S. Tomás de Aquino, O.P.
século XIII
PREFÁCIO
As águas cresceram, etc. (Gên. 7, 17).
1. Estas palavras competem à matéria desta epístola. A arca, com efeito, é figura da Igreja, como diz I Pedro 3, 20, porque, assim como na arca, enquanto outras pereceram, poucas almas foram salvas, assim na Igreja poucos, isto é, só os eleitos, serão salvos.
As águas, porém, significam tribulações. Primeiro, porque as águas impelem combatendo, assim como as tribulações. Mateus 7, 25: Transbordaram os rios, e assopraram os ventos e combateram aquela casa. Mas a Igreja não é movida pelo embate dos rios. Por isso acrescenta: e não caiu.
Segundo, a água extingue o fogo. Eclo. 3, 33: A água extingue o fogo ardente. As tribulações extinguem o ímpeto das concupiscências de modo que os homens não as sigam segundo seus caprichos, mas não extinguem a verdadeira caridade da Igreja. Cant. 8, 7: As muitas águas não puderam extinguir a caridade, nem os rios terão força para a afogar.
Terceiro, as águas submergem pela inundação. Lam. 3, 54: Um dilúvio de águas veio sobre minha cabeça. Mas a Igreja não é por elas submersa. Jn. 2, 5: As águas me cercaram até a alma, o abismo me encerrou em si, as ondas do mar me cobriram a cabeça, etc., e após isso: eu contudo verei ainda o teu santo templo, etc. (v. 5).
2. Portanto, ela não desanima, mas é sublevada. Primeiro, pela elevação da mente a Deus. Gregório: as coisas más que aqui nos comprimem compelem-nos a ir a Deus. Os. 6, 1: Vendo-se na sua tribulação, dar-se-ão pressa a recorrer a mim.
Segundo, pela consolação espiritual. Sal. 93, 19: Segundo as muitas dores que provou o meu coração, as tuas consolações alegraram a minha alma. II Cor. 1, 5: Porque, à medida em que nos crescem as penas de Cristo, crescem também por Cristo as nossas consolações.
Terceiro, pela multiplicação dos fiéis, porque em tempo de perseguições Deus fez crescer a Igreja. Ex. 1, 12: Quanto mais os oprimiam, tanto mais se multiplicavam e cresciam.
Assim, portanto, [aquelas palavras do Gênesis] convêm a esta epístola, pois, padecendo estes muitas tribulações, permaneceram fortes. Vejamos, pois, o texto.
[…]
PRIMEIRA LEITURA – II TESSALONICENSES 2, 1-5
[27] 1Ora nós vos rogamos, irmãos, pela vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e pela nossa reunião com ele, [29] 2que não vos movais facilmente dos vossos sentimentos nem vos perturbeis por qualquer espírito, ou por certos discursos, ou por qualquer carta como enviada de nós, como se o dia do Senhor estivesse perto. [32] 3Ninguém de modo algum vos engane, porque isto não será sem que antes venha a apostasia e sem que tenha aparecido o homem do pecado, o filho da perdição, [38] 4o qual se oporá a Deus e se elevará sobre tudo o que se chama Deus ou que é adorado, de sorte que se sentará no templo de Deus, apresentando-se como se fosse Deus. [41] 5Não vos lembrais que eu vos dizia estas coisas, quando ainda estava convosco?
27. Mais acima [na leitura anterior] o Apóstolo mostrou as coisas futuras quanto à pena dos maus e ao prêmio dos bons; aqui anuncia as coisas futuras quanto aos perigos para a Igreja, que existirão no tempo do Anticristo. E primeiro anuncia a verdade sobre estes perigos futuros; segundo, admoesta-os a permanecer na verdade: E vós, irmãos. Quanto ao primeiro faz duas coisas: Primeira, exclui a falsidade; segunda, instrui-os acerca da verdade: Porque isto não será. Novamente, a primeira [divide-se] em três: primeiro, rememora por que devem ser induzidos; segundo, mostra a que devem ser induzidos: que não vos movais facilmente; terceiro, remove aquilo que poderia movê-los: por qualquer espírito.
28. Mas ele os induz por três coisas, ou seja, pelas próprias preces: Nós vos rogamos, não preceituamos. Filem. 1, 8-9: Ainda que eu tenha muita liberdade em Jesus Cristo para te mandar o que convém, contudo peço-te por caridade. Segunda, pelo advento de Cristo, desejável para os bons, ainda que terrível para os maus. Am. 5, 18: Ai dos que desejam o dia do Senhor, etc. II Tim. 4, 8: Não só a mim, mas também àqueles que desejam a sua vinda, etc. Apoc. 22, 20: Vem, Senhor Jesus, etc. Terceira, pelo desejo e pelo amor da inteira congregação dos santos, com ele, ou seja, onde está Cristo, porque em qualquer lugar, em que estiver um cadáver, juntar-se-ão aí as águias (Mat. 24, 28). Ou com ele, isto é, no mesmo, pois todos os santos estarão no mesmo lugar e na mesma glória. Sal. 49, 5: Congregarei diante dele os seus santos.
29. Mas a que ele os induz? Para que não vos movais facilmente dos vossos sentimentos. Uma coisa é ser movido, outra coisa é ser impelido pelo terror. Mas é movido de seus sentidos aquele que abandona o que tinha. É como se dissesse: não abandoneis facilmente a minha doutrina. Eclo. 19, 4: Aquele que crê de leve é leviano de coração. O terror, porém, é certa trepidação com temor do contrário. E por isso diz: nem vos aterrorizes. Jó 15, 21: Um estrondo de temor está sempre em seus ouvidos. Igualmente, se há paz, ele sempre suspeitará de insídias. Sab. 17, 10: Porque sendo medrosa a maldade, ela condena-se por seu próprio testemunho, etc.
30. Em seguida, quando diz: por qualquer espírito, ele remove o que poderia movê-los; primeiro, em especial; segundo, em geral: Ninguém.
31. Mas alguém é seduzido por uma falsa revelação; por isso diz: por qualquer espírito, isto é, se alguém disser que lhe foi revelado por meio do Espírito Santo, ou pelo Espírito Santo, algo que é contrário à minha doutrina, não vos aterrorizeis. I Jo. 4, 1: Não queirais crer em todo o espírito. Ez. 13, 3: Ai dos profetas insensatos, que seguem o seu próprio espírito, e não vêem nada. Às vezes até Satanás se transforma em anjo de luz, como se diz em II Cor. 11, 14. I Reis 22, 22: Irei e serei um espírito mentiroso na boca de todos os seus profetas. Segundo, [alguém é seduzido] pelo raciocínio ou pela falsa exposição da Escritura; por isso diz: por certos discursos. II Tim. 2, 17: E a palavra deles lavra como gangrena. Ef. 5, 6: Ninguém vos seduza com palavras vãs. Terceiro, por uma autoridade aduzida segundo uma significação má. II Ped. 3, 15-16: Conforme também nosso irmão caríssimo Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, como também faz em todas as suas cartas, em que fala disto, nas quais há algumas coisas difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes adulteram (como também as outras Escrituras), etc. Mas quanto a que eles eram seduzidos? Como se o dia do Senhor estivesse perto. E diz: nem por qualquer carta como enviada de nós. Pois na primeira epístola, se não fosse bem entendida, ele parecia dizer que o advento do Senhor instava, como aqui: Nós, os que vivemos, etc. (I Tess. 4, 16).
32. Ao dizer em seguida: Ninguém, etc., faz o mesmo em geral. Luc. 21, 8: Vede, não vos deixeis enganar, etc. I Cor. 15, 33: Não vos deixeis seduzir. Mas a razão por que o Apóstolo remove estas coisas, ou seja, sobre o advento do Senhor, é porque o prelado não deve de modo algum querer que pela mentira sejam procurados alguns bens. I Cor. 15, 15: Somos assim considerados falsas testemunhas de Deus, etc. Igualmente, porque a coisa crida – ou seja, que instava o dia do Senhor – era perigosa. Primeiro, porque se daria ocasião para maior sedução, porque depois do tempo dos apóstolos haveria alguns que diriam ser o Cristo. Luc. 21, 8: Muitos dirão: sou eu, etc. E por isso o Apóstolo não o quis. Igualmente, o demônio freqüentemente simula ser o Cristo, como se patenteia [na história] de São Martinho. E por isso não quis que fossem seduzidos. Mas Agostinho põe outra razão, porque o perigo para a fé era iminente.[De civ. Dei, XX, 19 (PL 41, 685).] Daí um diria: “O Senhor virá tarde, e então me prepararei para ele”. Outro diria: “Ele vem logo, e por isso me prepararei agora”. Ainda outro diria: “Não sei”. E este diz melhor, porque concorda com Cristo. Mas erra mais aquele que diz: “logo”, porque, tendo-se passado um termo [de tempo], os homens se desesperam e crêem que as coisas escritas são falsas.
33. Ao dizer em seguida: Sem que antes venha a apostasia, etc., afirma a verdade; e primeiro mostra as coisas que hão de vir no advento do Anticristo. E são duas: uma delas precede o advento do Anticristo; a outra é o seu próprio advento.
34. A primeira é a apostasia, que é multiplamente exposta na Glosa. Primeiro, da fé, porque a fé havia de ser recebida em todo o mundo. Mat. 24, 14: Será pregado este Evangelho do reino por todo o mundo. Isto portanto precede [a apostasia], o que, segundo Agostinho, ainda não se cumpriu; [Epist. ad Cath. sive De unit. ecc., 43 (PL 43, 424).] e depois disso muitos apostatarão da fé, etc. I Tim. 4, 1: Nos últimos tempos alguns apostatarão da fé, etc. Mat. 24, 12: A caridade de muitos se esfriará. Ou apostasia do Império Romano, ao qual o mundo todo estava sujeito. Agostinho, porém, diz que o Império Romano é figurado em Daniel (2, 31), pela estátua, onde se nomeiam quatro reinos; e após a apostasia, o advento de Cristo. [De civ. Dei, XX, 23 (PL 41, 694).] [E diz] que isto era um signo conveniente, porque o Império Romano foi firmado para que sob seu poder a fé fosse pregada por todo o mundo.
35. Mas como pode ser isto, uma vez que as nações já se apartaram do Império Romano e contudo o Anticristo ainda não veio? Deve dizer-se que [o Império Romano] não cessou, mas comutou-se de temporal em espiritual, como diz o Papa Leão no sermão sobre os apóstolos. [Sermo LXXXII (PL 54, 422B).] E por isso se deve dizer que a apostasia do Império Romano é entendida não só do temporal, mas do espiritual, ou seja, da fé católica da Igreja Romana. Mas este sinal é conveniente, pois, assim como Cristo veio quando o Império Romano dominava sobre todos, assim, pelo contrário, um sinal do Anticristo é a apostasia dele.
36. Em segundo lugar, prediz o segundo que virá, a saber, o Anticristo. E, primeiro, quanto à sua culpa e pena; segundo, quanto ao seu poder: a vinda dele. Igualmente, primeiro, toca a sua culpa e a sua pena comumente e implicitamente; segundo, explica as duas: o qual se oporá.
37. Portanto, diz: virá primeiro a apostasia, e então ele será revelado. Ele é chamado, porém, de homem do pecado, o filho da perdição, porque, segundo a Glosa, assim como em Cristo abundou a plenitude da virtude, assim no Anticristo [abundará] a multidão de todos os pecados. [PL 114, 621C.] E, assim como Cristo é melhor que todos os santos, assim ele [será] pior que todos os maus. E por isso é chamado homem do pecado, pois se entregará totalmente aos pecados. Mas não se diz homem do pecado de tal modo que não possa ser pior, porque o mal nunca corrompe todo o bem, embora quanto ao agir não pudesse ser pior. Mas nenhum homem poderia ser melhor que Cristo. Diz-se, porém, filho da perdição, isto é, ele será destinado à extrema perdição. Jó 21, 30: O ímpio é reservado para o dia da vingança, e será conduzido ao dia do furor. Ou da perdição, isto é, do Diabo, não por natureza, mas pelo complemento da sua malícia, que se completará nele. E diz será revelado, porque, assim como todos os bens e todas as virtudes dos santos que precederam o Cristo foram figuras de Cristo, assim em todas as perseguições da Igreja os tiranos foram como figuras do Anticristo, que estava latente neles: e assim toda a malícia, que estava latente neles, será revelada naquele tempo.
38. Em seguida, quando diz: o qual se oporá, explica o que havia dito. E, primeiro, mostra como será o homem do pecado; segundo, como será filho da perdição: e então se manifestará. Igualmente, primeiro, prenuncia a sua culpa futura; segundo, assinala a sua causa: e vós agora. Igualmente, primeiro, descreve a culpa; segundo, diz que não anuncia uma doutrina nova: Não vos lembrais. Igualmente, primeiro, mostra a culpa; segundo, seu sinal: de sorte que.
39. Mas sua culpa é dupla, ou seja, a contrariedade a Deus; por isso diz: se oporá a todos os bons espíritos. Jó 15, 26-27: Correu contra Deus com o pescoço levantado, e com a cerviz gorda armou-se, a si e a seus membros. Is. 3, 8: As suas palavras e as suas obras são contra o Senhor, para provocarem os olhos da sua majestade. A segunda [culpa] é porque ele se prefere a Cristo. Por isso diz: se elevará, etc. Diz-se Deus de três modos: primeiro, naturalmente. Deut. 6, 4: Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Segundo, opinativamente. Sal. 95, 5: Todos os deuses das gentes são demônios. Terceiro, participativamente. Sal. 81, 6: Eu disse: sois deuses. Mas o Anticristo prefere-se a todos estes. Dan. 11, 36: Elevar-se-á e engrandecerá contra todo o deus; falará insolentemente contra o Deus dos deuses.
40. Mas o sinal da culpa dá-se quando diz: De sorte que se sentará no templo, etc. Com efeito, a soberba do Anticristo é maior do que a de todos os precedentes. Por isso, como se lê sobre Caio César, que quando ainda vivo quis ser adorado, pondo uma estátua sua em certo templo, e [como] se diz em Ezequiel (28, 2) sobre o rei de Tiro: disseste: Eu sou Deus, assim é crível que o Anticristo faça o mesmo, dizendo ser Deus e homem. E como sinal disto se sentará no templo. Mas em que templo? Não foi ele destruído pelos romanos? E por isso dizem alguns que o Anticristo é da tribo de Dan, que não está nomeada entre as outras doze tribos em Apocalipse 7, 5-8. E por isso os judeus serão os primeiros a recebê-lo e reedificarão o templo em Jerusalém, e assim se cumprirá aquilo de Daniel 9, 27: Estará no templo a abominação e o ídolo; Mat. 24, 15: Quando, pois, virdes a “abominação da desolação”, que foi predita pelo profeta Daniel, posta no lugar santo – o que lê entenda. Mas outros dizem que nem Jerusalém nem o templo jamais serão reedificados, mas a desolação permanecerá até a consumação e o fim. E crêem nisto até alguns judeus. E por isso se expõe no templo de Deus, isto é, na Igreja, porque muitos da Igreja o receberão. Ou segundo Agostinho sentar-se-á no templo de Deus, [De civ. Dei, XX, 19 (PL 41, 685)] isto é, reinará e dominará, como se ele com seus núncios fossem o templo de Deus, assim como Cristo é com os seus.
41. Em seguida, quando diz: Não vos lembrais, mostra que não escreve nada novo; é como se dissesse: outrora, quando estava convosco, eu vos disse isso. I Jo. 2, 7: Eu não vos escrevo um mandamento novo, mas um mandamento velho, que vós recebestes desde o princípio. II Cor. 10, 11: Quais somos nas palavras por carta, estando ausentes, tais seremos também de fato, estando presentes.
SEGUNDA LEITURA – II TESSALONICENSES 2, 6-10
[42] 6E vós agora sabeis o que é que o retém, a fim de que seja manifestado a seu tempo. [44] 7Com efeito, o mistério da iniqüidade já se opera, somente falta que aquele, que agora retém, desapareça. [46] 8E então se manifestará esse iníquo (a quem o Senhor Jesus matará com o sopro da sua boca e destruirá com o resplendor da sua vinda); [47] 9a vinda dele é por obra de Satanás, com todo o poder, com sinais e prodígios mentirosos, [51] 10e com todas as seduções da iniqüidade para aqueles que se perdem, porque não abraçaram o amor da verdade para serem salvos.
42. Acima o Apóstolo, prenunciando, narrou o advento e a culpa do Anticristo; aqui ele mostra a causa da dilação. E, primeiro, mostra que eles tinham ciência da causa; segundo, propõe a causa obscuramente: com efeito, o mistério.
43. Diz, portanto: digo que é necessário que seja revelado o homem do pecado. O que agora o detém, isto é, qual é a causa que o tarda, vós sabeis, porque eu vos disse, de sorte que no presente o detém a fim de a seu tempo, isto é, no tempo congruente, seja revelado. Ecl. 8, 6 e 3, 11: Todas as coisas têm o seu tempo e a sua oportunidade. Tudo ele fez bem a seu tempo.
45. Só falta que aquele, que agora o retém, etc. Isto é exposto de muitos modos. De um modo, segundo a Glosa [PL 114, 621C] e segundo Agostinho, [De civ. Dei, XX, 19 (PL 41, 686)] que dizem que alguns opinaram que o Anticristo era Nero, que primeiro perseguiu os cristãos, e que não foi morto, mas foi subtraído, e um dia há de voltar. Por isso o Apóstolo, suprimindo [esta opinião], diz: falta que aquele, que agora o retém, o Império Romano, retenha-o até que seja tirado, isto é, até que morra. Mas deste modo não é conveniente, porque já se passaram muitos anos desde que Nero morreu, ou seja, no mesmo ano em que o Apóstolo [morreu]. Mas é melhor que se refira a Nero enquanto pessoa pública do Império Romano, até que seja tirado, isto é, até que o Império Romano seja tolhido do mundo. Is. 23, 9: Foi o Senhor dos exércitos que formou este desígnio, para derrubar a soberba de toda a glória e para reduzir à ignomínia, etc. Ou então, somente falta que aquele que agora o retém, isto é, que agora detém o advento do Anticristo, retenha-o para que não venha; é como se fosse necessário que alguns ainda venham à fé e que outros se apartem dela. Como se dissesse: que estas idas e vindas, que agora o retêm, até que venha, retenham-no até que aquele imundo seja tolhido. Ou assim: aquele que agora retém a fé, retenha-a, isto é, esteja firme nela. Apoc. 3, 11: Guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa. Até que seja tirado, isto é, [até que] a confusa congregação dos maus seja separada e posta à parte, o que ocorrerá na perseguição do Anticristo. Ou: falta que, etc., isto é, que o mistério da iniqüidade, isto é, a iniqüidade mística, que o retém, retenha-o até que seja tirado, isto é, até que a iniqüidade se torne pública: e ocorra como algo público entre os homens. Com efeito, muitos agora pecam ocultamente, mas um dia o farão abertamente: porque Deus tolera os pecadores enquanto são ocultos, até quando pecarem publicamente, e então não os tolerará, como se patenteia no caso dos sodomitas (Gên. 19, 24). Contudo, Agostinho confessa que desconhecia aquilo que o Apóstolo lhes dissera, e que já sabiam. [Loc.cit.] Daí que diga: Vós agora sabeis o que é que o retém. E, ademais, não era muito necessário sabê-lo.
46. Ao dizer em seguida: E então, etc., põe o advento do iníquo e sua pena. Primeiro, a manifestação; segundo, sua pena. Quanto ao primeiro diz esse iníquo, no singular, manifestar-se-á, porque a sua culpa será manifesta, a quem o Senhor Jesus matará com o espírito da sua boca. Is. 9, 6: Fará isto o zelo do Senhor dos exércitos, isto é, o zelo da justiça, que é o amor. Com efeito, o espírito de Cristo é o amor de Cristo; e este zelo que tem pela Igreja procede do Espírito Santo. Ou com o espírito da sua boca, isto é, com seu mandato; porque Miguel há de matá-lo no monte das oliveiras, de onde Cristo ascendeu; assim como também o imperador Juliano foi extinto pela mão de Deus. E esta é a pena presente, ainda que seja punido também eternamente, porque o destruirá com o resplendor, isto é, em seu advento resplandecendo todas as coisas. I Cor. 4, 5: Porá às claras o que se acha escondido nas trevas, etc. E o destruirá, ou seja, com a danação eterna. Sal. 27, 5: Tu os destruirás, etc. Di-lo com o resplendor, porque parecia que ele havia obscurecido a Igreja, e as trevas são expelidas pelo resplendor, porque tudo o que o Anticristo prometer se mostrará mentira.
47. Ao dizer em seguida: A vinda dele é, prediz o poder do Anticristo. E quanto a isto faz duas coisas: primeira, põe o seu poder de sedução; segunda, a sua causa, pela justiça do Senhor: porque não abraçaram o amor. Igualmente, a primeira [divide-se] em três: primeiro, põe o autor deste poder; segundo, o modo da sedução; terceiro, mostra os que serão seduzidos.
48. O autor deste poder é o Diabo, e por isso Cristo o destruirá. I Jo. 3, 8: Para destruir as obras do Diabo é que o Filho de Deus veio ao mundo. E por isso diz que o advento do Anticristo é por obra de Satanás, isto é, por instigação sua. Apoc. 20, 7: Satanás será solto da sua prisão, sairá e seduzirá as nações, etc. Com efeito, algo é operado por obra de Satanás, como no possesso, em quem não só instiga a vontade, mas também impede o uso da razão: o que, contudo, não se lhe imputa como culpa, porque não tem uso do livre-arbítrio. Mas o Anticristo não será assim, senão que terá uso do livre-arbítrio, segundo as sugestões do Diabo, como se diz de Judas. Jo. 13: 27: Entrou nele Satanás, ou seja, instigando-o.
49. Mas enganará do seguinte modo: primeiro, pelo poder secular; segundo, pela virtude dos milagres. Quanto ao primeiro diz: com todo o poder, ou seja, secular. Dan. 11, 43: Tornar-se-á senhor dos tesouros de ouro e de prata, de tudo que há de precioso no Egito. Ou com um poder simulado. Mas quanto ao segundo diz: com sinais, etc. Sinais são maravilhas, ainda que pequenas. Mas os prodígios são grandes, que mostram alguém como prodigioso, como que “longe do dedo”. Apoc. 13, 13: Operou grandes prodígios, de sorte que até fez descer fogo do céu sobre a terra à vista dos homens. Mat. 24, 24: Farão grandes milagres e prodígios, de tal modo que (se fosse possível) até os escolhidos seriam enganados.
50. E diz mentirosos. O milagre se diz mentiroso porque é deficiente ou quanto à verdadeira razão de fato, ou quanto à razão de milagre, ou quanto ao devido fim do milagre. [NOTA DA ADMINISTRAÇÃO DO SITE: recomendamos o artigo do tomista brasileiro Sidney Silveira “Milagre, o que é, como é e de onde vem” para melhor entendimento sobre milagres.] O primeiro ocorre nas prestidigitações, quando os demônios zombam dos olhares, para que [uma coisa] pareça que é outra: assim como Simão Mago degolou um carneiro, e depois o mostrou vivo; e degolou um homem, e depois o homem, que se cria degolado, mostrou-se vivo, e acreditaram que havia ressuscitado. E isto fazem os homens comutando os fantasmas e enganando. Do segundo modo, dizem-se milagres impropriamente, e que ocorrem com plena admiração, quando se vê o efeito mas se ignora a causa. Portanto, as coisas que têm uma causa oculta para alguém, e não simpliciter, dizem-se certas maravilhas, e não milagres simpliciter. Mas as coisas que têm simpliciter causa oculta são propriamente milagres, cuja causa é o próprio Deus glorioso, porque eles transcendem toda a ordem da natureza criada. Às vezes, porém, fazem-se certas maravilhas, mas não além da ordem da natureza, e que têm, contudo, causas ocultas. E isto fazem muito mais os demônios, que conhecem as virtudes da natureza e têm determinadas eficácias para [produzir] efeitos especiais, e isto fará o Anticristo; mas não [fará] aquelas coisas que têm verdadeira razão de milagre, porque [os demônios] nada podem nas coisas que estão acima da natureza. Do terceiro modo, dizem-se milagres segundo são ordenados a atestar a verdade da fé e a conduzir os fiéis a Deus. Mar. 16, 20: Cooperando com eles o Senhor, e confirmando sua pregação com milagres que a acompanhavam. Mas, se a alguém assiste à glória dos milagres e ele não usa deles para isto, os milagres são verdadeiros quanto à razão de coisa feita, e quanto à razão de milagre, mas são falsos quanto ao fim devido e quanto à intenção de Deus. Contudo, não haverá isto no Anticristo, porque ninguém faz verdadeiros milagres contra a fé, e porque Deus não é testemunha de falsidade. Por isso alguém que prega uma falsa doutrina não pode fazer milagres, embora possa fazê-lo alguém que tem uma vida má.
51. Em seguida, mostra os que serão seduzidos, ao dizer: para aqueles que se perdem, isto é, para os condenados à perdição segundo a presciência divina. Jo. 17, 12: Nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição. E é assim porque as minhas ovelhas ouvem a minha voz (Jo. 10, 27).
Excerto de: SANTO TOMÁS DE AQUINO; Comentário a Tessalonicenses, Editora Concreta, 2015, edição Kindle (Super II Epistolam B. Pauli ad Thessalonicenses lectura, Prefatio et Cap. II, lec. I et II).
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