DECRETO APOSTÓLICO PROVIDENTISSIMUS DEUS

Sua Santidade Pio XI
1931

Declaração de São Roberto Belarmino da Companhia de Jesus como Doutor da Igreja Universal

PIO PP. XI
PARA PERPÉTUA MEMÓRIA

Deus em sua grande providência, desde os primórdios da Igreja de Cristo até os tempos mais atuais, suscitou continuamente homens distintos pelo saber e pela santidade para defender e iluminar as verdades da fé católica e reparar oportunamente os danos infligidos pelos hereges a essas mesmas verdades cristãs.

Entre esses homens, São Roberto Belarmino, Cardeal da Igreja Romana, da Companhia de Jesus, deve ser, sem a menor das dúvidas, incluso. Desde os dias de sua santíssima morte foi chamado de “homem notável, teólogo distinto, ardente defensor da fé, o martelo dos hereges” e também foi declarado “tão piedoso, prudente e humilde quanto era generoso com os pobres”. Não é de admirar que, tendo finalmente cumprido todos os processos canônicos, em nossos tempos e por um particular conselho da Divina Providência, tenha sido elevado às honras do altar. Pois em uma carta apostólica publicada sob o anel do pescador em 13 de maio de 1923, concedemos a Roberto Belarmino o título de Beato. Assim, quando celebrávamos o quadragésimo ano do nosso sacerdócio, juntamente com os Beatos mártires da Companhia de Jesus, condenados à morte pela fé nas regiões da América do Norte, e o Beato Teófilo de Corte, da Ordem dos Frades Menores, na sacrossanta basílica patriarcal do Vaticano no ano passado, na sagrada solenidade dos Santos Pedro e Paulo Apóstolos, inscrevemos o mesmo Beato Roberto no catálogo dos santos.

Isso era certo e adequado, já que o santo mesmo era a glória mais brilhante do episcopado católico, do Colégio de Cardeais, da famosa Companhia de Jesus a qual produziu para a Igreja um homem tão excepcional e mais diligentemente cultivou seu aluno. Pois ao entrar na mesma fecunda Companhia, São Roberto estava tão adornado com as virtudes peculiares de um verdadeiro amigo de Jesus, que ele parecia totalmente o ornamento e a glória de seus companheiros, assim como seu estímulo e modelo. Na mesma ordem, ele subiu e ocupou quase todos os postos; ele era um estudante do Politian College, então, na Companhia, um novato, um escolar, religioso, mestre, pregador sagrado, professor, diretor espiritual, reitor. provincial: ao cumprir todos esses deveres, ele deve ser citado perpetuamente como modelo; da mesma maneira, ele desempenhou os ofícios da Igreja que lhe foram confiados, tanto que em todos se mostrou brilhante: como um homem dedicado a estudos, como escritor, como teólogo e consultor para as Congregações romanas, como nomeado para as legações pontifícias, como bispo, e finalmente como cardeal da Santa Igreja Romana, ele se mostrou dotado de integridade e força de coração e mente, com santidade moral, com a mais alta consciência de seu dever.

Nosso predecessor Clemente VIII que desejava torná-lo, embora “de má vontade e relutante”, Cardeal da Igreja Romana, elogiou-o muito, pois naquele tempo “no que diz respeito ao saber, a Igreja de Deus não tinha igual”. Mas os ricos frutos desta aprendizagem singular São Roberto deu ao longo de sua vida até a velhice. Ainda jovem escreveu os Elementos da Língua Hebraica e também compôs de maneira muito erudita um livro Sobre os Escritores Eclesiásticos, embora este tenha sido publicado um pouco mais tarde. Depois e ao longo de toda a sua vida trabalhou arduamente nas Sagradas Escrituras de modo que, ao preparar uma edição da Septuaginta e uma edição da Vulgata, tendo sido convocado pelos papas para esse fim, alcançou um sucesso [marcado por] grande distinção e cuidado. Ele passou por todos os segmentos do ensinamento sagrado com máxima constância até sua morte. Mesmo na troca de cartas com conhecidos – cartas que foram enviadas para quase todo o mundo e das quais um grande número existe até hoje – ele se esforçou nesses segmentos de ensino de maneira mais frutífera. E foi com grande zelo que ele prestou sua ajuda às Congregações Apostólicas, e no trato dos assuntos mais graves, mesmo da Igreja Oriental, exibiu testemunhos brilhantes de sua erudição e prudência. Isso também é confirmado abundantemente pelos mesmos documentos, muitos dos quais ainda permanecem ocultos nos arquivos das Congregações. Os mesmos vota – como são chamados – “pertencem a questões de fé, dos ritos sagrados, da compreensão das Escrituras e de outras controvérsias desse tipo”, nas quais São Roberto estava continuamente envolvido.

Suas “Disputas sobre controvérsias da fé cristã” contra os hereges constituem “claramente o seu mais nobre” e árduo trabalho. São Roberto, sob o comando do Superior Geral da Companhia de Jesus, os publicou pela primeira vez de 1586 a 1593, primeiro em três, depois em quatro, tomos. De fato, depois de um longo tempo de estudo e ensino, São Belarmino de certa forma já os havia preparado quando anteriormente em Louvain, no Colégio da Companhia de Jesus, havia proferido por seis anos, a partir do ano de 1570, palestras sobre a Suma [Teológica] de São Tomás para um grande público de estudantes da universidade. Depois de 1576 trabalhou de perto neles quando, após o estabelecimento de uma “Cátedra de Controvérsias”, foi confiado por seus superiores a tarefa de ensinar teologia e fê-lo nesta cidade para defender os dogmas católicos contra os erros que estavam então atravessando muitas nações da Europa. Esta, a maior das obras de Belarmino, refutou habilmente os novos ataques que os magdeburgianos haviam realizado recentemente com seus “Séculos”, como dizem, por meio dos quais, especialmente empregando argumentos históricos perniciosos e os testemunhos dos Padres e dos antigos, tentaram destruir a Igreja Romana.

Assim, São Roberto, consciente das necessidades de seu tempo, resolveu manter de todo o coração a regra inaciana “de ter na mais alta estima a doutrina sagrada, tanto aquela que é comumente chamada de ‘positiva’, quanto aquela que é chamada de ‘escolástica’”. Esta norma estabelecida por seu pai Inácio, Belarmino de fato a seguiu firmemente, especialmente em disputas de controvérsias da fé contra todos os hereges: tanto assim que, especialmente nesta questão de controvérsias, não injustamente ele deve ser considerado como o modelo mais importante e ser citado como o exemplo mais ilustre de casamento feliz: teologia positiva (como eles chamam) e escolástica [teologia].

Mas, para alcançar o fim que se propunha, não lhe faltavam os dotes adequados de inteligência e gênio. Já desde a juventude ele parecia ser dotado do intelecto mais aguçado, adornado com uma vivacidade intelectual única para seus estudos e com tão grande rapidez de espírito e prodigiosa força de memória que tudo o que ele leu ou ouviu uma vez, tudo isso ele imediatamente apreendeu e lembrou poderosamente. Além disso, o santo naturalmente falava e escrevia seus livros com uma eloqüência pronta e brilhante, evitando a inclusão inútil de assuntos e embelezamentos literários da moda em sua época – e, no entanto, seus refinamentos incluíam familiaridade com a literatura mais refinada e, em sua juventude, ele era impregnado de música, poesia e todas as artes liberais [omnique humanitate] – o estilo que ele empregava era lúcido e simples; “sendo de gênio versátil, ele era igualmente adepto da sublime especulação escolástica e da investigação histórica e filosófica que era tão necessária naquela época em que os reformadores corajosamente afirmavam que tiravam seus principais argumentos do domínio da teologia positiva”.

Não é de admirar, portanto, que assim que as “Disputas sobre as controvérsias da fé cristã” de Belarmino foram lidas na cidade [i.e. Roma], na Universidade Gregoriana, superaram abundantemente todas as expectativas que haviam suscitado: [para que] fossem impressos e publicados repetidas vezes, sendo desejados e procurados continuamente por todos; que seu autor foi considerado por muitos teólogos católicos não apenas em seu próprio tempo, mas também no nosso, como o Mestre das Controvérsias. Mas, além das mesmas, muito famosas “Disputas” que cobrem em sua extensão quase toda a teologia, elas nos lembram excelentemente da mesma defesa e demonstração do nono e décimo artigo do Credo “uma santa Igreja, a comunhão dos santos, remissão dos pecados”; ele escreveu muitas outras obras, de tamanhos diferentes conforme o assunto exigia, e muitos trabalhos ele assumiu para a promoção da fé e para a proteção dos direitos da Igreja.

Mas é uma conquista notável de São Roberto que os direitos e privilégios divinamente concedidos ao Sumo Pontífice, e também aqueles que ainda não eram reconhecidos por todos os filhos da Igreja naquela época, como o Magistério infalível do Pontífice falando ex cathedra, ele provou invictamente e defendeu mais sabiamente contra seus adversários. Além disso, ele apareceu até hoje como um defensor do Romano Pontífice de tal autoridade que os Padres do Concílio Vaticano (1870) empregaram seus escritos e opiniões na maior extensão possível. Também não devem ser ignorados seus sagrados sermões e obras catequéticas, especialmente o famoso Catecismo “que foi aprovado por seu uso ao longo dos tempos e pelo julgamento de muitos bispos e doutores da Igreja”. De fato, neste Catecismo, redigido por ordem de Clemente VIII, o ilustre santo teólogo expôs, para uso do povo cristão e especialmente das crianças, a verdade católica em um estilo simples, tão brilhante, exato e ordenado que por quase três séculos em muitas regiões da Europa e do mundo, forneceu com muito fruto a forragem da doutrina cristã aos fiéis. Em seu livro expondo os Salmos, ele uniu conhecimento com piedade. Por fim, por seus escritos ascéticos famosos em toda parte, concorda-se que São Roberto se tornou o guia mais seguro para muitas pessoas ao pico da perfeição cristã. Pois seja em sua Admoestação ao Bispo Theanensis, seu sobrinho onde ele ensinou o que pertence à vida apostólica e eclesiástica, ou em suas Exortações Domésticas onde ele inflamou seus companheiros para todas as virtudes, ou em seu Bom Governo onde ele transmitiu preceitos aos príncipes cristãos e explicou quais são os seus deveres, ou seja em seu excitamento da piedade e devoção dos fiéis cristãos por aquelas curtas mas ricas obras baseadas nas Sagradas Escrituras, nos ensinamentos dos santos padres teólogos e nos anais da Igreja e no atos dos santos, vemos que São Roberto realizou seu ensinamento ascético com eficácia e zelo especializado. Os ilustres monumentos, portanto, que ele deixou de seu gênio, prontamente mostram que quase não houve ramo das disciplinas eclesiásticas em que o Santo não se envolvesse com frutos.

Como uma lâmpada colocada em um castiçal para iluminar todos os que estão na casa, ele iluminou com palavras e ações os católicos e os que se desviaram da unidade da Igreja; como uma estrela no firmamento do céu, ele revelou a verdade que promoveu acima de tudo a todos os homens de boa vontade “pelos magníficos raios de seu conhecimento, raios tão largos quanto altos, pelo esplendor de sua excelência e gênio brilhante”; o primeiro apologista não só de sua época, mas também das épocas posteriores, pela defesa árdua dos dogmas católicos que assumiu, ele se recomendou à memória e admiração de todos aqueles que seguem a Igreja de Cristo com amor genuíno. Assim, Belarmino, mesmo até esta época, desfrutou com os homens mais famosos da Igreja, e especialmente escritores, tantos quantos floresceram, tão grande autoridade que já foi considerado e reverentemente invocado por eles como um doutor da Igreja. A este respeito, basta-nos mencionar os santos que, por sua eminente erudição aliada à heróica santidade, já foram declarados doutores da Igreja Universal; falamos especialmente de São Pedro Canísio, de São Francisco de Sales, de Santo Afonso Maria de Ligório. Mas houve outros santos, bem-aventurados, veneráveis, servos de Deus também, cuja alta opinião sobre a erudição e o conhecimento de Belarmino é atestada por evidências inequívocas.

Não é de admirar que muitos desejem verdadeiramente saudar São Roberto como Doutor da Igreja. Este é uma vontade e desejo alimentado não apenas por aqueles que compartilham princípios comuns de viver com ele na Companhia de Jesus que continuamente e por toda parte tem servido bem à causa de promover e defender a Fé Católica, mas também pelos homens mais ilustres de todos os as fileiras da hierarquia da Igreja. Pois os Cardeais da Santa Igreja Romana e quase todos os Arcebispos e Bispos de todo o mundo, bem como os superiores das comunidades religiosas, os oficiais das universidades católicas e, finalmente, muitos outros homens ilustres apoiam tais desejos. Portanto, consideramos oportuno confiar o assunto de tão grande importância como um desejo e sincera vontade à Sagrada Congregação Romana para a proteção dos Ritos. Esta Congregação, por Nosso Mandato Especial, delegou os homens mais eminentes e reverendos para examinar o assunto: Alexis Henricus Lépicier, Cardeal titular de Santa Susana da Santa Igreja Romana, Francis Ehrle, Cardeal da Santa Igreja Romana, diácono de São Cesareus em Palatio.

Assim, tendo procurado e obtido os veredictos separados desses cardeais e até mesmo impressos, restava apenas perguntar aos encarregados da Congregação dos Sagrados Ritos se, considerando todas as coisas que normalmente são exigidas em um Doutor da Universal Igreja, eles pensaram que era possível proceder à declaração de São Roberto Belarmino como Doutor da Igreja Universal. Em uma reunião ordinária no dia 4 de agosto recém-convocada no Vaticano, após o devido relato do assunto ter sido feito por nosso amado filho, o relator da causa, Cajetan Bisleti, Cardeal da Santa Igreja Romana, os Cardeais da Santa Igreja Romana encarregada da Congregação dos Ritos Sagrados declararam com consentimento unânime seu parecer afirmativo.

Portanto, tendo ouvido também sobre todos esses [assuntos] nosso amado filho, Promotor geral da Santa Fé, no dia seis de agosto deste ano, Nós, cedendo por nossa própria vontade e alegremente aos desejos de tantos e tão grandes proponentes que foram colocados diante de Nós, fazemos pelo teor destes presentes e em virtude de nosso próprio conhecimento certo e deliberação madura estabelecemos e declaramos São Roberto Belarmino Bispo, Confessor, Doutor da Igreja Universal; decretamos, portanto, que a Missa e o Ofício sob o rito Duplo Menor, que foram atribuídos à festa do mesmo Santo em 13 de maio de cada ano, sejam estendidos por Nossa autoridade a partir de agora à Igreja universal. Quaisquer outras constituições e ordenanças apostólicas que possam ter efeito contrário não devem impedir isso. Decretamos que as presentes cartas sejam e permaneçam estabelecidas, válidas e em vigor: e recebam e obtenham seus efeitos completos e inalterados; e que é, portanto, corretamente julgado e definido que, se qualquer coisa com relação a esses assuntos for tentada de maneira diferente [= contrária ao que decretamos] por qualquer pessoa, de qualquer autoridade, seja consciente ou ignorante, isso seria a partir de agora inválido e sem sucesso.

Dado em Roma, junto a São Pedro, sob o anel do Pescador, no dia 17 de setembro do ano de 1931, décimo do nosso pontificado. AAS XXI (1931) 433-438.

Trad. por Abner Benedetto.

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