Padre Hervé Belmont
2013
A epopeia dos Cristeros é uma das mais belas páginas da Cristandade, escrita com o sangue de inumeráveis mártires, marcada pela coragem heroica do povo mexicano que se levantou contra os inimigos de Jesus Cristo e de Sua Igreja; foi uma luta magnífica contra um poder tirânico dedicado ao diabo e à escravidão do dinheiro ianque — inimigos que se vingarão da maneira mais vil e desumana.
E, contudo, a Cristiada guarda uma espécie de gosto amargo, porque ela se encerrou com uma capitulação forçada – los Arreglos – que atirou grande número de seus melhores combatentes para a morte, o degredo ou a revolta.
Por esse fim atroz, frequentemente se responsabiliza o Papa Pio XI, como se ele próprio estivesse na origem da covardia (ou da traição) de parte do clero — episcopal ou subalterno.
Essa vista curta, bem injusta de resto, impede de enxergar que se está em presença de um duplo mistério.
Há um mistério histórico: que parte o Papa Pio XI tomou na ordem de desarmamento unilateral? Na sequela de que promessas mentirosas, de que pressões, de quais interesses, de quais ilusões, de qual intensidade no desejo da paz, essa ordem foi dada?
Mais profundamente e de forma mais decisiva, há o mistério dos desígnios da dulcíssima Paternidade de Deus, de que o Papa foi instrumento.
Esse duplo mistério foi admiravelmente exprimido por Jesús Degollado Guizar, General-em-chefe da Guardia Nacional, em sua última mensagem às unidades cristeras:
“Sua Santidade o Papa, por voz de sua Excelência, Mons. Delegado Apostólico, – e por razões que não conhecemos mas às quais, como católicos, nos submetemos – ordenou restabelecer o culto sem abrogação das leis antirreligiosas, colocando de certo modo o exercício do ministério sacerdotal sob sua proteção. No ato, amigos, nossa situação mudou…
“Nós devemos nos submeter aos decretos da Providência…
“A Guardia Nacional desaparece, não vencida por seus inimigos, mas antes abandonada por aqueles que deveriam ter sido os primeiros a recolher o fruto de seus preciosos sacrifícios…
“Ave, Cristo: os que vão se humilhar, se exilar e talvez morrer sem glória, Vos saúdam; e Vos aclamam, uma vez mais, Rei de nossa pátria.”
Esse heroico ato de fé do General, elevando-nos acima das causas imediatas que não conhecemos a não ser muito imperfeitamente, nos ajudará a compreender “os decretos da Providência”.
Os Cristeros não foram abandonados por Aquele que, desde toda a Eternidade, quer “recolher o fruto dos preciosos sacrifícios”; os Arreglos, para além das injustiças abjetas das quais foram ocasião, foram instrumento de Deus: os Cristeros não foram enviados para a morte, mas para o Céu.
Acredito que Pio XI não tinha ilusões quanto à honestidade e lealdade de Emilio Portes Gil e de seu governo perseguidor; mas ele tinha uma preocupação maior ainda, pois estava bem ciente de um perigo (que nos ameaça também a nós): anos de combate contra o poder a postos desenvolvem um espírito de anarquia que, a longo prazo, torna-se de facto mais perigoso para a fé e para a salvação eterna do que a perseguição mesma. Pio XII sabia talvez que enviava os católicos desarmados a um terrível perigo de morte, mas esse perigo nada mais era que a glória do martírio para a grande maioria.
A exigência de Pio XI evitou para os Cristeros o deplorável fim que foi a sina de numerosos carlistas, após sua luta tão bela pela preservação da sociedade cristã tradicional na Espanha do século XIX: uma vez extinta a guerra ou tendo ela perdido sua razão de ser, numerosos desses guerreiros perseveraram na sua vida de errância e de autonomia total, sem autoridade nem lei; eles tornaram-se salteadores.
Se nos pomos do ponto de vista da eternidade, a solução adotada por Pio XI é mil vezes preferível! Os Cristeros que povoam o Céu cantando ali na alegria: Viva Cristo Rey! – e que também intercedem por nós – serão do meu parecer.
Trad. por Felipe Coelho, de: de: “Jésus-Christ n’a pas abandonné ses Cristeros”, inédito.
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