacionalmente rico, que expresse todas as perfeições na totalidade delas? Obviamente não. Se o fizesse, (a) nós estaríamos desfrutando da visão beatífica e (b) um único nome divino bastaria. Mas necessitamos de uma pluralidade de nomes divinos, precisamente para nos aproximarmos do fato de que Deus é a somatória de todas as perfeições. Contudo, cada nome divino expressa uma perfeição e exclui outras, por causa do fato de esses nomes primeiro terem significado para nós graças ao nosso conhecimento das perfeições criadas. Esse é preferido a todos os outros nomes divinos, porque não inclui em sua significação nenhum modo de ser determinado: ser sábio, ser bom, etc. Se pusermos de lado esses modos limitados e só retivermos o esse, nós temos o quê?

“Et hinc remanet tantum in intellectu nostro quia est, et nihil amplius: unde est sicut in quadam confusione.” (I Sent. 1.1.4m).[N. do T. – Tradução livre: “E aí então, no nosso intelecto, resta somente o fato de que ele é, e nada além disso: pelo que, ele fica como que numa certa confusão.”]

Dizer de Deus que Ele é o esse subsistente é a melhor maneira, e a mais segura, de falar d’Ele, porque é a que diz menos, a mais confusa, a menos informativa e, destarte, implica menos restrição no ser divino. Que o que é chamado de Ipsum esse subsistens pode também ser chamado de Ipsa sapientia, Ipsa iustitia, etc., envolve outros nomes, outros conceitos: podemos dizer que o que o esse nomeia é todas essas coisas, mas não que o esse signifique todas essas coisas.

Ademais, o tratamento dado por Fabro à importante doutrina contida na lição um do comentário ao capítulo cinco do De Divinis Nominibus pelo Aquinate, pode-se dizer que envolve uma espécie de essencialismo, com o que quero dizer privilegiar a expressão abstrata. Vivere est esse viventibus [“O viver é o ser do vivente”]. O vivere não brota do esse da coisa vivente: ele é este esse. O vivere não está à espera de algum outro ato, esse, ulterior, para que a coisa viva entre na ordem real. Mas o vivere, para Fabro, é lido a partir da essência ou forma — ele é o ato que segue per se, sem intermediário, na esteira da forma. Forma dat esse: a alma dá o ser à coisa vivente. Não há composição de vivere e esse senão logicamente, abstratamente. Preferir o termo esse a vivere, ao falar de coisas vivas, é preferir a confusão à clareza.

Finalmente, pode-se dizer que Fabro descreve mal o que ele está fazendo. Em seu apelo a Platão para uma identificação do “movimento” do pensamento com o “movimento” do ser, ele sugere que aquilo que é o primeiro na realidade tenha de ser o primeiro em nosso pensamento discursivo. O movimento da metafísica é tal que vai do esse para o esse e acaba identificando as hierarquias lógica e real. Se, porém, os escritos de Fabro mostram alguma coisa, eles mostram é (a) que a hierarquia real não está em correspondência um-para-um com a hierarquia predicável e (b) que o nosso ponto de partida é qualquer coisa menos aquilo que é primeiro na realidade. O que é realmente primeiro tem de ser buscado como limite dialético, mas não corremos para a primeira base se já estamos nela.

Está-se consciente, ao intentar reduzir a alguns pontos fundamentais escritos tão eruditos, nuança dos e desiguais [uneven] como os de Fabro, que distorções são inevitáveis. Mas, ainda que inevitáveis, nem por isso deixam de ser imperdoáveis. Eu não seria sincero comigo mesmo se não terminasse este breve esboço com uma nota de louvor. Cornelio Fabro é facilmente um dos tomistas mais importantes, doutos e esclarecedores atuantes hoje, e há incontáveis exemplos de exegese cerrada e recompensadora, bem como voos sintéticos ousados e provocantes em praticamente tudo o que ele faz. Minha inquietação central quanto ao seu tratamento do esse ut actus intensivus é que, em vez de reter o modo próprio do entendimento humano, que é múltiplo, complexo, analítico, discursivo, como pano de fundo contra o qual os esforços dialéticos por superar essas limitações possam ser não somente corrigidos, mas efetivamente entendidos, ele reduziu a metafísica a uma dialética dos limites. O resultado é algo como negar a diferença entre o polígono e o círculo, porque o círculo é o limite dialético da multiplicação ao infinito dos lados do polígono. A graça e o propósito vão embora de tais reduções dialéticas caso se considere que os polos realmente se fundem. O que tenho em mente pode ser encontrado quase a cada página do comentário do Aquinate ao De Causis, no qual o neoplatônico recebe novo significado e aceitabilidade, ao ser posto em justaposição com um enfoque mais fundamentado dos metaphysicalia. E, é claro, vice-versa.

RALPH MCINERNY

University of Notre Dame
Notre Dame, Ind.

Trad. por Felipe Coelho; Ralph M. McInerny, “‘Esse ut actus intensivus’ in the Writings of Cornelio Fabro”, in: Proceedings of the American Catholic Philosophical Association 38 (1964) 137-141. [Reproduzido como Cap. 14, p. 229-236, de seu livro: Being and Predication: Thomistic Interpretations (Coleção “Studies in Philosophy and the History of Philosophy”, 16), Washington, D.C.: The Catholic University of America Press, 1986, 323p.]

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Blog no WordPress.com.

Acima ↑

%d blogueiros gostam disto: