John S. Daly
2005
Definamos o tradicionalista como toda a pessoa que:
(a) quer adotar o Magistério da Igreja como sua regra da fé e
(b) prefere as formas litúrgicas pré-conciliares.
E, para simplificar, admitamos o termo “Igreja Conciliar”, cunhado pelo cardeal Benelli, para designar as estruturas oficiais conformes ao Vaticano II.
Sejam três categorias de tradicionalistas, que chamaremos de: os eclesiadeístas, os são-piodecimistas e os sedevacantistas.
Em nenhum dos casos queremos designar um grupo organizado, mas somente uma tendência facilmente reconhecida, em suas linhas gerais, por essa etiqueta. Não levamos em conta os excêntricos de cada grupo, mas somente as ideias que são típicas dos membros de cada um.
Sejam quatro grandes pontos de desacordo de princípio entre os tradicionalistas:
1. É possível que a Igreja Católica aprove uma Missa que carece de retidão doutrinal, que mina a Fé ou que é inválida?
2. É possível que a Igreja Católica imponha a seus fiéis leis estáveis e universais que não são conformes à Fé e à virtude?
3. É possível que a Igreja Católica canonize como Santo uma pessoa manifestamente indigna dessa honra?
4. É possível que a Igreja Católica dê a seus fiéis, pelos atos de um Concílio Ecumênico, por uma série de Encíclicas e pelo ensinamento moralmente unânime dos Bispos um ensinamento que não é nem verdadeiro nem conforme à Fé entregue por Jesus Cristo a esta mesma Igreja?
Sejam quatro grandes pontos de desacordo sobre os fatos entre os tradicionalistas:
1. A “missa nova” carece de retidão doutrinal, mina a Fé ou é inválida?
2. O novo Código de Direito Canônico (1983) contém leis que não são conformes à Fé e à virtude?
3. A Igreja Conciliar canonizou como santo uma pessoa manifestamente indigna dessa honra?
4. Os decretos e declarações do Vaticano II, as Encíclicas da época desde o Vaticano II e o ensinamento moralmente universal dos bispos conciliares são verdadeiros e conformes ao depósito da Fé confiado por Jesus Cristo à sua Igreja?
Ubi Petrus ibi Ecclesia
Constatamos que, sobre os quatro pontos de princípio, os eclesiadeístas e os sedevacantistas estão perfeitamente de acordo, ao passo que os são-piodecimistas opõem-se a ambos os outros dois grupos. Em contrapartida, constatamos que, sobre os quatro pontos de fato, são os são-piodecimistas e os sedevacantistas que estão em acordo, e os eclesiadeístas que estão sozinhos.
Agora distingamos três tomadas de posição com relação a Paulo VI, os dois João Paulo e Bento XVI:
Reconhecimento com palavra e de fato: eclesiadeístas;
Reconhecimento com palavra, mas mal o reconhecem de fato: são-piodecimistas;
Reconhecimento nem em palavra nem de fato: sedevacantistas.
Compatibilidade com a Fé
Cada posição se vê, pelas outras duas, acusada de incompatibilidade com um ou mais dogmas da Fé:
Acusa-se os eclesiadeístas de modernismo, ao admitirem uma evolução substancial da doutrina, e de liberalismo, ao admitirem doutrinas de liberdade religiosa e de ecumenismo já condenadas pelo Magistério.
Acusa-se os são-piodecimistas de galicanismo, ao não aceitarem o Papa senão na medida em que ele não exija deles nada que os descontente, e de fazer uma triagem dos ensinamentos dele e das leis dele, de sorte a estarem eles próprios acima dele; se os acusa também de negar, ao menos implicitamente, a infalibilidade do Magistério Ordinário.
Acusa-se os sedevacantistas de negar ao menos implicitamente os dogmas da apostolicidade e da visibilidade da Igreja, bem como a perpetuidade da sucessão dos Papas.
Fatos Evidentes
Cada posição se vê igualmente acusada de fechar os olhos para certos fatos evidentes:
O eclesiadeísmo recusaria assim reconhecer as contradições substanciais na ordem doutrinal entre a Igreja Conciliar e a Igreja Católica anterior; o são-piodecimismo recusaria ver que está em cisma manifesto com aquele no qual ele teoricamente vê o Vigário de Cristo; e o sedevacantismo recusaria ver o absurdo de um grupo minúsculo anunciando que os papas e quase todos os bispos teriam desaparecido em heresia sem que ninguém além deles o perceba.
É claro que cada grupo tem as suas defesas contra tais acusações…
Conclusão
O supra explica por que, ao menos para mim, não está claro de maneira alguma que exista uma distância maior entre os eclesiadeístas e os sedevacantistas, de um lado, que aquela existente entre os eclesiadeístas e os são-piodecimistas, de outro. Antes pelo contrário. Há que admitir, contudo, que o distanciamento prático é maior entre os sedevacantistas e os eclesiadeístas que entre os são-piodecimistas e os outros dois grupos.
Notas
1. O adágio “A Igreja está onde Pedro está” poderia, eventualmente, ser citado contra os são-piodecimistas por separarem Pedro (o Papa) da Igreja sã em doutrina e em prática (eles próprios); menos claramente contra os sedevacantistas (na medida em que a identidade de Bento XVI com Pedro é tomada como verdade evidente… mas isso é uma petição de princípio no debate com eles).
2. Os sedevacantistas admitem o dever de reconhecer e de se submeter a todo verdadeiro Papa, tanto quanto os eclesiadeístas; eles não têm absolutamente nada da rejeição protestante ao Papa.
3. Uma outra questão (em duas partes) se discute também entre os tradicionalistas: (a) Pode ser lícito sagrar um bispo a despeito da desaprovação explícita de um verdadeiro Papa? (b) Pode ser lícito sagrar um bispo, num caso de urgência, sem a autorização de um verdadeiro Papa? Sobre (a) unicamente os são-piodecimistas respondem afirmativamente. Sobre (b) uma boa parte dos sedevacantistas juntam-se à resposta afirmativa dos são-piodecimistas, mas essa convicção está longe de ser universal entre os sedevacantistas.
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…parece-me que estamos novamente diante do eterno triângulo dos três agrupamentos tradicionalistas.
Se a romanidade é a verdadeira submissão em direito e em doutrina ao Papa, e se o concílio e o NOM são realmente nefastos (o que salta aos olhos), é preciso escolher entre:
1. A opção eclesiadeísta: romanidade e papa, mas recusa da realidade;
2. A opção são-piodecimista: realidade e papa, mas sem a romanidade;
3. A opção sedevacantista: realidade e romanidade, mas sem o papa.
Evidentemente, a escolha não deve resultar de nossas preferências, mas deve ser fruto de estudo sério e de reflexão orante.
Temos, em todos os três vértices deste triângulo, o sofrimento produzido pelo desacordo dos demais e o desafio de guardar a caridade com os cegos que não enxergam aquilo que estamos convictos de enxergar.
Trad. por Felipe Coelho.
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