O CASO DO PAPA CELESTINO III

UMA REFUTAÇÃO A ROBERT SISCOE

Novus Ordo Watch
2017

Os mestres em teologia do segmento RR são espertos demais para seu próprio bem. Em 21 de fevereiro de 2017, o colaborador do The Remnant e coautor do livro True or False Pope? Robert J. Siscoe publicou o que ele pensava ser um golpe contundente contra o Sedevacantismo. Num artigo intitulado “Pope Celestine III’s Error on the Indissolubility of Marriage” (O erro do Papa Celestino III acerca da indissolubilidade do matrimônio), publicado na edição online do The Remnant, Siscoe arguiu que o Papa Celestino III (1191-1198) tinha cometido um grave erro doutrinal que foi mais tarde incorporado na lei universal da Igreja pelo Papa Gregório IX.

É evidente que a ideia subjacente à argumentação dos anti-sedevacantistas é que, se um Papa indiscutivelmente verdadeiro no passado ensinou erros ou heresias, e isso passou para o Magistério oficial da Igreja e até se tornou parte da sua lei disciplinar universal, então não há razão para que não possamos acusar Francisco da mesma coisa hoje e ainda assim sustentar que ele é um verdadeiro Papa. Em outras palavras, o argumento é basicamente este: “Só porque Francisco ensina disparates não significa que não seja o Papa, pois a Igreja já ensinou disparates no passado”. Uma brilhante defesa da doutrina católica!

O autor sedevacantista Padre Anthony Cekada produziu um vídeo no qual responde à argumentação de Siscoe. Pode-se vê-lo aqui.

Eis um resumo dos factos:

  1. É verdade que a posição do Papa Celestino III era errônea; contudo:
  2. O Papa Celestino limitou-se a dar a sua opinião acerca de uma questão que ainda não estava definida, e sobre a qual era permitida, na época, uma diversidade de opiniões. O próprio Siscoe reconhece este fato quando admite que São Roberto Belarmino escreveu que “toda a questão estava ainda a ser considerada” (De Romano Pontifice, l. IV, c. 14). E o mesmo São Roberto Belarmino também esclarece que: “Nem Celestino nem [o seu sucessor] Inocêncio [III] declararam nada de certo sobre a matéria” (ibid.).
  3. Siscoe conclui de maneira precipitada e incorreta que “o que este caso histórico mostra é que um Papa pode cometer um erro grave de juízo quanto a uma questão moral (que deveria ser clara), contanto que não pretenda que o seu juízo seja uma definição solene”. Ao contrário, o que o caso realmente mostra (e o que Siscoe deveria ter argumentado) é que um Papa pode cometer um erro grave de juízo quanto a uma questão moral que ainda não foi definida e sobre a qual ele apenas oferece uma opinião. Contudo, é claro que isto não é útil para o discurso de Siscoe porque não contradiz o Sedevacantismo.
  4. A alegação de Siscoe de que o erro do Papa Celestino III foi incorporado na lei disciplinar universal da Igreja é falsa e baseia-se na sua própria ignorância a respeito do texto em que se baseia, que não fazia parte da coleção autêntica de cânones – na verdade, ele foi omitido por ordem expressa do Papa Gregório IX.

É surpreendente que Siscoe pareça não se perturbar com o fato de que, se sua argumentação estivesse correta, ele teria refutado não apenas o Sedevacantismo, mas o Catolicismo por completo, visto que é doutrina católica que a Igreja não pode promulgar leis disciplinares universais que são em si mesmas más, perniciosas, heréticas ou defectivas:

Sem mancha alguma, brilha a Santa Madre Igreja nos sacramentos com que gera e sustenta os filhos; na fé que sempre conservou e conserva incontaminada; nas leis santíssimas que a todos impõe, nos conselhos evangélicos que dá; nos dons e graças celestes, pelos quais com inexaurível fecundidade produz legiões de mártires, virgens e confessores. (Papa Pio XII, Encíclica Mystici Corporis, nº. 66)

… como se a Igreja, que é regida pelo Espírito de Deus, pudesse instituir uma disciplina que não só é inútil e onerosa para a liberdade cristã, mas que é mesmo perigosa e nociva e conduz à superstição e ao materialismo. (Papa Pio VI, Bula Auctorem Fidei, nº. 78; Denz. 1578)

[A] disciplina sancionada pela Igreja jamais deve ser rejeitada ou rotulada como contrária a certos princípios da lei natural. Não pode nunca ser considerada deficiente, imperfeita ou sujeita à autoridade civil. Nesta disciplina estão compreendidas a administração dos ritos sagrados, as normas de moralidade e o reconhecimento dos direitos da Igreja e dos seus ministros. (Papa Gregório XVI, Encíclica Mirari Vos, nº. 9)

A infalibilidade da Igreja estende-se à disciplina geral da Igreja… Por “disciplina geral da Igreja” deve entender-se as leis eclesiásticas aprovadas para a Igreja universal relativas à direção do culto e da vida cristã… A imposição de comandos não pertence diretamente ao magistério, mas ao governo; as leis disciplinares são apenas indiretamente objeto de infalibilidade, isto é, apenas em razão da decisão doutrinária implícita nelas. Ao sancionar uma lei, os governantes da Igreja fazem implicitamente um duplo juízo: 1. “Esta lei está em conformidade com a doutrina da Igreja sobre fé e moral”; ou seja, ela não impõe nada que esteja em desacordo com a sã doutrina e os bons costumes. Tal equivale a um decreto doutrinal. 2. “Esta lei, considerando todas as circunstâncias, é muito oportuna”. Tal é um decreto de juízo prático. (Mons. Gerard van Noort, Dogmatic Theology, vol. 2, Christ’s Church, pp. 114-115)

A Igreja é infalível em sua disciplina geral. Pelo termo disciplina geral deve-se entender as leis e práticas que pertencem ao ordenamento externo de toda a Igreja. Tais coisas seriam aquelas que dizem respeito ou ao culto externo, como a liturgia e as rubricas, ou à administração dos sacramentos…. Se ela [a Igreja] pudesse prescrever ou ordenar ou tolerar na sua disciplina algo contrário à fé e à moral, ou algo que visasse o detrimento da Igreja ou o prejuízo dos fiéis, afastar-se-ia da sua missão divina, o que seria impossível. (Jean Herrmann, Institutiones Theologiae Dogmaticae, vol. 1, p. 258)

Tudo isto é razoável, pois uma Igreja que pode enganar os fiéis ao ponto de ser efetivamente causa da sua condenação é inútil, ou mesmo perigosa, e não é certamente a Igreja fundada por Jesus Cristo, contra a qual as portas do inferno jamais prevalecerão (cf. Mt 16, 18-19). No entanto, quando Cristo prometeu que as portas do inferno jamais prevaleceriam, Ele não quis dizer que a Igreja poderia ensinar todo o tipo de disparates heréticos e perigosos, mas que Ela seria sempre corrigida por autoproclamados guardiões da ortodoxia, como John Salza, Chris Ferrara, John Vennari ou Robert Siscoe. Ao contrário, a garantia divina de que a Igreja é indefectível significa precisamente que a Igreja não pode ser vencida pela heresia e será sempre a Arca da Salvação à qual as pessoas podem-se agarrar com confiança e segurança infantis. Em outras palavras, o cenário que enfrentamos agora com a Seita do Vaticano II é algo que Deus garante que jamais poderá ocorrer com a verdadeira Igreja Católica (cf. Have the Gates of Hell Prevailed? The Papacy and Sedevacantism).

É por esta razão que nós, sedevacantistas, podemos ter a absoluta certeza de que a terrível Seita do Vaticano II não é a Igreja Católica e que os seus chefes não são verdadeiros Pontífices Romanos.

O The Remnant é conhecido por publicar argumentos parcialmente elaborados e teologia viciada. Recentemente, o colunista do The Remnant, Chris Jackson, tentou argumentar que a história nos ensina que o decreto do Papa Clemente XIV que suprimiu a ordem dos jesuítas foi corajosamente resistido por verdadeiros católicos que se recusaram a aceitar os disparates papais – porém, mais tarde, verificou-se que Jackson não tinha feito o seu dever de casa: O único bispo que resistiu incorreu numa excomunhão papal automática, e Santo Afonso de Ligório, um santo canonizado da época, que é certamente digno de ser imitado, submeteu-se ao juízo do papa, chamando-lhe de “a vontade de Deus”! Mas os leitores não ouviram isto do The Remnant, tiveram de vir ao Novus Ordo Watch para o saber (cf. Resisting the Pope? The Remnant and the Suppression of the Jesuits).

Parece que, devido ao seu ódio cego ao Sedevacantismo, os teimosos proponentes da posição galicana RR não se importam se, com isso, demolirem toda a Igreja. Eles ficariam mais do que felizes em ter uma Igreja defectível, perigosa e ímpia que se assemelha mais à Meretriz da Babilônia do que à Imaculada Esposa de Cristo, juntamente com um “Papa” irrelevante e anti-católico cujas palavras e atos precisam de ser combatidos para que não sejamos levados ao inferno pelos seus ensinamentos, leis ou ritos litúrgicos – contanto que não tenham de admitir que estavam errados acerca do Sedevacantismo. E depois têm o atrevimento de dizer que, se não aderirmos a uma posição tão ridícula, “acabamos por perder a Fé na própria Igreja” (Siscoe, “Pope Celestine III’s Error”)!

Quem é que perdeu a Fé na Igreja aqui?

Pode-se fazer um rápido exame para verificar se crê ou não na Igreja Católica. O texto que se segue foi escrito pelo célebre sacerdote do século XIX, Pe. Frederick Faber, e os sedevacantistas concordam em absoluto com ele:

Com efeito, podemos esquecer, e por vezes esquecemos, que não só não basta amar a Igreja, mas que não é possível amá-la corretamente, se não a temermos e reverenciarmos. O nosso esquecimento resulta do fato de não termos depositado de forma suficientemente profunda em nossas mentes a convicção do caráter divino da Igreja… A própria dimensão de grandeza humana que existe em torno da Igreja nos faz esquecer ocasionalmente que ela não é uma instituição humana.

Daí surge aquele tipo errado de crítica que esquece ou ignora o carácter divino da Igreja. Daí resulta o fato de estabelecermos nossas próprias mentes e nossos próprios pontos de vista como critérios de verdade, como padrões para a conduta da Igreja. Daí decorre o fato de julgarmos o governo e a política dos Papas. Daí vem o cuidado pouco filial e pouco sábio de separar, em todos os assuntos da Igreja e do Papado, o que nós consideramos ser divino do que afirmamos ser humano. Daí advém a desrespeitosa preocupação em distinguir entre o que nós devemos conceder à Igreja e o que não devemos conceder à Igreja. Daí deriva aquela irritável ansiedade de ver que o sobrenatural é mantido bem subordinado ao natural, como se realmente acreditássemos que deveríamos agora mesmo tensionar todos os nervos para que um mundo demasiado crédulo não caia como vítima de excessiva sacerdotalização e ultramontanismo [“papolatria”? – N.O.W.].

… Mas, basta que uma vez compreendamos realmente que a Igreja é uma instituição divina, e então veremos que tal crítica não é simplesmente uma baixeza e uma deslealdade, mas uma impertinência e um pecado. (Rev. Frederick W. Faber, Devotion to the Church [Londres: Richardson & Son, 1861], pp. 23-24; itálico do original; quebras de parágrafo acrescidas).

É possível aplicar estas belas palavras a Francisco e à Seita do Vaticano II? Dificilmente! E estas palavras do Papa Pio XI também não são de grande ajuda para o caso RR: “Não menos importante dentre as bênçãos que resultaram da honra pública e legítima prestada à Santíssima Virgem e aos santos é a perfeita e perpétua imunidade da Igreja contra o erro e a heresia” (Encíclica Quas Primas, nº. 22).

Ainda ontem, o The Remnant superou-se mais uma vez, publicando um artigo do seu colunista titular Chris Ferrara com o título absurdo: “Imploding Papacy Signals Triumph of Immaculate Heart” (A Implosão do Papado é sinal do triunfo do Imaculado Coração)! Estas pessoas estão tão afastadas da doutrina católica sobre o Papado que nem sequer vêem a ironia de tal título. Um Papado em implosão seria uma vitória para Satanás, não para a nossa Mãe Santíssima! A apostasia modernista é uma apostasia do Vigário de Cristo e da Igreja, não pelo Vigário de Cristo e pela Igreja!

A posição RR causou enormes danos àquilo que as pessoas que se consideram católicas tradicionais acreditam sobre a Igreja e o Papado. Quando foi a última vez que se ouviu os seus proponentes citarem, por exemplo, o seguinte?

Com efeito, uma forma simples de manter os homens a professar a verdade católica é através da manutenção da sua comunhão e obediência ao Romano Pontífice. Pois é impossível para um homem rejeitar qualquer parte da fé católica sem abandonar a autoridade da Igreja Romana. Nesta autoridade, o ofício imutável de ensino desta fé continua vivo. Ela foi instituída pelo divino Redentor e, por conseguinte, a tradição dos Apóstolos foi sempre preservada. Por isso, tem sido uma caraterística comum tanto dos antigos hereges como dos protestantes mais recentes – cuja desunião em todos os seus outros princípios é enorme – atacar a autoridade da Sé Apostólica. Mas nunca, em tempo algum, foram capazes, por qualquer artifício ou esforço, de fazer com que esta Sé tolerasse um só dos seus erros. (Papa Pio IX, Encíclica Nostis et Nobiscum, nº. 17)

A escolha é vossa: podeis ficar com Francisco e os seus cinco antecessores de infeliz memória, ou com a doutrina católica sobre o Papado.

Mas vós não podeis ter ambos.

Trad. por Abner Benedetto. De: Novus Ordo Watch, “The Case of Pope Celestine III: A Refutation of Robert J. Siscoe”.

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