Louis Jugnet | 1973
A pretensão de “estar com a verdade”, de “ter a verdade”, indigna muita gente, que replica: “Isso é orgulho”, ou ainda: “Então, todos os outros estão em erro”, etc… Na medida em que um tal preconceito é curável, tentemos eliminá-lo mediante um esclarecimento que dissipe certas confusões.
1) Pensar, com razões bem fundadas, que se está na verdade não é, de maneira alguma, indício de orgulho, mas – por espantoso que isto possa parecer a alguns – de humildade. O conhecimento humano, com efeito, precisamente enquanto limitado e imperfeito, não faz o real mas deve submeter-se a este. A verdade é a concordância entre o espírito e a coisa conhecida. Quanto mais o espírito humano for modesto e fiel, mais chances tem de ver o real (científico, filosófico, teológico) descortinar-se para ele, graças a uma espécie de ascese da inteligência e da vontade.
2) “Conhecer a verdade”, “estar na verdade” é entendido por alguns de nossos adversários de forma tão tola, que às vezes nos perguntamos se essa confusão que cometem não é voluntária. Dissipemo-la, todavia:
a) “ter razão”, “estar com a verdade”, “possuir a verdade” não quer dizer, de maneira alguma, nem que o filósofo ou teólogo que afirma deter esse privilégio sabe tudo e jamais se engana em nada, o que seria pura e simplesmente grotesco; (É bem isso, porém, que alguns parecem imaginar!)
b) nem que sua doutrina não contém nenhuma obscuridade, nenhuma margem de inexplicável, ou que ela esgota totalmente o real em todas as suas profundidades. “Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que pode sonhar vossa filosofia” (Hamlet). Nada mais verdadeiro. Também aí, um dogmático sabe afirmar quando é preciso, e respeitar o mistério por toda parte onde ele o encontrar. (Será preciso repetir, pela enésima vez, que a expressão escolástica “adaequatio rei et intellectus” não significa, de maneira alguma, “correspondência absolutamente perfeita entre a coisa e o pensamento”, mas relação de conformidade objetiva e válida, embora limitada; nenhum conhecimento humano é exaustivo).
c) Isso não quer dizer, tampouco, que fora da doutrina que defendemos tudo seja falso nas doutrinas adversas. Os filósofos tomistas nem sonham contestar que haja verdades em Berkeley, em Kant, em Hegel, em Marx, em Bergson; os teólogos católicos não pretendem de maneira alguma negar que haja verdades no protestantismo, no judaísmo, no bramanismo. Mas a questão que se coloca é inteiramente outra. Trata-se de saber se essas verdades estão, se assim podemos dizer, “à vontade”, em liberdade e “em casa” nas doutrinas adversas. Ora, o que pensamos é que essas verdades não têm ali senão papel parcial, fragmentário, incompleto; que elas estão involucradas em erros flagrantes, que distorcem e falseiam o verdadeiro alcance delas; e que, assim, o dominante numa doutrina falsa, e aquilo pelo que ela propriamente arrisca ser desastrosa, é o espírito dessa doutrina, espírito de erro e de negação.
Exemplos: o judaísmo e o islamismo insistem sempre na unidade de Deus (o que é uma Verdade), mas fazem-no intencionalmente de maneira unilateral que exclui o dogma cristão da Trindade. Lutero insiste no fato de que é somente a graça que justifica, e, em estado bruto, essa fórmula é verdadeira. Nele, porém, isso exclui a economia católica dos sacramentos, etc… Assim também, Kant vê bem que o conhecimento é ativo, mas concebe essa atividade como cega e fabricadora, não alcançando o ser. Marx vê bem o papel vezes demais negligenciado do fator econômico. Mas ele dá a este um peso exclusivo e inaceitável, etc… Nem tudo é falso, quanto ao detalhe, nas doutrinas, mas o espírito ali infecta tudo. Se essas verdades parciais forem admissíveis e assimiláveis, é com a condição de serem arrancadas a estas falsas doutrinas (logo, antes de tudo, crítica ao erro) e “batizadas” de algum modo, repensadas sob outra perspectiva.
3) Permanece que estas pretensões, todavia bastante limitadas, chocam a alguns. É que não creem na possibilidade de o espírito humano alcançar o verdadeiro com certeza. São céticos ou relativistas por temperamento; mas, precisamente, não se deveria crer que está aí como que a fina flor da cultura ou da inteligência. Há aí, pelo contrário, uma pura e simples anemia (ou impotência) intelectual. O ceticismo não é uma posição normal. A história do pensamento, tanto quanto a patologia mental, mostram no ceticismo uma degradação do espírito, uma impotência de realizar nossas funções intelectuais. Isso deve ser corrigido e reformado mediante uma genuína reeducação moral, intelectual, espiritual. Não podemos nos atolar beatamente nele, se queremos ser verdadeiramente homens. Alguns dizem, ao ouvirem alguém expor-lhes uma doutrina determinada: “Ele diz isso; é seu ponto de vista, mas um outro diria outra coisa sobre a mesma questão”. E daí? Os que falam assim mostram bem que são subjetivistas até à medula, incapazes de considerar por si mesmos o conteúdo de uma doutrina (ponto de vista do objeto estudado, do ser) e capazes somente de considerar o sujeito que fala (um tomista moreno ou um marxista loiro, etc.), ou seja, renunciam a julgar, a servir-se da sua inteligência.
Louis Jugnet
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