MEDITAÇÕES PARA O ADVENTO – III SEMANA

Santo Afonso de Ligório | século XVIII

TERCEIRO DOMINGO DO ADVENTO

O TESTEMUNHO DE SÃO JOÃO BATISTA E A MODÉSTIA CRISTÃ

Ego vox clamantis in deserto: Dirigite viam Domini, sicut dixit Isaias propheta – “Eu sou a voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, assim como o disse o profeta Isaías” (Jo 1, 23).

Sumário. A imitação de São João Batista, procuremos sempre, ao falar de nós mesmos ou sobre as coisas que nos dizem respeito, abaixar-nos e nunca nos exaltarmos acima dos outros. Quem se abaixa, nunca sairá prejudicado; mas, por pouco que alguém se exalte acima do que é, pode causar-se grave dano. Além disso, é sabido de todos que os louvores em boca própria não trazem honra, senão desprezo.

I. O EVANGELHO DE hoje, como diz São Gregório, faz ressaltar bem claramente a humildade do Batista. Muito embora estivesse adornado de tais e tantas virtudes, que se pudesse crer ser ele o Messias prometido, não somente recusou terminantemente esse nome, dizendo: Non sum ego Christus – “Eu não sou o Cristo”; mas ainda mais, protestou não ser digno nem sequer de desatar os cordões das sandálias do Redentor. Constrangido, pois, a dar informações acerca de si próprio, cala a nobreza de seus pais, a dignidade sacerdotal, e apenas faz saber o que é indispensavelmente necessário, a saber, o seu ofício de Precursor de Jesus Cristo: Ego vox clamantis in deserto: Dirigite viam Domini – “Eu sou a voz que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor”.

Deves tu também praticar igual modéstia, se verdadeiramente desejas agradar a Deus e assim preparar-te para fazer nascer o divino Menino em teu coração. Evita de dizer qualquer palavra de louvor próprio, tanto acerca da tua conduta, dos teus talentos e exercícios de virtudes; como acerca da tua família, enaltecendo a nobreza, as riquezas, o parentesco. Em uma palavra, no falar do que te respeita ou de ti mesmo, procura sempre, a imitação do Batista, abaixar-te e nunca te exaltares acima dos outros. Fale antes o mal do que o bem; descobre antes os teus defeitos, do que as ações que talvez tenham aparência de virtudes. Abaixando-te, nunca te prejudicarás; mas, como diz São Bernardo, por pouco que te exaltes acima do que és na verdade, podes causar-te grande mal. Além disso, é bem conhecido o adágio comum: Louvor em boca própria é vitupério.

Demais, melhor será que nas conversações não fales absolutamente de ti próprio, nem para bem, nem para mal, considerando-te como pessoa tão vil, que nem sequer mereça ser mencionada. Quantas vezes não sucedem que contando coisas mesmo para a nossa própria confusão, se insinue alguma oculta e fina soberba, e que interiormente desejemos ser elogiados ou ao menos ser tidos por humildes e virtuosos!

II. Se por acaso, sem culpa tua, te louvarem, procura então haver-te assim como se houveram os Santos e nos ensinaram. Quer dizer: lança uma vista sobre tantos defeitos teus; confunde-te interiormente por não possuíres os méritos que te atribuem. Treme pensando que talvez a estima dos homens não seja a maior desgraça que te pode suceder, porquanto, pela vá complacência, te pode fazer perder todos os merecimentos que porventura tinhas adquirido perante Deus. Demais, pode infectar-te o coração, fomentando-te o orgulho, e assim ser causa de tua queda e eterna condenação. Por isso diz São Francisco de Sales, que os louvores são um veneno doce e desapercebido, que mais de uma vez têm dado a morte à virtude e à piedade dos mais santos e piedosos. – Sobretudo, quando perceberes que te elogiam, olha para Jesus Crucificado, que, por teu amor, longe de buscar os louvores, preferiu ser o homem mais desprezado, ou antes o mais abjeto, entre todos os homens: despectum et novissimum virorum (Is 53, 3).

Ó meu Jesus, envergonho-me de comparecer na vossa presença. Vós, embora inocente, fostes por meu amor cumulado de ignomínias, e eu, pecador, tão ávido sou de louvores e honras! Ah, meu Deus, como me vejo desigual a Vós! Isso que faz temer pela minha salvação eterna, visto que os predestinados Vos devem ser achados conformes. Mas não quero perder a confiança em vossa misericórdia; Vós mesmo me deveis mudar. Amo-Vos, Bondade infinita; arrependo-me dos desgostos que Vos tenho causado com o meu orgulho, e proponho sofrer por vosso amor qualquer desprezo, qualquer injúria que me for feita. “Vós, ó Senhor, inclinai os vossos ouvidos às nossas súplicas e ilustrai as trevas do meu espírito com a graça de vossa visita”. [Or. Dom. curr.] Dai-me força para guardar fielmente o meu propósito. Quero sempre dizer-Vos: † Ó Jesus, manso e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao vosso [indulgência de 300 dias]. Ajudai-me também vós, ó Maria, a mais humilde de todas as criaturas.

SEGUNDA-FEIRA

JESUS MENINO TOMA SOBRE SI TODOS OS PECADOS DOS HOMENS!*

[* A partir daqui, se se coincidir com o dia 16 de dezembro, pode iniciar as meditações da Novena de Natal.]

lustificabit ipse iustus servus meus multos, et iniquitates eorum ipse portabit – “O meu servo justo justificará muitos, e tomará sobre si as iniquidades deles” (Is 53, 11).

Sumário. Jesus Cristo quis não somente tomar a aparência de pecador, senão ainda tomar sobre si todos os pecados dos homens e satisfazer por eles, como se fossem os seus próprios. Desde criança viu em particular todos os pecados, de cada um de nós, e aquela vista cruciou-lhe a alma muito mais, do que em seguida a crucificação e a morte cruciaram-lhe o corpo. Eis ai a bela maneira de que recompensamos o amor de nosso divino Salvador.

I. CONSIDERA QUE o Verbo divino, fazendo-se homem, não somente quis tomar a aparência de pecador, mas ainda tomar sobre si todos os pecados dos homens e satisfazer por eles, como se fossem os seus próprios: Iniquitates eorum portabit – “Tomará sobre si as iniquidades deles”; Acrescenta Cornélio a Lápide: ac si ipse ea perpetrasset – “como se ele mesmo as tivesse cometido”. – Consideremos aqui como o Coração de Jesus Menino, já então carregado de todos os pecados do mundo, se devia sentir oprimido e angustiado, vendo que a justiça divina exigia dele plena satisfação. Ele conhecia bem a malícia de cada pecado, porquanto na luz da Divindade que sempre o acompanhava, conhecia, imensamente melhor do que todos os homens e todos os anjos, a bondade infinita de seu Pai, e o seu infinito direito a ser respeitado e amado. E via diante de si, como que em longas fileiras, uma multidão inumerável de peca-dos, a serem cometidos por aqueles mesmos homens, pelos quais deveria padecer e morrer.

Uma vez o Senhor deixou ver a Santa Catarina de Gênova a fealdade de um só pecado venial. Foi tão grande o espanto e a dor da Santa, que caiu sem sentidos em terra. Ora, qual não deve ter sido a aflição de Jesus Menino, quando, no mesmo instante em que baixou à terra, viu posta diante de si a multidão imensa de todos os delitos humanos, pelos quais deveria satisfazer! Então viu em particular todos os pecados de cada um de nós. Diz o Cardeal Hugo, que os algozes o fizeram padecer exteriormente, crucificando-o; mas nós interiormente, cometendo o pecado – fecerunt eum dolere extrinsecus, crucifigendo; sed nos pecando, intrinsecus. Quer dizer que cada pecado nosso afligiu mais a alma de Nosso Senhor Jesus Cristo, do que a crucificação e a morte lhe afligiram o corpo. Eis aí a bela maneira de que cada um que tem lembrança de haver ofendido o Salvador com pecados mortais, lhe recompensou o divino amor.

II. Meu amado Jesus, já que Vos tenho ofendido, sou indigno de receber graças; mas pelos merecimentos das dores que padecestes e oferecestes a Deus, ao ver todos os meus pecados, e em satisfazer por eles a divina justiça, concedei-me um raio da luz na qual Vós então lhes conhecestes a malícia, e uma parte da abominação com que Vós então os detestastes. Será, pois, verdade, ó meu amável Salvador, que eu, desde que nascestes e em cada momento da nossa vida, tenha sido o algoz que Vos crucificou? E essa dor tê-la-ei renovado e aumentado todas as vezes que tornei a ofender-Vos? – O Senhor, Vós já morrestes para me salvar; porém, para minha salvação não basta a vossa morte, se de minha parte não deteste, mais do que qualquer outro mal, as ofensas que Vos tenha feito, e não me arrependa delas com sincera dor. Vós mesmo deveis dar-me essa dor, e Vós a concedeis a quem a pede. Pelos merecimentos de todas as penas que padecestes em terra, eu Vos peço: dai-me dor de meus pecados, mas uma dor que seja proporcionada à minha maldade. Ajudai-me, ó Senhor, a fazer o ato de contrição que agora quero fazer.

Ó Deus eterno, supremo e infinito Bem, eu, verme miserável, tive ânimo de desrespeitar- Vos e de desprezar a vossa graça. Mais do que todos os outros males, detesto e odeio as injúrias que Vos tenho feito; delas me arrependo de todo o coração, não tanto por causa do inferno merecido, como por ter ofendido a vossa bondade infinita. Espero, pelos merecimentos de Jesus Cristo, obter o perdão; e com o perdão espero também obter a graça de Vos amar. – Amo-Vos, ó Deus, digno de um amor infinito, e sempre quero dizer-Vos: eu Vos amo, eu Vos amo, eu Vos amo. Como a vossa querida Santa Catarina de Gênova, ao contemplar-Vos crucificado, também eu, prostrado agora a vossos pés, quero dizer-Vos: Meu Senhor, nenhum pecado mais, nenhum pecado mais. Não, Vos, ó Jesus, não mereceis ser ofendido: mereceis somente ser amado. Redentor meu, ajudai-me. – Maria, minha Mãe, valei-me; não vos peço outra coisa, senão que eu viva amando a Deus na vida que ainda me resta.

TERÇA-FEIRA

NO INFERNO SOFRE-SE SEMPRE

Cruciabuntur die ac nocte in saecula saeculorum – Serão atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos” (Ap 20, 10).

Sumário. Consideremos que o inferno é um cárcere tristíssimo, no qual se sofrem todas as penas, e todas elas eternamente. De sorte que passarão cem mil séculos, passarão cem milhões, e o inferno estará ainda no seu princípio. Ora, esse inferno nos está também preparado, se não nos aplicarmos ao serviço de Deus, se o ofendermos pelo pecado. Quantos dentre os que, como nós, meditaram nesse horroroso cárcere, estão agora nele queimando para sempre!

I. CONSIDERA QUE o inferno não tem fim; sofrem-se nele todas as penas, e todas elas eternamente. De sorte que passarão cem anos de sofrimentos, passarão mil, e o inferno terá apenas começado. Passarão cem mil, cem milhões, mil milhões de anos e de séculos e o inferno estará ainda no seu princípio. – Se um anjo fosse nesta hora dizer a um réprobo que Deus o quer livrar do inferno, mas quando? Quando tiverem passado tantos milhões de séculos quanta: são as gotas de água, as folhas das árvores, e os grãos de areia que existem no oceano e na terra, vós havereis de ficar pasmos; mas verdade é que aquele réprobo sentiria mais alegria com tal notícia do que vós se vos dessem a notícia de haverdes sido eleito rei de um grande reino. Sim, porque o réprobo diria consigo: É verdade que devem passar tantos séculos, mas chegará o dia em que terminarão. Porém, os séculos hão de passar, e o inferno estará no seu princípio; suceder-se-á tantas vezes igual número de séculos, quantos são os grãos de areia, as gotas de água, as folhas das árvores, e ainda o inferno estará no seu princípio. – Cada réprobo de boa vontade proporia a Deus esta condição: Senhor, aumentai as minhas penas tanto quanto vos aprouver; prolongai-as tanto quanto for da vossa vontade, mas ponde-lhe um termo qualquer dia e ficarei contente. Mas não, esse fim nunca chegará.

Se o pobre réprobo pudesse ao menos iludir-se e consolar-se dizendo: Quem sabe? Talvez um dia Deus se apiede de mim e me livre do inferno! Mas não, o desgraçado réprobo terá incessantemente diante da vista a sentença de sua condenação eterna, e dirá: Todas as penas que agora estou sofrendo, o fogo, os lamentos, nunca mais terão fim? Nunca! E quanto tempo durarão? Sempre, sempre! Ó, nunca! Ó, sempre! Ó, eternidade! O, inferno! Como? Os homens o creem, e pecam e continuam a viver no pecado?

II. Irmão meu, põe sentido; lembra-te de que o inferno é também para ti, se cometeres o pecado. Já está ardendo essa fornalha horrorosa debaixo de seus pés, e no momento em que estás lendo isto, quantas almas caem nela! Lembra-te que, se uma vez caíres ali, nunca mais poderás sair. – Se alguma vez mereceste o inferno, dá graças a Deus por não te ter lançado nele. Procura o mais depressa possível reparar o mal feito, chora os teus pecados e emprega os meios mais aptos para a tua salvação. Confessa-te quanto antes, lê cada dia um pouco em um ou outro livro espiritual; pratica a devoção a Maria Santíssima recitando cada dia o Terço e jejuando cada sábado: resiste às tentações, chamando logo por Jesus e Maria: foge das ocasiões do pecado, e se Deus te chamar para deixares o mundo, faze-o, obedece. Tudo quanto se fizer para livrar-se de uma eternidade de penas, é pouco, é nada: Nulla nimia securitas, ubi periclitatur aeternitas [São Bernardo] – “Quantos eremitas foram viver em grutas nos desertos a fim de fugir do inferno”. E tu, o que fazes depois de teres merecido tantas vezes o inferno? Que fazes? Que fazes? Vê que te condenas. Entrega-te a Deus e dize-lhe:

Eis-me aqui, ó Senhor meu: quero fazer tudo quanto me pedir-des. Graças Vos dou por me terdes suportado até hoje com tanta paciência; agradeço-Vos as luzes que agora me destes, fazendo-me ver a minha insensatez, e o mal que fiz ultrajando-Vos com tão numerosos pecados. Ah! Jesus, doce Salvador meu, detesto-os e arrependo-me de toda a minha alma. Amo-Vos sobre todas as coisas. Vós não me condenastes ao inferno, a fim de que eu comece a amar-Vos. Sim, quero amar-Vos, e quero amar- Vos muito. Dai-me a força para compensar com o meu amor os desgostos que Vos tenho dado. † Doce Coração de Maria, sede minha salvação [indulgência de 300 dias cada vez].

QUARTA-FEIRA

JESUS, FONTE DE GRAÇAS

Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris – “Tirareis com gosto águas das fontes do Salvador”  (Is 12, 3).

Sumário. Consideremos as quatro fontes de graças que possuímos em Jesus Cristo. Ele é uma fonte de misericórdia, na qual nos podemos limpar de nossas imundícies; uma fonte de paz, que nos dá pleno contentamento; uma fonte de devoção, que nos faz prontos, na obediência à voz divina; afinal, uma fonte de amor, que nos abrasa no fogo de amor divino. Aproximemo-nos com confiança, e vamos frequentemente apagar a nossa sede nessas fontes inesgotáveis.

I. CONSIDERA AS QUATRO fontes de graça que possuímos em Jesus Cristo, segundo a contemplação de São Bernardo. A primeira fonte é a de misericórdia, na qual nos podemos limpar de todas as imundices dos nossos pecados. O Redentor fez-nos manar esta fonte com as suas lágrimas e o seu sangue: Dilexit nos et lavit nos a peccatis nostris in sanguine suo (Ap 1, 5) – “Ele nos amou e nos lavou de nossos pecados em seu sangue”.

A segunda fonte é de paz e de consolação em nossas tribulações. “Invoca-me”, diz o Senhor, “no dia da tribulação, e eu te consolarei” – Invoca me in die tribulationis, eruam te (SI 49, 15). Quem tem sede das verdadeiras consolações, também nesta terra, venha a mim e eu o saciarei – Si quis sitit, veniat ad me (Jo 7, 37). Quem prova a água de meu amor, aborrecerá para sempre todas as delícias do mundo. Qui autem biberit ex aqua, quam ego dabo ei, non sitiet in aeternum (Jo 4, 13) – “O que beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede”. E ficará plenamente satisfeito, quando entrar no reino dos Bem-aventurados, porquanto a água da minha graça o fará subir da terra ao céu: Fiet in e fons aquae salientis in vitam eternam (Jo 4, 14) – “Virá a ser nele uma fonte de água que jorre para a vida eterna”. A paz que Deus dá às almas que o amam, não é como a paz que o mundo promete nos prazeres sensuais, que deixam atrás de si mais amargura da alma do que paz. A paz que Deus dá, leva vantagem a todos os gozos dos sentidos. Bem-aventurados, pois, aqueles que suspiram por esta fonte divina: Beati qui esuriunt et sitiunt iustitiam (Mt 5, 6) – “Bem-aventurados os que têm fome e sede da justiça”.

A terceira fonte é de devoção. Ó! Como se torna devoto e diligente em obedecer à voz divina, e como vai sempre crescendo em virtude, aquele com frequência medita em tudo o que Jesus Cristo tem feito por nosso amor! Será como a árvore plantada junto às correntes das águas: Erit tanquam lignum, quod plantatum est secus decursus aguarum (SI 1, 3).

II. Enfim, Jesus Cristo é fonte de amor. In meditatione mea exardescet ignis (SI 38, 4) – “Na minha meditação se abrasará o fogo”. Não é possível que o que medita nos sofrimentos e nas ignomínias que Jesus padeceu por nosso amor, não seja abrasado no fogo sagrado, que ele veio acender na terra. E assim se verifica inteiramente, que o que se aproveita das fontes benditas, que possuímos em Jesus Cristo, tirará com gosto águas das fontes do Salvador: Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris (Is 12, 3).

Ó meu doce e amado Salvador, quanto Vos devo! Como me constrangestes a amar-Vos! Vós fizestes por mim o que nunca um filho teria feito por seu pai, nem um criado por seu senhor. Se, pois, me haveis amado mais que qualquer outro, é justo que Vos ame sobre todos os outros. Quisera morrer de dor, pensando que tanto padecestes por mim, e que chegastes a aceitar por meu amor a morte mais dolorosa e ignominiosa que um homem pode padecer, ao passo que eu tantas vezes tenho desprezado a vossa amizade. Quantas vezes Vós me haveis perdoado e eu Vos tornei a desprezar! Mas os vossos merecimentos são a minha esperança. Agora estimo a vossa graça, mais do que todos os reinos do uni-verso. Amo-Vos e por vosso amor aceito qualquer pena, qualquer morte. Se não sou digno de morrer pela mão do algoz para defender vossa glória, aceito ao menos de boa vontade aquela morte que me tenhais destinado; aceito-a do modo e no tempo que tenhais marcado. – Minha Mãe, Maria, impetrai-me a graça de viver e de morrer no amor de Jesus.

QUINTA-FEIRA

JESUS ATRIBULADO DURANTE TODA A SUA VIDA

Pauper sum ego, et in laboribus a iuventute mea – “Eu sou pobre e vivo em trabalhos desde a minha mocidade” (SI 87, 16).

Sumário. Jamais alguém amou Deus e a própria alma como Jesus ama seu Pai e as nossas almas. Por isso é que Jesus, vendo desde o seio de Maria todos os pecados em particular e conhecendo tanto a injúria por eles feita ao Pai, como os males que deles deviam provir para as nossas almas, sofreu durante toda a sua vida, o martírio mais doloroso. Mas se Jesus se afligiu a tal ponto por pecados que não eram seus próprios, é mais do que justo que nós também nos aflijamos, que os havemos cometido.

I. CONSIDERA QUE TODAS as penas e ignomínias que Jesus sofreu em sua vida e na morte, Lhe eram presentes desde o primeiro instante da sua vida: Dolor meus in conspectu meo semper (SI 37, 18) – “A minha dor está sempre diante de mim”. Desde o berço, Jesus começou a oferecer todas essas penas em satisfação por nossos pecados, principiando desde então a ser nosso Redentor. Ele mesmo revelou a um seu servidor, que desde o começo de sua vida até a morte sofreu, e sofreu tanto por qualquer um dos nossos pecados, que, se houvera tido tantas vidas quantos homens exis-tem, teria morrido de dor igual número de vezes, se Deus não lhe tivesse conservado a vida para sofrer ainda mais. Ó! Que martírio padeceu incessantemente o Coração amante de Jesus pela vista de todos os pecados dos homens! Ad quamlibet culpam singularem habuit aspectum, diz São Bernardino. Sim, desde que Jesus desceu ao seio de Maria, cada pecado em particular era-Lhe presente, e cada pecado afligia-O imensamente.

Diz Santo Tomás, que a dor causada a Jesus Cristo pelo conhecimento da injúria feita ao Pai e dos males que do pecado resultariam para as almas tão amadas, excedeu a dor de todos os pecadores contritos. – Com efeito, nunca um pecador amou Deus e a sua alma como Jesus ama seu Pai e as nossas almas. Daí é que o Redentor sofreu, desde o seio de sua Mãe, a agonia que depois padeceu no horto à vista de todas as nossas culpas que tomara sobre si a fim de satisfazer por elas. Pauper sum ego, et in laboribus a iuventute mea (SI 87, 16) – “Eu sou pobre e vivo em trabalhos desde a minha mocidade”. Assim predisse o Salvador de si mesmo pela boca de Davi, que toda a sua vida seria um padecimento contínuo. – Donde São João Crisóstomo conclui que nós não nos devemos afligir por outra coisa senão pelo pecado; e que, assim como Jesus passou toda a sua vida em aflição por causa dos nossos pecados, assim nós, que os havemos cometido, devemos estar possuídos de uma contínua dor, pela lembrança de termos ofendido um Deus que nos amou tanto.

II. Santa Margarida de Cortona nunca deixou de chorar as suas culpas. Certo dia disse-lhe o confessor: “Margarida, deixa-te de chorar; o Senhor já te perdoou”. – “Como”, respondeu a Santa, “como poderei dar-me por satisfeita com as lágrimas derramadas e com a dor daqueles pecados que afligiram o meu Jesus Cristo durante a sua vida toda?”. – Imitemos esta Santa pecadora, e pensando muitas vezes nos nossos pecados, digamos frequentemente ao Senhor:

Ó meu Jesus, eis aqui a vossos pés o ingrato, o perseguidor, que Vos fez sofrer durante toda a vossa vida. Mas dir-Vos-ei com Isaías: Tu autem eruisti animam meam, ut non periret: proiecisti post tergum tuum omnia peccata mea (Is 38, 17) – “Tu livraste a minha alma para que não pereça, lançaste atrás das tuas costas todos os meus pecados”. Eu Vos ofendi e Vos traspassei o Coração com tantos pecados, mas Vós não recusastes tomar sobre Vós todas as minhas culpas. Eu por minha livre vontade tenho condenado a minha alma a arder no inferno, cada vez que consenti em ofender-Vos gravemente, e Vós, como preço de vosso sangue, não Vos cansastes de livrá-la e de fazer que não ficasse perdida. Meu amado Redentor, graças Vos dou e quisera morrer de dor ao pensar que tenho ofendido tão gravemente a vossa bondade infinita.

Ó meu amor, perdoai-me e vinde tomar posse de todo o meu coração. Dissestes que não Vos dedignais de entrar no coração de quem Vos abre a porta, e de fazer-lhe companhia: Si quis aperuerit mihi ianuam, intrabo ad illum, coenabo cum illo (Ap 3, 20). Se em outros tempos Vos repulsei de mim, agora Vos amo e não quero outra coisa senão a vossa graça. Eis que Vos abro a porta, entrai em meu pobre coração, mas entrai para nunca mais sair dele. Meu coração é pobre, mas entrando nele Vós o fareis rico. Serei rico enquanto Vos possuir, ó supremo Bem. – Ó Rainha do céu, Mãe aflita desse aflito Filho, a vós também causei dores amargosas, porquanto tivestes tão grande parte nos sofrimentos de Jesus. Minha Mãe, perdoai-me e alcançai-me a graça de servir fielmente, agora que, como espero, Jesus de novo entrou em minha alma.

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