John S. Daly | 2006
PERGUNTA: “O Cardeal Billot e outros teólogos falam do fato de a adesão universal a um certo homem como papa resultar num fato infalível de esse homem realmente ser papa. Em primeiro lugar, esse ensinamento contradiz a Cum ex Apostolatus ou estamos lidando com alhos e bugalhos? Em segundo lugar, e mais importante, como alguém pode negar que o mundo reconheceu o papado em Bento XVI e seus quatro predecessores?”
RESPOSTA: Ocorre que tive uma correspondência, faz pouco tempo, com um indagador sobre o mesmo tópico e estou colando abaixo a permuta para que fale por si mesma. Eu sou “JD” e meu inquiridor é “MM”.
JD Sim, se a Igreja universal com unanimidade moral aceita pacificamente um homem como Papa legítimo, ele realmente deve ser um Papa legítimo. A razão disso é que o Papa é a regra próxima da fé. Os fiéis aceitam o ensinamento doutrinal do Papa e, se a Igreja inteira aceitasse uma falsa regra da fé, Cristo estaria expondo Sua Igreja ao erro, o que não pode acontecer.
Até aqui, penso que estamos de acordo. Note, porém, que estamos tão longe da unanimidade pacífica que, de fato, praticamente ninguém aceitou/aceita Paulo VI, João Paulo II ou Bento XVI como sua regra da fé! Milhões de “fãs” iam aos ajuntamentos de JP2 onde berravam em êxtase ante as vocalizações dele, mas, quanto a realmente aceitar que a contracepção é necessariamente pecado mortal, por exemplo, quase ninguém aceitava! Se JP2 fosse sua regra da fé, você tinha de ser contra a contracepção, pró-liberdade religiosa, contra mulheres sacerdotes (como teologicamente impossível) mas a favor da doutrina de que Cristo está irrevogavelmente unido a todos os homens. Quantas pessoas consideravam-no papa nesse sentido? Não os modernistas: eles achavam-no conservador. Não os tradicionalistas. Alguém?
Em contrapartida, o inteiro princípio no qual Billot, Santo Afonso e João de S. Tomás baseiam essa doutrina está em franca contradição com a posição FSPX. Os teólogos dizem que o reconhecimento unânime de um homem como Papa prova que ele é Papa porque senão a Igreja teria aceito uma falsa regra viva da fé e seria levada ao erro contra a fé e a moral, o que é impossível. Mas a posição FSPX de fato nega a premissa! Eles sustentam alegremente que o Papa não é necessariamente a regra próxima da fé e que a Igreja pode ser e foi levada ao erro por Vigários de Cristo. Eles estão em péssima posição para invocar esta doutrina contra os sedevacantistas! [A isto, recebi a seguinte réplica, com minhas respostas intercaladas:]
MM No seu e-mail, você mencionou que os seguidores de JP2 que o “aceitavam” como papa rejeitavam a noção de que a contracepção é um pecado letal. Mas assim sendo, esses “católicos” não estariam fora da Igreja, tornando, portanto, sua aceitação ou não aceitação dele uma questão vã?
JD A negação do ensinamento da Igreja que condena a contracepção geralmente não é considerada algo suficiente para excluir alguém da condição de membro da Igreja. Mas, supondo que fosse, você está efetivamente excluindo mais de 90% dos que constituem o consenso quase-unânime que reconhece os papas V2. Acrescente aqueles que negam outras doutrinas: Inferno, impossibilidade de mulheres padres, etc., e você atinge 95%. Onde foi parar o seu consenso? E que tipo de Igreja é essa, 95% de cujos seguidores aparentemente reconhecidos nem sequer são membros dela? Certamente não é uma Igreja cujos <5% restantes possam constituir o consenso unânime e pacífico a que se referem João de S. Tomás, Billot, Sto. Afonso etc. Deve ser, afinal de contas, extremamente desconfortável dar o “sinal da paz” a não-católicos e se acotovelar com eles na grade da comunhão (digo, na fila do biscoito) ao mesmo tempo em que se sabe que eles são reconhecidos como católicos pelo Vigário de Cristo. O reconhecimento hesitante de um homem como líder válido embora desastroso, em quem não se deve confiar, durante uma crise muito grave e manifesta da qual ele está negando a existência… não é isso que os teólogos querem dizer com reconhecimento unânime e pacífico.
MM Não se poderia dizer então que aqueles “neocatólicos” que aceitam por completo o ensinamento moral da Igreja e aceitam o V2 em boa-fé sejam quem importa, no que se refere a reconhecer universalmente um homem com papa?
JD Ao meu ver, isso envolve tanto ajuste da doutrina de Billot que o resultado não passa de opinião particular. A neo-Igreja reconhece todos os neo-católicos como seus membros independentemente da adesão deles à doutrina católica. Se o consenso é composto pela ínfima porcentagem para quem o ensinamento da Igreja Católica é a regra da fé e os papas V2 são sua regra próxima da fé, ele se torna invisível e inverificável.
MM No entanto, por acaso importa se eles realmente aceitam os ensinamentos de JP2, contanto que reconheçam nele o Papado (isso apenas no que se refere à posição de Billot; tenho a impressão de que ele ensina que o importante é que o homem seja reconhecido como papa pela Igreja Universal, e que se eles dão ou não dão assentimento aos ensinamentos dele é irrelevante para esta questão específica)?
JD Não. Isso está errado. Procurei deixar isso claro da última vez, mas provavelmente não fui muito bem-sucedido em expressá-lo. Posso lhe pedir que leia com muita atenção a seguinte sentença um tanto complicada: a razão e a prova do ensinamento dos teólogos de que o reconhecimento unânime e pacífico de um homem como Papa demonstra que ele é verdadeiramente Papa é que o Papa é 1. a regra viva da fé dos membros da Igreja e 2. infalível, e se a Igreja aderisse unanimemente a um não-papa, i.e. a uma regra não-infalível da fé, ela ficaria sujeita a ser conduzida a erro na fé, o que é impossível. Entendeu isso? Certo. Pois bem, como pode ver, chamar um homem de papa sem reconhecê-lo como sua própria regra da fé simplesmente não tem esse efeito. O ensinamento do Cardeal Billot, João de S. Tomás e outros sobre essa matéria não é um ensinamento direto da Igreja. É uma inferência teológica feita por excelentes razões pelos teólogos e da qual seria tolo ou temerário discordar. Mas esse raciocínio é inteiramente baseado no fato de que os católicos necessariamente aderem ao ensinamento doutrinário do homem que eles consideram ser papa. Se a fé católica de fato não exigisse essa adesão, o argumento não funcionaria, e os teólogos nunca teriam feito a dedução de que o reconhecimento unânime é prova de legitimidade papal. Seria um non sequitur. Seria também um non sequitur se fosse possível que a Igreja inteira errasse na fé como consequência de aderir ao ensinamento de um verdadeiro Papa. A adesão unânime a um usurpador falível, nesse caso, não seria incompatível, em si mesma ou em qualquer uma de suas consequências,com a doutrina católica. Está claro? E seria também um non sequitur por uma terceira razão se a adesão que os católicos devem e prestam ao ensinamento papal fosse algo raro e limitado a atos extraordinários como a proclamação de um dogma tal como a Assunção. Pois nesse caso os Papas em sua maioria de fato não conduziriam a Igreja a crer o que quer que seja e, se eles ensinassem erro grave e habitual por seu Magistério ordinário, isso não necessariamente significaria que a Igreja os seguiria.
Se você entendeu o que precede, você verá que a adesão aos papas do V2 por parte de homens que não reconheciam neles sua regra próxima da fé não tem absolutamente nenhuma relevância para o princípio de reconhecer a legitimidade papal pela adesão unânime e pacífica. Você também observará que Billot e os demais teólogos que usam esse argumento simplesmente não reconheceriam como sendo a Igreja Católica uma instituição cujos membros não tenham essa disposição habitual de reconhecer o ensinamento papal como sua regra de crer. Você também verá que é a posição dos tradicionalistas não-sedevacantistas que entra em conflito com a doutrina de Billot, pois eles consideram possível e mesmo necessário em nossos dias aderir a um homem como papa ao mesmo tempo que não aderir ao ensinamento doutrinal dele como sua regra próxima da fé – o exato ponto de certeza dogmática que Billot e os outros tomam como o ponto de partida lógico de seu raciocínio. A FSPX usar o argumento Billot envolveria autocontradição. Eles negam a premissa (que pertence diretamente à doutrina católica) e não podem, portanto, censurar os sedevacantistas por não aceitarem a conclusão (que não pertence diretamente à doutrina católica, mas que de todo modo aceitamos).
Ave Maria!
John DALY
Tradução de Felipe Coelho.
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