Padre Guillermo Devillers
1985
Caberá a historiadores mais documentados do que eu julgar com precisão a influência liberal do Opus na evolução, ou melhor, na revolução política e religiosa da Espanha nestes últimos anos, influência que, aparentemente, foi muito importante.
O que quero aqui é, sem paixão nem polêmica, comparar a doutrina abertamente liberal da Obra e de seu fundador com os ensinamentos eternos da Igreja.
a) UM CONCEITO AMBÍGUO DA LIBERDADE
Desde há dois séculos, a Igreja multiplica suas advertências contra uma falsa e devastadora ideia de “liberdade”. Não há liberdade fora da dependência de Deus. Estamos em uma dependência total de Deus, tanto em nosso ser quanto em nossas ações (basta ler, por exemplo, a encíclica de S.S. Leão XIII, Libertas Praestantissimum). A nós, criaturas, cabe-nos obedecer a cada momento e em cada ação à vontade amorosa de nosso Criador, expressa pela sua lei natural, pela lei evangélica e pelas legítimas ordens de nossos superiores. Nesta obediência e dependência de Deus consiste nossa perfeição: “Sede perfeitos”. Ouçamos a doutrina tradicional e eterna da Igreja, tão clara e bela, com relação à liberdade:
“Se há de ter nome verdadeiro de liberdade na sociedade mesma, não há de consistir em fazer o que cada um anseia, donde resultariam, afinal, grandíssima confusão e opressivas turbulências na sociedade, senão que, por meio das leis civis, possa cada um facilmente viver segundo os mandamentos da Lei Eterna” (Libertas, n° 11).
Se lermos agora os escritos do fundador da “Obra”, que diferença!! que linguagem tão distinta e não isenta de ambiguidade!!
“Alguns dos que me ouvem me conhecem muitos anos atrás. Podeis testemunhar que levei toda minha vida pregando a liberdade pessoal, com responsabilidade pessoal. Busquei-a e busco-a, por toda a terra, qual Diógenes buscando um homem, e cada dia a amo mais, a amo sobre todas as coisas terrenas: é um tesouro que nunca apreciaremos o suficiente” (Josemaria Escrivá de Balaguer, Sermão de Cristo Rei de 22 de novembro de 1970). De que liberdade se trata? Não o sabemos.
E estas expressões tão perigosas: “A liberdade pessoal que defendo e defenderei sempre com todas as minhas forças” (Amigos de Deus, n° 26). “Livremente, sem qualquer coerção, porque me apetece, me decido por Deus” (Amigos de Deus, n° 35). “Sou muito amigo da liberdade e precisamente por isso quero tanto essa virtude cristã (a obediência). Devemos nos sentir filhos de Deus e viver com a ilusão de cumprir a vontade do nosso Pai”.
“Realizar as coisas segundo o querer de Deus porque nos apetece, que é a razão mais sobrenatural. O espírito do Opus Dei, que procurei praticar e defender desde há mais de 35 anos, me fez compreender e amar a liberdade pessoal” (É Cristo que passa, n° 17). Poderíamos multiplicar os textos. Dizemos somente que embora o padre costume adicionar a esta palavra ‘liberdade esta outra: ‘responsabilidade’, embora a liberdade que nos elogia costuma acabar bem, ‘livremente’, sem qualquer coerção, porque me apetece, me decido por Deus, [*] no entanto, toda esta linguagem nos soa mal, nos soa ambígua, nos deixa uma impressão desagradável. A liberdade não consiste, de maneira alguma, em fazer “o que eu quiser”, senão em agir segundo a reta razão. Por isso, disse Santo Tomas que o poder pecar não é liberdade, senão escravidão. Gostaríamos que os homens atuais da Igreja e do Opus Dei nos falassem mais claramente em vez de repetir estes solenes e enfáticos elogios da liberdade sem maiores detalhes. [Santo Tomás define a liberdade: “Vis electiva me diorum servato ordine finis”. É o poder de escolher os convenientes, conservando a ordem até o fim.]
[*. “Amigos de Deus”, nº 35.]
b) MONS. ESCRIVÁ DE BALAGUER E A LIBERDADE RELIGIOSA
Sobre este tema da liberdade religiosa, o padre falou bem claramente. Refere Salvador Bernal:
“Em 1966, ele contou a um jornalista, Jacges Guillemé-Brilon, de Le Figaro, o que uma vez o padre Escrivá de Balaguer havia comentado ao Santo Padre João XXIII, movido pelo encanto atavel e paternal de seu acordo. ‘Santo Padre, em nossa Obra, todos os homens, católicos ou não, sempre encontraram um lugar amável: não aprendi o ecumenismo de Vossa Santidade’. Ele riu animosamente, porque sabia que, já desde 1950, a Santa Sé havia autorizado o Opus Dei a receber não católicos e até não cristãos como associados cooperadores”.
Um pouco antes, o jornalista havia lhe perguntado sobre “a posição da Obra”, diante da Declaração do Concílio Vaticano Il acerca da liberdade religiosa. A resposta foi clara: “quanto à liberdade religiosa, o Opus Dei, desde que foi fundado, nunca havia feito discriminações: trabalha e convive com todos, porque vê em cada pessoa uma alma à qual há que respeitar e amar. Não são só palavras, nossa Obra é a primeira organização católica que, com a autorização da Santa Sé, admite não católicos, cristãos ou não, como cooperadores. Tenho defendido sempre a liberdade das consciências. Não compreendo a violência: não me parece apta nem para convencer nem para vencer; o erro se supera com a oração, com a graça de Deus, com o estudo, nunca com a força, sempre com a caridade. Compreenderá que, sendo esse o espírito que temos vivido desde o primeiro momento, os ensinamentos promulgados pelo Concílio sobre esse assunto podem me trazer somente alegria” (Mons. José Escrivá de Balaguer, por Salvador Bernal). O leitor terá notado, de imediato, a contradição deste texto com a encíclica Quanta Cura, de Pio IX, que condena “aquela opinião errônea, a mais fatal para a Igreja Católica e para a salvação das almas, e que Gregório XVI chamou delírio, a saber: que a liberdade de consciência e de culto é um direito livre de cada homem, que deve ser proclamado e garantido em toda sociedade bem constituída”.
Em “Amigos de Deus”, n° 171, o fundador do Opus Dei também dizia: “Estamos obrigados a defender a liberdade pessoal de todos, sabendo que Jesus Cristo foi quem nos adquiriu essa liberdade; se não agirmos assim, com que direito reivindicaremos a nossa?” [*]. Esta ideia volta a repetir muitas vezes ao longo de seus sermões: “Nossa fé cristã também nos leva a assegurar a todos um clima de liberdade, começando por remover qualquer tipo de coerção enganosa na apresentação da fé” (id. N° 36). Esta doutrina do fundador do Opus Dei é enorme em suas consequências. É, obviamente, uma condenação da Inquisição católica, mas também das Cruzadas (“não compreendo a violência”). É a condenação dos séculos da Reconquista. É a condenação, inclusive, da Cruzada Nacional de 1936. Nossos leitores sabem quanto essa doutrina da liberdade religiosa, que triunfou no Concílio Vaticano II, se afasta da infalível Doutrina Católica. Essa doutrina é herética. [**] Essa liberdade que defendem é a liberdade da perdição que Gregório XVI e Pio IX chamavam delírio e que hoje está levando toda uma geração de jovens no mundo inteiro à sua perdição e autodestruição, pela imoralidade, pelas seitas, pela droga e outros venenos de livre venda.
[*. Com que direito? Homem!! Mas com o direito da verdade que só tem direitos. O erro não tem direito algum. Tal é a doutrina tradicional da Igreja, lembrada pelo Papa Pio XII: “Aquilo que não corresponde à verdade e à norma moral não tem objetivamente direito algum à existência, nem à propaganda, nem à ação” (Pio XII Comunidade Internacional e Tolerância. Doutrina Pontifícia, Tomo I, L BAC). A doutrina católica só aprova a tolerância do erro e o mal, na medida que seja conveniente ou necessário, “para que não impeçam bens maiores e, em parte, para que males maiores não sejam seguidos”.]
[**. Ver os artigos de Michael Martín, aos quais nunca foram respondidos. (Trad. Católico. nº 28, 9, 10, 11).]
c) RELAÇÕES ENTRE A IGREJA E O ESTADO: UM LIBERALISMO DIGNO DA
MAÇONARIA
A maçonaria não se incomoda muito que se fale de Deus, da vida espiritual, da oração, dos mandamentos, contanto que tudo isto esteja no plano privado ou nas igrejas. O que ela não pode suportar é que as consequências públicas e sociais, os deveres para os governos e a luta destes contra o vício e o erro sejam tirados da Religião. Daí a separação da Igreja e do Estado, o Estado oficialmente laico, sem religião, a liberdade de cultos, de imprensa, de espetáculos, etc.
A Igreja lutou com todas as suas forças contra esta rebelião do poder civil e das ações contra Jesus Cristo. [ver, especialmente, o SYLLABUS, de Pio IX, e a encíclica “QUAS PRIMAS”, de Pio XI, que instituiu a festa de Cristo Rei.]
O Opus Dei não lutou. Seu liberalismo neste ponto é assombroso. Que o leitor me perdoe se as citações se tornam um pouco longas, mas este ponto é de uma tão grande transcendência!!
As consequências práticas de uma espiritualidade verdadeiramente laical não escapam de Mons. Escrivá de Balaguer. E eis aqui, neste ponto, a aversão característica de Mons. Escrivá de Balaguer por todo tipo de clericalismo: “Mas amais ocorre a este (sábio) cristão acreditar ou dizer que desce do templo ao mundo para representar a Igreja e que suas soluções são as soluções católicas àqueles problemas. Isto não pode ser, filhos meus!! Isto seria clericalismo, catolicismo oficial ou como quiserdes chamá-lo. Em qualquer caso, é fazer violência à natureza das coisas” (Citado pelo Cardeal Sebastiano Baggio em ‘Avenire’, Milão, 26 de julho de 1975).
No livreto de propaganda “O que é o Opus Dei?” (Edição 1972, 28) diz-nos: “Como consequência do fim exclusivamente divino da Obra, seu espírito é um espírito de liberdade, de amor à liberdade pessoal de todos os homens; e como esse amor à liberdade é sincero e não um mero enunciado teórico, nós amamos a necessária consequência da liberdade, quer dizer, o pluralismo”.
No Opus Dei, o pluralismo é querido e amado, não simplesmente tolerado e de modo algum impedido.
Em 1964, perguntaram-lhe no teatro Gayarre de Pamplona:
Que posição têm os sócios do Opus Dei na vida pública das cidades?
Mons. Escrivá iniciou sua resposta com um rápido e contundente: “aquela que eles desejam”. No lotado teatro, ressoou um aplauso de pé.
Como, perguntaram-lhe em Buenos Aires, posso fazer compreender aos nossos amigos que tratar com Deus é mais importante que fazer política? “Bem”, responde o “padre”, “é que não podeis dizer a eles para não se preocuparem com política; eu, não!! Eu não trato desse tema, mas compreendo que existem pessoas cheias de retidão: alguns vão pela direita, outros para a esquerda, outros por lá e nenhum deles está errado, todos têm boa vontade… se modo que, sim: que os bons se preocupem com política se sentirem vontade” (Mons. Escrivá de Balaguer, por Salvador Bernal, p. 269).
Lendo isto, fico assustado e penso: pobre São Fernando, pobres Reis Católicos que se equivocaram fazendo política e, além disso, uma política do pior clericalismo, considerando-se capitães de Deus, representantes da Igreja
Pobre São Pio X, que em Veneza fez toda uma campanha eleitoral sobre o tema: na porta, todos os inimigos de São Marcos, lutando com todas as suas forças, contra o abstencionismo político dos católicos e conseguindo a rejeição total dos maçons e socialistas do governo!! Mas, claro, isto era antes do Concílio Vaticano II!! Se estes reis e São Pio X conhecessem Monsenhor Escrivá de Balaguer, não teriam cometido tal equívoco, teriam deixado os católicos fazer a política “que eles quisessem” e teriam deixado os muçulmanos, os judeus ou os maçons em paz.
CONCLUSÃO
OS CATÓLICOS DEVEMOS TER HORROR A ESTE LIBERALISMO TAL COMO O DEFENDE O OPUS DEI
Hoje o liberalismo triunfa não só na Espanha com o Opus Dei, senão também em Roma. Este liberalismo não é católico e não o será nunca. Queremos que Deus reine em todo o mundo. Não o dizemos no Pai Nosso? Que Jesus Cristo reine não somente nos corações, não somente na vida privada, senão também na sociedade, nas empresas, nas escolas. Queremos que o crucifixo esteja nas salas de aula. Queremos salvar nossas almas, as de nossas crianças e as de todos os homens. Queremos, pois, que o governo lute contra o vício e a corrupção nos jovens, proíba o aborto e o terrorismo. E nós mesmos queremos lutar, na medida de nossa influência social ou política. Queremos que os Estados nos “coajam” suavemente para ser bons católicos segundo o conselho de Jesus (Lc, XIV, 23): “Forçai-os a entrar para que minha casa se encha”. Se isto é fazer política, faremos, então, a política dos santos, a política de São Fernando e de São Luís [N.T.: IX, Rei de França] e, se Deus quiser, faremos outra nova cruzada para salvar a civilização cristã das garras do comunismo, do judaísmo e do islamismo e salvar a Espanha. E confiamos que a Virgem vitoriosa de Lepanto nos dará a vitória outra vez.
Não duvido que haja pessoas boas e santas [*] no Opus Dei, mas gostaria que vissem como podem ser enganados. E quero terminar com estas palavras cheias de fé e de piedade de um grande defensor da fé (Mons. Lefebvre, 13 de dezembro de 1984):
“Quanto mais meditamos em nossa dependência de Deus, mais meditamos em nossa dependência de Nosso Senhor Jesus Cristo, tanto mais se tem o desejo de colocar-se sob o doce reino de Cristo e da Santíssima Virgem Maria; você só tem um desejo: e tal é ver o Cristo e a Santíssima Virgem Maria reinarem. Quanto mais você pensa nisto, mais horror você tem ao liberalismo, um horror visceral, um horror instintivo”.
[*. NOTA DA ADMINISTRAÇÃO: o artigo é de 1985, o autor certamente não viu a evolução do estrago que o pensamento liberal causou ao longo dos anos. Hoje deve ser bem mais difícil encontrar pessoas santas na Opus Dei. Concedo, claro que pessoas boas, bem intencionadas podemos encontrar, mas devem estar bem dispostas a abandonar uma vez conhecendo os seus erros.]
Em resumo: as “liberdades” defendidas por Mons. Escrivá de Balaguer, desde Santo Agostinho, foram chamadas, pela Igreja, de “liberdades de perdição” ou “delírios”.
O liberalismo, do qual o fundador do Opus Dei faz alarde, foi condenado infalivelmente como “o erro mais fatal para a Igreja Católica e para a salvação das almas”. E tem sido fatal para a Espanha, abrindo as portas para o socialismo-comunismo e para uma propaganda massiva de descristianização.
NOTA
Leituras recomendadas:
• “O Liberalismo é Pecado”, por D. Félix Sardá y Salvany. Ediciones Stella C/Ayala n° 21, Madri. Este livro rendeu ao seu autor as mais altas e expressas aprovações da Igreja e os mais apreciados elogios de seus hierarcas no século XIX.
• “O Critério”, de Jaime Balmes. Um livro sempre atual sobre os fundamentos da filosofia do bom senso, antídoto comprovado contra os delírios da filosofia moderna (Edições Stella).
RECOMENDAÇÃO COMPLEMENTAR: OPUS DEI: SUA VERDADEIRA FACE
Trad. por Victor Marcelino Santoianni, de “Tradição Católica”, nº 12, nov./1985, Madri, Espanha.
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