S. Roberto Belarmino | 1606
1.º EXCERTO
Da resposta do Santo Doutor
à Proposição IX dos teólogos rebeldes de Veneza
“Objeção: Os concílios são contrários entre si nesta matéria [a superioridade do Papa sobre o Concílio – n. do t.], pois os concílios de Constança e Basileia decretaram que o concílio tem maior autoridade que o Papa; e o Concílio Lateranense, sob Leão X, decretou que o Papa tem maior autoridade que o concílio.
Respondo: Este é o argumento dos hereges, os quais, para enervar a autoridade dos concílios e arruinar os fundamentos da Religião Católica, se esforçam em provar que os concílios sejam contrários entre si.
Aqui pergunto eu, a tais doutores: vós credes que os concílios legítimos sejam contrários entre si? Se dizem que sim, já se declaram estrangeiros à Igreja Católica; se dizem que não, pergunto-lhes novamente: por que então vós lançais mão dessa contrariedade? que pretendeis fazer? do que quereis persuadir o povo?
Mas, se verdadeiramente são doutores católicos, não podem fazer menos do que confessar que unicamente são legítimos os concílios que são confirmados por aquele a quem Cristo disse: Confirma fratres tuos, que é São Pedro, e quem se assenta no trono dele.
Ora, não há dúvida de que o Concílio de Constança não foi aprovado, senão quanto à extinção do Cisma [o Grande Cisma do Ocidente – n. do t.] e a condenação de Wycliff, João Huss e Jerônimo de Praga; e o Concílio de Basileia foi claramente reprovado por Leão X no Concílio Lateranense.
Donde se segue que somente o Concílio Lateranense, dentre esses três que os adversários nomeiam, deve ser considerado legítimo. Assim, não são contrários entre si os concílios legítimos, e só é legítimo o que afirma que a autoridade do Papa é superior a todos os concílios.
Com o que, nem mesmo o Concílio de Constança discorda, caso seja bem entendido: pois o que este diz, de que todos devem obediência ao concílio geral, inclusive se for papa, entende-se dos papas que havia então, que eram três, e não era certo qual fosse o verdadeiro Papa; pois assim como o concílio geral pode declarar em tempo de Cisma qual seja o verdadeiro Papa, assim também estão obrigados a obedecer-lhe aqueles que não são papas certos e fora de dúvida: mas, quando o Papa é certo e fora de dúvida, aí então o concílio é obrigado a obedecer ao Papa, que é o cabeça; e não o Papa ao concílio.”
2.º EXCERTO
Da resposta do Santo Doutor
a um livreto defendendo os erros de Gerson
“E, para começar, sobre o Concílio de Constança sejam ditas três coisas.
Primeiro, que dito concílio não declarou em lugar nenhum ser heresia negar a superioridade do concílio sobre o Papa: leia-se e releia-se bem o concílio inteiro, e não se encontrará ali tal coisa.
Segundo, que dito concílio na quarta sessão fez um decreto onde declara que o próprio Concílio de Constança representa a Igreja universal e tem poder imediatamente de Cristo, poder este ao qual todos estão obrigados a obedecer, inclusive o próprio papa. Este decreto é entendido por homens doutíssimos como não falando de todo e qualquer Papa, mas do papa dúbio, como havia na época, em que três homens diversos se consideravam Papa e tinham cada qual seu séquito. E isto é inteiramente verdadeiro: a Igreja tem poder de declarar quem é o verdadeiro Papa, e aqueles que no tempo do Cisma [o Grande Cisma do Ocidente – n. do t.] disputavam o Papado são obrigados a obedecer à sentença da Igreja e do concílio geral. Mas que, quando o Papa é canonicamente eleito e indubitavelmente é tido como Papa, ele esteja obrigado a obedecer à Igreja ou ao Concílio, daquele decreto não se depreende de modo algum.
Terceiro, que aquele decreto não pode ter outra força além da de remediar ao Cisma, pois não havendo naquela ocasião Papa no concílio, aquele concílio era um corpo sem cabeça e, assim, não tinha autoridade de declarar matérias de fé, nem outras semelhantes de maior importância. E, se bem que o Papa Martinho V aprovou o Concílio de Constança, aprovou-o tão somente quanto aos decretos feitos conciliarmente, como foram aqueles que se fizeram contra as heresias de João Wycliff e de João Huss: mas o decreto da superioridade do concílio sobre o Papa não foi feito conciliarmente, ou seja com exames e disputas precedentes, e com a coleta dos votos dos Padres conciliares, mas foi um decreto feito simplesmente o quanto bastava para remediar o Cisma.
Daí que em seguida Pio II, no Concílio de Mântua, excomungou quem apelasse do Papa ao Concílio, e a mesma excomunhão foi renovada pelo Papa Júlio II, como testemunha Silvestro, Verbo Excommunicatio, VII. num. 93. E desde então todos os Sumos Pontífices a renovam na Bula dita in Coena Domini, e por fim o Papa Martinho V, com voto do mesmo Concílio de Constança, declara que os suspeitos de heresia devem ser interrogados acerca de muitos artigos, e especialmente se creem que o Sumo Pontífice tem o supremo poder na Igreja de Deus, e certamente se o supremo poder está no Papa, não pode ser que o Concílio seja superior ao Papa, senão o supremo poder estaria no Concílio e não estaria no Papa, donde se vê que o Concílio de Constança naquele decreto da quarta sessão deve ser entendido como nós dissemos, senão ele haveria se contrariado a si próprio; e, ainda que se admitisse contrariedade, mais se deveria crer no segundo decreto, feito pelo Papa e o Concílio juntos, do que no primeiro, feito pelo Concílio sem Papa, ou seja pelo corpo sem cabeça.”
Fontes:
“Risposta al trattato dei sette teologi di Venezia sopra
l’interdetto della Santità di nostro Signore Papa Paolo V”
e
“Risposta ad un libretto intitolato ‘Trattato e Risoluzione sopra
la validità delle scomuniche di Gio. Gersone’”,
respectivamente
pp. 453-73 (cit. à p. 462) e 499-507 (cit. à p. 503-4)
de:
Roberti Cardinali Bellarmini Opera Omnia,
Tomi Quarti pars II,
Ad Controversias Additamenta, et opuscula varia polemica,
Nápoles, 1856
RECOMENDAÇÃO COMPLEMENTAR: O PADRE O’REILLY SOBRE A IDEIA DE UMA VACÂNCIA PROLONGADA DA SANTA SÉ
Trad. por Felipe Coelho.
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