SEDEVACANTISMO PURO E SIMPLES

Luciano Takaki
2024

INTRODUÇÃO

O Leitor mais antigo e atento deve estranhar, visto que imitei o título do famoso (e herético) livro de C.S. Lewis, que eu já critiquei noutro artigo (cf. “O cristianismo impuro e simplista de C.S. Lewis”). No entanto, aqui não cometerei o mesmo erro de Lewis. Lewis cria que a diferença entre as “denominações cristãs” seria meramente acidental, sendo que o que distingue realmente essas ditas denominações uma das outras são partes essenciais, visto que a Doutrina Cristã é um todo integral. Com a fé teologal, o fiel cristão crê na Doutrina inteira sob a pena de perder a fé inteira negando ou duvidando obstinadamente de um único ponto.

Com o sedevacantismo não é assim, salvo algumas posições excêntricas, como o conclavismo no seu nível mais radical, por exemplo. A diferença que há entre a posição totalista e do adepto da Tese de Cassiciacum é, apesar de não parecer a alguns, meramente acidental. Aqui exporei única e exclusivamente os pontos concordantes que justificam a nossa posição. Até porque inserir uma opinião própria minha aqui é inevitável, mas deixo ao Leitor também a liberdade de tirar suas próprias conclusões.

Aqui não colocarei muitas referências pois quase tudo já está no site e há ainda o “Índice sobre o Sedevacantismo”, onde há uma vasta lista de artigos sobre o tema com os mais renomados autores.

Aqui, a intenção é colocar um texto realmente introdutório, sem pretender ser um tratado completo acerca do tema.

A PARTE HISTÓRICA

Em 1965, era encerrado o Vaticano II, o Concílio da Apostasia. Com o Vaticano II, grande parte do clero passou a professar uma doutrina distinta da Católica. Isso muitos viram e diversos sacerdotes fizeram resistência às inovações segundo-vaticanistas, principalmente após a promulgação do Novus Ordo Missae. Alguns resistiram a essas inovações reconhecendo Paulo VI e João Paulo II como papas e outros resistiram não reconhecendo a autoridade desses dois ocupantes da Sé Apostólica.

No primeiro grupo, temos como maior expoente o arcebispo francês Dom Marcel Lefebvre; e, depois, Dom Antônio de Castro Mayer. Já no segundo grupo, inicialmente destacou-se o jesuíta mexicano Pe. Joáquin Saenz y Arriaga. Depois do padre mexicano, veio o bispo vietnamita Dom Pierre Martin Thuc e alguns bispos sagrados por ele, como Moisés Carmona, Adolfo Zamora e o dominicano francês Guérard des Lauriers.

Algumas pessoas desonestas incluem o grupo fundador da seita Palmar de Tróia. No entanto, isso não faz sentido, porquanto eles não apenas reconheceram Paulo VI como papa, como ainda o “canonizaram”. Depois, não creram que a Sé está vacante, senão que foi transladada para Palmar de Tróia. Por isso, eles chamam sua seita de Igreja Católica Apostólica Palmariana. Considerá-los sedevacantistas é ou desonestidade ou insensatez.

Resta saber o que levaram esses padres e bispos a negarem a autoridade dos chamados papas conciliares e pós-conciliares.

PRIMEIRO PONTO: O PAPA E A IGREJA SÃO INFALÍVEIS E DEVEMOS OBEDECÊ-LOS POR LEI DIVINA

O Concílio Vaticano I, diversos documentos posteriores (e.g., as encíclicas Satis Cognitum e Sapientiae Christianae) e mesmo o Código de Direito Canônico ensinam e determinam a infalibilidade do papa e da Igreja não apenas no Magistério Solene e Extraordinário, como também no Ordinário e Universal. O papa e a Igreja não podem mudar o seu ensinamento. Assim, se o Concílio Vaticano II foi um concílio convocado e aprovado por verdadeiros papas, não pode haver nenhum erro. Desse modo, os seus sucessores que subscreveram e subscrevem os mesmos ensinamentos também deveriam ser obedecidos, uma vez não poderia haver nenhum erro nestes mesmos ensinamentos.

O mesmo aplica-se ao rito: Novus Ordo Missae deveria ser uma missa católica. Deve ser substancialmente a mesma missa como rezada por todos os católicos em todos os tempos e tão católica como qualquer outro rito aprovado pela Igreja. Se tal rito foi aprovado por um verdadeiro Romano Pontífice, há uma obrigação por lei divina de rezá-lo se assim ele ordenar.

SEGUNDO PONTO: NÃO HÁ NENHUMA CONTINUIDADE ENTRE O QUE SE ENSINAVA ANTES E O QUE SE ENSINA DESDE O VATICANO II

Há, segundo nós, sedevacantistas, diversas rupturas no ensinamento. Veremos resumidamente algumas delas:

Liberdade religiosa. A declaração Dignitatis humanae ensina que a liberdade religiosa é um direito fundamentado na dignidade da pessoa humana e na palavra revelada de Deus, em radical oposição com o que ensina a encíclica Quanta cura e diversos outros documentos.

Falso ecumenismo. O decreto Unitatis redintegratio ensina que o Espírito Santo pode utilizar as seitas heréticas e cismáticas como meio de salvação, que possuem comunhão parcial com a verdadeira Igreja de Cristo e também que podemos ativamente rezar com eles. Com base neste documento, vemos o alto clero participando ativamente de ritos heréticos e ainda dando diversas concessões. Tudo isso contradiz inúmeros documentos pré-conciliares desde a bula Unam Sanctam até a memorável encíclica Mystici corporis Christi.

Diálogo interreligioso. Com base na declaração Nostra aetate e no numeral 16 da constituição dogmática Lumen gentium, a Igreja Conciliar, não contente em incluir as seitas heréticas e cismáticas na sua comunhão, também deu um jeito de pouco a pouco incluir também os infiéis judeus e maometanos, bem como os pagãos, tais como budistas e hindus. O maior evento que prova este ponto é o Encontro de Assis de 1986, que se repetiu algumas vezes. Bergoglio atingiu outro nível depois, com a Declaração sobre Fraternidade Humana assinada em Abu Dhabi e a encíclica Fratelli tutti.

Cooperação com o mundo. Aqui temos um escândalo ensinado pela constituição pastoral Gaudium et spes. A partir dessa constituição (já em germe na encíclica Pacem in Terris de João XXIII), a Igreja Novus Ordo começa a se relacionar com a O.N.U., mostrando que o seu fim não é mais a glória de Deus e nem a missão salvífica.

Inversão dos fins do matrimônio. Isso está na mesma Gaudium et spes e no novo Código de Direito Canônico (1055 § 1). Bergoglio irá mais longe e permitirá até mesmo comunhão para adúlteros e amasiados, mostrando as consequências desta inversão.

Mistério Pascal. É a alma do rito Novus Ordo Missae. O Mistério Pascal coloca ênfase não mais no sacrifício redentor de Nosso Senhor Jesus Cristo, senão na sua Ressurreição. Segundo essa doutrina, a Paixão e a Ressurreição formam um único mistério, e, somado ao humanismo, a Paixão perde importância; os próprios crucifixos passam a ser desprezados nas igrejas para dar lugar a imagem de Cristo ressuscitado, eliminando totalmente a noção de sacrifício nas missas. Sem essa doutrina, muito provavelmente não teríamos o Novus Ordo Missae.

ALTERNATIVAS POSSÍVEIS

I — Aceitar os “papas” conciliares e pós-conciliares e todas as suas inovações: a consequência disso é perder a fé e ser conivente com os sacrilégios e irreverências do Novus Ordo Missae. Terá de aceitar tudo o que foi exposto acima e mais tudo o que os falsos papas ensinarem, aprovando tudo o que fazem, como, por exemplo, o Encontro de Assis.

II — Aceitar os “papas” conciliares e pós-conciliares, mas não as suas inovações: a consequência é adotar um comportamento indócil para com as “legítimas” autoridades e cismático. E também pode incorrer em heresia, pois corre-se o risco de negar a infalibilidade papal ao mitigá-la demasiadamente. Outro problema desta posição é também o fato de praticamente negar o papa como regra próxima da fé, um vez que passa a sê-la o próprio fiel ou o clérigo desta posição.

III — Negar os “papas” conciliares e pós-conciliares e as suas inovações: é a posição sedevacantista. Com ela, rejeitamos as inovações que colocam a nossa fé em risco ou mesmo nos faz perdê-la completamente. Também preservamos a docilidade verdadeira ao Magistério e a infalibilidade e indefectibilidade do papa e da Igreja.

ALGUMAS OBJEÇÕES

A Igreja nunca definiu quando um papa deixa de ser papa. A Igreja definiu que o papa jamais pode errar nos seus ensinamentos com respeito a fé e a moral. Assim, se há mudanças tão flagrantes no ensinamento que nos impele à resistência, devemos não reconhecer e resistir, mas sim rejeitar a sua autoridade para preservar o dogma da infalibilidade. Ademais, não dizemos que tal pessoa deixou de ser papa, senão que tal pessoa não chegou a ser papa, i.e., não recebeu a autoridade papal.

O Concílio Vaticano II não definiu solenemente nenhum dogma, logo não foi infalível e pode ter erros. Um concílio ecumênico da Igreja é a expressão máxima do Magistério. A autoridade do papa sozinho bastaria, mas num concílio ecumênico temos o papa e mais os bispos do mundo inteiro reunidos deliberando documentos. Assim sendo, Paulo VI, se realmente foi papa, ao assinar os documentos, assinou os documentos assistido pelo Espírito Santo, sem nenhuma possibilidade de assinar documentos heréticos, ainda que não fossem definitórios. Assinar tais documentos é subscrevê-los.

A jurisdição ordinária é necessária para a preservação da Igreja. Não há resposta conhecida sobre isso agora. No entanto, só sabemos que os clérigos que subscreveram as heresias do Vaticano II não podem ser detentores dessa jurisdição. A situação é análoga a de um médico que tem certeza de que o paciente está doente, mas não consegue identificar a doença. Ademais, se tais clérigos gozam dessa jurisdição, deveriam ser obedecidos.

Houve a aceitação pacífica e universal dos papas conciliares e pós-conciliares, que é efeito da eleição de um legítimo papa. A aceitação pacífica e universal por si mesma não torna hereges como Montini e Bergoglio papas como numa face de mágica. A aceitação pacífica e universal sana impedimentos eclesiásticos (se um homem casado fosse eleito papa, por exemplo), mas não sana o problema de um não católico ser eleito.

Não podemos usar um juízo privado para depor o papa. Não depomos o papa, apenas constatamos que alguém que ensina heresias não pode ser papa. Se tal pessoa é realmente papa, não poderíamos rejeitar nenhum ensinamento seu em matéria de fé e moral.

Não podemos considerar documentos heréticos sem antes um esclarecimento da hierarquia. Tais esclarecimentos nunca aconteceram. Ao compararmos, por exemplo, Dignitatis humanae e a Quanta cura, é evidente para qualquer pessoa que há uma oposição radical. Como ambos os documentos sustentam as suas respectivas doutrinas na revelação divina, fica impossível o intelecto sustentar as duas ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto. A fé teologal nos impele a crer no que a Quanta cura ensina. Assim sendo, somos impelidos também a constatar a impostura de Paulo VI, que assinou a Dignitatis humanae e outros que repetem essa doutrina.

Devemos aguardar uma sentença de Igreja. Decerto devemos aguardar uma sentença da Igreja para que o falso papa seja deposto juridicamente e condene os outros passados. Mas enquanto o atual falso papa impõe a sua falsa religião, não devemos reconhecê-lo como papa.

O Concílio Vaticano I definiu que teremos sucessores perpétuos. A definição não estipula um tempo certo para os perigos de vacância da Sé Apostólica. O que se ensina é que a Igreja sempre terá faculdade de eleger um Romano Pontífice. Nada impede inclusive que, por acidente, a Igreja fique sem papa até o mundo acabar [se o fim estiver próximo], mas mantendo essa faculdade.

Há divisões no sedevacantismo. Assim como há divisões em todos os grupos de todas as posições. Há divisões entre a TFP, a FSSPX, a Resistência, comunidades Ecclesia Dei e até entre as comunidades Novus Ordo (entre carismáticos e da teologia da libertação). Essas divisões provam mais o nosso ponto do que o dos adversários. Alguém consegue imaginar uma divisão dessas na época de Pio XII? Como já dito, essas divisões no sedevacantismo se devem a questões que são acidentais.

Sedevacantismo é uma falsa solução. O sedevacantismo de fato não é uma solução, mas sim uma convicção e também uma forma de explicar a situação atual. A solução não cabe a nós, mas a Deus, porque está fora de nosso alcance. Não é o nosso objetivo solucionar a vacância da Sé Apostólica, mas apontá-la.

CONCLUSÃO

O sedevacantismo é a posição certa para os tempos de crise. Há alguns pontos necessários para serem esclarecidos: o primeiro ponto é que não dizemos que os que aceitam de boa fé esses falsos papas vão para o inferno. Não são todos que concluíram a impostura. Há clérigos que tentaram dar uma interpretação católica a esses falsos ensinamentos sem sucesso. Tais clérigos podem ter errado na interpretação, mas não na fé.

O segundo ponto é de que o sedevacantismo não é um movimento. O sedevacantismo é simplesmente a convicção de que a Sé Apostólica está vacante de um verdadeiro papa. Saber essa distinção é fundamental, dado que muitos adversários acham que somos um bloco homogêneo. Não somos. O único ponto de unidade é a vacância. Infelizmente há alguns malucos demasiado belicosos, mas o mau comportamento de certos grupos não refuta a veracidade da posição. Neste caso, caso o Leitor se interessar pela posição, cabe avaliar os grupos com os fiéis mais piedosos. Afinal, devemos conhecer a árvore por seus frutos.

Assim, espero ter alcançado o objetivo de expor resumidamente a posição. Para se aprofundar, consulte o já mencionado Índice sobre o Sedevacantismo e outros materiais.

2 comentários em “SEDEVACANTISMO PURO E SIMPLES

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  1. Sedevacantismo é falso, porque a totalidade (ou quase a totalidade) do episcopado não poderia apostatar da verdadeira fé, é o que defendem teólogos tradicionais como o cardeal João Batista Franzelin, Dom Proper Guéranger e o Bispo Vicent Ferrer em seu relátorio sobre o Concílio Vaticano I

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    1. Isso não mostra que o sedevacantismo é falso. Se partirmos desse fato, ainda teríamos outras dificuldades para resolver. Ademais, sobre se os bispos apostaram formalmente ou não, seria necessário uma explicação extensa aqui. Antecipo que não é assim que penso.

      Ademais, isso não é dogma nem nunca foi definido. Ainda que seja uma opinião teológica com nomes de peso aderindo a ela, o fato é que, atualmente, quase não há bispos realmente católicos.

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