A INFALIBILIDADE DA IGREJA

Padre Dom Giuseppe Murro
1996

“Et ego dico tibi, quia tu es Petrus,
et super hanc petram ædificabo Ecclesiam meam,
et portæ inferi non prævalebunt adversus eam” (Mt. XVI, 18).

Cremos que Nosso Senhor Jesus Cristo é o Messias esperado, que veio anunciar a boa nova aos pobres, consolar os aflitos, anunciar aos cativos a redenção, pôr em liberdade os oprimidos (Lucas IV, 18): quem nele crê conhecerá a verdade que verdadeiramente liberta (Jo VIII, 31–32), mas quem não crer será condenado (1). Esta é, em síntese, a missão que Nosso Senhor recebeu do Pai (2), e em diversas ocasiões exigirá a fé em Seu ensinamento (3). É por isso que aceitou ser chamado de Mestre (4), e ainda sublinhou que é o único verdadeiro Mestre (5) que não só ensina a verdade, mas é a Verdade (Jo XIV, 6). Os outros mestres merecem o título de mestre na medida em que participam de Sua verdade: Nosso Senhor, ao contrário, ensina como quem tem autoridade (Mc I, 22).

A missão que Nosso Senhor exerceu, comunicou-a inteiramente a seus Apóstolos. Ele mesmo instituiu o Colégio dos Apóstolos: depois de passar uma noite em oração, escolheu os Doze e deu-lhes o nome de “Apóstolos” (isto é, enviados). Ao longo de Sua vida pública, Ele os instruiu e preparou para a missão que receberiam. Por fim, confiou-lhes a mesma missão que exercera na terra:

“Como Me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo” (6).

“Tal como o Pai me enviou, assim Eu vos envio” (7).

“Quem vos recebe, recebe a Mim, e quem Me recebe, recebe Aquele que Me enviou”. “Quem vos ouve, a Mim ouve: e quem Vos despreza, despreza a Mim. Aquele que Me despreza, despreza Aquele que Me enviou” (8).

Os Apóstolos constituíam a mesma pessoa moral de Nosso Senhor, tinham um ofício e um poder iguais aos Dele em plenitude e extensão (9). Esta identidade de missão é uma verdade de fé divina porque está contida na Sagrada Escritura, e é a doutrina católica ensinada pelo Concílio do Vaticano (DS 3050) (10), por Leão XIII na Satis Cognitum e por Pio XII na Mystici Corporis (11).

Assim, Nosso Senhor deu aos Apóstolos e seus sucessores a tarefa de continuar a sua missão de Mestre infalível, isto é, o poder de ensinar infalivelmente. Como já vimos(8), Ele exige absoluta obediência a este Magistério, tanto que “quem não crer será condenado” (Mc XVI, 16). Esta ameaça seria absurda se não houvesse harmonia entre o seu Magistério e o dos Apóstolos e seus sucessores. Estes, sim, terão a assistência do Espírito da verdade, constituirão uma só coisa com Nosso Senhor, serão autênticas testemunhas e intérpretes de Sua doutrina:

“Eu rogarei ao Pai e Ele vos dará outro Paráclito que ficará para sempre convosco, o Espírito da verdade…” “Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos ensinará toda a verdade” (12).

O Magistério infalível permanecerá sempre na Igreja:

“Ide, portanto, ensinai todas as nações… ensinando-as a guardar tudo o que vos ordenei. E eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo”  (13).

Ele fez uma promessa especial a São Pedro:

“Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do reino dos céus, e tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra será desligado no céu” .
(Mat. XVI, 19)

Desta promessa podemos deduzir que Nosso Senhor deu a São Pedro e seus sucessores a mesma missão e os mesmos privilégios que foram concedidos à Igreja (DS 3058, 3074).

Os Apóstolos tinham consciência da sua infalibilidade (14) e transmitiram os seus poderes aos seus sucessores (15). Os Padres mais próximos dos Apóstolos repetiram o mesmo ensino. Santo Inácio de Antioquia († 107) afirma que, sendo Jesus o Verbo do Pai, os bispos constituem a doutrina de Cristo e os fiéis devem aderir a ela. Para Santo Irineu, a doutrina apostólica, que nos chega pela sucessão dos bispos, é o critério para discernir a verdade da heresia.

Onde está a Igreja, aí está o Espírito de Deus, onde está o Espírito de Deus, aí está também a Igreja (16).

Esta doutrina, sempre ensinada por toda a Igreja, foi negada pelos gnósticos, protestantes, racionalistas, modernistas.

Noções

Quando procuramos conhecer uma verdade, devemos antes de tudo referir-nos ao Magistério da Igreja, que é a regra da fé. Se a doutrina exposta pelo Magistério não for clara, deve-se fazer referência a outros documentos em que o Magistério tenha se pronunciado sobre o assunto. Se quisermos uma maior clareza, teremos de procurar também os textos que prepararam a declaração do Magistério: para isso nos referimos a algumas explicações dos Padres do Concílio do Vaticano. Finalmente, será necessário consultar os teólogos e, onde eles não concordarem, seguirá preferencialmente a doutrina considerada unânime pelos teólogos ou a tese considerada como a mais provável.

Magistério é uma instituição destinada a instruir as pessoas: na escola, na Universidade, nas formações, nos seminários, onde quer que haja alguém que ensina e ouvintes que estão ali para serem instruídos, existe um magistério. O Mestre por excelência é Nosso Senhor que tem a verdade e a ensina com autoridade.

Magistério autêntico (do grego “αυτεντια” = autoridade) é o dever da autoridade legítima de transmitir a doutrina, ao que corresponde, para o discípulo, a obrigação e o direito de receber instrução. É subdividido em:

● sentido lato: (professor que ensina uma teoria pessoal).

● sentido estrito: ele tem a força de impor a doutrina de tal forma que os discípulos sejam obrigados a dar o assentimento de sua inteligência por causa da autoridade do mestre que é o representante de Deus. A autoridade do Magistério da Igreja se fundamenta na missão que recebeu de Deus.

Magistério infalível: tem o supremo grau de autoridade. Distinguimos:

infalibilidade de fato: é pura inerrância, simplesmente ausência de erro (ao dizer qualquer verdade, não se erra, mesmo que não seja sobre fé nem sobre moral: 2 2=4);

infalibilidade de direito: é a impossibilidade de errar em princípio: a infalibilidade da Igreja vem da assistência do Espírito Santo e, portanto, não pode estar errada.

O Magistério subdivide-se em:

● escrito: mesmo depois da morte do autor é exercido por seus escritos (por exemplo Aristóteles).

● vivente: é exercido pelos vivos e pode ser:

— tradicional: apenas tem que guardar, declarar, explicar, defender o depósito.

— inventivo: objetivamente acrescenta novas verdades.

Definição

A infalibilidade é aquele dom pelo qual a Igreja goza de tal privilégio que, com a ajuda do Espírito Santo, não pode errar em matéria de fé e moral, nem no que ensina nem no que crê (17).

● Dom: a Igreja é infalível não ex natura sua (por natureza), mas porque participa da infalibilidade de Nosso Senhor, que é o Cabeça da Igreja.

● Auxílio do Espírito Santo: o Espírito Santo não habita na alma de modo especial, mas há uma operação de Deus atribuída ao Espírito Santo. É uma ajuda especial e eficaz de Deus, que governa a mente do mestre de tal maneira que ele, quando propõe uma doutrina, sempre é preservado do erro. Isso não exclui a pesquisa humana, que é mesmo essencial: a assistência pressupõe cooperação.

● Fé e Moral: O objeto da infalibilidade é constituído pelas verdades da fé e da moral, bem como pelas que a elas são conexas.

● Quer nas verdades a ensinar, quer nas verdades a acreditar: distingue-se uma dupla infalibilidade, ativa e passiva. A ativa (in docendo) diz respeito à Igreja docente, o corpo de pastores que não pode errar na transmissão de uma doutrina de fé ou de moral. A passiva (in credendo) diz respeito a todos os fiéis (Ecclesia discens), como sujeitos aos párocos, na medida em que o seu consentimento unânime não pode errar em matéria de fé ou moral. A infalibilidade passiva só pode existir na união e submissão aos pastores legítimos.

● Não pode errar: a infalibilidade não significa apenas imunidade ao erro de fato, antes chamada de inerrância, mas também inclui a impossibilidade de estar errado; como diz Groot: “a Igreja não só não erra, o que é um fato, como também não pode errar, o que lhe pertence por direito” (18).

Da mesma forma Billot:

A infalibilidade é necessária para o ato de fé e para a salvação: de fato, as Sagradas Escrituras são insuficientes como critério.

Infalibilidade
positiva e negativa

Na infalibilidade podemos distinguir dois aspectos: um que poderíamos chamar de positivo quando o Magistério afirma positivamente uma verdade que até então era apenas uma questão de opinião (por exemplo, Leão XIII estabelece que as ordenações anglicanas são inválidas) ou quando dá uma definição solene de uma verdade (que ainda não era ou já era de fé). Essas decisões são irreversíveis. O aspecto que chamamos negativo consiste simplesmente na inexistência de erro ou nocividade face à fé e aos costumes, em tudo o que a Igreja ensina como sendo revelado ou relacionado com a Revelação: por exemplo, quando Pio XI promulgou a Missa e o Ofício do Sagrado Coração, todos os católicos tinham a certeza de que, ao celebrar esta Missa e recitar este Ofício, não correriam o risco de erro contrário à fé ou aos bons costumes, ou que nada haja de prejudicial à salvação eterna. Estas decisões não são irreversíveis. por esta razão, o mesmo Pontífice ou outro pode alterar ou cancelar a Missa e/ou o Ofício: do mesmo modo esta alteração seria infalível em sentido negativo, ou seja, não haveria erro contra a Fé ou os bons costumes ou qualquer perigo para a salvação eterna.

O Cardeal Franzelin fala disso em conexão com a infalibilidade do Magistério da Igreja quando ele dá a nota dogmática de uma proposição como “segura” e “não certa” (19).

Portanto, quando a Igreja declarou que na moral se pode seguir com segurança as opiniões de Santo Afonso, isso não significa que todos sejam obrigados a seguir Santo Afonso, mas que em suas obras não há nada contrário à doutrina da Igreja (20).

Tese: Nosso Senhor instituiu nos Apóstolos um Magistério autêntico e infalível, vivo e tradicional, para que dure para sempre (21).

Através dos documentos a seguir, afirmamos que esta tese foi, ao menos implicitamente, definida por um julgamento solene do Concílio do Vaticano.

Concílio do Vaticano definiu (22):

1. O Magistério foi instituído por Deus sobre os Apóstolos: “Deus instituiu a Igreja… para que ela pudesse ser conhecida por todos como a guardiã e mestra da Revelação” DS 3012.

“A Igreja… além do ofício apostólico de ensinar recebeu a missão de preservar o depósito da fé” DS 3018.

2. O Magistério é autêntico e tem autoridade:

● para interpretar a Sagrada Escritura: DS 3007;

● propor aos fiéis as verdades para acreditar na fé divina e católica: DS 3011;

● para julgar as verdades científicas e filosóficas que se relacionam com o depósito revelado: DS 3017–8.

3. O Magistério instituído por Nosso Senhor é perpétuo: DS 3050; 3071.

4. Ele é infalível: DS 3020; 3074.

5. É tradicional: foi instituído não para ensinar coisas novas, mas para guardar, defender e proclamar o depósito recebido: DS 3070.

Obs: Entre os esquemas preparatórios do Concílio Vaticano (interrompido pela tomada de Roma), foram preparados os seguintes cânones, que o Concílio deveria ter definido:

● I sch. can. 7: Se alguém disser que a Igreja de Cristo pode ser invadida pelas trevas ou penetrada pelos ímpios, de modo que se afaste da verdade salvadora da fé e da moral: seja anátema.

● I sch. can. 9: Se alguém disser que a infalibilidade da Igreja deve ser reduzida apenas às coisas que estão contidas na Revelação…: seja anátema

… Jesus Cristo instituiu na Igreja “um magistério vivo, autêntico e perene” que ele próprio fortaleceu com seu poder, corroborou com o Espírito de verdade, e autenticou com os milagres. E quis e mandou que os preceitos de sua doutrina fossem recebidos como seus.

(Leão XIII, Satis Cognitum)

Ver também: Leão XIII: Sapientiæ Christianæ: D 1936c. Pio XI: Divini illiusMagistri: D 2204 (22); Pio XII: Mystici CorporisHumani Generis.

Sujeito do Magistério

O sujeito deste Magistério infalível, isto é, a pessoa moral ou física que possui esta função de ensino é:

● o Romano Pontífice, como Sucessor formal de São Pedro em seu primado sobre a Igreja ou como Vigário de Nosso Senhor;

● o Corpo dos Bispos em submissão ao Soberano Pontífice. Os Bispos podem estar reunidos em Concílio ou dispersos no mundo.

No primeiro caso, falamos do Magistério pontifício; no segundo do Magistério universal.

A infalibilidade do Soberano Pontífice é uma verdade definitiva da fé divina, está contida na Revelação (23), sempre foi ensinada, crida, praticada pela Igreja (24). O Sumo Pontífice goza da mesma infalibilidade que a Igreja (DS 3074). Quando o Sumo Pontífice fala não como Papa, mas como doutor particular, não goza de infalibilidade (25).

A infalibilidade dos bispos unidos e sujeitos ao Papa é uma verdade de fé implicitamente definida no Concílio do Vaticano (DS 3011), e tem como base as passagens da Sagrada Escritura citadas no início deste artigo.

Não vamos mais nos deter neste ponto que não parece ser objeto de discussão entre os católicos.

Objeto do Magistério

Chama-se objeto do Magistério o conjunto de proposições sobre as quais se pode fazer um julgamento positivo ou negativo, conforme sejam verdadeiras ou falsas. São verdades ligadas à Revelação (uma vez que o Magistério infalível foi dado para guardar, defender e explicitar o depósito da Revelação) e que normalmente são indicadas pela frase: “doutrina sobre a fé e os costumes”.

Todos os teólogos dividem essas verdades de fé ou moral em duas classes: primárias ou diretas, secundárias ou indiretas.

Uma proposição pode ser de fé por duas razões: em primeiro lugar e principalmente, como os artigos de fé, ou indiretamente e secundariamente como as proposições cuja negação implique a alteração de algum artigo de fé.
[Santo Tomás (26)]

Objeto primário
do Magistério

A primeira classe é constituída pelas proposições que estão contidas formalmente na Revelação, explícita ou implicitamente; ex. : “Jesus é Deus”. Eles são chamados de verdades auto-reveladas e constituem o objeto primário ou direto do Magistério. Vejamos o ensinamento da Igreja sobre este assunto.

Deve-se, pois, crer com fé divina e católica tudo o que está contido na palavra divina escrita ou transmitida pela Tradição, bem como tudo o que a Igreja, quer em declaração solene, quer pelo Magistério ordinário e universal, nos propõe a crer como revelado por Deus.
(Concílio do Vaticano, DS 3011)

A doutrina da fé, que Deus revelou… transmitida à Esposa de Cristo como um depósito divino, deve ser guardada fielmente e declarada infalivelmente.
(Concílio do Vaticano, DS 3020)

O Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de Pedro para que revelassem uma nova doutrina, mas para que, com a sua ajuda, guardassem a santidade e expusessem fielmente a revelação transmitida pelos Apóstolos, isto é, o depósito da fé. E esta doutrina dos Apóstolos abraçaram-na todos os veneráveis Santos Padres, veneraram-na e seguiram-na todos os santos doutores ortodoxos, firmemente convencidos de que esta cátedra de S. Pedro sempre permaneceu imune de todo o erro, segundo a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo feita ao príncipe dos Apóstolos: “Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc 22, 32).
(Concílio do Vaticano, DS 3070)

Entre as coisas que estão contidas na revelação divina, algumas referem-se a Deus, outras ao homem e aos meios necessários para a salvação eterna do homem. Cabe por direito divino à Igreja e, na Igreja, ao Romano Pontífice, determinar nestas duas ordens o que se deve crer e o que se deve fazer. É por isso que o Pontífice deve poder julgar com autoridade o que está contido na palavra de Deus [Revelação], para decidir quais doutrinas concordam com ela e quais doutrinas a contradizem. Da mesma forma, no âmbito da moralidade, cabe a ele determinar o que é bom, o que é mau, o que é necessário realizar e o que evitar se se deseja alcançar a salvação eterna; caso contrário, ele não poderia ser nem o intérprete infalível da palavra de Deus nem o guia seguro da vida do homem.
[Leão XIII, Sapientiæ Christianæ (27)]

Com as palavras crer e fazer fica claro que se trata de fé e moral.

E embora este sagrado Magistério deva ser para todo teólogo, em matéria de fé e moral, a regra imediata e universal da verdade, pois é a ele que Cristo Nosso Senhor confiou a totalidade do depósito da fé, Sagrada Escritura e Tradição, para guardar, defender e interpretar… Deus, de fato, deu à Sua Igreja, com essas fontes que mencionamos, um Magistério vivo para iluminar e trazer à tona o que estava contido no depósito da Fé apenas de forma obscura e, por assim dizer, implícita. Este depósito, não é a cada um dos fiéis, nem aos próprios teólogos que nosso divino Redentor confiou a interpretação autêntica, mas somente ao Magistério da Igreja… Pertence a ele por instituição divina… guardar e interpretar o depósito das verdades divinamente reveladas.
[Pio XII, Humani Generis (28)]

O valor dogmático dessas proposições dos textos citados é o seguinte: é uma verdade definida de fé que o objeto da infalibilidade consiste em verdades formalmente reveladas (Concílio do Vaticano, DS 3011, 3020, 3069–70).

A tese segundo a qual a doutrina da fé e dos costumes constitui o objeto direto e primário da infalibilidade está implicitamente contida na definição de infalibilidade do Pontífice: de fato, diz-se que seu objeto é “a doutrina da fé ou da moral” DS 3074 (29).

O objeto secundário

A segunda classe consiste naquelas proposições que estão necessariamente conexas (relacionadas) à Revelação, que são úteis para a recepção, preservação e comunicação do depósito revelado.

De fato, como ensina o Mons. Gasser, há muitas verdades que

“embora não sejam reveladas em si mesmos, ainda assim são necessárias para manter intacto o depósito da própria Revelação, para explicá-lo adequadamente e defini-lo efetivamente” (30).

Absolutamente todos os teólogos católicos, conclui Mons. Gasser, concordam em reconhecer que essas verdades, que não são reveladas por si mesmas, mas que pertencem à custódia do depósito da fé, são infalíveis.

É chamado de objeto secundário porque deriva do primário; diz-se que é o objeto indireto da infalibilidade, porque a infalibilidade não a afeta em si, mas por causa do objeto primário.

Inclui proposições formalmente derivadas daquelas reveladas por dedução legítima; inclui também as verdades necessárias para manter intacto o depósito da Revelação (que sem elas estaria corrompido) para explicá-lo e defini-lo (31). Costumamos dividi-lo em vários grupos:

1. Verdades especulativas: se as negamos, negamos uma verdade de fé:

● præsupositivæ: o preambula fidei (32), estes são os primeiros princípios da razão: por ex. se nego a imortalidade da alma ou a possibilidade de conhecimento intelectual, nego a Revelação.

● consecutivæ: é uma conclusão metafisicamente necessária, deduzida de uma premissa revelada: Jesus podia rir (porque ele era um homem real).

2. Fatos dogmáticos: são aqueles conexos à Revelação:

● simpliciter: por exemplo, a legitimidade do Concílio de Trento.

● doutrinal: o significado ortodoxo de um livro (por exemplo, “Augustinus” de Jansênio).

3. Os decretos disciplinares estão relacionados à Revelação quanto ao seu fim (a salvação da alma). Estas são leis eclesiásticas não divinas; diretamente, pertencem ao poder de governo da Igreja, cuja função própria é legislar (condere leges). Indiretamente tocam o Magistério, na medida em que os princípios doutrinários que estão na origem dos decretos ou das leis estão em conformidade com o fim último (a salvação da alma) e onde seu objeto é a fé ou a moral. Esses decretos podem ser subdivididos em jurídicos e litúrgicos.

4. A Canonização dos Santos.

5. Aprovação de ordens religiosas.

6. Notas teológicas.

O valor dogmático. A infalibilidade dessas verdades é pelo menos teologicamente certa e próxima da definição, como o Concílio do Vaticano definiu.

A Igreja que com o encargo apostólico de ensinar recebeu a ordem de guardar o depósito, também tem de Deus o direito e o encargo de proscrever a falsa ciência (I Tm. VI, 20), para que ninguém se deixe enganar por uma filosofia ou por uma fábula infundada. Por esta razão, todos os fiéis cristãos não só estão proibidos de defender como conclusões legítimas aquelas opiniões que sabem ser contrárias à doutrina da fé, especialmente se forem condenadas pela Igreja, mas devem considerá-las como erros que apresentam-se sob o aspecto da verdade.
(Concílio do Vaticano, DS 3018)

Se alguém disser que as disciplinas humanas devem ser tratadas com tal liberdade que suas afirmações, mesmo que contrárias à doutrina revelada, possam ser tomadas como verdadeiras, e a Igreja não tenha o direito de proscrevê-las, seja anátema.
(Concílio do Vaticano, DS 3042)

O teólogo do Concílio, Padre Kleutgen, assim se expressa sobre estes dois textos:

Foi definido na primeira Constituição da Fide que é um direito e um dever da Igreja julgar as conclusões da Filosofia e de outras disciplinas (33).

Obs: Como já dissemos, entre os esquemas preparatórios estava previsto o seguinte cânon que o Concílio Vaticano deveria ter definido:

Se alguém disser que a infalibilidade da Igreja deve limitar-se apenas às verdades contidas na Revelação divina e não deve estender-se às outras verdades necessárias para manter intacto o depósito da Revelação: seja anátema (34).
(I sch. can. 9)

Cabe a ele [ao Magistério da Igreja], por instituição divina, não só guardar e interpretar o depósito das verdades divinamente reveladas, mas também zelar pelas ciências filosóficas, para que os dogmas católicos não sofram nenhum ataque de falsas doutrinas (E. P. 1283).
(Pio XII, Humani Generis)

Infalibilidade do
objeto secundário
em particular

Consideraremos cada um desses grupos separadamente e em cada um deles veremos em que bases a Igreja é infalível e como a Igreja alegou infalibilidade tanto teórica quanto prática.

1) Verdades especulativas

1°) Argumento de razão

O Magistério exige poder declarar infalivelmente tudo o que é necessário para guardar o depósito da fé.

Ora, a infalibilidade é necessária para os preambula fidei e para as conclusões teológicas; de fato, se alguém os nega ou duvida deles, então pode-se logicamente e necessariamente duvidar e negar as verdades reveladas.

Quanto à definição das conclusões teológicas, Marín-Sola explica que

esta imcubência da Igreja é precisamente a famosa explicatio fidei da teologia tradicional.

Que a Igreja goze de assistência e seja investida de uma missão divina não só para preservar religiosamente, mas também para expor fielmente e com autoridade dogmática o depósito revelado, sem novas revelações e sem aumentar objetivamente este depósito, todos os teólogos o admitem e o Concílio do Vaticano definiu (…) DS 3070.

“E esta é a razão pela qual foi necessário publicar mais símbolos (artigos de fé) que não diferem de forma alguma entre si, exceto que em um é explicado com mais detalhes o que está contido implicitamente em outro” (S. Th. II-II, q. 1, a. 9). (35)

Ninguém jamais questionou a infalibilidade da Igreja quando ela define certas conclusões teológicas, como, por exemplo, a inteligência ou a vontade de Nosso Senhor, a Divina Maternidade da Santíssima Virgem (36).

2°) A Igreja reivindica tal infalibilidade teoricamente

● Pio IX, Gravissimas Inter, 11/12/1862, contra Froschhammer, que afirmava a independência da filosofia em relação à fé: DS 2858–61.

● Concílio do Vaticano, Constituição Dei Filius, 24/4/1870, contra o racionalismo e o semirracionalismo: DS 3018; 3042.

● São Pio X, Lamentabili, 3/7/1907 : DS 3405, 3407, 3424 (37).

● Pio XII, Humani Generis, 12/8/1950, DS 3893; D 2325 (22).

3°) A Igreja reivindica tal infalibilidade praticamente

● V Concílio de Latrão, Apostolici regiminis, 19/12/1513, contra os averroístas que negavam as propriedades da alma: “Nós definimos que toda afirmação contrária à verdade iluminada pela Fé é absolutamente falsa” DS 1441. Esta definição foi repetida pelo Concílio do Vaticano DS 3017.

● Concílio de Vienne, 6/5/1312, De Summa Trinitate et fide catholica, condenou os erros de Pierre-Jean Olivi, 1311–2, D 481 (37).

● Clemente VII condena Nicolau de Autrecourt, 25/11/1347, DS 1028.

2) Infalibilidade dos
fatos dogmáticos

Existem 3 tipos de fatos:

a. fatos explicitamente revelados;

b. fatos meramente particulares;

c. fatos dogmáticos.

a) Os fatos explicitamente revelados

São os contidos na revelação, que terminou com a morte dos Apóstolos: ex.: Nosso Senhor nasceu em Belém; Ele ressuscitou, Ele ascendeu ao céu; João Batista foi decapitado na prisão, etc. Todos os teólogos concordam que eles constituem não apenas o objeto da infalibilidade, mas também da fé divina e — se a Igreja os define — eles são até da fé divina e católica.

b) Os fatos particulares

Eles não apenas não estão contidos na Revelação, mas também não têm conexão necessária com ela ou com a doutrina. Eles têm uma certa relação com a fé ou a moral apenas porque se referem a pessoas particulares e não à toda a Igreja. Portanto, não são absolutamente necessários para preservar ou explicar o depósito da Revelação. Exemplos: fatos exclusivamente profanos; a validade de tal casamento; a culpabilidade dessa pessoa; a justiça de tal excomunhão; posse legal de bens por tal pessoa…

Todos os teólogos concordam que não são objeto de fé divina ou da infalibilidade:

Em outros julgamentos, ao contrário, que dizem respeito a fatos particulares, como quando se trata de propriedade ou crimes, ou coisas desse tipo, é possível que o julgamento da Igreja seja errôneo.
(Santo Tomás, Quodlib. IX a. 16)

c) Os fatos dogmáticos

Entre esses dois grupos extremos existem os fatos dogmáticos, assim chamados por causa da polêmica com o jansenismo.

Eles não parecem estar expressamente contidos no depósito da Revelação, mas têm uma relação necessária com a preservação e explicação da doutrina revelada, relação que diz respeito à Igreja universal. Tal qual a ortodoxia ou a heterodoxia de certos textos ou de certos livros, ou de saber se o livro de Jansênio contém ou não as cinco famosas proposições heréticas. Também é um fato dogmático saber se o Concílio de Trento é uma regra de fé infalível, se a Vulgata é autêntica em matéria de fé ou de moral, se Pio XII é realmente Papa. Da mesma forma, se João Paulo II é ou não o Papa é uma questão que envolve a Fé, e não apenas uma questão de opinião.

Todos os teólogos concordam que eles podem ser definidos infalivelmente pela Igreja. Quanto à legitimidade de um Papa ou de um Concílio, todos os teólogos modernos (desde o século XVII) dizem que ele é infalível de fé divina. Pelos erros contidos em um livro, os mesmos teólogos se dividem assim: para uns é de fé divina, para outros de fé eclesiástica (38).

1°) Argumento de razão

O fim do Magistério infalível requer que haja infalibilidade nas coisas necessárias para conduzir os fiéis com segurança à correta profissão de fé e evitar os erros que a ela são contrários.

Para alcançar este fim, a infalibilidade é necessária na definição do significado ortodoxo ou heterodoxo de um texto e seu autor. Se a Igreja não pudesse definir isso, então ninguém poderia obrigá-los a professar a fé com exatidão. Ninguém poderia evitar eficazmente a introdução e propagação de erros contra a fé. Se, então, a Igreja pudesse estar enganada nisso, então alguém poderia pensar que a condenação da Igreja de uma doutrina não é verdadeira ou que os católicos poderiam professar um artigo de fé que contém erros.

2°) A Igreja reivindica tal infalibilidade teoricamente

Vejamos a história do “Augustinus” de Jansênio.

Urbano VIII proibiu o livro em 1642. Seguiram-se muitas controvérsias com os jansenistas.

Em 1653, Inocêncio X declara heréticas cinco proposições extraídas do livro: DS 2001–7. Os jansenistas marcaram sua oposição dizendo que era correto condenar essas 5 proposições, mas que Jansênio não queria dar esse significado às sentenças de seu livro.

Alexandre VII em 1656 declarou e definiu que essas propostas eram condenadas até no sentido entendido por Jansênio em seu livro: DS 2012. Mas os jansenistas não quiseram se submeter, dizendo que o Papa estava errado, que não há infalibilidade na interpretação do significado de um livro e que, portanto, ele não poderia exigir obediência.

Em 1665, Alexandre VII obrigou os jansenistas a assinarem um juramento sobre o assunto: DS 2020. Mas eles encontraram uma saída dizendo que a condenação de Jansênio não exigia consentimento interno, mas apenas silêncio obsequioso.

Finalmente Clemente IX em 1705 impôs a obrigatoriedade do assentimento interno ore et corde: DS 2390.

Nesta longa controvérsia, a Igreja reivindicou, portanto, a infalibilidade no julgamento de um livro e sua interpretação (sempre em relação à Fé ou à Moral).

3°) A Igreja reivindica tal infalibilidade praticamente

● O Segundo Concílio de Constantinopla em 553 condena “o ímpio Teodoro e seus escritos ímpios” DS 435, aprovado pelo Papa São Gregório em 592: DS 472.44

● Inocênio II em 1141 condena Pedro Abelardo:

com a autoridade dos santos cânones Condenamos os artigos e todos os dogmas deste mesmo Pedro (Abelardo), bem como seu autor como heréticos” D 387 (39).

● O Concílio de Constança em 1418 perguntou aos discípulos de Wyclef e Huss

se eles acreditavam que as condenações contra as pessoas de J. Wyclef, J. Huss e Jerônimo de Praga, de seus livros e documentos… ”; e novamente sobre eles “se eles acreditavam que eram hereges e, portanto, deveriam ser considerados e nomeados como hereges e que seus livros e doutrinas eram e são perversos (40).

● Pio IX, Gravissimas inter, em 1862 condena a doutrina de Froschammer exposta em três livros como

falsa e errônea (…) estranha à doutrina católica (…) [deve] ser rejeitada, reprovada e condenada (41).

● Leão XIII em 1887 aprova (D 1930a in fine) (22) a condenação do Santo Ofício às propostas de Rosmini, extraídas dos seus oito livros, no sentido que o autor entende: DS 3201–41.

● Clemente VIII contra Vasquez e os teólogos de Alcalà: afirmaram que se pode negar especulativamente que o Papa reinante seja Papa, ou seja, como se se tratasse de uma tese lícita in abstracto. Clemente VIII mandou prendê-los.

3) Infalibilidade dos
decretos disciplinares

São leis universais e não particulares que são necessariamente conexas, pelo seu fim, com a Revelação: o Código de Direito Canônico e o rito latino são considerados universais. A sua infalibilidade não significa que sejam os únicos possíveis, ou os mais perfeitos (pode haver vários graus de perfeição), ou que contenham toda a doutrina do assunto que tratam: por isso podem ser alterados pela autoridade. A infalibilidade refere-se à doutrina especulativa e/ou moral contida explícita ou implicitamente em tais decretos; não garante que sejam oportunos ou prudentes. Ela garante a inexistência de qualquer erro contra a fé e a moral.

Para os decretos litúrgicos, que constituem uma parte dos decretos doutrinais, valem os mesmos argumentos. A infalibilidade deles não diz respeito aos fatos históricos do Breviário ou do Martirológio.

1°) Argumentos de razão

O fim do Magistério infalível exige que a vida dos fiéis se ordene sem erro nem prejuízo ao fim da Igreja: a vida eterna. Portanto, a infalibilidade dos decretos disciplinares é necessária para que a Igreja possa dirigir os fiéis sem erro para o seu fim. Com efeito, se a Igreja pudesse impor ou permitir que os fiéis praticassem atos contrários à fé ou aos bons costumes, ela não seria mais um instrumento de salvação: a Igreja seria então falível e portadora de erros (42).

A Igreja é Santa: não lhe é possível, portanto, fazer leis disciplinares contrárias aos seus princípios.

A Igreja é infalível não só na interpretação dogmática da Revelação, mas também na interpretação prática (ensina-os a guardar tudo o que vos tenho ensinado… Mt. XXVIII, 20). Isso não seria verdade se a Igreja pudesse promulgar leis que afastassem os fiéis da retidão das leis do Evangelho.

Mat. XVI, 19: Deus não poderia ligar ou desligar tudo o que a Igreja liga ou desliga sobre a terra, se a Igreja não fosse preservada do erro.

Isso vale também para os modos e costumes da Igreja: Santo Agostinho diz que do uso do Batismo se deduzia o dogma do pecado original. São Tomás (43):

O costume da Igreja tem grande autoridade e deve ser sempre seguido em todas as coisas.

Por isso, no Sed Contra de seus artigos, que corresponde ao argumento de autoridade, cita frequentemente o uso da Igreja: por exemplo, em conexão com o Sacramento da Confirmação (III, q. 72 a. 12), ele ainda dá o motivo:

Devemos afirmar firmemente que as prescrições da Igreja são feitas de acordo com a sabedoria de Cristo. E é por isso que se deve ter a certeza de que são adequados os ritos que a Igreja observa neste sacramento e nos outros.

2°) A Igreja reivindica tal infalibilidade teoricamente

● Pio VI, Auctorem fidei, 1794, condena a 78ª proposição do Sínodo de Pistoia, segundo a qual no que diz respeito à disciplina da Igreja pode haver coisas inúteis e também coisas perigosas e prejudiciais, como

falsa, temerária, escandalosa, perniciosa, ofensiva aos ouvidos piedosos, injuriosa à Igreja e ao Espírito de Deus que a dirige, para dizer o mínimo errônea” DS 2378 (44).

● Concílio de Trento, 1547, Decreto sobre os Sacramentos, cân. 13:

Se alguém disser que os ritos recebidos e aprovados pela Igreja Católica, que são empregados na administração solene dos sacramentos, podem ser desprezados ou omitidos sem pecado pelos ministros como bem entenderem, ou mudados por novos por qualquer pastor de igrejas: seja anátema.
(DS 1613)

3°) A Igreja reivindica tal infalibilidade praticamente

● Concílio de Constança, 1415, Decreto da Comunhão sob as únicas espécies de pão, confirmado e repetido por Martinho V em 1425, DS 1198–1200.

● Concílio de Trento:

— Decreto sobre a Santíssima Eucaristia, sobre o uso de conservá-la e levá-la aos enfermos: DS 1645, 1657.

— Doutrina sobre a comunhão sob ambas as espécies e para as crianças, e os cânones relativos a ela: DS 1727–34.

— Doutrina sobre o Santo Sacrifício da Missa: sobre o cânon, sobre as cerimônias, sobre a missa onde só o sacerdote comunga, sobre a água misturada com vinho, sobre o uso da linguagem vulgar e os cânones: DS 1745–59.

● Leão XIII, Apostolicae Curae, 1896, sobre a invalidade das ordenações anglicanas, DS 3315–9.

Nota. Sobre a infalibilidade dos decretos disciplinares e das leis litúrgicas, tem havido muita confusão, sobretudo depois do surgimento do Novus Ordo Missæ em 1969. Arnaldo X. Da Silveira em La nouvelle messe de Paul VI: qu’en penser? (45) após citar textos a favor da infalibilidade das leis litúrgicas, acaba por restringi-la. O autor não consegue distinguir sobre este assunto os dois aspectos da infalibilidade citados em primeiro lugar: a infalibilidade puramente negativa, que inclui a validade, a não nocividade, a inexistência de erros contra a Fé e a moralidade nos ritos e leis litúrgicas, da infalibilidade de uma verdade dogmática baseada em textos litúrgicos (46). Para esta última infalibilidade, se a Igreja quiser dar a conhecer um dogma usando a liturgia, em vez de dar uma definição do mesmo, deve manifestar explicitamente o seu desejo de querer forçar as pessoas a acreditar na verdade doutrinal significada pela liturgia. Para a primeira infalibilidade ao contrário (inexistência de erros) não é necessário nenhum ato particular da Autoridade: isso é inerente à própria lei assim que é promulgada, como vimos sobre a infalibilidade do objeto secundário . Com esta distinção também respondemos aos casos de aparente erro na infalibilidade em matéria de liturgia citados por Da Silveira.

4) Canonização solene
dos santos

Por canonização solene entende-se o juízo último e definitivo da Igreja, pelo qual se declara que um falecido atingiu a santidade e assim alcançou a glória celestial; portanto, pode ser invocado e venerado pelos fiéis como padroeiro e modelo. É um julgamento universal e obrigatório que conclui o julgamento das virtudes heróicas somadas às provas dos milagres, como tem sido a prática da Igreja Católica desde o século X.

1°) Argumento de razão

O fim do Magistério infalível requer a infalibilidade nas coisas necessárias para conduzir os fiéis sem erro à salvação, por meio do verdadeiro culto e da imitação dos exemplos das virtudes cristãs, pelo poder de santificação que tem a Igreja. Portanto, para conseguir isso, a infalibilidade é essencial para os decretos de canonização dos santos, pois por eles a Igreja não só permite, mas ordena e recomenda a todos os fiéis que venerem determinados santos e os propõe como exemplos de virtude. Uma única possibilidade de erro em um julgamento tão solene significaria que a Igreja se propõe à veneração e à imitação dos fiéis homens maus ou condenados; o culto dos santos seria privado de seu fundamento; os fiéis não teriam mais confiança na Igreja.

2°) A Igreja reivindica tal infalibilidade

● A Igreja reivindica a infalibilidade dos decretos definidos com julgamento solene (DS 3011; CIC 1323, § 2). Agora a Igreja define por um julgamento solene os decretos de canonização dos santos. Isso resulta da leitura dos próprios decretos: Bento XIII, 1726, para a canonização de São João da Cruz, de São Luís de Gonzaga e de São Estanislau Kostka.

● Pio XI:

Nós, o Chefe Supremo da Igreja Católica, com estas palavras pronunciamos um juízo infalível: Em honra, etc.

Nós, ex Cathedra divi Petri, como Chefe Supremo da Igreja Universal de Cristo, pronunciamos solenemente com estas palavras um juízo infalível: “Em honra, etc.”.

● Pio XII:

Nós, como Chefe Supremo da Igreja universal, na única Cátedra fundada em Pedro pela palavra do Senhor, pronunciamos solenemente este juízo que não conhece erro, com estas palavras: Em honra, etc. (47).

A infalibilidade da Igreja na Canonização dos Santos, considerada teologicamente certa, após as declarações de Pio XI e Pio XII, considera-se implicitamente definida.

5) Aprovação de ordens religiosas

A ordem religiosa é uma sociedade ou congregação, aprovada pela Igreja, de indivíduos que tendem à perfeição mediante os três votos de obediência, castidade e pobreza, seguindo uma regra de vida dada pelo fundador. A aprovação da Igreja diz respeito à própria associação, seu objetivo, sua regra, suas leis; considera apenas o lado doutrinário destes, isto é, que o tipo de vida proposto é adequado para a aquisição da perfeição evangélica. A infalibilidade não diz respeito ao julgamento prudencial, ou seja, se essa aprovação é oportuna e prudente; apenas diz respeito à aprovação final ou solene.

1°) Argumento de razão

O fim do Magistério infalível exige a infalibilidade naquilo que é necessário para orientar os fiéis sem erro para a sua salvação, por meio da perfeição evangélica: é o fim da Moral da Igreja, à qual se estende o Magistério infalível. Ora, para tal, é indispensável a infalibilidade dos decretos que aprovam solenemente as ordens religiosas. Com efeito, eles propõem à Igreja universal um modo de vida estável como meio seguro de adquirir a perfeição evangélica. Pela infalibilidade da Moral da Igreja, parece inconcebível que o Sumo Pontífice pudesse propor definitivamente à Igreja universal como meio seguro de alcançar a perfeição algo inútil ou contrário à perfeição do Evangelho.

2°) A Igreja reivindica tal infalibilidade teoricamente

● Pio VI, Auctorem fidei, 1794, contra o Sínodo de Pistoia, DS 2682, 2692.

● Pio IX, Quanta Cura, 1864, D 1692 (22).

3°) A Igreja reivindica tal infalibilidade praticamente

Notamo-lo na resolução solene utilizada para a aprovação das Ordens Religiosas (48).

6) Notas teológicas

A Igreja no exercício de suas funções aprova a doutrina verdadeira e condena a falsa. A nota teológica (ou valor dogmático) de uma proposição indica positivamente o grau de certeza que lhe convém no que diz respeito às fontes da Revelação e do Magistério. A censura (ou proposição condenada) é o julgamento que expressa negativamente o grau de falsidade da proposição em face das fontes da Revelação e do Magistério. Consideraremos aqui as notas e censuras emitidas pela Igreja e não pelos teólogos (49).

Recordemos o que já dissemos sobre a infalibilidade positiva e negativa. Quando a Igreja afirma que uma doutrina é de fé, é de fé e portanto não pode ser reformada. Se, ao contrário, a Igreja der uma nota inferior à da fé, então esta última será infalivelmente verdadeira, mas nem sempre irreformável. Por exemplo, se a proposição é julgada “não certa”, isso infalivelmente significa que agora é “não certa”, mas isso não significa que seja falsa: um dia, a Igreja poderá declará-la falsa ou errônea, ou pelo contrário poderá reconhecer que é verdadeira; mas no momento devo acreditar que não é certa, sob pena de pecado mortal (50). Quando ela diz que está certa, isso não significa que ela tem fé, apenas que ela está certa, e assim por diante. Isso é bem explicado por Billot (51).

1°) Argumento de razão

O Concílio do Vaticano, no que se refere à infalibilidade papal, definiu que a assistência do Espírito Santo foi prometida para guardar o depósito da fé. Para tanto, a Igreja deve enumerar e definir os erros.

2°) A Igreja reivindica tal infalibilidade teoricamente

● Concílio do Vaticano, Constituição Dei Filius,

A Igreja que recebeu, ao mesmo tempo que o encargo apostólico de ensinar, o mandamento de guardar o depósito da fé tem, de Deus, o direito e o dever de proscrever a falsa ciência (I Tm. VI, 20), para que ninguém caia no engano… É por isso que todos os fiéis cristãos não só nãotêm o direito de defender como legítimas as conclusões da ciência as opiniões reconhecidas como contrárias à doutrina da fé, especialmente quando a Igreja as reprovou, mas são absolutamente obrigados a considerá-las antes como erros adornados com alguma aparência enganosa de verdade.
(DS 3018)

● CIC, cân. 1324:

Não basta evitar a nocividade da heresia, mas também é preciso fugir com avidez dos erros que mais ou menos se aproximam dela; portanto, todos devem igualmente observar as instituições e decretos pelos quais tais opiniões perversas foram condenadas e proibidas pela Santa Sé.

● Concílio de Constança, Sessão XV 6/7/1415, confirmado pelo Papa em 22/2/1418: DS 1214, 1219, 1225.

3°) A Igreja reivindica tal infalibilidade praticamente

A Igreja sempre definiu determinadas doutrinas e condenou outras.

A unidade do Magistério da Igreja
e seu objeto

As divisões vistas até aqui não diminuem a unidade da finalidade do Magistério.

Seja um objeto direto ou indireto, é sempre um e sua unidade repousa na Revelação de Deus; ainda que essas verdades estejam incluídas na Revelação ou sejam a ela conexas, o Magistério sempre declara sua relação com o depósito revelado.

O Magistério sempre fala do ponto de vista da revelação divina, e não considera coisas que estão fora da fé e da moral.

Qualquer verdade virtualmente revelada pertence, portanto, diretamente, ainda que mediatamente, ao Magistério infalível. As duas ordens de verdades, reveladas formal e virtualmente, formam um só corpo da doutrina da salvação, em vista da qual o Salvador instituiu diretamente o magistério apostólico. Não se pode separar essas duas ordens sem destruir ambas, uma vez que elas são mantidas juntas por uma necessidade lógica absoluta, pois, sob pena de contradição, a mente é obrigada a admitir ou rejeitar ambas (52).

É por isso que o V Concílio de Latrão deu esta definição:

Toda afirmação contrária à verdade iluminada pela Fé é absolutamente falsa.
(DS 1441)

Se a Igreja em alguns objetos ou em alguns modos de exercício (ver parágrafo seguinte) não pudesse reivindicar infalibilidade, haveria na Igreja, una e santa, dois Magistérios especificamente distintos: o que é absurdo. No fundo, esta unidade do objeto do Magistério repousa sobre a unidade do próprio [Magistério]: seja qual for o sujeito (Papa ou Igreja universal) ou objeto ou modo de exercício, é sempre a voz de Nosso Senhor:

Quem vos ouve, a Mim ouve (53).

O modo de exercício do Magistério

Embora o Magistério seja um porque especificado por um único objeto (a relação com a Revelação), ele tem dois modos de exercício: o ensino ordinário e o julgamento solene.

A Igreja é infalível em seu magistério ordinário, que é exercido diariamente, principalmente pelo Papa e pelos bispos que a ele aderem, e que, portanto, são infalíveis juntamente com a infalibilidade da Igreja que o Espírito Santo assiste todos os dias (54).

O julgamento solene

pode ser pronunciado por um Concílio Ecumênico ou pelo Romano Pontífice falando ex cathedra.
(CIC, c. 1323, § 2)

Esta distinção de modo não afeta a substância do Magistério, nem o objeto que ele define. É apenas uma qualificação do ato pelo qual a Igreja exerce sua função docente. Esse modo de agir é qualificador acidental e não altera a especificidade da função. Em outras palavras, um ato infalível do Magistério ordinário não é menos infalível e requer não menos consentimento do que um julgamento solene. Os textos do Concílio Vaticano (10) Durante o Concílio Vaticano, em 20/06/1870, em nome da Deputação da Fé, o Mons. d’Avanzo declarou:

… Permitam-me recordar como a infalibilidade é exercida na Igreja. De fato, temos dois testemunhos da Escritura sobre a infalibilidade na Igreja de Cristo, Lucas XXII: Eu orei por ti, etc., palavras que dizem respeito a Pedro sem os outros [Apóstolos]; e o final de Mateus: Ide, ensinai, etc., palavras que são ditas aos Apóstolos, mas não sem Pedro… Há, portanto, um duplo modo de infalibilidade na Igreja; a primeira é exercida pelo magistério ordinário da Igreja: Ide, ensinai… Eis porque, assim como o Espírito Santo, o espírito da verdade, habita na Igreja todos os dias; também todos os dias a Igreja ensina as verdades da fé com a ajuda do Espírito Santo. Ela ensina todas aquelas coisas que já estão definidas, ou contidas explicitamente no tesouro da revelação, mas não definidas, ou finalmente nas quais se acredita implicitamente: todas essas verdades a Igreja ensina diariamente, principalmente pelo papa, bem como por cada bispo aderindo ao Papa. Todos, o papa e os bispos são infalíveis neste magistério ordinário, da própria infalibilidade da Igreja: eles diferem apenas no fato de que os bispos não são infalíveis por si mesmos, mas precisam de comunhão com o papa, por quem são confirmados; o papa só precisa da assistência do Espírito Santo que lhe foi prometido (…).

Este magistério ordinário infalível não suprime a necessidade do julgamento solene

Mesmo com a existência deste magistério ordinário, às vezes acontece que as verdades ensinadas por este magistério ordinário e já definidas são combatidas por um retorno à heresia, ou que as verdades ainda não definidas, mas sustentadas implícita ou explicitamente, devem ser definidas; e então se apresenta a oportunidade de uma definição dogmática.

Neste caso, os bispos recorrem ao Papa, que então desempenha a função de confirmar seus irmãos e pode promulgar uma condenação ou definição solene, por ele mesmo ou convocando um concílio ecumênico (55).

É por isso que o Concílio do Vaticano solenemente definiu a seguinte proposição (56):

Tudo o que está contido na palavra de Deus, escrita ou transmitida, e que a Igreja, por juízo solene ou por seu magistério ordinário e universal, se propõe a crer como divinamente revelado, deve-se crer com fé divina e católica.
(DS 3011)

Este texto foi inspirado na Carta Apostólica de Pio IX ao Arcebispo de Munique em 1863 contra alguns filósofos e teólogos alemães, na qual recordava que não se deve sujeitar apenas ao magistério solene, mas também ao magistério ordinário: DS 2875–80.

Mons. Martin, em nome da Deputação da Fé, declarou explicitamente:

A Deputação da Fé extraiu o seu pensamento da Carta Apostólica do Sumo Pontífice Pio IX ao Arcebispo de Munique (…) de 1863, onde está escrito:

“Pois ainda que se tratasse desta submissão a ser concedida por um ato de fé divina, não deve, contudo, limitar-se a verdades definidas por decretos expressos de concílios ecumênicos ou pontífices romanos… mas deve estender-se também ao que é transmitido como divinamente revelado pelo magistério ordinário de toda a Igreja dispersa na terra”.

Estas são as palavras que a Deputação tinha diante dos olhos quando definiu o que é o objeto material da fé (57).

Não reproduzimos aqui a carta Tuas libenter, pois o essencial está no texto de Mons. Martin.

Esta doutrina foi solenemente confirmada por Pio XII ao definir o dogma da Assunção. O Papa afirma que antes da promulgação esta doutrina já era de fé, graças ao magistério ordinário da Igreja; de fato, o Papa havia dirigido aos Bispos de todo o mundo duas perguntas:

E aqueles que “o Espírito Santo colocou como bispos para reger a Igreja de Deus”, quase unanimemente deram resposta afirmativa a ambas as perguntas. Essa “singular concordância dos bispos e fiéis” em julgar que a assunção corpórea ao céu da Mãe de Deus podia ser definida como dogma de fé, mostra-nos a doutrina concorde do magistério ordinário da Igreja, e a fé igualmente concorde do povo cristão ― que aquele magistério sustenta e dirige ― e por isso mesmo manifesta, de modo certo e imune de todo erro, que tal privilégio é verdade revelada por Deus e contida no depósito divino que Jesus Cristo confiou à sua esposa para o guardar fielmente e infalivelmente o declarar. De fato, esse magistério da Igreja, não por estudo meramente humano, mas pela assistência do Espírito de verdade, e portanto absolutamente sem nenhum erro, desempenha a missão que lhe foi confiada de conservar sempre puras e íntegras as verdades reveladas; e pelo mesmo motivo transmite-as sem contaminação e sem lhes ajuntar nem subtrair nada. “Pois ― como ensina o Concílio do Vaticano ― o Espírito Santo foi prometido aos sucessores de Pedro não para que, por sua revelação, expressem doutrinas novas, mas para que, com sua assistência, guardassem com cuidado e expusessem fielmente a revelação transmitida pelos apóstolos, ou seja o depósito da fé”. Por essa razão, do consenso universal do magistério da Igreja, deduz-se um argumento certo e seguro para demonstrar a assunção corpórea da bem-aventurada virgem Maria. Esse mistério, pelo que respeita à glorificação celestial do corpo da augusta Mãe de Deus, não podia ser conhecido por nenhuma faculdade da inteligência humana só com as forças naturais. É, portanto, uma verdade revelada por Deus, e por essa razão todos os filhos da Igreja têm obrigação de a crer firme e fielmente.

Pio XII, Humani Generis(58):

Nem se deve crer que os ensinamentos das encíclicas não exijam, por si, assentimento, sob alegação de que os sumos pontífices não exercem nelas o supremo poder de seu magistério.

Entretanto, tais ensinamentos provêm do magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: “Quem vos ouve a mim ouve” (Lc 10, 16); e, na maioria das vezes, o que é proposto e inculcado nas encíclicas, já por outras razões pertence ao patrimônio da doutrina católica. E, se os romanos pontífices em suas constituições pronunciam de caso pensado uma sentença em matéria controvertida, é evidente que, segundo a intenção e vontade dos mesmos pontífices, essa questão já não pode ser tida como objeto de livre discussão entre os teólogos.

O Santo Ofício em 20/12/1949 (59) dirigiu-se assim aos Bispos:

Eles também descartarão essa forma perigosa de se expressar, que daria origem a opiniões errôneas ou falsas esperanças que nunca poderão se realizar, dizendo, por exemplo, que o ensinamento dos Sumos Pontífices, nas encíclicas… não deve ser levado tanto em consideração, pois nem tudo é de fé.

Código de Direito Canônico retomou o texto do Concílio para definir o que é a infalibilidade da Igreja: cân. 1323.

A obrigação de crer

Alguns pensam que quando o Magistério define, deve acrescentar a obrigação de crer. Mas isso não é verdade, conforme visto na definição citada acima:

Tudo o que está contido na palavra de Deus, escrita ou transmitida, e que a Igreja, por juízo solene ou por seu magistério ordinário e universal, se propõe a crer como divinamente revelado, deve-se crer com fé divina e católica.
(DS 3011)

No texto, a frase principal é omnia credenda sunt: ​​deve-se acreditar. O Concílio ensina a existência da obrigação de crer, obrigação baseada “naquelas coisas que estão contidas na palavra de Deus”: uma vez que são reveladas, devem ser cridas. Portanto, é o caráter da revelação que é a base do ato de fé. O Concílio também definiu:

Uma vez que o homem é totalmente dependente de Deus como seu Criador e Senhor, e a razão criada está completamente sujeita à Verdade incriada, somos obrigados, quando Deus se revela, a apresentar-lhe pela Fé a submissão total e completa de nossa inteligência e da nossa vontade.
(DS 3008)

É por isso que a fonte, o motivo formal desta obrigação é a veracidade de Deus ou a autoridade de Deus que se revela, que não pode enganar-nos e não pode enganar-se. A infalível intervenção da Igreja tem a função de determinar com precisão o objeto material da fé: isto é, de dar a conhecer com certeza quais são as verdades reveladas. Portanto, o próprio papel do Magistério da Igreja não é forçar as pessoas a acreditar, mas certificar que esta proposição pertence ao depósito da revelação. O Magistério como tal não obriga a crer, mas propõe a crer naquilo que se deve crer como divinamente revelado.

É por isso que o ato da Igreja é afirmar o caráter revelado de uma proposição e então, ipso facto, a obrigação vincular o crente: é preciso acreditar. Não é porque a Igreja cria uma obrigação, mas porque o crente sabe, por meio de uma definição infalível, que tal proposição é revelada, que ele está, portanto, vinculado pela obrigação geral de crer que se aplica a esse caso particular.

É verdade que muitas vezes a Igreja associa o poder de jurisdição ao do Magistério, impondo penalidades eclesiásticas a quem recusa o seu ensinamento. Mas o ato de jurisdição é formalmente distinto do Magistério.

Devemos a submissão do espírito à Igreja que define, ainda que não acrescente preceito. Visto que, de fato, Deus nos deu a Igreja como Mãe e Mestra em todas as questões de religião e piedade, somos obrigados a ouvi-la quando ela ensina. Portanto, se o pensamento e a doutrina de toda a Igreja aparecem, somos obrigados a aderir a eles, mesmo que não haja definição: quanto mais então se esse pensamento e essa doutrina nos aparecem por uma definição pública? (60)

Assim, a proibição ou o comando ou as penas eclesiásticas podem ser o sinal do ato infalível, mas não são o elemento constitutivo.

Ainda que se tratasse desta submissão que deve ser concedida por um ato de fé divina… deve estender-se também às verdades transmitidas como divinamente reveladas pelo Magistério ordinário de toda a Igreja dispersa na terra.
(Pio IX, Tuas libenter, 21/12/1863 ; DS 2879)

Considerações atuais

Muitas teorias são difundidas hoje sobre o Magistério infalível.

Alguns dizem que a Igreja é infalível somente em seu Magistério solene; outros afirmam que para que haja um Magistério solene, devem existir condições; de acordo com alguns, a Igreja só é infalível quando apenas repete o que já foi definido; para outros, ainda, a Igreja só pode decidir com o seu Magistério solene sobre questões debatidas; o Magistério ordinário só seria infalível quando repetisse ininterruptamente a mesma verdade. Para outros, o Magistério solene serviria para as verdades reveladas, o ordinário para as verdades que pertencem ao objeto secundário (61).

Na teologia positiva, para deter definitivamente qualquer doutrina, é necessário basear-se nas declarações e no costume da Igreja.

Vimos, pelo contrário, que a Igreja definiu com o seu Magistério solene verdades que fazem parte do objeto secundário; além disso, definiu que é infalível com seu magistério ordinário e que o Papa tem a mesma infalibilidade que a Igreja (62). Pio XII, na definição da Assunção, ensina que o Magistério ordinário pode por si mesmo manifestar infalivelmente a verdade revelada. Leão XIII com o Magistério Ordinário resolveu o problema, ainda então objeto de discussão, da validade das ordenações anglicanas; e ele o fez sem qualquer repetição ininterrupta.

Quanto às demais condições, diz-se que o Magistério seria infalível apenas quando se tratasse de verdades relacionadas à Revelação; mas vimos que o que não faz parte desta matéria não entra no objeto do Magistério da Igreja. Diz-se também que deve ser um documento dirigido a toda a Igreja, mas mesmo este critério é difícil de precisar: um discurso de Pio XII às parteiras (20/10/51) é considerado por todos os moralistas como um juízo infalível sobre a uso dos chamados “métodos naturais”. No que diz respeito à vontade de obrigar, já observamos que a intervenção da Igreja contém em si a necessidade de crer: aliás, para a infalibilidade negativa, nenhum ato especial ou explicação por parte da Autoridade é necessário. Outro erro generalizado é a confusão entre a regra próxima e a regra distante da fé: a Escritura e a Tradição são a regra distante da fé, o Magistério é a regra próxima. O depósito da Revelação encontra-se integralmente na Escritura e na Tradição; não foi confiada aos fiéis e aos teólogos, mas apenas ao Magistério da Igreja, que é a regra próxima e universal das verdades de fé. Estas são as palavras de Pio XII na Humani generis, texto já citado sobre o objeto do Magistério. Esta distinção é clássica na teologia católica. Basta olhar para o índice analítico do Tractatus de auctoritate Summis Pontificis, de João de Santo Tomás, O.P.: devemos distinguir na regra de fé o que ela é em si mesma e o que ela é para nós. Para nós, há duas regras inanimadas ou distantes, a Sagrada Escritura e a Tradição, e duas animadas ou próximas, o Concílio Ecumênico e o Papa. A regra próxima não é um julgamento privado; não é Escritura e Tradição, como diziam os hereges; é visível e exterior a todos os fiéis, é regra viva e humana; requer um julgamento vivo; quando se trata desta regra, estamos falando de toda a religião católica. Ela é a razão por si mesma; deve residir no chefe supremo, o Bispo de Roma.

Em outras palavras, a Escritura e a Tradição constituem a fonte primeira da Revelação: é aí que o Magistério haure antes de se pronunciar. Mas quando ele fala, devemos acreditar no que ele diz, porque ele é para nós a regra de fé imediata: é ele quem diz o que devemos acreditar ou considerar como verdadeiro e é ele quem explica o que é revelado. Não há regra outra ou superior a esta. Não podemos fazer o contrário: julgar o Magistério a partir da Revelação, acreditando que a regra próxima é a Revelação ou melhor que é o nosso próprio julgamento ou o de uma pessoa em quem confiamos, sobre o que nos parece revelado; seria perder a regra próxima, não teria mais o espírito católico, mas uma mentalidade heterodoxa.

Desta confusão surge o erro de acreditar que o magistério ordinário, para ser infalível, deve repetir o que está contido na Revelação, e que de outra forma é falível: assim afirmou Hirpino recentemente (63) que pensou poder sustentar sua tese sobre o artigo do DTC Infalibilidade do Papa, col. 1705. Mas no DTC encontramos exatamente nossa tese:

Para que haja infalibilidade, exige-se, portanto, que a verdade ensinada seja proposta como previamente definida, ou como sempre crida ou admitida na Igreja, ou como atestada, pelo consentimento unânime e constante dos teólogos como verdade católica.

Em outras palavras, a obrigação de crer deve ser significada pelo Magistério de uma destas maneiras: ou dizendo que a verdade proposta já foi definida, ou que está contida na Revelação ou que é da doutrina católica… o artigo do DTC não diz que existe a obrigação de crer se a doutrina católica for julgada pelos fiéis como estando em conformidade com a Tradição, nem é seu pensamento (col. 1703): na verdade, ele nos convida a consultar seu outro artigo sobre a infalibilidade do magistério ordinário da Igreja (64):

o magistério ordinário e universal pode ainda ser exercido pelo ensinamento implícito manifestamente contido… na disciplina e na prática geral da Igreja, ao menos em tudo o que for verdadeiramente ordenado, aprovado ou autorizado pela Igreja universal; pois neste ensinamento, quando verdadeiramente existe, a Igreja não é menos infalível do que nas solenes definições dos Concílios.
(col. 2194)

Em outras palavras, assim que a Igreja fala por este modo de Magistério, é ipso facto infalível, sem necessidade de repetição deste ensinamento. Ressaltamos mais uma vez que o objeto do Magistério é constituído pelas verdades reveladas, independentemente de qualquer outra verdade: nenhuma autoridade propõe algo que não esteja relacionado à Revelação. E tão logo o promulgue, devemos acreditar nele, por causa do dogma da infalibilidade: se, ao contrário, tivéssemos que controlar sua conformidade com a Tradição, o Magistério não seria mais a regra imediata das verdades da fé, já não seria mais infalível por si só mas pelo facto de controlarmos a sua conformidade com a Tradição! Tal posição vem, como disse Pio XII

o orgulho do “livre exame”, que deriva mais da mentalidade heterodoxa do que do espírito católico, e segundo o qual os indivíduos não hesitam em pesar com o peso do próprio julgamento também o que vem da Sé Apostólica (65).

É desse erro básico que nasceu a tese segundo a qual o magistério ordinário e universal seria infalível somente quando sua conformidade com a Tradição fosse expressa nos termos do Cânon de São Vicente de Lérins: isto é, quando está em conformidade com o que foi acreditado por todos, sempre e em todos os lugares.

Esta tese [já refutada na edição n°39 da Sodalitium (cf.: Vita dell’Istituto)] foi apoiada pelos anti-infalibilistas no Concílio do Vaticano; O cardeal Franzelin respondeu-lhes que este Cânon se refere à norma objetiva da fé (regra distante), mas não à norma diretiva (regra próxima):

O cânon de V. de Lérins é pervertido ao buscar nele tanto a norma objetiva quanto a norma diretiva, como se a única norma infalível da Fé Católica devesse ser encontrada no acordo constante e universal da Igreja; então, em matéria de fé, somente aquilo que teria sido crido por acordo constante seria absolutamente certo e infalível, e ninguém poderia acreditar em nada, desta fé divina que é absoluta e infalivelmente certa, sem que ele veja por si mesmo tal acordo constante e universal da Igreja (…). [O cânon] é certamente verdadeiro, se for compreendido em sentido positivo, a saber: aquilo que foi crido sempre, por toda a parte e por todos é divinamente revelado, e portanto deve ser mantido; mas ele seria falso se fosse entendido em sentido negativo. [caso se compreenda que] nada pode ser divinamente revelado e, portanto, deva ser crido, sem que essas três notas de antiguidade, de universalidade e de acordo militem conjuntamente e simultaneamente em seu favor, [cai-se em erro]. Que seja possível de acontecer, com efeito, e que tenha de fato ocorrido, que uma doutrina tenha sido sempre crida, desde a origem, e portanto seja divinamente revelada, sem ter sido crida por toda a parte, nem por todos, S. Vicente mesmo o ensina (66).

Confirmações

… Jesus Cristo instituiu na Igreja um Magistério vivo, autêntico e, além disso, perpétuo, que Ele investiu de Sua própria autoridade, revestido do espírito da verdade, confirmado por milagres, e Ele quis e estritamente ordenou que os ensinamentos doutrinários deste magistério sejam recebido como seus. Sempre que, pois, a palavra deste magistério declara que tal ou qual verdade faz parte do conjunto da doutrina divinamente revelada, cada um deve crer com certeza que é verdade; pois se isso pudesse ser de alguma forma falso, seguir-se-ia, o que é obviamente absurdo, que o próprio Deus seria o autor do erro dos homens… Os Padres do Concílio Vaticano, portanto, não promulgaram nada de novo, mas apenas se conformaram instituição divina, à antiga e constante doutrina da Igreja e à própria natureza da fé, quando formularam este decreto: “Devemos crer pela fé divina e católica…” [segue a citação do cap. 3 do Dei Filius DS 3011, n.d.a.] (67).
(Leão XIII, Satis Cognitum)

Pio XII, na Munificentissimus Deus, recorda que a concordância universal dos bispos é um argumento seguro para definir que a Assunção é “uma verdade revelada por Deus” e inclui que ela deve ser crida com firmeza e fidelidade por todos os filhos da Igreja.

Após a definição ex cathedra desta verdade, Pio XII acrescenta, em outro parágrafo:

Portanto, se alguém, o que a Deus não apraz, ousar voluntariamente negar ou questionar o que definimos, saiba que abandonou totalmente a fé divina e católica.

Este parágrafo vem depois da definição, o Papa não censura, mas se limita a afirmar um fato que provém da definição infalível: quem nega ou duvida não pode manter a fé.

Pio IX, Inter gravissimas, 28/10/1870:

Como todos os instigadores de heresia e cisma, eles falsamente se gabam de ter preservado a antiga fé católica, enquanto derrubam o próprio fundamento da fé e doutrina católicas. Eles reconhecem claramente na Escritura e na Tradição a fonte da Revelação divina; mas eles se recusam a ouvir o Magistério sempre vivo da Igreja, embora claramente emergindo da Escritura e da Tradição, e instituído por Deus como guardião perpétuo da infalível exposição e explicação dos dogmas transmitidos por essas duas fontes. Consequentemente, com sua ciência falsa e limitada, independentemente e até contra a autoridade deste Magistério divinamente instituído, eles se estabelecem juízes dos dogmas contidos nessas fontes da Revelação. Pois eles estão fazendo outra coisa quando, em relação a um dogma de fé definido por Nós, com a aprovação do Santo Concílio, negam que seja uma verdade revelada por Deus e exigindo o assentimento da fé católica, simplesmente porque isso em sua opinião este dogma não é encontrado nas Escrituras e na Tradição? Como se não houvesse uma ordem na fé, instituída por nosso Redentor em sua Igreja e sempre preservada, segundo a qual a própria definição de um dogma deve ser mantida por si mesma para uma demonstração suficiente, muito segura e adaptada a todos os fiéis, que a doutrina definida está contida no depósito duplo da revelação, escrito e oral. É por isso, aliás, que tais definições dogmáticas sempre foram e necessariamente são uma regra imutável tanto para a fé quanto para a teologia católica, a qual cabe a nobilíssima missão de mostrar como a doutrina, no próprio sentido da definição, está contida no depósito revelado.

Conclusão

O estudo da infalibilidade nos leva a uma observação: muitos atos, decretos, ritos, leis dos últimos trinta anos foram promulgados como infalíveis e, portanto, deveria ser exigido aos fiéis que acreditassem no conteúdo deste ensinamento. No entanto, nossa inteligência não pode conceber a contradição e [objetivamente] o conteúdo deste ensinamento é contraditório com o ensinamento já definido infalivelmente pela Igreja. De fato, o que a Igreja já definiu é infalivelmente verdadeiro (68). Como explicar que a Autoridade passou a ensinar “infalivelmente” um erro? Assim, ao invés de diminuir a infalibilidade do Papa e da Igreja, o principal problema deve ser resolvido: aquele que promulgou tal ensinamento realmente tem autoridade na Igreja, é realmente o Vigário de Jesus Cristo, o doce Cristo na terra? Ele cumpre seu dever de defender e guardar o depósito da Fé? Pode estar enganado aquele que é o fundamento, o “Clavígero”, o Pastor universal? São Leão Magno responde à esta questão:

A solidez desta fundação sobre a qual toda a Igreja é construída em toda a sua altura, nunca é abalada, qualquer que seja a importância do templo que a supera. A solidez desta fé louvada no Príncipe dos Apóstolos é perpétua; e como permanece para sempre o que Pedro acreditou em Cristo, assim permanece para sempre o que Cristo estabeleceu em Pedro… De fato, “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” é o que Pedro diz todos os dias em toda a Igreja, e toda língua que louva o Senhor foi formada pelo Magistério desta voz. Essa fé triunfa sobre o diabo e solta as correntes de seus prisioneiros. Arranca o mundo e o faz habitar no céu, e as portas do inferno não prevalecerão contra ele: foi divinamente dotado de tal solidez que nunca a loucura dos hereges poderá corrompê-lo, nem a perfídia dos pagãos dominá-lo (69).

Bibliografia

Enciclopedia Cattolica, article Infallibilità, col. 1920–4.

SALAVERRI, Sacræ Theologiæ Summa, 53. Teologia Fundamentalis, T. III De Ecclesia Christi, B.A.C., Madrid 1962.

V. ZUBIZARRETA O.C.D., Theologia dogmatico-scholastica ad mentem S. Thomæ Aquinatis, vol I, Theologia Fundamentalis, Bilbao 1948.

F. MARIN-SOLA O.P., L’Evolution homogène du Dogme catholique, 2ème éd. Fribourg (CH) 1924.

SISTO CARTECHINI S.J., Dall’opinione al domma, ed. La Civilità Cattolica, Rome 1953.

L. M. DE BLIGNIERES, A propos de l’objet du Magistère ordinaire et universel, suppl. doctrinal à Sedes Sapientiæ, Société St Thomas d’Aquin, octobre 1985.

ABBÉ BERNARD LUCIEN, L’infaillibilité du Magistère ordinaire et universel de l’Eglise, Documents de Catholicité, Bruxelles 1984. A partir dessas obras, tomamos livremente algumas passagens

Outros textos utilizados

E. P. = Os Ensinamentos Pontifícios — L’Eglise, Desclées, 1959.

DS = Denzinger-Schönmetzer, Enchridion Symbolorum Definitionum et Declarationum, XXXVI ed., Herder, 1976.

D = Denzinger-Umberg, é o mesmo texto de DS, numa edição anterior, ed. 18–20, Herder, 1930.

DTC = Dicionário de Teologia Católica, artigos “Infaillibilité du Pape” e “Eglise”.

Notas:

1. Mt X, 33; Mc XVI, 16.

2. Mt X, 40. Lc IV, 43. Jo III, 17; VI, 40; VIII, 29.

3. Alguns exemplos: Mc IX, 22–23; XVI, 14; Jo XI, 26; Mt XV, 28.

4. Mt VIII, 19; Jo III, 2.

5. Nem façais que vos chamem mestres, porque um só é vosso Mestre, o Cristo.

(Mt XXIII, 8–10)

6. Jo XVII, 6; XIV, 17 (orações após a Última Ceia).

7. Jo XX, 21 (depois da Ressurreição).

8. Mt X, 40; Lc X, 16.

9. Cf.: I Cor I, 17; II Cor V, 20; X, 4 ; I Tim I, 19; I Jo II, 24; II Jo I, 10.

10. Neste artigo, sob o nome de Concílio do Vaticano, indicamos aquele reunido no Vaticano a partir do dia 8.

11. SALAVERRI, op. cit., l. 1, c. 1, a. 2, n. 97, pp. 518–29.

12. Jo XIV, 16; XVI, 14. Cf. [também] Lc XXIV, 48–49; Jo XVII, 17; Atos I, 8; II, 4.

13. Mat. XXVIII, 18–20. Quando na Sagrada Escritura Deus faz uma promessa solene a alguém para cumprir uma missão, Ele então dá uma ajuda eficaz para obter o efeito requerido (ver por exemplo: Ex. III, 11–17; Josué I, 5–9).

14. Atos dos Apóstolos V, 32; XV, 28.

15. I Tim IV, 11–16; II Tim II, 2; Tit I, 5.

16. Santo Inácio de Antioquia, Efésios III, 2. Philadelp. III, 2. Santo Irineu, Adv. haer., I, 10, 1; III, 3, 1; III, 4, 1; III, 24. Enciclopédia Católica, op. cit.

17. V. ZUBIZARETTA O.C.D., op. cit., Q. XIX. De potestate Ecclesiæ a. 2, Bilbao 1948, n. 453 ss.

18. Summa Apolog. q. 8 a. 3. É preciso apontar aqui o erro de muitos que afirmam que a Igreja é infalível quando fala a verdade ou quando não erra. Esta é a inerrância simples que todos, inclusive os hereges, podem ter: Ário, Lutero, Calvino também afirmaram coisas conforme a Revelação e o Magistério que os precedeu. O que, ao contrário, é próprio da infalibilidade da Igreja é a impossibilidade de errar [por direito], com a qual ela nunca pode se enganar. Isso a distingue da inerrância de qualquer pessoa ou sociedade humana.

19. FRANZELIN, De Traditione, T. XII, Schol. 1. Citado por L. BILLOT, De Ecclesia Christi, T. I, P. II, c. II, q. X pág. 444–5.

A Santa Sé Apostólica, à qual Deus confiou a guarda do depósito e impôs o encargo e o dever (munus et officium) de pastorear toda a Igreja para a salvação das almas, pode prescrever que sejam seguidos, ou proscrever assim que não sejam seguidas, sentenças teológicas ou ligadas a coisas teológicas, não apenas com a intenção de decidir infalivelmente sobre uma opinião definitiva, a verdade [isso corresponde ao que chamamos de infalibilidade positiva, n.d.a.] …Em tais declarações…há, porém , uma segurança infalível na medida em que é certo que pode ser aceita por todos e não se pode recusar adotá-la sem violação da submissão devida ao Magistério constituído por Deus [isso corresponde ao que chamamos de infalibilidade negativa, n.d.a.]. No entanto, a autoridade do Magistério constituída por Cristo na Igreja, a nosso ver, pode ser considerada sob dois aspectos. Primeiro, em cada ato está sob a assistência do Espírito Santo na definição da verdade ou como a autoridade infalível. Em segundo lugar ou extensivo, na medida em que o próprio magistério age com autoridade para governar as coisas que Deus lhe confiou; no entanto, nem com toda a sua intensidade, por assim dizer, nem para definir uma verdade de uma vez por todas, mas na medida em que se mostrasse necessária ou oportuna e suficiente para a segurança da doutrina; e essa autoridade podemos chamar de autoridade da providência doutrinária. A autoridade infalível não pode ser comunicada pelo Pontífice aos seus outros ministros que agem em seu nome. Mas a autoridade inferior da providência doutrinal, como a chamamos, não independente, mas dependente do próprio Pontífice, é comunicada com maior ou menor extensão a certas Sagradas Congregações… acreditamos que tais julgamentos, menos do que a definição ex cathedra, podem ser feitos de maneira a exigir obediência que inclui submissão de inteligêncianão para a crença de uma doutrina infalivelmente verdadeira ou falsa, mas para o julgamento de que a doutrina contida em tal julgamento é certa e que devemos adotá-la e rejeitar seu contrário por causa da santa autoridade cujo encargo é, sem dúvida, zelar pela segurança da doutrina, a ser adotada com a submissão da inteligência.

Este ensinamento também é dado por Zubizarreta, op. cit., n° 474, a propósito dos Decretos doutrinais: dá como exemplo a carta de Pio IX ao Arcebispo de Munique de 21/12/1863, [citado] p. 48.

20. DS 2725. CARTECHINI, op. cit., Parte Prima, ch. XI, p. 155.

21. Esta Tese foi retirada de SALAVERRI, op. cit., T. III, 1. II ch. I, nn. 501–580, pp. 654–665.

22. Excluído na edição de Denzinger-Schönmetzer.

23. Mt XVI, 18: Nosso Senhor ao prometer o Primado a São Pedro afirma que ele será o fundamento de sua Igreja e que as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela.

Jo XXI, 15–17: Nosso Senhor dá realmente a São Pedro o poder que lhe prometeu. O Papa é, portanto, a Fundação, o “Clavígero”, o Pastor Universal.

Lc XXII, 32: o Concílio do Vaticano, sem querer declarar autenticamente o sentido desta passagem, baseia o dogma da infalibilidade na oração de Nosso Senhor por São Pedro onde pede que a sua fé não desfaleça.

24. SALAVERRI, op. cit., T. III, l. II ch. 2, a. 2 nn. 610–636: estão listados aqui os documentos dos Papas, dos Concílios, dos Padres desde o ano 107 dC.

25. O exemplo clássico é o de João XXII, que publicou uma obra contendo um erro sobre a visão beatífica, obra que ele mesmo rejeitou solenemente antes de morrer (DS 990).

26. S. Th. II, II, q. 11, a. 2.

27. Cartas Apostólicas de Leão XIII, (10 de janeiro de 1890), t. II, p. 281.

28. E. P., vol. 2 (12 de agosto de 1950) nn. 1278, 1281, 1283.

29. O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando define uma doutrina de fé ou moral que deve ser sustentada por toda a Igreja…goza daquela infalibilidade com que o divino Redentor quis dotar a sua Igreja quando define uma doutrina sobre a fé ou sobre os costumes…

30. Mons. Gasser, relator do Concílio Vaticano para a Deputação da Fé, Mansi 52, 1226 s. citado por DE BLIGNIERES, op. cit., pp. 4–5.

31. No objeto secundário agrupam-se as verdades que são chamadas por um termo genérico “verdades conexas”. Estas não se encontram formalmente na Revelação, mas estão intimamente ligadas a ela, e pode-se dizer que estão praticamente contidas nela. Errar nessas aplicações dos princípios revelados abalaria os próprios alicerces sobre os quais repousam e colocaria em perigo a fé. As referidas verdades devem, portanto, ser consideradas presentes na mente do Divino Mestre no ato de comunicar sua Revelação, pois estão logicamente presentes em todo ser inteligente as consequências mais imediatas de suas afirmações.
(ENCICLOPÉDIA CATÓLICA op. cit., col. 1923)

32. Estas são verdades que não são de fé, mas necessárias para fazer o ato de fé.

33. J. KLEUTGEN, Annotationes ad schema II de Ecclesia: Mansi 53, 325; em SALAVERRI op. cit., T. III, 12, c. 3, a. 2, n. 710, pág. 725.

34. Esse cânon acabou formulado [no esquema] assim:

Se alguém disser que a Igreja de Cristo pode faltar na verdadeira fé, ou que em nenhuma outra coisa ela está certamente livre de erros, exceto naquilo que está contido na palavra de Deus: seja anátema.

35. F. MARIN-SOLA O.P., op. cit., T. I c. II, sect. II, n. 134, p. 198.

36. Relatamos a título de exemplo a definição da consubstancialidade do Pai com o Filho.

A Sagrada Escritura nos ensina explicitamente que Jesus Cristo é o Filho único do Pai, verdadeiro Filho de Deus, verdadeiro Deus como o Pai; mas ela não ensina explicitamente que Ele é “consubstancial”… A Igreja docente, portanto, reúne-se no Concílio de Nicéia e, baseando-se, como sempre, nos dados da Sagrada Escritura e da Tradição, define explicitamente a consubstancialidade do Verbo e acrescenta ao Credo tradicional a famosa fórmula consubstantialem Patri.
(MARIN-SOLA, op. cit., n. 202, p. 300)

37. Relatamos a título de exemplo a 5a proposição condenada por São Pio X, DS 3405:

O depósito da fé contendo apenas verdades reveladas, não cabe de modo algum à Igreja julgar as afirmações das ciências humanas.
(Trad. E. P. vol. I, n° 689)

38. MARIN-SOLA, op. cit., n. 253–5, pp. 454–7. Por fé eclesiástica entendemos um ato de fé baseado na infalível autoridade da Igreja, mesmo que ainda não seja um dogma de fé. Cfr. S. CARTECHINI op. cit., pp. 50–65. V. ZUBIZARRETA O.C.D., op. cit., n. 480–3, pp. 412–5.

39. A edição Denzinger-Schönmetzer sintetiza o texto no apêndice à condenação de Pedro Abelardo (DS 721).

40. Prop. 7, 8 et 9, DS 1249–50–51.

41. D 1669, 73, 75 excluído no DS [DS 2851, 57].

42. Se a Igreja incluísse em suas leis o pecado mortal, obrigaria os homens a perder a vida eterna.

(CARTECHINI, op. cit., ch. II, p. 48)

43. S. Th. II, II, q. 10 a 12 in c.

44. Como não notar a afinidade dessa proposta dos jansenistas com os argumentos apresentados por tantos tradicionalistas que querem resistir às novas reformas sem enfrentar o problema da autoridade. Essa condenação os coloca diante de uma escolha: aceitar as referidas reformas ou recusá-las com espírito jansenista ou posicionar-se perante a autoridade que legislou.

45. Diffusion de la Pensée Française 1975, pp. 161–211.

46. A Igreja poderia afirmar um novo dogma (por exemplo, a Mediação universal de Maria) ao instituir uma nova festa para a Igreja universal. São Roberto Belarmino assim falou ao Papa sobre o dogma da Imaculada Conceição, que ainda não estava definido em seu tempo:

Se uma definição formal não é dada agora, pelo menos todos os eclesiásticos seculares e regulares devem ser prescritos para recitar o ofício da Imaculada Conceição, como faz a Igreja: assim, sem nenhuma definição, obteríamos o que desejamos.
(citado por DA SILVEIRA, op. cit., p. 170)

47. Textos citados por SALAVERRI, op. cit., n. 725, pp.732–3.

48. Textos citados por SALAVERRI, op. cit., n. 729, p. 734.

49. Alguns exemplos. Notas: de fé, próximo da fé, doutrina católica, teologicamente certo, certo. Censura: herético, erro, próximo da heresia, do erro, suspeito ou com aparência de heresia, erro em teologia, imprudente, falso, ofensivo ao senso cristão, escandaloso, incerto.

50. Pode haver pecado mortal indiretamente contra a fé [ao não assentir] em uma proposição declarada com a anotação “teologicamente certo” ou “doutrina católica”; pecado mortal de temeridade com uma proposição declarada “certa”; pecado mortal de desobediência a uma proposta declarada “segura”. CARTECHINI, op. cit., esquema no início da obra. Ver também Parte Prima, c. XI, pp. 154–8.

51. BILLOT, op. cit., pp. 445–6 afirma sobre uma proposição declarada segura:

uma doutrina para a qual há forte probabilidade de não se opor à regra de fé, talvez seja declarada falsa, especulativamente falando, isto é, se for considerada segundo sua relação com a regra de fé considerada objetivamente em si mesma . Mas quanto à legalidade de acreditar na referida doutrina como uma opinião, é certamente seguro, e pode-se adotá-la com segurança, uma vez que não há oposição, pelo menos um tanto digna de fé, com aquela regra [fé] contra a qual é não é lícito ter opinião contrária.

Se, por outro lado, uma doutrina tiver sido declarada insegura, mesmo que apenas de forma provável, ela não poderá ser seguida.

52. GOUPIL, S.J., La règle de la foi, n. 31 citado por DE BLIGNIERES, op. cit., p. 6.

53. L. M. DE BLIGNIERES, op. cit., pp. 6–8.

54. Mons. d’Avanzo, relator da Deputação da Fé no Concílio do Vaticano, Mansi, 52, 1193. Citação de L. M. DE BLIGNIERES, op. cit., pág. 8. Ver: SALAVERRI, op. cit., n. 666; não. 645–9, p. 700–1.

55. Mansi 52, 763–4 et 52, 764 C 1–7 : Citado por l’Abbé Bernard LUCIEN, op. cit., pp. 21–3.

56. Constituição Dogmática Dei Filius, c. III: De Fide 24/4/1870.

57. Mansi 51, 224 C12–225 A5 : citado por B. LUCIEN, op. cit., p. 39.

58. 12–8–1950 (E. P. 1280).

59. Instrução Ecclesia Catholica ao Episcopado Católico, E. P. vol. II, n° 1269.

60. P. KLEUTGEN, na exposição teológica sobre o esquema da Igreja, no Concílio, Mansi 53, 330 B: citado por B. LUCIEN, op. cit., pág. 135.

61. Veja, por exemplo, os artigos de Arnaldo Vidigal Xavier Da Silveira publicados no Cristianità nn. 9, 10 e 13 de 1975; 40–41 de 1978. Esses artigos, devido à louvável intenção de provar que se pode recusar as novas reformas sem perder a fé católica, contêm muitos erros, imprecisões e contradições.

62. Outro erro afirma que a Igreja, uma vez que é infalível per se, pode ser falível per accidens. Ora, a Igreja é infalível per se em oposição a per alium: enquanto ela for infalível por si mesma, não necessita de nenhum outro meio humano para alcançar a infalibilidade.

63. HIRPINUS, Vers l’Apostasie par la voie de l’ “obéissance”, Courrier de Rome, ano XXVII n° 170 (360), julho-agosto de 1995, pp. 2 e 3. Tradução de Sì Sì No No, Ano XXI n° 9, 15 de maio de 1995 pp. 2 e 3.

64. DTC, Igreja, col. 2193 ss.

65. Pio XII, Vos omnes, 9/10/1957, E. P. n. 1483.

66. Mansi 52, 26–27: citação de B. LUCIEN, Le canon de St Vincent de Lérins, em Cahiers de Cassiciacum, n° 6, pp. 83–95.

67. E.P., A Igreja, vol. Em. 571–2.

68. ABBÉ H. BELMONT, O exercício cotidiano da Fé na crise da Igreja.

69. SÃO LEÃO MAGNO, Sermões, 3, 1–4.

Trad. por Abner Benedetto; da edição (francesa) n. 40 da “Revista Sodalitium”.

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