OS ERROS DE HANS-HERMANN HOPPE E A HERESIA ANARCOCAPITALISTA

Luciano Takaki | 2019

I – Quem é Hans-Hermann Hoppe

Hoppe é visto por muitos como o maior nome do chamado austrolibertarianismo, que mescla o pensamento libertário com o da Escola Austríaca de Economia devido aos seus insights, análises econômicas e políticas e, por fim, a sua grande idéia notável: a ética argumentativa. Hoppe é visto por muitos outros libertários como uma das mentes mais brilhantes do mundo (não é exagero, realmente pensam assim), seu pensamento é abrangente e acaba aplicando os seus métodos em diversas áreas do conhecimento humano, como sociologia, antropologia e história. Hoppe é, para muitos libertários, o grande inovador da filosofia por sua ética argumentativa. Porém, Hoppe não é tudo isso que dizem. Após uma profunda análise e estudo, encontramos erros lógicos, erros metodológicos, comentários culturalmente pueris. Um bom exemplo foi ele ter chamado Goethe de “o europeu do milênio” (Cf: “The Politics of Johann Wolfgang Goethe”), ignorando pensadores do quilate de Santo Tomás de Aquino, por exemplo.

No ramo histórico, o que lemos não é nada muito diferente do que podemos esperar de um pensador de influência iluminista. Em um dos seus artigos mais conhecidos, Hoppe procura explicar a origem da propriedade privada e da família usando um prisma totalmente evolucionista (Cf: “A origem da propriedade privada e da família”). Muitas poderão objetar que é possível uma análise cristã remontando a Adão e Eva como lemos no Gênesis. No entanto, este não é o nosso foco, pois uma explicação cristã que refute um texto de análise evolucionista precisa de trabalho bem mais elaborado e que não cabe aqui no momento. Portanto, saltemos diretamente ao grande cavalo de batalha de Hoppe: a ética argumentativa.

II – Um princípio praxeológico

A ética argumentativa é basicamente o argumento de que, pelo fato de a pessoa ter capacidade argumentar, isso a faz proprietária do seu corpo. Hoppe, assim, cria um silogismo do qual, segundo ele, não pode ser negado pelo objetor sob a pena de cair numa “contradição performática”. Assim escreve Hoppe:

A fim de reconhecê-las, necessário apenas chamar a atenção para três fatos relacionados. Primeiro que a argumentação não é somente uma questão cognitiva, mas também prática. Segundo, que a argumentação, como uma forma de ação, inclui o uso do recurso escasso do corpo de alguém. E terceiro, que a argumentação é uma forma de interação livre de conflito. Não no sentido de que há sempre concordância sobre o que foi dito, mas no sentido de que uma vez que a argumentação está em desenvolvimento é sempre possível concordar pelo menos com o fato de que há uma discordância sobre a validade do que foi dito (Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo; Instituto Ludwig Mises Brasil, 2013, pp. 128s. [grifos meus]

Destaquei propositalmente esses dois pontos para demonstrar duas coisas: (1) o fato de o Hoppe considerar o corpo humano um recurso escasso e (2) dizer que a argumentação é uma forma interação livre de conflito. A razão é que, segundo Hoppe e todos os austrolibertários, não há possiblidade de conflito em interações verbais porque palavras não violam propriedade[1] de ninguém. Ele enfatiza isso numa nota de rodapé na mesma página:

Deve ser observado aqui que só porque existe a escassez há mesmo um problema de formulação de leis morais (1); à medida em que os bens são superabundantes (bens “livres”) nenhum conflito sobre o uso dos bens é possível e nenhuma ação-coordenação é necessária (2). Consequentemente, deduz-se que qualquer ética corretamente concebida deve ser formulada como uma teoria da propriedade, ou seja, uma teoria de atribuição dos direitos de controle exclusivo dos meios escassos (3). Porque só assim se torna possível evitar o conflito que, de outra forma, seria inescapável e insolúvel. Infelizmente, os filósofos morais, em sua ignorância generalizada sobre economia, dificilmente veriam isso com clareza suficiente (4) (loc.cit., p. 129, nota 128). [grifos e números entre parênteses meus]

Deduz-se até aqui que interações verbais são “livres de conflitos” e que, pela citação acima: (1) todos os problemas morais existem devido à escassez (segundo Hoppe, nosso corpo é um recurso escasso); (2) se não existisse escassez, não haveria conflito; (3) toda ética deve ser formulada a partir da teoria da propriedade privada; (4) “filósofos morais” (ou eticistas) não viram a idéia luminosa de Hoppe e que, por isso, tem gente que crê no socialismo.

Para não ser injusto com Hoppe, observemos a sua teoria desde o princípio. Antes de mais nada, é de deixar claro que a ética argumentativa de Hoppe tem raiz praxeológica: isto é, deriva da praxeologia (ou praxiologia). O que é exatamente a praxeologia? É, nas palavras de Ludwig von Mises, a “ciência da ação humana” (Ação Humana, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, Parte I). Para Mises, o homem essencialmente é homem agente, isto é, homo agens, não apenas homo sapiens (loc.cit., p. 38)Isso leva a conclusões desastrosas que culminarão na doutrina libertária de Rothbard, que pretende que os pais podem deixar seus filhos morrerem de fome. Trecho do contexto:

Aplicando nossa teoria ao relacionamento entre pais e filhos, o que já foi dito significa que os pais não têm o direito de agredir seus filhos, mas também  que os pais não deveriam ter a obrigação legal de alimentar, de vestir ou de educar seus filhos, já que estas obrigações acarretariam em ações positivas compelidas aos pais, privando-os de seus direitos. Os pais, portanto, não podem assassinar ou mutilar seu filho, e a lei adequadamente proíbe um pai de fazer isso.  Mas os pais deveriam ter o direito legal de não alimentar o filho, i.e., de deixá-lo morrer. A lei, portanto, não pode compelir justamente os pais a alimentar um filho ou a sustentar sua vida (A ética da liberdade, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, p. 163).

Murray Newton Rothbard, um dos mentores de Hoppe.

Lembrando que Hoppe nunca apresentou nenhuma objeção a esse trecho. Apenas comentou brevemente dizendo que Rothbard manteve essa opinião sempre e que numa sociedade libertária, abortistas e quem toma esse tipo de atitude poderiam ser boicotados (apud A ética da liberdade, pp. 44-46).  Justificativas para defender essa opinião não faltam na praxeologia, como o próprio Mises escreve: 

O homem é um ser que vive submetido a essas condições. É não apenas homo sapiens, mas também homo agens. Seres humanos que, por nascimento ou por defeitos adquiridos, são irremediavelmente incapazes de qualquer ação (no estrito senso do termo e não apenas no senso legal), praticamente não são humanos (LUDWIG VON MISES; loc.cit.). [grifos meus]

Isto é, para Mises, quem não é agente, nem gente é, ou é menos que humano.  Ainda, Mises também rejeita a ideia de um fim último. Ele escreve que «[a] felicidade só pode ser alcançada pela completa extinção da consciência, da vontade e da vida. A única maneira de alcançar a glória e a salvação é tornar-se perfeitamente passivo, indiferente, inerte como as plantas. O bem supremo é o abandono do pensamento e da ação» (LUDWIG VON MISES; loc.cit., p. 54). Obviamente a conclusão disso é o ateísmo.

III – Da ética argumentativa em si mesma

Podemos resumir a doutrina hoppeana do seguinte modo:

  1. O homem age quando está insatisfeito com a sua atual situação, do contrário, não agiria;
  2. O homem, ao agir, usa de recursos escassos, dos quais inclui-se o seu próprio corpo;
  3. O homem, ao argumentar[2] com outrem, demonstra ao interlocutor que é dono de seu corpo, isto é, que tem autopropriedade;

A conseqüência lógica, segundo Hoppe, é que, como o homem é dono do seu corpo, ele não pode ser coagido de nenhuma maneira porque implica violação de propriedade; logo, ele deve ser livre para agir desde que não viole a propriedade de outrem. Mas falta algo importante, a sua validade universal. Nesse caso, como se demonstra? Segundo Hoppe, «a norma contida na argumentação é que todo mundo tem o direito de controle exclusivo sobre o seu próprio corpo como seu instrumento de ação e cognição» e que

[q]ualquer pessoa que tentasse contestar o direito de propriedade sobre o seu próprio corpo ficaria preso numa contradição, à medida em que argumentar dessa forma e reivindicar seu próprio argumento como sendo verdadeiro já seria implicitamente aceitar essa norma como sendo válida (HANS-HERMANN HOPPE; loc.cit., p. 129).

O problema da argumentação acima é explícito. Para Hoppe, além de todos os problemas morais se reduzirem a problemas econômicos, para ele todos os problemas morais também podem ser resolvidos com a sua “ética da argumentação”. Qualquer pessoa minimamente honesta intelectualmente percebe, ainda que com insegurança, as inconsistências lógicas implicadas.

Quando Hoppe diz que «a norma contida na argumentação é que  todo mundo tem o direito de controle exclusivo sobre o seu próprio corpo» e que, logo, podemos justificar a doutrina libertária para uma sociedade, ele está dizendo que a razão particular pode legislar sobre os outros, o que é absurdo mesmo se tratando de propriedade privada. Como diria a boa Filosofia:

[…] sendo a lei regra e medida, ela depende do que é o princípio dos atos humanos. Ora, como a razão é o princípio desses atos, também nela há algum primeiro princípio, que o é de tudo o mais. Por onde e necessariamente a este há de a lei pertencer, principal e maximamente. Ora, o primeiro princípio, na ordem das operações, à qual pertence a razão prática, é o fim último. E sendo o fim último da vida humana a felicidade ou beatitude, […] há de por força a lei dizer respeito, em máximo grau, à ordem da beatitude. – Demais, a parte ordenando-se para o todo, como o imperfeito para o perfeito; e sendo cada homem parte da comunidade perfeita, necessária e propriamente, há de a lei dizer respeito à ordem para a felicidade comum […] em qualquer gênero, o que é principal é princípio de tudo o mais que a esse gênero pertence, e que é considerado em dependência dele. Assim, o fogo, quente por excelência, é a causa do calor dos corpos mistos, considerados quentes na medida em que participam do fogo. Por onde e necessariamente a lei sendo por excelência relativa ao bem comum, nenhuma outra ordem, relativa a uma obra particular, terá natureza de lei, senão enquanto se ordena ao bem comum. Logo, a este bem se ordena toda lei[3].

Tomemos como exemplo, as crianças. As crianças são dependentes de seus pais em geral. Segundo essa ética, o que Rothbard propõe, é aceitável porque justamente obrigar seus pais a alimentarem implicaria na violação do “direito de controle exclusivo” sobre os seus corpos. E outra: a ética argumentativa nada diz sobre a responsabilidade social das pessoas. Para combater a podridão moral dos dias de hoje, por exemplo, Hoppe propõe:

Os libertários devem se distinguir dos outros praticando (bem como defendendo) a forma mais extrema de intolerância e de discriminação contra os igualitaristas, os democratas, os socialistas, os comunistas, os multiculturalistas e os ambientalistas; contra os maus costumes, a má conduta, a incompetência, a grosseria, a vulgaridade e a obscenidade. Assim como os verdadeiros conservadores — que terão de se desvencilhar do falso conservadorismo social(ista) dos buchananistas e dos neoconservadores —, os verdadeiros libertários devem visível e ostensivamente se dissociar dos falsos, igualitaristas e impostores libertários de esquerda contramulticulturalistas e anti-autoridade (HANS-HERMANN HOPPE; Democracia – o deus que falhou, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2014, p. 255).

Chega a ser risível ver uma crítica aos “anti-autoridades” da parte de um libertário, ademais, para Hoppe, existem dois tipos de libertários, os autênticos, segundo ele, são “culturalmente conservadores”, como Rothbard teria sido (não deixo de me surpreender com tal afirmação de que Rothbard teria sido um “conservador cultural”. Rothbard sempre defendeu pautas que atentam o bom senso como a liberação de drogas, do aborto, criticou quem combateu a pornografia e defendeu um conceito de liberdade de expressão que atenta o bom senso). Para ele, os falsos libertários teriam sido aqueles que o Rothbard chamava de “libertários modais” (MURRAY ROTHBARD; “Why Paleo”, em RothbardRockwell Report, 1, n. 2, maio de 1990:  4-5, apud HANS-HERMANN HOPPE; loc.cit., pp. 243s). Há um problema aqui: Hoppe privatiza totalmente o conceito de conservador e libertário, tal como os protestantes privatizaram a fé. Basicamente, ele quis dizer que libertário pode (ou deve) ser conservador, mas o conservadorismo segundo Hoppe (tal como segundo Patrick Buchanan e os neoconservadores) é um conservadorismo vazio, é mero nome a quem podemos atribuir o significado que convier. Vale lembrar que Hoppe, como se mostra em todos os seus escritos, é antes um kantista/humeano, isto é, segue a epistemologia de Kant e Hume – e não raro mostra uma influência claramente nominalista, que provavelmente decorre do dos pensadores em que se baseia. Não apenas isso: há católicos que creem que a visão de Hoppe é de alguma forma compatível com o catolicismo. Hoppe, ao longo de sua obra mais famosa (Democracia – o deus que falhou) critica com toda razão o estado moderno e a democracia liberal, assim como toda a podridão moral que existe hoje e atribui, corretamente, a esse modelo. Todavia, quando defende a sua doutrina, evoca novamente os nomes dos responsáveis pelo advento do estado moderno. Como lemos a seguir:

Em primeiro lugar, é necessário esclarecer algumas expressões terminológicas.  O termo “libertarianismo”, como empregado aqui, é um fenômeno do século XX — ou, mais precisamente, um fenômeno pós-Segunda Guerra Mundial — que possui raízes intelectuais tanto no liberalismo clássico (dos séculos XVIII e XIX) quanto na filosofia do direito natural (a qual é ainda mais antiga). Trata-se de um produto do racionalismo moderno (iluminismo). Culminando na obra de Murray N. Rothbard, a qual é o nascedouro do movimento libertário moderno (em especial, a sua ética da liberdade), o libertarianismo é um sistema racional de ética (de direito). Trabalhando dentro da tradição da filosofia política  clássica — de Hobbes, Grotius, Pufendorf, Locke e Spencer — e empregando o mesmo antigo aparato lógico e as mesmas antigas ferramentas analíticas (conceituais), o libertarianismo (o rothbardianismo) é um código legal (jurídico) sistemático, obtido por meio da dedução lógica de um único princípio, cuja validade (e é isso que faz com que ele seja um  princípio — i.e., um axioma  ético — e com que o código legal libertário seja uma teoria da justiça axiomático-dedutiva) não  pode ser contestada sem que se caia em contradições lógicas/práticas (praxeológicas) ou performativas (i.e., sem que se afirme implicitamente o que se nega explicitamente). Esse axioma é o antigo princípio da apropriação original: A propriedade de recursos escassos — o direito de exercer um controle exclusivo sobre recursos escassos (propriedade privada) — é adquirida através de um ato de apropriação original (por meio do qual recursos são retirados de um estado de natureza e transformados para um estado de civilização). Se isso não fosse assim, ninguém jamais poderia começar a agir (fazer ou propor qualquer coisa); portanto, qualquer outro princípio é praxeologicamente impossível (e argumentativamente indefensável)[4].

Vê-se aqui diversos problemas: Hoppe reconhece que o libertarianismo é um produto do racionalismo moderno. O mesmo racionalismo que deu origem à Revolução Francesa, que foi essencialmente estatista e que deu origem ao estado moderno, apartando a autoridade política da Igreja. Hoppe cita depois uma série de nomes deploráveis, como “parte da filosofia política clássica”, como Hobbes (pai do estatismo moderno para quem “o homem é o lobo do homem”) e Locke (empirista radical do iluminismo escocês, que fundamentou o país mais perverso da história moderna, os Estados Unidos da América; fundados por uma tradição liberal, maçônica e protestante) para descrever só dois; e para completar, exalta a já citada praxeologia.

Hoppe, como se vê, procura sempre levar os conservadores ao libertarianismo. Hoppe insiste no seu nominalismo. Podemos concluir nessa situação que:

Não é difícil reconhecer que a visão conservadora e a visão libertária da sociedade são perfeitamente compatíveis (congruentes). Com certeza, os seus métodos são nitidamente diferentes. Uma corrente é (ou parece ser) empirista, sociológica e descritiva, ao passo que a outra corrente é racionalista, filosófica, lógica e construtivista. Não obstante essa diferença, ambas concordam em um aspecto fundamental. Os conservadores estão convencidos de que o “natural” e o “normal” é antigo e generalizado (e assim podem ser discernidos em todos os tempos e em todos os lugares). Do mesmo modo, os libertários estão convencidos de que os princípios da justiça são eterna e universalmente válidos (e, portanto, devem ter sido essencialmente conhecidos pela humanidade desde os seus primórdios).  Ou seja, a ética libertária não é nova nem revolucionária; ela é antiga e conservadora. Até mesmo os indivíduos primitivos e as crianças são capazes de compreender a validade do princípio da apropriação original, e a maioria das pessoas normalmente costuma reconhecê-lo como uma realidade indiscutível (HANS-HERMANN HOPPE; loc.cit., p. 239).

Hoppe acredita que «os libertários estão convencidos de que os princípios da justiça são eterna e universalmente válidos». No entanto, como já se disse, Hoppe não deixa claro exatamente o que é conservadorismo e nem deixa claro o que é libertarianismo; limita-se a defini-la como, resumidamente, uma doutrina ética racionalista. Porém, nada disso mostra que o libertarianismo deve ser conservador ou não. Para Hoppe, conservadorismo e libertarianismo são palavras que podem ser usadas ao mero capricho.

Por fim, Hoppe cai naquele erro de Descartes, fazer a sua filosofia, que nem de longe é a boa Filosofia (que é a aristotélico-tomista), ter como princípio o “eu”: «Cogito, ergo sum»; «Penso, logo existo» (Cf. RENÉ DESCARTES; Discurso do Método, Parte IV, 1). A filosofia de Hoppe parte do “eu” e não da realidade em si; uma doutrina focada num nível de abstração absurdo (bem típico do idealismo alemão).

IV – O “conservadorismo” de Hoppe

Hoppe, por assim dizer, ainda conquista muita gente — conservadores, inclusive. O seu jeito “reacionário” parece encantar. Porém, a sua proposta não resiste a uma análise realista mais fundamentada. A ética argumentativa parte dessa falha. Fora que não se pode afirmar a existência do que ele chama de autopropriedade, pois atenta contra o hilemorfismo, a doutrina que diz que as substâncias são compostas de matéria e forma. No caso dos seres humanos, corpo e alma, ou intelecto, inteligência, espírito, mente etc. Como quiserem entender. O corpo não pode ser propriedade do homem, pois é parte do seu ser. O homem não tem corpo, mas sim é um composto de corpo e alma. Só podemos dizer “meu corpo” secundum quid, mas não simpliciter, isto é, não de forma absoluta. Se for assim, Hoppe teria de concordar com as feministas radicais quando estas bradam “meu corpo, minhas regras”. Elas estão convictas de que a suposta propriedade de seus corpos justifica o aborto (que ele próprio nunca condenou) e o atentado ao pudor. Isso não significa que o corpo das pessoas seja propriedade do estado, mas sim que existem limites para o seu uso pelo próprio bem da preservação da sociedade humana. Se as pessoas vivessem segundo tais perspectivas, voltaríamos à barbárie e não, ao contrário do que Hoppe pensa, a uma sociedade conservadora. A premissa hoppeana poderia ter certa razão na Idade Média, onde simplesmente não existia estado como temos hoje, como ele próprio reconhece e sobre isso ainda Hoppe escreve: «Embora nitidamente mais estratificadas e aristocráticas do que a América colonial, as assim denominadas sociedades feudais da Europa medieval também eram, em geral, ordens sociais sem estado. O estado, conforme a terminologia geralmente aceita, é definido como um monopolista territorial compulsório da lei e da ordem (como um supremo tomador de decisões) [obviamente essa definição é inapropriada para a definição de estado, pois um conceito mais adequado seria “sociedade politicamente organizada”. A sociedade feudal é “organicamente organizada”, pois ela surgiu naturalmente após a queda do Império Romano. A definição que Hoppe usa aqui é baseada numa definição similar à que Franz Oppenheimer usa em seu Der Staat, ou O Estado, onde diz que o estado é quem monopoliza os meios políticos para obter riqueza, isto é, pela violência]. Os senhores feudais e os reis, em geral, não preenchem os requisitos constitutivos de um estado: eles só podiam “tributar” com o consentimento dos tributados, e todo homem livre era tão soberano (supremo tomador de decisões) em sua própria terra quanto o rei feudal o era em sua respectiva propriedade» (loc.cit., p. 307).

Todavia, ainda que se pudesse a sociedade medieval ser “semi-anárquico”, com leis privadas e um mercado sem nenhuma regulação, teoria que eu rejeito, dentre outras coisas que de alguma forma lembra a sociedade libertária como descrita por Hoppe e Rothbard, a realidade social da época era totalmente diferente do que se viu após a Revolução Francesa. A começar que a população era quase que totalmente católica e depois que o poder eclesiástico era reconhecido como acima do poder temporal ou político. E por essas razões, as comunidades eram bem mais orgânicas. Apenas um néscio em história medieval como o são Hoppe e Rothbard para querer comparar realidades tão díspares e ainda usar uma ordem verdadeiramente natural para comprovar seus princípios de raízes liberais (Cf: RÉGINE PERNOUD; Luz sobre a Idade Média; e JACQUES LE GOFF; O Homem Medieval).

Como Hoppe possui uma visão evolucionista e mecanicista da antropologia, sociologia e história, crê que o anarcocapitalismo (ou ordem social libertária ou ordem natural, segundo ele) é a nossa condição natural, e isso é falso, obviamente. Se Hoppe, como ele próprio diz, reconhece a existência de “elites naturais”, essas mesmas elites foram instituídas por Deus, como diz São Paulo: «Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus; as que existem foram instituídas por Deus» (Rm 13, 1)[5]. Isso não é uma particularidade do Novo Testamento; essas autoridades aparecem desde o Antigo Testamento e são perfeitamente explicáveis.

Essas autoridades existem porque sempre tem um grupo que reconhece alguém como mais sábio, conhecedor, virtuoso etc., e que acaba sendo escolhido para liderar alguma comunidade. Isso é próprio do homem por ele ser um animal político e, o pior, somos manchados pelo pecado original e, consequentemente, temos uma desordem grave nas paixões que só pode ser vencida com exercícios ascéticos e das virtudes. As leis inclusive nos auxiliam nisso. Não reconhecer isso, é como reconhecer que cada homem é seu legislador; e quando alguém como Hoppe quer criar uma nova ética, no fundo, ele quer reformular toda a lei natural e as bases da lei humana. A ética não pode ser criada, mas sim descoberta ou conhecida pelo homem; e Deus já revelou pelos profetas e hagiógrafos e por Ele próprio na pessoa de Jesus Cristo. Os santos doutores usaram a filosofia grega apenas para esclarecer o que aos gentios pareceu obscuro apenas com a revelação. Qualquer coisa fora disso deve ser rejeitada. E, por isso, devemos rejeitar a ética argumentativa de Hoppe. E a conclusão que chegamos é essa: ou você é católico ou é um seguidor da doutrina de Hoppe. Claro que podemos reconhecer as suas qualidades. Seria injusto, depois de tantas críticas, dizer que ele não tem nenhuma. Mas os seus erros acabam obscurecendo o que há de bom nele.

Hoppe, isso reconheço, tem algumas das melhores críticas à democracia moderna que conhecemos, ainda que algumas, como de praxe por parte dele e dos austrolibertários em geral, sejam economicistas. Hoppe também mostra uma interessante visão da história política recente do mundo e da origem da degradação moral do ocidente por parte do estado, apesar do seu inato naturalismo. No entanto, trata de temas importantíssimos, como o aborto e o laicismo, com muita leviandade. O que é fruto da sua metodologia praxeológica. Infelizmente, como vemos, ele tem erros até nos seus acertos, o que não quer dizer que deixam de ser acertos.

V – O que é, como é e o fim da Ética

Apontado os erros, cabe, então, uma refutação cabal para a doutrina de Hans-Hermann Hoppe. Em primeiro lugar, devemos apontar definitivamente os erros da praxeologia e definir o que é realmente a Ética. Ética, etimologicamente, significa a ciência do ethos (ἔθος), que significa “costumes”, “hábitos”. O fim da Ética é estudar os costumes e hábitos para saber como agir e se comportar de forma conveniente em sociedade. É a ciência do agere, ou agir.

A Ética é uma das três ciências práticas, como as são as Econômicas e a Política. Ciências práticas distinguem das especulativas, que são um fim em si mesmas, que buscam superar uma ignorância sobre algo, ainda que possam ser usadas para aplicar em alguma arte (tal como a arte da Medicina se serve da Fisiologia, por exemplo; e a arte da Engenharia se serve das Matemáticas e Física). As ciências práticas, em suma, estudam o agir humano, são concernentes aos atos humanos. O que diferencia a Ética da Política e das Econômicas é a sua finalidade e todas elas devem estar guiadas pela virtude da Prudência, «que é a razão reta dos atos» (S.Th. I-II, q. 58, a. 4, corpus). Com efeito, «chamam-se propriamente ações humanas só aquelas de que o homem é senhor» (S.Th. I-II, q. 1, a. 1, corpus) e que esse tipo de ação o é pela razão e pela vontade. Essa verdade obviamente tem conseqüências.

Isso significa o seguinte: se o homem age racionalmente, ele deverá agir em virtude de um fim. Esse fim deverá ser necessariamente o fim último. O problema é que, devido à corrupção moral e intelectual dos tempos modernos, poucos crêem no fim último e acabam vivendo de satisfazer as concupiscências. Todavia, mesmo que seja um fim último errado, mesmo esses descrentes depravados acabam vendo ali um fim último, mas veremos mais adiante como esse pensamento é estulto e, porém, outra questão ainda deverá perdurar: se o homem age em virtude a um fim último, como deverá chegar lá? Vivendo retamente em virtude a esse fim e não impedir que outros busquem esse mesmo fim. Se todos os homens são homens e se são todos racionais, é evidente que o fim último deverá ser o mesmo para todos e, por essa razão, o modo correto de agir também deverá ser o mesmo. Donde resulta, então, a necessidade da Ética para estudar os modos de agir que convenham ao homem. Deste modo podemos dizer que a Ética é a ciência do autogoverno; as Econômicas, do governo dos bens domésticos; e Política, do governo da pólis. As Ciências Econômicas aqui têm pouco a ver com o termo entendido modernamente. Claro que na visão de Santo Tomás e de Aristóteles, a economia do governo doméstico acaba se desdobrando para a pólis, a sociedade; pois o homem, como é entendido, é um animal político. Todavia, com o advento do liberalismo e, posterior e conseqüentemente, do marxismo, entendeu-se que a noção de economia deveria ser invertida. O que obviamente é falso e explica o surgimento de inúmeros regimes tirânicos ao longo dos séculos XVIII, XIX, XX, e mesmo no atual século XXI.

VI – Do fim último: Tomás contra Mises

Agora convém fazer mais uma pergunta: o fim último existe? Sabemos que o homem age tendo em vista um fim. Aqui podemos ver uma diferença gritante com a boa Filosofia com a praxeologia. Segundo Mises:

Algumas filosofias aconselham o homem a buscar como objetivo final de sua conduta a renúncia completa a qualquer ação. Encaram a vida como um mal, cheia de dor, sofrimento e angústia, e apoditicamente negam que qualquer esforço humano possa tomá-la tolerável. A felicidade só pode ser alcançada pela completa extinção da consciência, da vontade e da vida.  A única maneira de alcançar a glória e a salvação é tornar-se perfeitamente passivo, indiferente, inerte como as plantas. O bem supremo é o abandono do pensamento e da ação (LUDWIG VON MISES; loc.cit., p. 54).

Não é preciso pensar muito o quão esse pensamento é totalmente não apenas antirreligioso (e consequentemente anticristão), mas também irracionalista (logo partindo de Mises, que é tão crítico do irracionalismo…). Segundo Santo Tomás, «ninguém se esforça para fazer algo, exceto pelo fato que se estima que chegaria a algo, como ao seu último término» (Comentário à Metafísica de Aristóteles, lib. II, lição 4, 3). Mises assim sugere que a vida do homem é uma busca pelo conforto, saindo de uma condição de desconforto que só termina com a morte. Ora, se remove o fim último, exclui também o porquê de todo agir. Se, porventura, o homem age somente em busca de conforto, mas não tendo em vista o bem, o homo agens misesiano não possuem o conhecimento da natureza do bem. Não é necessário colocar mais referências do que as que foram colocadas, o fato é esse: segundo Mises, todo homem é um agente e um agente racional que meramente busca sair de uma situação de desconforto ou descontentamento para buscar uma situação de conforto e contentamento. Ponto. O significa que ele nos reduz às condições de animais brutos, que vivem a lei do “foge da dor e busca o prazer”. Nada diferente do que propõem os pensadores da Escola de Frankfurt. E é certo que o homem sempre busca o bem[6], pois se assim não fosse, ele próprio não renunciaria ao conforto, mesmo que isso durasse a vida toda ou mesmo lhe custasse esta. Lembrando que para Mises, a vida dedicada a Deus é uma submissão à desutilidade do trabalho. Segundo ele, trabalhos como os dos esportistas, filósofos e religiosos, são trabalhos “introvertidos”, isto é, desinteressados, que satisfazem o indivíduo sem ser exatamente uma fonte de lucro. Segundo o economista ainda, somente o trabalho introvertido «é feito porque o que satisfaz ao indivíduo é a própria desutilidade do trabalho, não o seu produto». O que significa que, para o economista austríaco, o trabalho de um sacerdote o satisfaz pela própria “desutilidade”. Inclusive, para Mises o trabalho dos religiosos não tem nada a acrescentar para economia, pois «[s]e a teoria que orienta sua conduta é ou não correta e se suas expectativas se materializarão ou não, são fatos irrelevantes para a qualificação cataláctica [relativo à cataláxia, que é uma teoria econômica derivada da praxeologia cujo fim é compreender a formação dos preços, isto é, não tem a necessidade de ser tratada nesse espaço por ora] do seu modo de agir» (Cf. LUDWIG VON MISES; loc.cit., pp. 671-677).

Portanto, conclui-se que todo agente racional necessariamente age para buscar o bem como fim e não como mero conforto e sensação de satisfação, o que nos colocaria no nível dos brutos. Isso refuta tanto o ateísmo (ou agnosticismo, mas o ateísmo é bem evidente nas palavras  do próprio Mises, como se lê em Ação Humana) misesiano, que diz que Deus, para criar, teria de ser movido pela necessidade[7]; como também o voluntarismo de Duns Scot e Guilherme de Ockham[8], que sugere que Deus criou o mundo movido pela sua vontade (isto é, “porque quis”). Deus criou e governa o mundo porque isso é um bem. Logo, Deus só age pelo bem.

VII – Uma resposta tomista à ética argumentativa

A ideia de reduzir toda a ciência ética em conceptualismos discursivos e assim também a um abstracionismo absurdo, como já dito, típico do idealismo alemão, não é nova. Antes de Hoppe aparecer com essa ideia, outros dois alemães também o fizeram: Karl-Otto Apel e Jurgen Habermas. O segundo, que foi orientador de Hoppe, continuou o trabalho do primeiro. Apel formulou a Teoria da Ação Comunicativa e o segundo a Ética do discurso. Ambos buscaram, acredite, fugir do relativismo ético da modernidade e resolveram formular uma teoria ética baseada no discurso em que, de forma grosseiramente resumida por mim, implica em dizer que qualquer pessoa que ingresse um discurso deve necessariamente reconhecer que um discurso racional pressupõe normas universalmente aceitas.

Voltemos a Hoppe. Hoppe desenvolveu uma ética que, a exemplo de Apel e Habermas, também se baseia no discurso e crê que, assim como a dupla alemã, que os seus pressupostos possam também desdobrar-se do indivíduo para a sociedade. O leitor deve se lembrar da praxeologia, que nos diz que a ação humana busca, por meio de recursos escassos atingir um fim, que é sair de um estágio de descontentamento ou desconforto para o contrário. Pois bem, segundo a ética argumentativa, o corpo é um recurso escasso, visto que não dá para estar em dois lugares e fazer três ou quatro coisas ao mesmo tempo. O que também limita o nosso tempo. Então, temos essas duas realidades da ética argumentativa: (1) o indivíduo tem apenas um corpo, que o usa para agir tendo em vista um fim, que é, segundo a praxeologia, sair do desconforto e/ou do descontentamento; (2) o indivíduo tem exclusivo domínio sobre esse corpo e o utiliza para se comunicar com outrem; (3) ao comunicar algo, o indivíduo estará usando esse corpo e, portanto, fazendo uso exclusivo desse recurso, demonstrando assim, que é proprietário deste.

O leitor deverá se perguntar (ou não, caso seja hoppeano) como isso se desdobrará para a sociedade. Hoppe diz que reconhecendo que o indivíduo tem propriedade sobre o seu corpo, o interlocutor deverá reconhecer também para não cair no paradoxo performático. E disso se desenvolverão todas as leis morais. Praticamente tudo, de um peteleco na orelha a uma tortura seguida de morte, passando por roubos, invasões, vandalismo, etc., será em última instância uma violação de propriedade privada. Não pode agredir a pessoa porque viola a autopropriedade dela (propriedade sobre seu corpo) e não se pode roubar um bem dela porque, pelo fato desse bem ter sido adquirido com um trabalho do qual foi feito pelo seu corpo, é uma extensão de sua autopropriedade. Salvo em casos de bens doados. Nesse caso, há um consentimento da parte do doador em doar um fruto de seu trabalho a outrem, que consentiu em receber. Em suma, tudo se resume em autopropriedade.

Olhando assim, parece irrefutável mesmo. Afinal, se negar a autopropriedade, não apenas nego que posso fazer o que quiser com o meu corpo, como também entrarei em paradoxo performático. Afinal, não o estou usando agora mesmo os meus dedos para digitar esse presente texto? Pois bem, toda essa abstração de Hoppe cai por terra pelo seguinte motivo: a redução de toda a ciência Ética a um monismo sobre autopropriedade é simplesmente inaceitável. Deve-se recapitular que como o ato próprio do homem é racional e ordenado pela Prudência, a Ética deve compreender quais atos podem ser aceitos ou não, e os que podem ser aceitos são os que usam de meios justos para atingir um fim, que necessariamente é o bem. O que significa dizer que, como necessariamente o homem deve buscar um fim último, este fim último deve ser igual a todos e que só pode ser alcançado por um bem comum, e esse bem comum necessariamente deve estar acima do suposto direito à autopropriedade. Aqui remete a duas questões chaves: (1) se isso justifica a cobrança de impostos por parte da autoridade política e (2) se justifica a defesa de regimes autoritários como a vertentes socialistas (social-democracia, nazismo e fascismo) e comunistas (bolchevismo, maoísmo e castrismo). As respostas são, respectivamente, sim e não. Sim, para o primeiro porque se as leis devem estar ordenadas ao bem comum, que é o mesmo para todos, os serviços de jurisdição devem ser necessariamente públicos e não privados. Porém, convém deixar claro que isso não justifica o Leviatã Hobbesiano, isto é, os regimes autoritários, (aqui se responde quanto ao segundo) que temos hoje em quase todos os países do mundo, pois, se os impostos devem servir tão somente para preservação do bem comum, qualquer coisa fora disso deverá ser repugnada como uma tirania. Nesse caso, com relação ao estado moderno, o imposto é roubo e dos mais escandalosos, mas isso ainda não justifica a defesa de uma posição anárquica. Seria como preferir a morte a estar doente, o que não faria o menor sentido. Ora, isso também pressupõe que as leis deverão estar ordenadas à lei natural, o que significa também que o direito à propriedade privada deve ser preservado, desde que o seu uso não implique a violação desta lei. Ou seja, não cabe aqui uma defesa ao socialismo e comunismo. Apenas reconhecer que nem todo ato humano fica no homem, mas há também os atos que se desdobram para o âmbito social, como o comércio ou atos visíveis ao público, etc. Isso significa dizer que as leis não devem estar fundamentadas nesse direito sob pena de submeter-se aos caprichos do proprietário, pois lembrando que o homem é um animal político e que essa ética argumentativa, somente faria sentido basicamente entre hipotéticos ermitões, mas mesmo estes teriam de ser educados em sociedade antes de se tornarem ermitões.

Vamos, por conseguinte, imaginar o seguinte cenário: suponhamos que há uma vila de maioria cristã onde um dos moradores, cuja renda é fora dessa vila, e que resolva instalar em sua propriedade um outdoor com conteúdo pornográfico. Parece uma ideia ridícula, mas é sabido que um leitor “libertário modal” poderá dizer que “é propriedade dele e não está violando a propriedade de ninguém”; por sua vez, o leitor hoppeano dirá: “ele está no seu direito”; já os moradores cristãos poderão repugnar isso com boicote ao seu trabalho, fazer campanha contra ele etc. Mas nada disso importa agora. O fato é que ele já o fez e até que esse conteúdo seja retirado, esse homem já perverteu e escandalizou diversos moradores que, respeitando essa ética argumentativa e as leis de propriedade privada, não impediram que isso acontecesse. E ainda podemos ir mais longe: uma ética baseada na argumentação é ineficiente contra a pornografia, pedofilia, aborto, drogas e trabalho infantil. E nada diz sobre abusos da liberdade de expressão. Hoppe ressalva que numa ordem natural libertária não há liberdade irrestrita de expressão, pois esta limitar-se-ia à propriedade da pessoa. Mas não resolve problemas de imputação de crimes e difamação. O leitor que for seguidor do infame Walter Block poderá objetar, mas o fato é que se o libertário defende tanto o direito à propriedade, conseqüentemente terá de defender também a limitação da liberdade de expressão em prol desse direito à propriedade porque a própria imputação de crime implica uma violação injusta desse direito. Se João acusa falsamente Pedro de um crime, Pedro terá sua propriedade violada, seja pela polícia, seja por justiceiros populares. Logo, é necessário que pessoas como Pedro sejam protegidas por leis que protejam a sua integridade quanto a isso e, assim, João deverá ser punido como um criminoso. A ética argumentativa nada diz sobre casos assim. Aqui está um problema absolutamente insolúvel para uma teoria ética cujo termo não é a Lei Divina ou o Bem Comum, mas o mero direito à propriedade privada (que vem de Deus, mas isso não entra nas suas contas).

Sobre o aborto, tampouco. Hoppe limita-se a dizer que isso deve ser tratado em família, mas, como podemos ver, o mesmo se aplica à pornografia e à pedofilia. Hoppe nunca apresentou soluções para esses problemas baseadas em sua ética[9]. Hoppe escreve:

O  estabelecimento de um governo — de um monopólio judicial — não apenas significa que jurisdições anteriormente separadas (como, por exemplo, os distritos étnica ou racialmente segregados) são integradas à força; ele implica, ao mesmo tempo, que jurisdições anteriormente integradas de maneira completa (como, por exemplo, as famílias e os seus lares familiares) são coercitivamente deterioradas ou até mesmo dissolvidas. Ao invés de os assuntos intrafamiliares — incluindo, por exemplo, temas como o aborto — serem considerados questões a serem julgadas e arbitradas no seio das famílias exclusivamente pelos seus chefes ou pelos seus membros, uma vez que um monopólio judicial tenha sido estabelecido, os seus agentes — o governo — também se tornam os juízes e os árbitros de última instância em todos os assuntos relacionados com a família, esforçando-se, naturalmente, para expandir esse poder (Democracia – o deus que falhou, p. 218.)

O que significa dizer que para Hoppe, o assassinato de crianças no ventre de suas mães é um assunto a ser julgado e arbitrado em família. O que significa dizer que para o filósofo e economista alemão orientado por Habermas, aborto não é um problema de ordem moral tão importante. Afinal, nascituros não têm capacidade de argumentar.

Sobre a pedofilia, isso parece ser discutido amplamente no meio libertário. O que não é problema para o cristão, pois temos a castidade como uma ordem divina e requisito para se alcançar a salvação eterna, pois também é um meio de amar o próximo e não tratar uma pessoa como objeto. Somente esse pensamento já deveria tornar evidente que não podemos sequer desejar sexualmente uma criança. Isso é parte da Ética por antonomásia, que é a cristã. Porém, a ética argumentativa — que não se mostra ética coisíssima nenhuma —, não apenas não apresenta solução para isso, como também pode ser usada para justificar. Como? Bastaria uma criança na idade da razão consentir verbalmente com o ato sexual. O mesmo se deve à pornografia, que é legal em quase todo mundo, mas que não deveria ser, e sua proibição deveria ser justificada da mesma forma que se justifica a proibição das drogas (nesse caso, refiro-me aos narcóticos mesmo), cujo tema deve ser tratado em outro espaço.

Pois bem, qual é a resposta tomista a tudo isso? As quatro leis: eterna, natural, humana e divina. A eterna é a lei pela qual Deus criou o mundo e o rege pela sua Providência (S. TOMÁS DE AQUINO; S.Th. I-II, q. 91, a. 1, corpus); a lei natural, que é a participação da lei eterna na criatura racional enquanto imagem e semelhança de Deus, com a sindérese, hábito da razão prática pelo qual se distingue o bem e o mal (S.Th. I-II, q. 91, a. 2, corpus); a lei humana ou positiva são as disposições particulares descobertas pela razão humana para aplicar a lei natural (S.Th. I-II, q. 91, a. 3, corpus); e, por fim, a lei divina, que é também uma lei positiva, como a humana, mas com a diferença de que, além de vir diretamente de Deus, quase que como uma extensão da lei natural, visa induzir à observância da lei antiga e da lei nova, nos Antigo e Novo Testamento (S.Th. I-II, q. 91, a. 4, corpus e a. 5, corpus).

Alguém ainda poderá objetar se perguntando por que a lei humana não poderia ser promulgada de forma particular, como numa sociedade libertária. A isto já foi respondido anteriormente, mas não custa responder de novo: primeiro, porque, segundo Santo Tomás,

[a] lei é uma regra e medida dos atos, pela qual somos levados à ação ou dela impedidos. […] a regra e a medida dos atos humanos é a razão, pois é deles o princípio primeiro. […] Ora, o que, em cada gênero, constitui o princípio é a medida e a regra desse gênero. Tal a unidade, no gênero dos números, e o primeiro movimento, no dos movimentos. Donde se conclui que a lei é algo de pertencente à razão (S.Th. I-II, q. 90, a. 1, corpus).

Depois, 

[…] sendo a lei regra e medida, ela depende do que é o princípio dos atos humanos. Ora, como a razão é o princípio desses atos, também nela há algum primeiro princípio, que o é de tudo o mais. Por onde e necessariamente a este há de a lei pertencer, principal e maximamente. Ora, o primeiro princípio, na ordem das operações, à qual pertence a razão prática, é o fim último. E sendo o fim último da vida humana a felicidade ou beatitude, […] há de pôr força a lei dizer respeito, em máximo grau, à ordem da beatitude (S.Th. I-II, q. 90, a. 2, corpus).

E, por fim:

A lei, própria, primária e principalmente, diz respeito à ordem para o bem comum. Ora, ordenar para o bem comum é próprio de todo o povo ou de quem governa em lugar dele. E, portanto, legislar pertence a todo o povo ou a uma pessoa pública, que o rege. Pois, sempre, ordenar para um fim pertence a quem esse fim é próprio (S.Th. I-II, q. 90, a. 3, corpus)

Santo Tomás responde inclusive a quem sugere que, por exemplo, um pai de família poderia promulgar leis em sua casa. Santo Tomás escreve:

Como o homem faz parte da casa, assim, esta, da cidade, que é uma comunidade perfeita, segundo Aristóteles. Por onde, assim como o bem de um homem não é o fim último, mas se ordena ao bem comum; assim, o bem de uma casa se ordena ao de toda a cidade, que é uma comunidade perfeita. Portanto, quem governa uma família pode sem dúvida estabelecer certas ordens ou estatutos, mas que propriamente não constituem leis (S.Th. I-II, q. 90, a. 3, ad. 3).

Em suma, Santo Tomás pareceu previr o surgimento da teoria libertária, e talvez o tenha previsto dentro de sua sabedoria singular. Mas eis aqui o esquema que o Aquinate fez: (1) existe a lei natural, como demonstrado, que é a nossa participação da lei eterna; (2) existe a lei humana, que deve estar ordenada à lei natural; e, por fim, (3) como a lei humana deve estar ordenada à lei natural e ter como fim o bem comum, ela não pode ser promulgada por particulares. Assim sendo, não há como existir tribunais privados etc., para julgar atos que se configuram em violações da lei natural, como matar e roubar, por exemplo. E muito menos promulgar leis baseando-se numa ética fundada na argumentação.

Se ainda assim, depois de tudo o que foi escrito, o leitor estiver convicto da suposta irrefutabilidade da ética argumentativa, isso já deverá ser ou um problema de inteligência ou de honestidade intelectual. Pois, ainda que alguém julgue que o que foi escrito aqui não refutou a ética argumentativa, pode-se ao menos dizer que foi demonstrado que ela não é irrefutável por diversas brechas apontadas. Ademais, o próprio fato dela basear-se num princípio que lembra muito a filosofia de Descartes  que cria que toda a sua filosofia deve começar do “eu” como se depois pudesse desdobrar-se para o restante da realidade —, assim Hoppe cria que do “eu”, argumentando, pode-se elaborar toda uma ética da qual uma realidade inteira poderia aderir. Filósofos como Apel, Habermas e hoje Hoppe pensam assim. Creem na sua magnanimidade, que as suas ideias revolucionarão o mundo. Santo Tomás fez isso? Não, Santo Tomás subiu em ombros de gigantes para escrever o seu trabalho. E subindo nesses ombros, ele chegou a Deus e se entregou a Ele. Tomás escreveu o seu trabalho pensando em Deus. Hoppe escreveu o seu trabalho pensando em si. Isso faz toda diferença quando comparamos um escrito baseado na verdade e outro na mentira.

APÊNDICE – CITAÇÕES QUE CONDENAM FORMALMENTE O ANARCOCAPITALISMO

Depois de vermos argumentos teológicos e de razão, leiamos o que diz o Magistério da Igreja sobre o assunto:

S.S. GREGÓRIO XVI; Carta Encíclica Mirari vos, n. 13, 15 de agosto de 1832.

Mas, tendo sido divulgadas, em escritos que correm por todas as partes, certas doutrinas que lançam por terra a fidelidade e submissão que se devem aos príncipes, com o que se alenta o fogo da rebelião, deve-se vigiar atentamente para que os povos, enganados, não se afastem do caminho do bem. Saibam todos que, como disse o apóstolo, toda autoridade vem de Deus e todas as que existem foram ordenadas por Deus. Aquele, pois, que resiste à autoridade, resiste à ordem de Deus e se condena a si mesmo (Rom 13, 2). Portanto, os que com torpes maquinações de rebelião se subtraem à fidelidade que devem aos príncipes, querendo tirar-lhes a autoridade que possuem, ouçam como contra eles clamam todos os direitos divinos e humanos.

S.S. PIO IX; Carta Encíclica Quanta Cura, n. 3, 8 de dezembro de 1864:

contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos Padres, não duvidam em afirmar que “a melhor forma de governo é aquela em que não se reconheça ao poder civil a obrigação de castigar, mediante determinadas penas, os violadores da religião católica, senão quando a paz pública o exija”. E com esta idéia do governo social, absolutamente falsa, não hesitam em consagrar aquela opinião errônea, em extremo perniciosa à Igreja católica e à saúde das almas, chamada por Gregório XVI, Nosso Predecessor, de feliz memória., loucura, isto é, que “a liberdade de consciências e de cultos é um direito próprio de cada homem, que todo Estado bem constituído deve proclamar e garantir como lei fundamental, e que os cidadãos têm direito à plena liberdade de manifestar suas idéias com a máxima publicidade – seja de palavra, seja por escrito, seja de outro modo qualquer -, sem que autoridade civil nem eclesiástica alguma possam reprimir em nenhuma forma”. Ao sustentar afirmação tão temerária, não pensam nem consideram que com isso pregam a liberdade de perdição, e que, se se dá plena liberdade para a disputa dos homens, nunca faltará quem se atreva a resistir à Verdade, confiado na loquacidade da sabedoria humana, mas Nosso Senhor Jesus Cristo mesmo ensina como a fé e a prudência cristã hão de evitar esta vaidade tão danosa.

S.S. LEÃO XIII; Carta Encíclica Immortale Dei, n. 4-5, 1º de novembro de 1885:

Não é muito difícil estabelecer que aspecto e que forma terá a sociedade se a filosofia cristã governa a coisa pública. O homem nasceu para viver em sociedade, portanto, não podendo no isolamento nem se proporcionar o que é necessário e útil à vida, nem adquirir a perfeição do espírito e do coração, a Providência o fez para se unir aos seus semelhantes, numa sociedade tanto doméstica quanto civil, única capaz de fornecer o que é preciso à perfeição da existência. Mas, como nenhuma sociedade pode existir sem um chefe supremo e sem que a cada um imprima um mesmo impulso eficaz para um fim comum, daí resulta ser necessária aos homens constituídos em sociedade uma autoridade para regê-los; autoridade que, tanto como a sociedade, procede da natureza e, por conseqüência, tem a Deus por autor.

Daí resulta ainda que o poder público só pode vir de Deus. Só Deus, com efeito, é o verdadeiro e soberano Senhor das coisas; todas, quaisquer que sejam, devem necessariamente ser-lhes sujeitas e obedecer-lhe; de tal sorte que todo aquele que tem o direito de mandar não recebe esse direito senão de Deus, Chefe supremo de todos. “Todo poder vem de Deus” (Rom 13,1).

S.S. LEÃO XIII; Carta Encíclica Rerum Novarum, nn. 20-21, 15 de maio de 1891:

Ora, importa à salvação comum e particular que a ordem e a paz reinem por toda a parte; que toda a economia da vida doméstica seja regulada segundo os mandamentos de Deus e os princípios da lei natural; que a religião seja honrada e observada; que se vejam florescer os costumes públicos e particulares; que a justiça seja religiosamente graduada, e que nunca uma classe possa oprimir impunemente a outra; que cresçam robustas gerações, capazes de ser o sustentáculo, e, se necessário for, o baluarte da Pátria. É por isso que os operários, abandonando o trabalho ou suspendendo-o por greves, ameaçam a tranqüilidade pública; que os laços naturais da família afrouxam entre os trabalhadores; que se calca aos pés a religião dos operários, não lhes facilitando o cumprimento dos seus deveres para com Deus; que a promiscuidade dos sexos e outras excitações ao vício constituem nas oficinas um perigo para a moralidade; que os patrões esmagam os trabalhadores sob o peso de exigências iníquas, ou desonram neles a pessoa humana por condições indignas e degradantes; que atentam contra a sua saúde por um trabalho excessivo e desproporcionado com a sua idade e sexo: em todos estes casos é absolutamente necessário aplicar em certos limites a força e autoridade das leis. Esses limites serão determinados pelo mesmo fim que reclama o socorro das leis, isto é, que eles não devem avançar nem empreender nada além do que for necessário para reprimir os abusos e afastar os perigos. Os direitos, em que eles se encontram, devem ser religiosamente respeitados e o Estado deve assegurá-los a todos os cidadãos, prevenindo ou vingando a sua violação. Todavia, na proteção dos direitos particulares, deve preocupar-se, de maneira especial, dos fracos e dos indigentes. A classe rica faz das suas riquezas uma espécie de baluarte e tem menos necessidade da tutela pública. A classe indigente, ao contrário, sem riquezas que a ponham a coberto das injustiças, conta principalmente com a proteção do Estado. Que o Estado se faça, pois, sob um particularíssimo título, a providência dos trabalhadores, que em geral pertencem à classe pobre.

Mas, é conveniente descer expressamente a algumas particularidades. É um dever principalíssimo dos governos o assegurar a propriedade particular por meio de leis sábias. Hoje especialmente, no meio de tamanho ardor de cobiças desenfreadas, é preciso que o povo se conserve no seu dever; porque, se a justiça lhe concede o direito de empregar os meios de melhorar a sua sorte, nem a justiça nem o bem público consentem que danifiquem alguém na sua fazenda nem que se invadam os direitos alheios sob pretexto de não que igualdade. Por certo que a maior parte dos operários quereriam melhorar de condição por meios honestos sem prejudicar a ninguém; todavia, não poucos há que, embebidos de máximas falsas e desejosos de novidade, procuram a todo o custo excitar e impelir os outros a violências. Intervenha, portanto, a autoridade do Estado, e, reprimindo os agitadores, preserve os bons operários do perigo da sedução e os legítimos patrões de serem despojados do que é seu.


[1] O conceito ou definição de propriedade usado aqui será esse, que é bem aceitável pela Igreja, pois mostra que o uso da propriedade também se desdobra para a sociedade, uma vez que a propriedade é antes de tudo um arranjo social: «Propriedade é um termo usado para um arranjo social em que o controle da terra e da riqueza obtida da terra, incluindo, portanto, todos os meios de produção, é conferido a alguma pessoa ou corporação. Assim, podemos dizer de um prédio, incluindo a terra sobre a qual ele se encontra, que este é “propriedade” de tal ou qual cidadão, ou família, ou colégio, ou do Estado, significando que aqueles que “detêm” tal propriedade estão garantidos por lei do direito de usá-la ou abster-se de usá-la. Propriedade privada é a riqueza (incluindo os meios de produção) que pode, pelos arranjos da sociedade, estar sob controle de pessoas ou corporações outras que não são os órgãos políticos dos quais estas pessoas ou corporações são, em outros aspectos, membros» (HILAIRE BELLOC; O Estado Servil, Seção I).

[2] Convém aqui deixar claro que o que Hoppe entende por argumentar não é emitir uma afirmação silogística, uma obra da terceira operação do intelecto (raciocínio), mas que bastaria emitir uma enunciação. Dizer que a água é molhada ou que a grama é verde seria para Hoppe formas de argumento.

[3] TOMÁS DE AQUINO; S.Th. I-II, q. 90, a. 2, resp. E ainda:  «A lei, própria, primária e principalmente, diz respeito à ordem para o bem comum. Ora, ordenar para o bem comum é próprio de todo o povo ou de quem governa em lugar dele. E, portanto, legislar pertence a todo o povo ou a uma pessoa pública, que o rege. Pois, sempre, ordenar para um fim pertence a quem esse fim é próprio». TOMÁS DE AQUINO; loc.cit., q. 90, a. 1, resp. – Estas mesmas citações serão usadas novamente com as devidas explicações.

[4] HANS-HERMANN HOPPE; loc.cit., p. 236. Também lê-se adiante: «todos os direitos humanos são direitos de propriedade, e todas as violações de direitos humanos são violações de direitos de propriedade» (p. 236-237). Em suma: toda ética humana gira em torno de um princípio econômico.

[5] «[A] origem endógena da monarquia (em oposição à origem exógena, por meio da conquista) só pode ser compreendida no contexto de uma ordem prévia das elites naturais. O pequeno — porém decisivo — passo na transição para o governo monárquico — i.e., o “pecado original” — consistiu precisamente na monopolização da função de juiz e pacificador». HANS-HERMANN HOPPE; loc.cit. p. 104.

[6] O bem, no caso, é o que todos desejam e buscam, mesmo que de forma errada. O bem é verdadeiro quando apetece a forma, isto é, leva-o a alcançar o seu fim. Cf ARISTÓTELES; Ética a Nicômaco I, c. 1, 1094.

[7] «Os filósofos e teólogos escolásticos, e também os teístas e deístas do iluminismo, conceberam um ser absoluto e perfeito, eterno, onisciente e onipotente e que, apesar disso, planejava e agia, objetivava atingir fins e empregava meios para atingir esses fins [..] A própria ideia de perfeição absoluta é, sob todos os aspectos, autocontraditória. O estado de perfeição absoluta só pode ser concebido como algo completo, final e não sujeito a qualquer mudança». LUDWIG VON MISES; loc.cit., pp. 99-100. A isso Santo Tomás responde: «[…] como, dentre as coisas feitas, chamamos perfeita à que passa da potência para o ato, essa palavra — perfeito — foi empregada para significar tudo aquilo a que não falta o ser atual, quer o tenha por ser feito, quer não». Isto é, Deus, por ser ato puro, necessariamente deve ser perfeitíssimo. TOMÁS DE AQUINO; S.Th. I, q. 4, a. 1, ad. 1.

[8] Para saber mais sobre os sutis e grotescos erros de Duns Scot e Guilherme de Ockham: DANIEL C. SCHERER; A Raiz Antitomista da Modernismo Filosófica, Edições Santo Tomás, 2018, pp. 145-164.

[9] Muito pelo contrário. Baseado em sua pseudoética, ele escreve: «Essa “propriedade” do próprio corpo significa o direito de alguém para convidar (ou concordar com) outra pessoa a fazer algo com o respectivo corpo: meu direito de fazer com o meu corpo tudo o que  eu quiser, o que inclui o direito de pedir e de deixar que alguém use o meu corpo, ame-o, examine-o, injete nele medicamentos ou drogas, altere  sua aparência física e até mesmo agrida, danifique ou mate-o, se isso for o que eu gostar e concordar. Relações interpessoais desse tipo são e serão chamadas de trocas contratuais. Elas são caracterizadas pelo fato de que um acordo sobre o uso dos recursos escassos é obtido, acordo este baseado no respeito mútuo e no reconhecimento de cada um e de todos os parceiros de troca sobre o domínio do controle exclusivo de seus respectivos corpos» HANS-HERMANN HOPPE; Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, p. 25.

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