O QUE TODOS OS CATÓLICOS DEVEM REALMENTE SABER SOBRE O ESTADO PRESENTE DA IGREJA

O “SÍLABO DE BRUXELAS” COMENTADO

O Que Todos os Católicos Devem Saber
Sobre o Estado Presente da Igreja

Johan S. Daly
1999

[N.d.T.: O estudo “O Que Todos os Católicos Devem Saber Sobre o Estado Presente da Igreja” foi redigido em Bruxelas, na Semana Santa de 1992, por quatro autores. De longe a maior contribuição veio do presente autor. Já foi jocosamente chamado de “O Sílabo de Bruxelas”. O que vem a seguir é o texto original anotado por seu autor principal, J. S. Daly, para mostrar os numerosos exageros e conclusões injustificadas nele contidos. Tudo o que está escrito em preto pertence ao texto original (1992), enquanto que o azul foi interpolado em 1999 (juntamente com algumas supressões marcadas por linhas tachadas).]

1. Proposição herética é aquela que entra em conflito com um dogma, ou seja, uma verdade proposta pela Igreja como a ser crida por todos os fiéis como revelada por Deus. A Igreja pode propor esses dogmas tanto por seu Magistério Extraordinário quanto por seu Magistério Ordinário; em ambos os casos, uma proposição conflitante será herética. (Pe. Sixtus Cartechini, De Valore Notarum et de Criteriis ad eas Dignoscendas, Roma 1951, pp.11-40 – obra composta para os consultores das Congregações Romanas; Dom Paul Nau, The Ordinary Magisterium of the Church Theologically Considered e The Pontifical Ordinary Magisterium at the First Vatican Council.)

2. Herege é quem, de modo pertinaz, nega ou duvida de um dogma. Pertinácia significa aderir à heresia culpavelmente, isto é, estando ciente dos fatos relevantes. (Ensinamento comum dos teólogos e canonistas, muitos dos quais são citados em Under the Laws of the Catholic Church the Papal See is Vacant[Pelas Leis da Igreja Católica a Sé Pontifícia está Vaga] por N.M. Gwynne; ver especialmente Suarez, OperaXII (ed. Vivès) p. 474; Clergy Review, 1952 vol. XXXVII, pp. 462 e 701; Noldin, Summa Theologiae Moralis, II, n.29.)

3. Heresia formal é a dúvida ou negação ciente de um dogma por alguém que se dá conta da obrigação de crer nos dogmas da Igreja. Heresia meramente material é a dúvida ou negação ciente de um dogma por quem é ignorante da autoridade divina da Igreja. (Jus Pontificium, 1931, p. 52; Billot, De Ecclesia, tese XI; Clergy Review, 1939, vol. XVII, pp. 268-270, e 1952, Vol. XXXVII, p. 701; D’Annibale, In Constitutionem Apostolicae Sedis (1894) n. 30; Collationes Brugenses, 1923, p. 116.)

4. Os hereges incorrem em excomunhão automática imediatamente ao manifestarem suas disposições heréticas. (Cânon 2314/1 n. 1) Mesmo aqueles cuja heresia é meramente material – aqueles cuja rejeição do ensinamento católico é feita de boa fé – devem, para todos os fins práticos, ser tratados como havendo incorrido nessa censura. Todo aquele que factualmente, por qualquer razão que seja, falhe em professar a Fé Católica não é membro da Igreja como sociedade jurídica e não pode ser tratado como tal antes de abjurar seus erros e de submeter-se à Igreja. (As mesmas referências do número 3 acima; Cânon 731/2; Kenrick, de Baptismo, n. 243; Papa Pio XII, Mystici Corporis Christi, Denzinger 2286; Ott, Fundamentals of Catholic Dogma, p. 311.)
[O supra está correto no sentido de que os que rejeitam cientemente o Magistério católico mas o fazem de boa fé, nunca tendo sido católicos, são considerados hereges no foro externo e, portanto, excomungados. Mas isso não se aplica a quem erre, não importa o quão enormemente, ao mesmo tempo em que permaneça disposto a crer o que a Igreja ensina.]

5. Erro inocente da parte de quem, sem culpa, não percebe que a sua doutrina se opõe ao dogma católico não constitui heresia, nem mesmo material, dado que o reconhecimento, ao menos de maneira confusa, do conflito com o ensinamento da Igreja é uma das notas essenciais da heresia. Mas esse reconhecimento pode e deve ser, em muitos casos, legitimamente presumido por conta do caráter clamoroso do erro, ou da ciência e categoria do delinquente, ou por outros indicadores. (Padre Michael Mueller, The Catholic Dogma, p. 186; as mesmas autoridades previamente citadas; Silveira, Essay on Heresy [N. do T. – Trad. ing., por J. S. Daly, do ensaio do Dr. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira “Atos, gestos, atitudes e omissões podem caracterizar o herege” (rev. Catolicismo, n.º 204, dez. 1967), transcrito integralmente em: “wp.me/pw2MJ-LF”.]; de Lugo, Disp. XXII, seções V e VI; J.S. Daly, Recognition of Heresy and Schism [Detecção de Heresia e Cisma].)
[Isso é verdadeiro, mas é importante não abusar disso. A pertinácia não é presumida onde houver qualquer outra explicação razoável dos dados, e seria gravemente contrário à caridade agir como se ela o fosse.]

6. Para constatar que um dado indivíduo é herege, nenhuma jurisdição é necessária e nenhuma advertência canônica é exigida [quando for completamente evidente que a doutrina negada é dogma e que ela é negada pertinazmente]. Sempre que for evidente que um dado indivíduo determina sua mente em oposição à mente da Igreja, recusando assentimento ao ensinamento d’Ela, todo e qualquer católico ciente desses fatos pode, e deve, reconhecer que dito indivíduo não é católico e tratá-lo como estrangeiro à família da Fé. [Mas, em todos os casos de dúvida – mesmo de dúvida tênue –, o indivíduo privado não é competente para antecipar o julgamento das autoridades da Igreja.] (Silveira, op. cit.; Dom Guéranger, O Ano Litúrgico, Festa de São Cipriano de Alexandria; J.S. Daly, op. cit.)

7. É certamente possível [nalguns casos (mas de maneira nenhuma em todos)] para todo e qualquer católico, mesmo um leigo inculto, detectar quando um indivíduo é herege (Papa Paulo IV, Cum Ex Apostolatus Officio; Denzinger 1105); de fato, é-lhe obrigatório estar em alerta para com eles (Gálatas 1,8; 2 João 1,10; Mateus 7,15) especialmente entre o clero (Atos 20,28ss.) e, tendo-os identificado, deve retirar-se da comunhão deles [quando a heresia e a pertinácia forem completamente claras] (a maioria das mesmas referências). A detecção da heresia e dos hereges e cismáticos não é [sempre] questão de opinião ou optativa (Silveira, op. cit.). Onde os fatos forem conhecidos e houver certeza a seu respeito, é obrigatório agir de acordo com eles, e silêncio ou reticência em casos tais é algo pecaminoso sempre que implique consentimento ou arrisque escândalo (Cânon 1325/1). [Por outro lado, há que estar precavido também contra a fraqueza comum de considerar como objeto de certeza ao que na realidade é duvidoso, e de supor que uma ideia seja heresia meramente porque parece logicamente levar à heresia, o que está longe de ser a mesma coisa. Antes de agir em todo e qualquer caso que não seja totalmente claro e simples, a pessoa despreparada deveria se tornar conhecedora a fundo do modo como os santos agiram e da medida em que proposições duvidosas foram tradicionalmente toleradas enquanto não fossem diretamente condenadas, e que a boa fé sempre foi presumida.] [N. do T. – A respeito desse ponto importante, cf. do A. seu fundamental estudo “A Heresia na História. Para evitar acusações fáceis demais de heresia e de cisma – uma perspectiva histórica” (2000/2002).]

8. Cisma é a recusa da sujeição ao Soberano Pontífice ou da união com os outros membros da Igreja (Cânon 1325); portanto, quem quer que não esteja unido aos outros membros da Igreja na partilha dos mesmos sacramentos e bens espirituais e na sujeição aos pastores legítimos é um cismático. Isso é assim, ainda que ele creia de boa fé que aqueles a quem ele está sujeito são pastores legítimos, desde que seja objetivamente certo que eles não o são. [Esta última sentença é completamente e demonstravelmente o oposto da verdade. Numerosos canonistas e teólogos insistem claramente que uma pessoa não é cismática por rejeitar um verdadeiro papa se tiver fundamentos razoáveis para crer que a eleição dele foi irregular, por exemplo.] (Lamiroy, na Clergy Review, 1939, vol. XVII, pp. 268, 269; O’Mahoney, ibid.; Daly, op. cit.). O cisma pode ser cometido por meio de, ou estar implicado em, diversas ações e posições religiosas, na medida em que as circunstâncias impliquem separação [pertinaz] da comunhão com a Igreja ou união com aqueles que não são contados entre os filhos dela. (Journet, L’Église du Verbe Incarné, ed.3, 1962, p. 829 e Pe. Henry Garnet S.J. em carta de 2 de junho de 1601 ao Pe. Robert Parsons S.J.; ver Pe. Philip Caraman, Henry Garnet 1555-1606, Farrar, Straus and Co., New York, 1964.)
[A palavra adicionada – “pertinaz” – é absolutamente necessária para tornar precisa essa afirmação, e altera completamente o efeito prático.]

9. Numerosas claras heresias se encontram nos Acta do Vaticano II e na liturgia do Novus Ordo, e também em ações subsequentes da seita Vaticano II; ações que incluem as atividades pessoais de João Paulo II (Karol Wojtyla) bem como de outros mandatários da seita da qual ele é o líder. (Na Carta N.º 10 da Britons Catholic Library, o apêndice 4 à Segunda Conferência apresenta uma lista suficiente.)

10. Logo, é obrigatório concluir que a seita do Vaticano II não é a Igreja Católica e não pertence a ela, mas é uma herética “seita de perdição” (2 Pedro 2,1).

11. É certo que João Paulo II é herege pertinaz, dado que ele adere publicamente a muitas doutrinas que ele patentemente sabe que estão em conflito com o dogma. (Professor Corbi, Joviniano ‘82Abbé Daniel le Roux, Pedro, Tu Me Amas?; e numerosas outras fontes.) O mesmo se aplica à hierarquia da Seita Conciliar e a pelo menos muitos de seus membros, os que não são hereges sendo simplesmente cismáticos.

12. Como consequência disso, é certo que Karol Wojtyla não possui o ofício papal. Ele não é papa. Ele não é cabeça da Igreja Católica, da qual, de fato, ele nem sequer é membro.

13. Provas ampliadas das proposições afirmadas no número 12 acima:

(i) Se um herege fosse eleito Papa, a eleição seria inválida. (Papa Paulo IV, Cum Ex Apostolatus Officio.)

(ii) Se, hipoteticamente, acontecesse de um Papa cair em heresia, ele perderia automaticamente o seu ofício sem necessidade de advertência alguma e sem declaração nenhuma. (São Roberto Bellarmino; Sto. Afonso de Ligório; Ballerini; Naz; Wernz-Vidal; o ensinamento comum dos teólogos e canonistas; o acordo unânime dos Padres segundo São Roberto Belarmino; Cânon 188/4; Cum Ex Apostolatus Officio, no mínimo por implicação direta; Papa Leão XIII, Satis Cognitum, no mínimo por implicação direta; a Sagrada Escritura tal como é interpretada por São Roberto Bellarmino.) [Mas não é evidente, sem embargo, que a opinião contrária de Suarez, Caetano e João de S. Tomás é de fato heterodoxa. Não se pode, então, considerar alguém excluído da Igreja por manter essa opinião e tentar aplicá-la à situação atual, embora se possa razoavelmente tentar convencê-lo de que isso não é sustentável.]

(iii) E a posteriori (i.e. remontando, pelo raciocínio, dos efeitos à causa) ele não pode ser papa, tampouco; pois, se o fosse, ele seria protegido, pela infalibilidade papal, da possibilidade de ensinar erro e heresia de um modo que, caso ele fossepapa, constituiria exercício do Magistério Ordinário e obrigaria ao consentimento de todos os católicos. (Dom Paul Nau, opp. citt.) Semelhantemente, se ele fosse papa e se os seus predecessores imediatos tivessem sido papas, e se a organização que eles lideravam fosse a Igreja Católica, eles não teriam logrado n’Ela impingir uma liturgia e leis, costumes e conselhos que são diretamente opostos à Divinamente garantida santidade da Igreja.

14. A conclusão de que João Paulo II não é papa é, pois, objetivamente certa e obrigatória para todos os católicos e de maneira nenhuma se assemelha ao caso do Grande Cisma do Ocidente, no qual os reivindicadores do Papado eram todos católicos e a discordância centrava-se em duvidosas questões de fato histórico. No caso presente, o fato da heresia é publicamente certo com notoriedade de fato (Cânon 2197) e a conclusão é inescapável. [A conclusão é “inescapável” e “obrigatória” para os que são conhecedores de todos os fatos relevantes e competentes para avaliá-los. Mas não há nenhuma garantia divina de que todos os católicos entrem nessa categoria, e há todas as razões para supor o contrário. De fato, pouquíssimos católicos são suficientemente doutos para refutar satisfatoriamente todos os argumentos que foram montados para defender a reivindicação de Wojtyla ao Papado, e vai contra a caridade e o senso comum pretender o contrário.]

15. Tendo demonstrado que Karol Wojtyla não é papa e que a seita que ele encabeça não é a Igreja de nosso Divino Salvador Jesus Cristo, é obviamente necessário determinar onde a Igreja Católica está hoje e quem são seus membros. E o fato mais óbvio sobre esse tópico é que nenhum dos que reconhecem a João Paulo II como papa pode ser um católico. Mesmo que eles condenem energicamente as heresias dele e admitam a possibilidade de ele não ser papa, eles continuam sendo simplesmente cismáticos, já que não estão unidos à Igreja pelo regime dos pastores legítimos, mas estão em comunhão com hereges e usurpadores. [Longe de ser óbvio, isso é inteiramente falso. O reconhecimento de JP2 é prova de cisma apenas se for claramente pertinaz. No caso dos católicos tradicionais, é improvável ser este o caso. Não existe fundamento para uma presunção generalizada de pertinácia.] (Cardeal Billot, citado na Clergy Review, 1939, vol. XVII, pp. 268,9 [Billot não fala dos que estão em comunhão com usurpadores heréticos por confundirem sem pertinácia a estes com legítimos hierarcas católicos.]) Com efeito, “é certo que São Cipriano mantinha que quem estivesse em comunhão com um antipapa não estava enraizado na Igreja Católica, não era nutrido no seio dela, não bebia do manancial dela.” [Isso foi no cisma de Novaciano, que foi condenado pelo verdadeiro papa; não se tratava, em absoluto, de indivíduos particulares se antecipando ao julgamento da Igreja acerca da pertinácia deste ou daquele indivíduo. Nenhuma palavra pode ser citada de São Cipriano que implique que todos os que erram numa tal matéria, antes do pronunciamento direto da Igreja, devam ser considerados não-católicos, caso haja lugar para confusão inocente, como hoje certamente há.] (Catholic Encyclopaedia, vol.IV, p.586) Eles não são, pois, mais católicos do que um alto anglicano que alegue ser católico ao mesmo tempo que mantém comunhão com prelados protestantes. [A analogia é falsa. O anglicanismo foi diretamente condenado pela Igreja. Depois de Henrique VIII ter começado o seu cisma e imposto ao clero e a outros um juramento reconhecendo-o como cabeça da Igreja na Inglaterra, os santos John Fisher e Thomas More continuaram a considerar os que haviam prestado esse juramento como seus irmãos católicos, como não sendo pertinazes até que a Igreja viesse a se pronunciar sobre a questão. Eles seguiram o que julgaram correto, assim como devemos fazer ao rejeitar JP2, mas eles consideraram como seus irmãos católicos àqueles que haviam sido enganados, mas cuja pertinácia ainda não era manifesta.] Deve-se frisar que, se os cismáticos estiverem de boa fé, sem perceber que a seita deles não é a Igreja, isso não altera a condição deles nem o dever dos fiéis de não ter comunhão com eles. (Cânon 731/2; Jus Pontificium, 1931, p.52 e Clergy Review, loc. cit.)[Essa alegação não é verdadeira, e as autoridades citadas referem-se apenas a casos em que os membros da seita estão bem cientes de que os corpos a que eles pertencem não são a Igreja Católica Romana. Nem uma única autoridade pode ser encontrada que diga que alguém é considerado acatólico por associação com um corpo religioso que ele erroneamente acreditava ser Católico Romano. Nenhuma autoridade pode ser encontrada, porque isso não é verdade. É o oposto da verdade. Num caso desses, a pertinácia não pode ser presumida, e os envolvidos são, portanto, católicos até que o contrário seja estritamente provado.]

16. A Fraternidade de São Pio X fundada por Lefebvre é, pois, uma organização cismática, dado que ela reconhece oficialmente a legitimidade do atual impostor na cidade de Roma e de sua hierarquia. [É certamente defensável que como organização a FSSPX seja em certo sentido cismática, pois uma organização tem meramente uma posição, não uma alma capaz de ser enganada de boa fé. Mas não se segue de maneira alguma que todos os que pertencem a ela ou estejam associados a ela sejam cismáticos. Isso se aplicará apenas se eles forem pertinazes.] E todos aqueles que sustentam uma posição semelhante à da Fraternidade também são cismáticos. [Somente se pertinazes, o que não é de presumir.]

17. A Fraternidade de São Pio X é, [quâ organização],de fato não somente cismática como também herética, já que mantém oficialmente, por exemplo, as seguintes proposições heréticas:

(i) O Magistério Ordinário da Igreja Católica, exercido repetidamente e enfaticamente por papas, bispos, um concílio geral e as disposições práticas da Igreja, pode ensinar aos fiéis erro que foi reiteradamente e infalivelmente condenado pela Igreja no passado. (Que isso é incompatível com a doutrina católica emerge claramente de Dom Paul Nau: The Ordinary Magisterium of the Church Theologically Considered.)

(ii) Pode ser legítimo para os fiéis habitualmente ao longo de um período extenso desobedecer e ignorar as mais severas injunções dos legítimos pastores da Igreja referentes às matérias mais graves. (Refutado pelo Papa Leão XIII: Diuturnum Illud; Papa Bonifácio VIII: Unam Sanctam, Denzinger 469; Pe. H. Hurter, Compendium of Dogmatic Theology, vol.1 p.271; Pe. Patrick Murray, De Ecclesia, disp.17, sect.4, n.90)

18. O finado M.-L. Guérard des Lauriers urdiu uma tese segundo a qual a Santa Sé não está vacante mas obstruída. De acordo com essa visão, Karol Wojtyla é materialmente papa, proposição entendida como significando que ele possui os poderes papais virtualmente, de modo que ninguém mais possa simultaneamente possui-los, mas ele não pode realmente exercer a autoridade papal. Essa tese é defendida, não com base na heresia da parte de Wojtyla, mas com base numa alegada disposição habitual da parte dele de não realizar o bem da Igreja.

Essa tese é:

(i) Falsa em filosofia, dado que reconhece existir uma entidade cujo constitutivo formal determinante admite-se estar ausente. (Axioma “Forma dat esse rei”: a forma dá a algo o ser dele); Sto. Tomás, Summa Theologiae III, Q.75, A.3, “A matéria não pode existir sem forma”.) [Proponentes atuais dessa tese certamente não sustentam esse erro. Eles mantêm que João Paulo não é papa, mas que ele se tornaria papa se viesse a adotar disposições católicas.]

(ii) Factualmente errônea por omissão, dado que não leva em consideração alguma a condição publicamente herética daqueles aos quais ela se refere.

(iii) Teologicamente falsa, dado que se opõe ao ensinamento de todas as autoridades listadas no número 13 acima, segundo as quais um papa herege perde seu ofício automaticamente e por inteiro, não em parte, sendo este último ponto expressamente ensinado na Cum Ex Apostolatus do Papa Paulo IV. [Nem todos os defensores dessa posição rejeitam o ensinamento dessas autoridades. Podem simplesmente duvidar de se as heresias de JPII são suficientemente claras, e de se a pertinácia dele é suficientemente manifesta, para que o princípio se aplique nesse caso concreto. Nessa medida, eles simplesmente alcançam a conclusão correta de que Wojtyla não é papa por outra via. Aqueles que adotam essa visão sustentam uma posição que sugiro ser melhor descrita como incompleta em sua avaliação da situação.]

(iv) Contrária ao Direito Canônico, o qual confirma que um ofício ilegitimamente possuído está de jure vacante e pode ser possuído por outro. (Cânon 151) [O Cânon 151, na realidade, se refere à necessidade de uma declaração, em devida forma, da vacância antes de o ofício ser conferido a outro, de modo que se poderia argumentar ser ele mais favorável à visão guérardiana do que à sedevacantista. Não é um argumento peremptório para nenhum dos dois lados.]

(v) Herética por implicação direta, já que, por exemplo, ela mantém que um homem possa deter o ofício papal sem possuir jurisdição universal sobre os fiéis. (Denzinger 1824) [Ela não mantém isso, não. Os atuais “guérardianos”, creio eu, não consideram que Wojtyla possua o ofício papal. Consideram que ele tem com este uma conexão radical que lhe permitiria ocupá-lo mediante conversão, e que impede que outro seja eleito a este ofício entrementes. Eles mantêm que, no presente, ele não possui o Papado e, portanto, não tem a jurisdição atrelada a este, mas que, se ele fosse convertido e se tornasse Papa, ele adquiriria essa jurisdição. Há várias objeções a esta opinião, mas o texto de Dz. 1824 não parece ser uma delas.]

Essa tese de Guérard des Lauriers foi aptamente refutada em língua francesa pelo diácono V.M. Zins (edição n.º 5 de Sub Tuum Praesidium, adquirível de: Notre Dame de l’Epine, 53480 S. Léger en Charnie, França) e Mlle. M. Davidoglou (nos n.ºs 21 e 22, Primavera de 1991 e Primavera de 1992, de La Voie, adquiríveis de: 192/196 rue de Lourmel, 75015 Paris, França), entre outros. [N. do T. – Tachado acrescentado pelo tradutor, em decorrência do que acaba de ser exposto em azul.]

19. Aqueles que mantêm a tese de Guérard des Lauriers após serem postos em inquérito sobre sua natureza herética são, portanto, hereges. [Tal não se segue. Ainda que a tese fosse implicitamente herética, como se alegou acima partindo do pressuposto de que ela leve logicamente a consequências heréticas, não se seguiria que os que a mantêm são hereges, salvo se sustentarem pertinazmente as conclusões heréticas eles próprios. A Igreja não considera herética uma proposição por levar logicamente à heresia, a não ser que esta proposição tenha sido, ela própria, condenada diretamente, como a história da controvérsia teológica mostra repetidamente. Nem, tampouco, fica provada a pertinácia quando alguém é “posto em inquérito” de que sua posição é acusada de ser herética. Na presente situação da Igreja, toda solução já foi acusada em algum momento de ser herética ou cismática. A pertinácia consiste na rejeição consciente de uma doutrina que a Igreja infalivelmente ensina ser divinamente revelada. Nada inferior a um caso claro disso é suficiente para permitir a um indivíduo privado dizer que alguém não diretamente condenado pela Igreja é um herege.] Mesmo antes de terem sido colocados em inquérito, eles estão no mínimo em cisma, em virtude de reconhecerem João Paulo II como ocupante do ofício papal [Isso é bem falso, dado que eles normalmente não mantêm isso. Eles sustentam que ele não é papa, tal como fazem os sedevacantistas, mas eles baseiam isso em provas parcialmente diferentes e explicam isso de maneira diferente.] e ao reconhecerem a Seita Conciliar como sendo a Igreja Católica [mas também é duvidoso se eles acreditam nisso ou não, e, de qualquer modo, isso não levaria a que fossem considerados cismáticos a não ser que fossem claramente pertinazes.].

20. Durante a década de 1980, um bispo vietnamês aposentado, o finado Pierre-Martin Ngo-dinh-Thuc, consagrou uma porção de bispos “tradicionalistas” – Guérard des Lauriers (7 de maio de 1981), Moises Carmona e Adolfo Zamora (ambos a 17 de outubro de 1981) foram os mais proeminentes –, muitos dos quais, por seu turno, consagraram a outros. Essas consagrações são todas ilícitas [Sim] e cismáticas [questionável em muitos casos], e aqueles que reconhecem [reconhecem como o quê?] qualquer um dos bispos dessa linhagem não são católicos [non sequitur]. Os fatores que conduzem a esta conclusão incluem os seguintes, alguns dos quais referem-se apenas a algumas destas consagrações e alguns a todas elas:

(i) Ngo-dinh-Thuc era um arquiliberal no Vaticano II, argumentando em prol de mulheres sacerdotes e da participação de grupos não cristãos no Concílio. (Acta Synodalia Vaticani II, vol.2 pt.3 p.573, e vol.2 pt.1 pp.358, 359 respectivamente; tradução inglesa disponível pela Britons Catholic Library.)
[Mas muito pouca gente sabe disso e, portanto, não se pode esperar que levem isso em conta ou sejam culpados por não terem agido à luz daquilo que não sabiam. Nem, tampouco, constitui isto prova de qual fosse a posição de Thuc quase vinte anos mais tarde, quando das sagrações.]

(ii) Mesmo em data tão recente quanto 15 de abril de 1981 (menos de um mês antes de ele consagrar Guérard des Lauriers), ele concelebrou uma “Missa” Novus Ordo de Quinta-Feira Santa com o Bispo Conciliar de Fréjus-Toulon.
[Novamente, muito poucos sabem disso, mas isso realmente mostra, a meu ver, que ele não era um católico naquela época.]

(iii) Em conversação gravada em janeiro de 1982 (o mês anterior à sua declaração de fevereiro de 1982 da vacância da Santa Sé, e depois das consagrações de que os bispos tradicionalistas de hoje derivam suas Ordens episcopais), ele contou a um inquiridor que ele estava (a) ouvindo confissões com base em faculdades dadas a ele pelo bispo (o mesmo bispo de Fréjus-Toulon), e (b) assistindo ao Novus Ordo na Catedral de Toulon, porque ele gostava.
[Idem.]

(iv) Ele nunca retratou essas crenças e ações, e destarte não era um católico na época das sagrações. E, quando de sua declaração da vacância da Santa Sé, feita por ele em 25 de fevereiro de 1982, muito tempo depois das sagrações mencionadas acima, ele parecia claramente confirmar seu cisma, pois afirmou que “a Igreja Católica parece pujante… O número de católicos é imenso”: declarações que evidentemente implicam seu reconhecimento da Igreja Conciliar como Católica.
[Essa declaração foi ambígua. Não há prova de que os consagrados por ele estivessem cientes de que as crenças dele não eram católicas na época. De todo o modo, isso não prova que os bispos sagrados por ele não fossem católicos, por mais desviados, e muito menos que todos os sagrados por eles ou ordenados na linhagem deles aprovem os erros de Thuc, o que manifestamente não é o caso.]

(v) Ele impôs àqueles que ele sagrou um juramento de fidelidade pessoal reconhecendo-o como líder dos católicos fiéis do mundo – um ato de cisma não somente da parte dele, como também da parte dos que prestaram o juramento, já que ele não tinha tal autoridade. (Texto em espanhol e tradução inglês disponíveis pela Britons Catholic Library.)
[Talvez o juramento possa ser defendido como não sendo um ato de cisma – embora inadequadíssimo – no sentido de que foi um ato voluntário de submissão. Mas, seja como for, sempre foi letra morta, e o atual clero de linhagem Thuc nada sabe a seu respeito e, portanto, não pode ser culpado de nele consentir. Até onde eu sei, Vezelis é o único sobrevivente que de fato prestou esse juramento.]

(vi) Ele sagrou homens destinados a tornar-se “episcopi vagantes” (bispos itinerantes) sem nenhuma forma de sé, coisa desconhecida na história e na tradição da Igreja exceto como sacrilégio; nos casos raros, nos primeiros séculos, em que bispos católicos foram sagrados sem mandato pontifício em circunstâncias urgentes, isso sempre foi feito para as necessidades de uma diocese em particular, na qual a pessoa eleita pelo clero só estava esperando pelo poder de Ordens para desempenhar seu ofício. (Dom Adrien Gréa, L’Église et sa Divine Constitution, Casterman, 1965).
[Verdade, mas isso não prova que todos os que imaginaram que tais sagrações fossem permitidas pela epiqueia nas atuais circunstâncias sejam hereges ou cismáticos. Pode-se razoavelmente professar incerteza ou mesmo deplorar tais sagrações e, ainda assim, considerar lícito aproximar-se dos envolvidos para receber os sacramentos. Alguém pode considerar que os infratores sejam católicos maus e pecadores, mas, isto não obstante, fonte útil de sacramentos na ausência de alguém mais idôneo. A maioria dos que entendem o problema suporia – seguramente corretamente – que os envolvidos foram simplesmente confusos, ignorantes e temerários.]

(vii) Todos os que foram sagrados por ele ou por outros de sua linhagem carecem da missão canônica que o Concílio de Trento ensina dogmaticamente ser necessária para um bispos ser ministro legítimo da palavra e dos sacramentos. (Denzinger 967) Patentemente, necessidade nenhuma, alegação nenhuma de epiqueia, é capaz de passar por cima, mesmo em extrema necessidade, de uma obrigação derivada não de lei humana, mas da lei Divina infalivelmente proposta como tal pela Igreja.
[Mas (a) há uma alegação amplamente disseminada de que Thuc possuía faculdades especiais de Pio XI e Pio XII autorizando-o a sagrar sem mandato pontifício. Embora falsa, essa alegação foi feita em circunstâncias que tornam possível a um católico crer de boa fé que ela seja verdadeira. E (b) talvez não esteja claro que um bispo sagrado validamente, embora “ilegítimo”, está proibido de conferir os sacramentos em extrema necessidade. Claramente, se uma pessoa não batizada estivesse abandonada com um bispo de linhagem Thuc numa ilha deserta, ela poderia requisitar do bispo que a batizasse, apesar do fato de ele não ser “um ministro legítimo… dos sacramentos”. Poderia ela também requisitar outros sacramentos por razão semelhante? Se o bispo não é herege nem cismático, a resposta, em se tratando da Penitência e da Sagrada Comunhão, pareceria ser afirmativa. Eu seria da opinião de que também para a Confirmação.]

(viii) Os bispos em questão nunca se apartaram dos crimes e erros acima.
[De alguns destes, eles nada sabem. Alguns, eles creem justificados por razões que podem conter erros de fato ou em teologia, ou podem nalguns casos ser defensáveis. Para demonstrar que este ou aquele clérigo de linhagem Thuc é herege ou cismático, é preciso mostrar que ele sustenta pertinazmente algum erro que seja de natureza a excluir da comunhão da Igreja a quem o sustenta.]

(ix) Quase todos os bispos Thuc estiveram envolvidos religiosamente, tal como o próprio Thuc, com veterocatólicos, com a Petite-Église de Toulouse e outras seitas cismáticas e heréticas.
[Verdade. Em alguns poucos casos (como o da oferta de Fidelis McKenna de ordenar para um grupo cismático), os conluios foram devidos, sem dúvida, à ignorância do verdadeiro histórico daqueles com que se estava coligando-se. Em muitos outros casos não o foram, mas nem todos os clérigos Thuc estiveram envolvidos ou cientes do que ocorria. Muito menos a culpa se transmite a todos os leigos que, mais tarde, frequentaram os clérigos em questão, ao mesmo tempo em que os acreditavam católicos ortodoxos.]

21. Em suma, para ser um católico fiel hoje, é necessário rejeitar abertamente as reivindicações ao Papado de João Paulo II, e também rejeitar a Seita Conciliar dele, com todas as suas obras e pompas, a Fraternidade de São Pio X, a herética tese guérardiana, e os bispos de linhagem Thuc e respectivo clero, não importa o quanto alguém possa sofrer de isolamento e de perseguição como resultado disso.
[É preciso rejeitar todos esses erros assim que se os enxergue como tais, mas não é preciso considerar que os que ainda não viram isso sejam hereges ou cismáticos; com efeito, seria bem errado e falto de caridade assim fazer. Por onde, a necessidade de evitar contato com clero ou laicato que errem acerca deste ou daquele aspecto do estado atual da Igreja não foi demonstrada. Certamente que não endosso ir a Missas celebradas em comunhão com João Paulo II, ou a Missas de certos outros clérigos tradicionais, mas não tenho o direito de considerar culpados de pecado, ou cisma, ou heresia, a quem diverge de mim a esse respeito.]

22. As principais consequências práticas disso são:

(i) Não é lícito para os fiéis aproximar-se de clero que entre nas categorias mencionadas no número 21 acima para pedir sacramentos, salvo nas mesmas circunstâncias em que seria lícito aproximar-se de clero dissidente ortodoxo oriental; ou seja, in extremis. (Cânon 1258) [Os argumentos em que esta conclusão está fundada, foi demonstrado serem inadequados, logo a conclusão não procede.]

(ii) O clero católico pode não admitir aos sacramentos os que se encaixem nas categorias mencionadas no número 21 acima, “mesmo que estejam de boa fé e os requisitem.” (Cânon 731/2)
[Idem. O texto do Cânon 731 refere-se a “hereges e cismáticos mesmo que errem de boa fé”. Isso não significa “mesmo que não sejam pertinazes”. Se não fossem pertinazes, não seriam hereges ou cismáticos em absoluto, quer de boa fé ou de má fé. Um herege ou cismático que erra de boa fé é alguém que está cientemente separado da fé ou da comunhão da Igreja Católica e Romana, mas que não é culpável, em razão de ter sido criado fora da Igreja. Isso está a um milhão de quilômetros da posição de quem está fazendo o melhor que pode para ser fiel às doutrinas e à comunhão da Igreja Católica durante uma crise inauditamente complicada, mas que acidentalmente se desvie acerca deste ou daquele ponto. Os que caem neste último grupo não são afetados de modo nenhum pelo Cânon 731 e devem certissimamente ser admitidos aos sacramentos.]

23. Isso, todavia, por si só não basta, pois também é necessário retirar-se da comunhão com todo aquele que, mesmo indiretamente, respalde esses erros, e com todo aquele que esteja em comunhão com seus perpetradores. Nunca foi possível identificar alguém como católico simplesmente em razão de sua doutrina ser ortodoxa. Não menos importante é a seguinte questão: com quem ele está em comunhão? Noutras palavras, a quem ele reconhece como seus irmãos católicos? Com quem ele está disposto a se ajoelhar na grande da comunhão perante o altar? A regra aqui é que todo aquele que trata como seus irmãos católicos a pessoas que estão objetivamente fora da comunhão da Igreja deve também ser tratado como não-católico, e os católicos genuínos devem retirar-se da comunhão com ele. [Isso só se aplica na medida em que estejam cientes de que aqueles com quem estão em comunhão encontram-se fora da comunhão católica. Mesmo então, falando estritamente, nosso atual Código de Direito Canônico (1917) não considera a communicatio in sacris com hereges ou cismáticos prova de heresia ou cisma da parte do perpetrador, ainda que ele esteja plenamente consciente do que está fazendo.] (Cf. São Cipriano: Epístola 51 a Antoniano; Teodoreto: História da Igreja Latina, livro 2 cap.17). Assim, é ilícito procurar os sacramentos de sacerdotes que rejeitam João Paulo II, ainda que tenham repudiado a Fraternidade de São Pio X e o cisma de Ngo-dinh-Thuc, caso eles continuem a tornar os sacramentos disponíveis a aderentes dessas seitas; já que, assim fazendo, eles atestam sua comunhão continuada com dissidentes e, destarte, partilham da culpa dos pecados deles. [Pelo contrário, é dever estrito de todo sacerdote católico tornar os sacramentos disponíveis a todos os católicos que não sejam hereges, cismáticos, notoriamente excomungados ou pecadores públicos, e é bem injustificado supor que todos aqueles que se extraviaram na avaliação da presente situação extraordinária caiam em qualquer uma dessas categorias.] (2 João I, 10,11) Isso se aplica à vasta maioria dos sacerdotes “sedevacantistas”, incluindo aqueles que constituíram o substancioso grupo norte-americano dissidente da Fraternidade de São Pio X em 1983. E, pelo mesmo diapasão, os sacerdotes católicos devem recusar os sacramentos a leigos que permaneçam em comunhão com clero ou laicato dissidente, já que, assim fazendo, eles cometem cisma ou, no mínimo, se estigmatizam a si próprios como publicamente indignos (Cânon 855). [Por razões que já foram dadas, essas conclusões são injustificadas.]

24. É dever dos fiéis evitar toda communicatio in sacris com os previamente mencionados e, de fato, toda comunicação secular desnecessária, com seu risco concomitante de perversão e escândalo (Sermão do Padre Bourdaloue para o Quinto Domingo depois da Epifania, “A comunicação entre os justos e os maus”); e, semelhantemente, é dever do clero alertar o laicato contra eles e sua maligna influência.
[É, de fato, dever do clero alertar os fiéis contra os erros predominantes, incluindo o erro especialmente perigoso de considerar como não-católicos aos que malograram em apreender a verdade sobre o presente estado da Igreja, mas que sejam de disposições ortodoxas. A aceitação do Novus Ordo e heresias flagrantes da Seita Conciliar cria uma razoável presunção de pertinácia, sendo flagrantemente opostos a doutrinas católicas fundamentais e bem conhecidas. O malogro em avaliar corretamente a situação da Santa Sé ou das várias espécies de clérigos e bispos tradicionais certamente não cria uma tal presunção.]

* * *

(Este estudo foi compilado em Bruxelas em 1992 por um grupo de estudiosos católicos presidido pelo Pe. François Egregyi.)
[Os estudiosos católicos em questão eram John Daly, o presente escritor, que agora renega de todo o coração o documento original, pelas razões adicionadas em azul; Martin Gwynne (cuja exagerada oposição a supostas heresias e cismas levou-o agora à adesão obstinada a várias doutrinas não-ortodoxas ele mesmo, bem como à criação de um mini-cisma próprio); M. Valéry Brecq e o Pe. Egregyi em pessoa, cuja contribuição foi somente factual, não teológica ou canônica. O conteúdo teológico e canônico foi quase inteiramente responsabilidade do presente escritor, enquanto que as ideias originais que ele assim exprimiu, ele aprendera do Sr. Gwynne, tal como o Pe. Egregyi. Antes de 1992 o Pe. Egregyi acreditava e praticava a posição que agora creio estar correta e expus aqui em azul. Ele foi persuadido pelo Sr. Gwynne, um tanto ajudado por mim, a adotar a nova posição apresentada em preto.]

O que todos os Católicos realmente devem
saber sobre o estado presente da Igreja

Expliquei noutra parte [no texto acima] por que não considero mais possível de sustentar a posição exposta no estudo de 1992 O Que Todos os Católicos Devem Saber Sobre o Estado Presente da Igreja. Mas é compreensível que os que já estiveram convictos daquela posição tenham dificuldade de se desfazer das ideias ali contidas sem antes terem algumas regras práticas positivas com que substituí-las. Daí o objeto deste paper, que é resumir aquelas que me parecem ser as verdadeiras respostas às duas questões chave postas naquele paper de 1992: (i) A quem deveriam os sacerdotes hoje estar prontos a dar os sacramentos? (ii) De que sacerdotes deveria o laicato hoje estar pronto a receber os sacramentos?

Pode-se dizer que o erro fundamental do paper de 1992 foi a suposição de que muitas pessoas que erram devam ser tratadas como hereges ou cismáticas mesmo quando a pertinácia não for verdadeiramente evidente. Este modo de ver se baseava, no caso da heresia, na confusão entre sentenças que a Igreja condenou diretamente e outras opiniões que, se bem que parecem levar a conclusões que foram condenadas, não foram elas próprias diretamente condenadas. As duas coisas não são equivalentes, porque no último caso o erro pode muito bem estar no raciocínio, e um erro de lógica nem sempre é pecado, muito menos pecado pertinaz contra a fé. [1. Nem tampouco é inaudito que o “linha-dura” seja o culpado do erro de lógica em averiguar se uma dada proposição é realmente herética, inclusive por implicação.] No caso do cisma, uma conclusão análoga era defendida, com base na alegação de que a pertinácia é presumidapara fins práticos quando uma pessoa está objetivamente em comunhão com acatólicos. Ficou comprovado nos estudos anexos que isso é assim tão-somente quando o errante está cientemente fora da comunhão católica. Os canonistas a que se apelava referiam-se todos unicamente a este caso, e a teologia e a história conspiram para assegurar-nos de que, em caso de genuína confusão da parte de alguém que querpertencer à Igreja Católica, a mesma coisa não se aplica.

Uma vez corrigidos esses erros, ficará patente que essas questões não podem ser respondidas em todos os casos de modo tão abrupto como o paper de 1992 quereria que fossem. Isso não obstante, façamos o melhor que podemos para respondê-las na medida do possível.

O princípio geral é que os sacramentos podem ser administrados somente para católicos, e podem ser recebidos das mãos somente de sacerdotes católicos [2. Exceto em perigo de morte.]. Então, quem são os membros da Igreja Católica hoje?

Muito simplesmente os membros da Igreja Católica são aqueles que, tendo sido batizados, se submetem à regra da fé católica e aderem à comunhão católica; i.e.que não são hereges nem cismáticos. [3. Omito o fato de que os excommunicati vitandi também são excluídos da Igreja, já que é impossível incorrer nessa censura durante uma vacância da Santa Sé.]

A primeira condição verifica-se crendo em tudo o que a Igreja ensina. Dado que somente doutos teólogos conhecem todos os ensinamentos da Igreja detalhadamente, obviamente o restante de nós crê explicitamente aquilo de que estamos cientes e implicitamente todo o restante.

Se alguém está disposto a crer tudo o que a Igreja ensina, mas comete um erro quanto ao que isto realmente é, e como isto se aplica, isso não faz dele um herege. Ele não é herege nem na realidade nem presumidamente, contanto que ele queira crer o que a Igreja ensina. Ele pode dizer com Santo Agostinho: “Posso errar, mas nunca serei herege.”

O caso difícil apresenta-se com alguém que esteja objetivamente crendo, e talvez propagando, o erro, ao mesmo tempo em que esteja dizendo que deseja crer o que a Igreja ensina. Como podemos discernir se ele é ou não é realmente um herege, na ausência de juízo autoritativo da Igreja?

A resposta é que ele será herege somente se: (i) o erro dele for diretamente e certamente oposto a um ensinamento de fide e (ii) ele estiver obviamente defendendo-o a despeito de provas que deveriam convencer qualquer homem razoável de que a sua crença entra em conflito com a da Igreja.

Toda dúvida sobre algum desses dois pontos deve ser interpretada em favor do acusado. Decorre isto do simples dever de caridade, que nos proíbe pensar mal do próximo a não ser que seja verdadeiramente evidente. [4. Em juízos sobre fatos, diz Sto. Tomás, nossa prioridade deve ser acreditar no que for verdadeiro; mas, em juízos sobre homens, “devemos nos esforçar, pelo contrário, em julgar que um homem é bom, a não ser que apareça prova manifesta do contrário.” (Summa Theologiae: II-II, Q.60, A.4 responsio ad secundum).] Não somos juízes em questões de heresia, já que não temos nem a competência nem a autoridade para desempenhar esse papel. Mas certamente podemos notar e levar em consideração fatos manifestos.

Ao avaliar se um indivíduo está manifestamenterejeitando o ensinamento da Igreja, naturalmente que muitos dados são de considerar. Ele é sacerdote? Se for, não se pode supô-lo ignorante da doutrina elementar do catecismo. Ele é douto? Se for, é improvável que ele seja ignorante, mas, por outro lado, ele talvez enxergue distinções sutis que não são óbvias para os demais. O ensinamento que ele nega é objeto de nebulosidade e disputa? Se for, facilmente se entende como alguém possa errar a seu respeito de boa fé. Trata-se de erro suscetível de resultar do esforço sincero em entender a crise presente, com suas muitas oportunidades para confusão, e a dificuldade aparente de reconciliar seus atributos com vários dogmas? Se for, mais ampla tolerância é apropriada do que seria o caso se o erro fosse arbitrariamente inventado. Todos esses princípios são tratados pelo grande Cardeal de Lugo: Disputa sobre a Heresia e os Hereges, seção V. 

Minhas próprias conclusões com base nesses fundamentos incluiriam presumir que os que frequentam habitualmente o Novus Ordo são hereges pertinazes. Exceções devidas a ignorância extraordinária podem ser concebidas, é claro, mas não precisamos levar em consideração algumas raras exceções ao afirmar regras gerais. [5. “Non est in calculo habendum quod perraro contingit.” – “não se deve levar em conta alguma aquilo que sucede apenas muito raramente” (enunciado pela Sagrada Congregação do Concílio, in Amorina Funerum, 18 de setembro de 1852, G Postremo).] Em contrapartida, não considero que os que sustentam os erros doutrinais que circulam na FSPX (e há vários bastante óbvios) devam ser presumidos pertinazes, a não ser em cada caso individual que se saiba com certeza que provas sólidas da verdadeira doutrina foram apresentadas de maneira que teria convencido a qualquer indivíduo bem disposto. Similarmente, embora eu considere as consagrações de linha Thuc e Mendez ilegítimas, não julgo que os que mantêm o modo de ver contrário possam ser considerados hereges.

Muito claramente, não existe fundamento para sustentar que todos os que frequentem as Missas de um sacerdote específico compartilhem de quaisquer erros ou heresias que esse sacerdote possa sustentar. Já a experiência basta para nos dizer que não é assim. Os canonistas confirmam isso, ao ensinarem que a communicatio in sacris com hereges cria uma suspeita de heresia apenas quando os envolvidos se dão contade que aqueles com os quais eles estão comungando são hereges.

A segunda condição necessária para alguém ser católico é não ser cismático, i.e. ele não pode “deliberadamente e cientemente separar-se da unidade da Igreja…” (Summa Theologiae, II-II, Q.39, A.1)

Cisma é cometido ou por recusar sujeição habitual ao Romano Pontífice, ou por separar-se da comunhão com a grande massa dos demais católicos. Não é cometido por confusão sobre se esta ou aquela pessoa é papa ou não é, ou sobre se este ou aquele sacerdote, leigo ou grupo pertence realmente à Igreja ou não. Ou melhor, tais erros poderiam constituir cisma somente se não houvesse nenhum fundamento possível para confusão razoável, ou caso a Igreja já se tivesse pronunciado autoritativamente e diretamente sobre a questão.

Já vimos noutra parte que não existe fundamento na teologia nem no direito canônico para presumir que todos os que se extraviam em tempos confusos sejam pertinazes. A pertinácia é absolutamente essencial tanto à heresia quanto ao cisma, e pode ser considerada presente só quando a Igreja assim julgou, ou quando os fatos são tais que qualquer confusão razoável de boa fé não é possível. Dever-se-ia notar que, por força do Cânon 2229/2, qualquer fator que diminua o pleno consentimento escusa dos efeitos canônicos da heresia, de modo que mesmo grave negligência em descobrir a correta posição católica, por mais pecaminosa que seja, escusa de heresia. (Cf. Jone: Commentarium In Codicem Juris Canonici, ad Canon 1325/2, e Vermeersch-Creusen: Epitome Juris Canonici Cum Commentariis, vol. III, n. 311: “Se alguém cometer esses pecados por ignorância, ainda que gravemente culpável, mas não afetada, esse alguém está imune do delito, o qual requer pertinácia.”)

Assim, de minha parte, embora eu considere que o reconhecimento oficial de Karol Wojtyla pela FSSPX é objetivamente cismático, não concluo que todos os que mantêm essa posição sejam cismáticos. Eu tiraria essa conclusão apenas relativamente a indivíduos, e mesmo então, apenas depois de discussão pessoal, e muito relutantemente. Igualmente, considero que a posição que eu antes sustentava, de considerar acatólicos todos os que não subscrevessem a cada detalhe do estudo de 1992 O Que Todos os Católicos Devem Saber…, é objetivamente cismática também, dado que ela cinde comunhão com a grande massa dos católicos, mas estou bastante seguro de que eu não era cismático quando a sustentava, pois estava fazendo o melhor que podia para entender uma situação complicada, e meu desejo dominante era precisamente o de ficar com a Igreja, de não me separar dela. O mesmo, obviamente, se aplica àqueles que continuam a defender dita posição, embora eu espere que logo deixem de sustentá-la.

Acho bastante óbvio, para qualquer pessoa que consulte a simples honestidade, para não falar da caridade, que o grosso dos católicos tradicionais que erram sobre o estado da Igreja hoje, e particularmente sobre a condição da Santa Sé, não têm a menor intenção de se separar da comunhão católica, antes muito pelo contrário.

O Dever do Sacerdote

O Cânon 682 provê que os leigos têm o direito de receber os bens espirituais do clero em conformidade com a norma da disciplina eclesiástica. Por isso, todos os sacerdotes católicos, não somente o clero paroquial, estão obrigados a disponibilizar os sacramentos aos fiéis que razoavelmente requisitarem-nos. Naturalmente, isso não inclui hereges ou cismáticos manifestos, nem pecadores públicos, mas parece-me que O Que Todos os Católicos Devem Saber… (1992) erra não somente na avaliação de quem cai nessas categorias, como também no prisma a partir do qual encara o problema.

Com efeito, exigia que o padre avaliasse se cada candidato individual aos sacramentos é realmente digno de recebê-los. Põe no requisitante o ônus de provar sua ortodoxia, e erige o sacerdote em juiz. Mas isso está correto? Há alguma autoridade real para esse tratamento na teologia, no direito canônico ou na tradição? Afirmo que não existe nenhuma.

Digo que quem foi batizado e criado como católico é presumido católico até prova em contrário, e que não há necessidade de investigações ou entrevistas especiais enquanto não houver, no mínimo, indícios muito concretos que sugiram ter ele deixado de ser católico. Claro, o sacerdote sinta-se livre para interrogar, se houver sinais substanciais de que algum indivíduo perdeu a Fé, como por exemplo seria o caso se tivesse sucumbido ao modernismo e ao Novus Ordo. Mas o malogro em avaliar corretamente a situação presente da Santa Sé, ou as condições para a licitude de consagrações episcopais em nossos dias, ou exatamente quais sacerdotes são “ortodoxos”, não constituem nem mesmo indícios a priori de que os errantes tenham deixado de ser católicos. Logo, não fornecem fundamento algum para importunar os fiéis e afastar-se da tradição pela qual os sacramentos são oferecidos a todas as pessoas batizadas que professem ser católicas e que os requisitam, a não ser que sejam conhecidas como publicamente indignas.

O argumento baseado no Cânon 731/2 seria perfeitamente cogente se os interessados fossem de fato cismáticos de boa fé. Mas não são cismáticos. São católicos, e privá-los dos sacramentos por estarem equivocados em matérias não diretamente decididas pela Igreja é de fato uma violação da lei, e além disso não os ajudará em nada a enxergar aquela parte da verdade que eles ainda não viram.

Pode-se argumentar que os clérigos têm muito facilmente a possibilidade de chamar de lado os recém-chegados e expor-lhes a verdade, antes de admiti-los aos sacramentos. Isso frequentemente é assim. Mas, se os recém-chegados não aceitarem esta ou aquela posição de imediato, isso não dá ao sacerdote o direito de excluí-los dos sacramentos, aos quais eles têm direito. Talvez eles sejam lentos na absorção. Talvez o sacerdote não seja tão bom apologista quanto imagina. Talvez haja outros fatores que os recém-chegados enxerguem, mas que o padre não vê. Talvez eles estejam sob a influência de informações falsas, difundidas de boa fé ou má fé, por pessoas aparentemente dignas de crédito. Nenhum desses fatores impedirá que eles sejam católicos, logo, deveriam ser admitidos aos sacramentos. A condição de membro da Igreja não depende de grande inteligência nem de estudo prolongado, e ambas as coisas podem ser necessárias para entender algumas das questões que confrontam os católicos hoje. Nem, tampouco, a grande inteligência e o estudo prolongado são sempre suficientes para encontrar as respostas certas, de todo o modo.

Deve-se admitir um caso excepcional: o do leigo que o padre considera uma ameaça para seus outros fiéis. Se o padre não for um pároco devidamente designado, e o errante não for um de seus paroquianos em sentido estrito, ele tem o direito de bani-lo de suas Missas em prol do bem comum, caso não consiga obter a emenda dele de outro modo.

E, desnecessário dizer, tanto sacerdotes quanto leigos podem evitar todo aquele que eles consideram apresentar um perigo espiritual para si próprios, independentemente de se essa pessoa continua sendo ou deixou de ser membro da Igreja.

O Dever dos Leigos

Basicamente os mesmos princípios se aplicam aos leigos. Os sacramentos são moralmente necessários para a salvação. Podemos nos salvar sem eles caso não estejam disponíveis, mas não devemos privar-nos deles por razão insuficiente. Fora da mais grave necessidade, viz. perigo de morte, não devemos receber os sacramentos de um sacerdote não católico, não importa o quão válidos possam ser, ou se estão ou não disponíveis alhures. Mas não temos o direito de julgar que um sacerdote não é mais católico meramente porque ele está confuso. A pertinácia dele tem de ser clara, para que essa conclusão se siga.

Deve ficar claramente entendido que, na ausência de juízo autoritativo da Igreja, a avaliação sobre se um dado padre ou leigo é realmente pertinaz e, portanto, está fora da Igreja Católica pode caber apenas à consciência individual. Em muitos casos a resposta será clara. Noutros, será duvidosa. Em minha opinião, o Pe. P…, o Pe. L… e o bispo V… contam como cismáticos, ao menos por presunção, mas não posso impor esse parecer a outros que pensem que os três possam ainda estar de boa fé.

Contudo, é importante notar que pode haver outras razões pelas quais podemos evitar receber os sacramentos de alguém, além daquela de ele não ser católico. Particularmente, podemos considerar até que ponto receber os sacramentos deste ou daquele sacerdote, especialmente se isso for feito regularmente, é suscetível a dar escândalo, ou implicar consentimento a vários aspectos da posição dele. Podemos certamente considerar bastante inaceitável consentir à poluição do Santo Sacrifício pela inclusão do nome de João Paulo II no Cânon. Podemos estar preocupados em não expor membros de nossas famílias à impressão de que este ou aquele sacerdote é digno de confiança, caso estejamos convictos de que ele não o é.

Efeito nos Outros

O ponto crucial a notar, para aqueles de nós que estão habituados a pensar segundo os termos da “posição antiga” (1992), é que todos e quaisquer juízos que nóspossamos alcançar sobre essas questões nãoconstituem norma de comportamento para os outros. Se considero que o Pe. L… é um acatólico líder de seita, não devo me aproximar dele para os sacramentos. Se você pensa que ele está apenas desorientado, você pode requisitar dele os sacramentos, em igualdade de circunstâncias. Um de nós está certo e o outro errado, mas na medida em que ambos estivermos fazendo o melhor que podemos para enxergar a verdade e agir de acordo com nossas consciências, nossa condição de membros da Igreja e nossa salvação não estão implicadas nessa discordância, mais do que estariam na discordância acerca de uma matéria puramente secular tal como se as vacinações são benéficas ou não.

O julgamento oficial da Igreja cria uma norma que todos os católicos são obrigados a respeitar. O juízo privado da consciência de um indivíduo vincula somente a ele próprio. Somos livres para tentar convencer os outros a partilhar de nossas avaliações sobre este ou aquele padre duvidoso, mas eles não serão menos nossos irmãos na Fé se permanecerem não convencidos por nossos argumentos.

Em suma, temos de navegar entre Cila e Caríbdis. Há um erro comum em circulação, no sentido de que os indivíduos privados nunca seriam capazes de saber se alguém é herege ou cismático, na pendência de juízo formal e autoritativo da Igreja. Sabemos que isso está errado. Mas a posição oposta, adotada por O Que Todos os Católicos Devem Saber… (1992), também está errada. Está errada, porque ela efetivamente implica que possamos invariavelmente ter tanta certeza sobre essas questões, com base em avaliações privadas, quanto se a Igreja tivesse se pronunciado formalmente.

A posição correta nesta matéria está no meio. Todo caso duvidoso pode ser decidido somente pela autoridade eclesiástica. Mas alguns casos podem ser tão claros, a ponto de o indivíduo poder chegar a uma conclusão. Contudo, o juízo dele não vincula os demais. Nós podemos, quando consideramos os fatos verdadeiramente claros, considerar o Pe. X, ou o leigo Z, hereges ou cismáticos, e tratá-los como tais. Mas não temos nenhum fundamento possível para tratar o Pe. A como não-católico por continuar a dar os sacramentos ao leigo Z em razão de não compartilhar de nossa visão sobre este; nem, tampouco, pode um sacerdote recusar os sacramentos ao leigo B em razão de este, noutras ocasiões, receber também os sacramentos do Pe. X, caso B não esteja convencido de que o Pe. X é de fato herege. Esta é a diferença essencial, com efeito, entre um juízo privado e um público.

Orientação Prática

O leitor talvez sinta, ao aproximar-se do final deste paper, uma sensação de insatisfação. O paper de 1992 oferecia respostas rápidas e cortantes a todas as principais questões práticas. Este estudo quase não respondeu a nenhuma das questões tais como: “Devo ir ao Pe. Fulano-de-Tal para os sacramentos?”; e, quando o fez, frisou estar exprimindo apenas uma opinião.

A razão disso é que a Providência não nos muniu, na realidade, com os recursos para criar paradigmas tão cortantes como propunha o paper de 1992. Para muitas questões, de fato somos deixados meramente com os esforços titubeantes de nossos juízos falíveis para alcançar a verdade. Eu poderia listar meus próprios juízos sobre aquelas dentre estas questões sobre as quais formei um juízo, mas como isso ajudaria? O leitor não será julgado por sua fidelidade à minha consciência, mas à sua própria.

Não é inaudito que haja dúvida e confusão sobre questões como as que este estudo considerou. O Cardeal Billot diz expressamente que a visibilidade da Igreja não fica prejudicada pela dificuldade em determinar se um dado indivíduo pertence ou não realmente a Ela. Nosso Senhor mesmo tratou os fariseus como membros e ministros da verdadeira religião de Seu tempo, ao mesmo tempo que os repreendia vigorosamente por seus erros e escândalos. O cerne de nossa crise é a ausência de autoridade: não temos Papa. É bem irrazoável esperar que tenhamos tanta certeza hoje sobre essas questões quanto a que teríamos se tivéssemos um Papa. Se tal fosse o caso, poderíamos nos perguntar para que já se precisou de um Papa, e o que os juízos e excomunhões formais emanados da autoridade poderiam acrescentar às nossas próprias estimativas.

Aqueles que querem julgar com exatidão – e devemos todos fazer o melhor que podemos para tanto – descobrirão, penso eu, os principais critérios teológicos e canônicos nos estudos que acompanham a este, mas aquilo de que mais precisarão é do estudo da história, para ver como os santos agiram quando confrontados com pessoas cujas palavras ou atos pareciam lançar dúvidas sobre a ortodoxia delas, mas que não haviam sido ainda condenadas pela autoridade eclesiástica. Aqueles que ainda imaginam que o estudo de 1992 O Que Todos os Católicos Devem Saber… representa a realidade descobrirão que a história é cheia de surpresas.

J S Daly
França
In Vigilio Sti Andreae 1999

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