FIDUCIA SUPPLICANS, A FALSA RESISTÊNCIA E A TENTAÇÃO IGUALITÁRIA

Luciano Takaki
2024

INTRODUÇÃO

Observando diversas reações de prelados, tanto tradicionalistas como da religião novus ordo, percebi que há algo de muito comum entre eles: um real igualitarismo e uma consequente falsa resistência à declaração escandalosa e imoral de Francisco. Tudo tornou-se pretexto, tanto para os católicos novus ordo como para os resistentes, para julgar aquele para quem é reconhecido como o Vigário de Cristo. Eles, como veremos, até percebem corretamente os erros do documento aprovado por Bergoglio. No entanto, erram no principal. Primeiramente, veremos o contexto, depois analisar as reações, depois o erro central dessas reações e, por fim, tirar as devidas conclusões.

CONTEXTO: A DECLARAÇÃO FIDUCIA SUPPLICANS É PUBLICADA

No dia 18 de dezembro de 2023, Jorge Mario Bergoglio, chamado Papa (sic) Francisco, aprovou a declaração Fiducia supplicans — redigida pelo Cardeal Víctor Manuel Fernández —, que dá orientações sobre bênçãos a casais em estado de adultério e amasiados e também para pares de sodomitas. O documento causou muita confusão nos meios novus ordo e, percebendo isso, iniciaram-se inúmeros ataques antissedevacantistas. Afinal, o mais recente escândalo de Bergoglio levantou um problema visível no meio dos que julgam-se tradicionalistas: o igualitarismo.

O documento vai evidentemente contra a moral católica, é herético e mesmo blasfemo. Podemos ler no numeral 31, que aqui cito in extenso:

“No horizonte aqui delineado coloca-se a possibilidade de bênçãos de casais em situações irregulares e de casais do mesmo sexo, cuja forma não deve encontrar nenhuma fixação ritual por parte das autoridades eclesiásticas, para não produzir confusão com a bênção própria do sacramento do casamento. Nestes casos, é dada uma bênção que não só tem um valor ascendente, mas é também a invocação de uma bênção descendente do próprio Deus sobre aqueles que, reconhecendo-se desamparados e necessitados da sua ajuda, não pretendem a legitimidade do seu próprio status, mas rogam que tudo o que há de verdadeiro, bom e humanamente válido nas suas vidas e relações, seja investido, santificado e elevado pela presença do Espírito Santo. Estas formas de bênção expressam uma súplica a Deus para que conceda aquelas ajudas que vêm dos impulsos do seu Espírito – que a teologia clássica chama de «graças atuais» – para que as relações humanas possam amadurecer e crescer na fidelidade à mensagem do Evangelho, libertar-se das suas imperfeições e fragilidades e expressar-se na dimensão sempre maior do amor divino.” (grifos meus e tradução livre)

Segue-se nos numerais 40 e 41:

“40. Em vez disso, tal bênção pode encontrar seu lugar em outros contextos, como a visita a um santuário, o encontro com um padre, a oração recitada em um grupo ou durante uma peregrinação. De fato, através destas bênçãos, que são ministradas não através das formas rituais próprias da liturgia, mas como expressão do coração materno da Igreja, análogas às que emanam do fundo das entranhas da piedade popular, não se pretende legitimar nada, mas apenas abrir a própria vida a Deus, pedir a sua ajuda para viver melhor e invocar também o Espírito Santo para que se vivam com maior fidelidade os valores do Evangelho.

“41. O que foi dito na presente Declaração sobre as bênçãos de casais do mesmo sexo, é suficiente para orientar o discernimento prudente e paterno dos ministros ordenados a este respeito. Portanto, além das indicações acima, não se pode esperar outras respostas sobre como regular os detalhes ou os aspectos práticos relativos a este tipo de bênçãos.” (grifos meus e tradução livre)

Antes de comentar esses parágrafos, coisa que se dará ao longo dos tópicos seguintes, adianto que, antes de mais nada, a regra próxima da fé é o Papa e não Bispo X ou Y ou Padre A ou B nem muito menos leigos, por mais bem formados e eruditos que sejam. Assim, se sai um documento assim, o fiel deve aceitar tal como veio porque as determinações ali são, se Bergoglio é verdadeiro papa da Igreja Católica, seguras porque ele, o papa, goza do carisma da infalibilidade e teve um real auxílio do Espírito Santo.

Nunca custa relembrar o dito aqui já quase exaustivamente: o Papa é o Vigário de Cristo na Terra, o que significa que Cristo sempre ensinará por meio da pena e boca do Seu Vigário. Ele disse: “quem vos ouve a Mim me ouve” (Lucas X, 16). Quem ouve o Papa, ouve também a Cristo. Rejeitar o Papa é rejeitar a Cristo e consequentemente ao próprio Deus enquanto Santíssima Trindade. É algo gravíssimo e devemos assim assumir uma posição diante de uma situação tão grave. Estamos diante de um documento controverso, confuso e que tem causado escândalo.

Como lidamos com algo assim? Veremos algumas reações e depois veremos qual a posição que devemos tomar e tirar as devidas conclusões disso tudo.

O CASO DO CENTRO DOM BOSCO E ATHANASIUS SCHNEIDER

Atentemo-nos, a título de exemplo inicial, à reação do Centro Dom Bosco (CDB), uma associação que se julga tradicional, mas que em verdade não quer ser nem quente e nem fria com medo de perder o apoio que tem atualmente [e que por isso merece ser vomitado (Apocalipse III, 15-16)]. O CDB convidou Dom Athanasius Schneider, pretenso bispo-auxiliar da diocese de Astana, Cazaquistão, para abordar em uma live (disponível AQUI) sobre a Fiducia supplicans.

Athanasius Schneider argumentou bem contra o documento. De fato, os parágrafos de 31 a 41 não correspondem à verdadeira pastoral católica sobre isso. Dizer que as bênçãos são sim escandalosas (pois abençoa sim o “casal” e não as pessoas particularmente) é um acerto. Schneider faz uma interessante analogia ao dizer que tal argumento vindo de continuistas não vale porque seria como dizer que uma bênção uma gangue não é sobre a gangue, mas sim aos seus membros. De fato, se lermos que o documento diz que “coloca-se a possibilidade de bênçãos de casais em situações irregulares e de casais do mesmo sexo”, fica evidente que é ao casal mesmo. O pretexto de que a bênção ao casal serviria para ajudá-los a sair da situação também é falha, pois trata-se de uma relação de pecado habitual.

O dito bispo-auxiliar da Diocese de Astana falha gravemente ao justificar a resistência a sua reação e resistência à declaração. Leiamos a declaração dele e do arcebispo titular Dom Thomash Peta (de 19 de dezembro):

“Portanto, no espírito da colegialidade episcopal, pedimos ao Papa Francisco que revogue a permissão de abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo, para que a Igreja Católica possa brilhar claramente como ‘pilar e fundamento da verdade’ (1 Tm 3,15) para todos aqueles que procuram sinceramente conhecer a vontade de Deus e, cumprindo-a, alcançar a vida eterna.” (Grifos meus. Texto integral disponível no site conservador Frates in Unum).

A colegialidade é um dos erros do Vaticano II. Um erro evidentemente herético que coloca o poder supremo sobre a Igreja não apenas no Papa, mas no Papa e no colégio dos bispos. Donde se lê:

“O supremo poder sobre a Igreja universal, que este colégio tem, exerce-se solenemente no Concílio Ecuménico. Nunca se dá um Concílio Ecuménico sem que seja como tal confirmado ou pelo menos aceite pelo sucessor de Pedro; e é prerrogativa do Romano Pontífice convocar estes Concílios, presidi-los e confirmá-los. O mesmo poder colegial pode ser exercido, juntamente com o Papa, pelos Bispos espalhados pelo mundo, contanto que a cabeça do colégio os chame a uma acção colegial ou, pelo menos, aprove ou aceite livremente a acção conjunta dos Bispos dispersos, de forma que haja verdadeiro acto colegial.”
(PAULO VI; Vaticano II, constituição dogmática Lumen Gentium, n. 22)

A nota prévia publicada no documento não ajuda muito. Nela chegamos a ler, por exemplo:

“Diz-se que o Colégio, que não pode existir sem cabeça, ‘é também sujeito do supremo e pleno poder sobre toda a Igreja’. Isto tem de se admitir necessariamente, para que a plenitude do poder do Romano Pontífice não seja posta em questão. O Colégio, com efeito, entende-se sempre e necessariamente com a sua Cabeça, a qual, no Colégio, conserva integralmente o seu cargo de Vigário de Cristo e Pastor da Igreja Universal. Por outras palavras, a distinção não se faz entre o Romano Pontífice e os Bispos, tomados colectivamente, mas entre o Romano Pontífice só, e o Romano Pontífice juntamente com os Bispos. E uma vez que o Sumo Pontífice é a Cabeça do Colégio, só ele pode executar certos actos, que de modo nenhum competem aos Bispos como, por exemplo, convocar e dirigir o Colégio, aprovar normas de acção, etc.” (Grifos no original)

Essa nota não salva o documento do erro. Apenas coloca o papa como chefe de um colégio. Podemos perceber isso quando Bento XVI, ao publicar o motu proprio Summorum Pontificum, quis “liberar” a missa tridentina segundo as rubricas de 1962 nos ambientes que estão sob os auspícios da religião novus ordo. O documento claramente permite os padres rezar tais missas sem necessidade de permissão por parte do bispo ordinário. No entanto, o que se viu foi bispos não permitindo as missas. A fantasia da colegialidade ainda se confirma mais quando lemos o próprio Bergoglio dizer que temos muito o que aprender com os cismáticos orientais quanto à… colegialidade! Bergoglio mesmo escreve num prefácio a um livro póstumo do Patriarca Ioannis Zizoulas:

“Conheci Ioannis Zizioulas em 2013, quando acolhi a Delegação do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, que tinha vindo a Roma para a Festa dos Santos Pedro e Paulo. Foi um encontro que confirmou minha convicção do quanto ainda tínhamos que aprender com nossos irmãos e irmãs ortodoxos sobre a colegialidade episcopal e a tradição da sinodalidade.” (Grifo meu e o texto integral está disponível no site VaticanNews)

A doutrina católica ensina o seguinte:

“Igualmente definimos que a santa Sé Apostólica e o Romano Pontífice têm o primado sobre todo o universo e que o mesmo Romano Pontífice é o sucessor do bem-aventurado Pedro, príncipe dos Apóstolos, é verdadeiro vigário de Cristo, cabeça de toda a Igreja, pai e doutor de todos os cristãos; e que nosso Senhor Jesus Cristo transmitiu a ele, na pessoa do bem-aventurado Pedro, o pleno poder de apascentar, reger e governar a Igreja universal, como é atestado também nas atas dos concílios ecumênicos e nos sagrados cânones.”
(S.S. EUGÊNIO IV; Concílio de Florença, bula Laetentur caeli, 6 de julho de 1439, Denzinger-Hünermann 1307. Grifos meus)

Ainda vemos a seguinte condenação na constituição Auctorem fidei, contra o Sínodo de Pistoia:

“Igualmente: quando declara ser também persuadido de que ‘os direitos do bispo recebidos de Jesus Cristo para governar a Igreja não podem ser alterados nem impedidos, e onde tiver acontecido que o exercício destes direitos foi interrompido por qualquer motivo, o bispo pode e deve sempre voltar aos seus originais direitos, todas as vezes que o requer o bem maior da sua Igreja’;
“na medida em que indica que o exercício dos direitos episcopais não pode ser impedido ou limitado por nenhum poder superior, todas as vezes que o bispo segundo seu pessoal juízo tiver decretado que isso seja menos útil ao bem maior de sua Igreja:
“[Condenada como:] induzindo ao cisma e à subversão do governo hierárquico, errônea.”
(S.S. PIO VI; constituição Auctorem fidei, n. 8, 28 de agosto de 1794, D.-H. 2608. Grifos meus)

E o Concílio Vaticano I enfatiza ainda mais a supremacia do Papa:

“[Cânon.] Se, pois, alguém disser que ao Romano Pontífice cabe apenas o ofício de inspeção ou de direção, mas não o pleno e supremo poder de jurisdição sobre a Igreja universal, não só nas matérias referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se referem à disciplina e ao governo da Igreja espalhada por todo o orbe; ou que ele só goza da parte principal deste supremo poder e não de toda a plenitude; ou que este seu poder não é ordinário e imediato, quer sobre todas e cada uma das Igrejas, quer sobre todos e cada um dos pastores e fiéis: seja anátema.”
(S.S. PIO IX; Concílio Vaticano I, constituição Pastor aeternus, cap. III. D.-H. 3064. Grifos meus)

Como vemos, essa condenação servirá para entender os graves erros seguintes.

Mas isso não é pior ainda como eles trataram os sedevacantistas. O presidente do CDB Álvaro Mendes disse que o sedevacantismo é um “erro pernicioso” e que “leva muitas almas ao inferno” por “não compreenderem a infalibilidade”. Álvaro Mendes, como a esmagadora maioria dos adversários do sedevacantismo, entende que a posição existe por conta de uma hipertrofia da noção de infalibilidade, isto é, a dita infalibilidade dilatada.

Decerto, há sim sedevacantistas que exageram a infalibilidade e eu sou um dos primeiros a criticar a posição. No entanto, a mitigação da infalibilidade pode levar à heresia como veremos.

Leiamos aqui o 22º erro condenado no Syllabus:

“A obrigação a que estão sujeitos os mestres e escritores católicos refere-se tão somente àquelas coisas que o juízo infalível da Igreja propõe como dogmas de fé para todos crerem.”

O Pe. Sisto Caterchini, S.J., no seu livro Dall’Opinione al Domma (Edizioni “La Civiltà Cattolica”, 1953) há uma tabela na página 7. Segundo o Pe. Caterchini, não seguir as determinações doutrinárias das congregações romanas é pecado mortal por desobediência. Ainda que não seja uma determinação propriamente infalível, ele é seguro, como ensina o renomadíssimo teólogo jesuíta. Assim, se Bergoglio é papa, a declaração Fiducia supplicans deve ser considerado um documento seguro, pois o “papa” assinou aprovando o documento. Isso ficará mais claro à frente.

OUTRAS REAÇÕES

Outro dito bispo novus ordo que chamou atenção foi o Dom Adair José Guimarães, da Diocese de Formosa, GO. A postura dele foi ainda mais modernista que o bispo cazaquistanês. O brasileiro em lugar de evocar a colegialidade conciliar, evocou a sinodalidade bergogliana mesmo. Num sermão (podemos ver isso num corte publicado no canal do CDB AQUI), ele simplesmente disse que não adotaria as determinações da declaração depois de consultar as lideranças leigas (?) e os presbíteros subordinados. Ou seja, esse bispo, admirado por seguimentos conservadores (tal como CDB) precisou consultar inferiores para saber como aplicar uma determinação vinda da Santa Sé e aprovada pelo “papa”.

Outra reações dignas de nota são as dos bispos africanos, que foram os mais severos dentre os que manifestaram as suas reações. Veremos dois exemplos abaixo (as citações foram retiradas do site (ACI Africa, todos os grifos são meus e a tradução é livre).

Um desses bispos foi Dom Paul Kariuki Njiru, bispo da Diocese de Wote, Quênia. Ele, na sua nota publicada em 27 de dezembro, diz que a declaração Fiducia supplicans “deve ser rejeitada na totalidade e nós defendemos fielmente os ensinamentos do Evangelho e os ensinamentos tradicionais católicos sobre [o sacramento do] Matrimônio e sexualidade”. E já o Dom Martin Anwel Mtumbuka, bispo da Diocese de Karonga, de Malawi, foi mais enfático. Ele simplesmente orientou a sua sé episcopal a “esquecer e ignorar esta declaração controversa e aparentemente blasfema em sua totalidade”. E ainda, no seu sermão na Vigília de Natal, disse que o ensinamento do documento “parece uma heresia; parece uma heresia; e seus efeitos são uma heresia”. E ainda:

“O documento nos pede para abençoar duas pessoas do mesmo sexo como indivíduos, mas não como um casal. Então, essas duas pessoas do mesmo sexo que na noite anterior dormiram juntas como um casal e se apresentam para nós como um casal são abençoadas como indivíduos, mas deixam nossa presença como um casal; elas vão para suas casas como um casal; elas dormem na mesma cama como um casal; mas o documento diz que elas não são abençoadas como um casal, embora pareçam ter sido abençoadas como um casal. Como isso poderia não estar mudando o ensinamento autêntico da Igreja?

Depois ele ainda diz: “Não podemos permitir que uma declaração tão ofensiva e aparentemente blasfema seja implementada em nossas Dioceses”. E ainda:

“Pelos relatórios que recebi, fica muito claro que muitos fiéis em nossa Diocese e além não só ficaram ofendidos com a referida declaração, mas muito escandalizados ao ver a assinatura do Santo Padre anexada a tal documento.”

Encerremos as citações do bispo malauiano aqui. De todas as reações do clero novus ordo, a dele foi a mais forte, a mais reativa. Ele simplesmente sugeriu que houve uma mudança no ensinamento da Igreja, que a declaração pode ser herética e é “aparentemente blasfema” duas vezes. O que fica ainda mais evidente é a sua confusão ao notar a assinatura do “Santo Padre”.

Lendo tudo isso, fica claro uma coisa: todos eles preferem a confusão de continuar acreditando que tal declaração realmente emana de uma verdadeira autoridade. Vejamos agora por que não há nenhuma razão para crer que Francisco, Bergoglio, seja o Papa da Igreja Católica.

A ESCANDALOSA NOTA DE DOM TOMÁS DE AQUINO

Escrevo este comentário com certa dor, pois tenho particular carinho por Dom Tomás de Aquino, O.S.B., bispo da Resistência e Prior do Mosteiro da Santa Cruz, em Nova Friburgo, RJ. Sua Excelência Reverendíssima Dom Tomás de Aquino escreve com efeito em sua nota “Sobre a declaração Fiducia Supplicans” que eles esperam “um Papa inteiramente fiel à Tradição” e que “devemos nos separar espiritualmente do Papa [sic] Francisco”, embora o reconheçam como Papa.

O que Dom Tomás escreve aqui vai contra a soleníssima bula Unam Sactam que finaliza assim:

Esta autoridade, ainda que tenha sido dada a um homem e por ele seja exercida, não é humana, mas de Deus. Foi dada a Pedro pela boca de Deus e fundada para ele e seus sucessores Naquele que ele, a rocha, confessou, quando o Senhor disse a Pedro: ‘Tudo o que ligares…’ (Mt 16,19). Assim, quem resiste a este poder determinado por Deus ‘resiste à ordem de Deus’ (Rm 13,2), a menos que não esteja imaginando dois princípios, como fez Manes, opinião que julgamos falsa e herética, já que, conforme Moisés, não é ‘nos princípios’, mas ‘no princípio Deus criou o céu e a terra’ (Gn 1,1).
“Por isso, declaramos, dizemos, definimos e pronunciamos que é absolutamente necessário à salvação de toda criatura humana estar sujeita ao romano pontífice.”

Vemos aqui uma inequívoca oposição à Unam Sanctam. Se analisarmos friamente, em nada difere substancialmente da declaração que Patriarca Hilarião de Budapeste deu numa entrevista com Rod Dreher, do “The American Conservative”:

“Se formos realistas, não podemos mais esperar uma futura unidade entre ortodoxos e católicos. Essas medidas obviamente não nos aproximarão, mas criarão novas linhas de separação” (tradução livre. Entrevista disponível em espanhol no site Infocatólica).

Com efeito, o que lemos de Dom Tomás de Aquino poderíamos esperar de um patriarca cismático como Hilarião ou qualquer outro dos cismas grego, russo, egípcio ou etíope, mas nunca de um católico tradicional.

O COMUNICADO DE IMPRENSA DO SUPERIOR DA F.S.S.P.X. PADRE DAVIDE PAGLIRIANI

O comunicado de imprensa publicado pelo carro-chefe dos resistentes, a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, disponível em português no site FSSPX Brasil, não chegou no nível escandaloso de Dom Tomás de Aquino. Como de praxe na atual fase da congregação fundada pelo arcebispo Dom Marcel Lefebvre, as palavras são mais brandas e açucaradas, mas no final, é a mesma conclusão de Dom Tomás. A nota inicia-se assim:

“A declaração Fiducia supplicans do prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, acerca da questão das bênçãos para ‘casais irregulares e parceiros do mesmo sexo’, deixa-nos consternados. Ainda mais porque esse documento foi assinado pelo Papa.” (Grifos meus)

É inevitável lembrar o que disse o bispo malauiano Dom Martin Mtumbuka mencionado acima. Temos alguém confuso porque temos um documento escandaloso assinado pelo “papa”. O Pe. Davide Pagliriani se aprofundou mais do que o bispo da Resistência. Ele deu explicações teológicas bem interessantes na sua nota que vale a pena reproduzir aqui. Leiamos esse trecho muito bom:

“Certamente, cada pessoa pode ser auxiliada pela misericórdia proveniente de Deus e descobrir, com confiança, que é chamada à conversão para receber a salvação que Deus lhe oferece. A Igreja nunca nega uma bênção aos pecadores que a pedem legitimamente; porém, a bênção não tem outro propósito senão ajudar a alma a superar o pecado e a viver em estado de graça.

“Portanto, a Santa Igreja pode abençoar qualquer indivíduo, até mesmo um pagão. Mas ela nunca pode, de forma alguma, abençoar uma união que é, em si mesma, pecaminosa, sob o pretexto de encorajar o que há de bom nela. Quando abençoamos um casal, não estamos abençoando indivíduos isolados: estamos, necessariamente, abençoando o relacionamento que os une. Não podemos redimir uma realidade que é intrinsecamente má e escandalosa.

“Fomentar pastoralmente esse tipo de bênçãos leva, na prática, inexoravelmente à aceitação sistemática de situações que são incompatíveis com a lei moral, independentemente do que se diga.”

Não há nenhuma dúvida de que a nota é digna de elogio. É a crítica mais erudita dentre as que li e anotei aqui. No entanto, comete os mesmos erros que estão presentes nas outras (não que isso seja surpreendente, claro). O superior da F.S.S.P.X. não expõe explicitamente o pensamento de Dom Tomás, mas quando ele escreve que a declaração é “uma nova rendição e submissão ao mundo por parte da hierarquia liberal e modernista, que desde o Concílio Vaticano II está ao serviço da Revolução dentro e fora da Igreja” e roga a Santíssima Virgem “que proteja os mais expostos a este caos: as crianças, que agora são forçadas a crescer em uma nova Babilônia, sem pontos de referência ou guias que lhes recordem a lei moral” já expõe tal pensamento. O Pe. Pagliriani corretamente coloca Bergoglio como líder de uma hierarquia liberal e modernista a serviço da Revolução. Ou seja, alguém não apenas acatólico como também anticatólico que trabalha deliberadamente para destruir a Igreja. Alguém a quem devemos resistir.

Na prática, tanto Dom Tomás quanto Pe. Pagliriani seguem o mesmo caminho, ainda que o segundo tenha se esforçado para não ser tão escandaloso.

COMUNICADO À IMPRENSA DO DICASTÉRIO

O Cardeal Fernández, autor da declaração de Bergoglio, redigiu dia 4 de janeiro de 2024 um comunicado que foi publicado no site do Vaticano para comentar a (não) recepção da declaração Fiducia supplicans por parte de diversos bispos e outros clérigos e mesmo conferências episcopais inteiras. Chama a atenção algumas citações para dizer que “não há espaço para se tomar distância doutrinal desta Declaração ou para considerá-la herética, contrária à Tradição da Igreja ou blasfema”. O que chama atenção é a parte em que trata da “situação delicada de alguns países”. Diz o comunicado:

“O caso de algumas Conferências Episcopais deve ser compreendido no próprio contexto. Em diversos países existem fortes questões culturais e até mesmo legais que requerem tempo e estratégias pastorais a longo prazo.

“Se existem legislações que condenam à prisão e, em alguns lugares, à tortura e até à morte o simples fato de declarar-se homossexual, entende-se que seria imprudente uma bênção. É evidente que os Bispos não queiram expor as pessoas homossexuais à violência. Permanece importante, porém, que estas Conferências Episcopais não sustentem uma doutrina diferente daquela da Declaração aprovada pelo Papa, enquanto é a doutrina de sempre, mas sobretudo que proponham a necessidade do estudo e do discernimento para agir com prudência pastoral em um tal contexto.

“Na verdade, não são poucos os países que em diversa medida condenam, proíbem e criminalizam a homossexualidade. Nestes casos, além da questão das bênçãos, existe uma tarefa pastoral de grande amplitude, que inclui formação, defesa da dignidade humana, ensinamento da Doutrina Social da Igreja e diversas estratégias que não admitem pressa.” (Grifos meus)

O documento, como era de se esperar, exige que a doutrina ensinada na Fiducia supplicans seja sustentada pelos bispos porque foi aprovada pelo “papa” e que é “a doutrina de sempre”. A parte comentada em que se deve haver formação e “defesa da dignidade humana” também é emblemática. O cardeal compatriota de Bergoglio claramente ensina que a prática de pecados contra a natureza não diminui a dignidade da pessoa humana, nem sequer a afeta e que por isso não merece nenhuma condenação. Ademais, fica subentendida a intenção da mudança doutrinal sobre este ponto visto que essa “melhor formação” e “estratégia pastoral a longo” não têm como entender de outra forma como meio para aplicar essa impiedade com o tempo.

Todo o resto do documento publicado recentemente está refutado pelos argumentos dos mesmos citados acima de modos diversos, especialmente pelo Pe. Pagliriani, o que poupa-me de tecer mais comentários em texto.

Assim, vamos à conclusão.

CONCLUSÃO

COROLÁRIO: A DECLARAÇÃO FIDUCIA SUPPLICANS NÃO PODE TER SIDO APROVADA POR UM VERDADEIRO PAPA.

Vemos aqui exemplos de quatro bispos que não aplicarão as orientações dadas pelo documento. A conclusão é que eles entenderam bem que o documento vai contra a moral católica e tais orientações não podem ser aplicadas sem causar escândalos, o que significa que o documento é objetivamente mau e vai contra a moral evangélica. Isto é, pode sim ser nocivo aos fiéis.

O parágrafo 31 mostra bem isso e foi suficientemente bem comentado pelos bispos citados. Abençoar pessoas em tais situações causa escândalo porque é de alguma forma abençoar o dito casal. Tal bênção em tais condições não pode de forma alguma ajudar o “casal”, mas sim servirá para mantê-los nessa situação de pecado habitual contra a natureza. Com efeito, tal bênção tem antes um efeito de uma aprovação do que uma comunicação de graças atuais para ajudá-los a sair dessa situação. Toda essa confusão e a sentença de que não se pode obter mais respostas (n. 41: “… não se pode esperar outras respostas… etc”) mostra muito bem a intenção do falso papa e se sequaz Cardeal Víctor Manuel Fernández, que redigiu o documento.

No entanto, o Papa verdadeiro é revestido da assistência divina do Espírito Santo e podemos saber que um documento com orientações nocivas não poderia ser emanado de verdadeiras autoridades. Se Bergoglio fosse realmente o Vigário de Cristo, não haveria razões para tanta resistência a algo que ele aprovou.

Eu já escrevi um artigo explicando algumas razões sobre por que não reconheço Bergoglio como verdadeiro papa da Igreja Católica (cf. “POR QUE FRANCISCO NÃO É VERDADEIRO PAPA DA IGREJA CATÓLICA”), mas repito aqui uma das citações que utilizei no artigo:

“E eis a razão por que o pontífice deve ter autoridade para julgar que coisas contenha a palavra de Deus, que doutrinas concordem com ela e quais delas desdigam; e do mesmo modo determinar o que é bem e o que é mal, o que se deve fazer e o que se deve evitar para conseguir a salvação eterna. Se isso não se pudesse fazer, o Papa não seria intérprete infalível da palavra de Deus, nem o guia seguro da vida do homem.”
(S.S. LEÃO XIII; carta encíclica Sapientiae christianae, 10 de janeiro de 1890).

Na mesma encíclica, lemos também que “melhor é a condição dos cristãos – os quais recebem da Igreja a regra da sua fé e sabem com certeza que, obedecendo à sua autoridade e deixando-se guiar por ela, estão com a verdade”.

Assim, se Bergoglio é papa, por sua própria infalibilidade e pela própria indefectibilidade da Igreja, ele jamais poderia aprovar algo tão monstruoso.

CONCLUSÃO INEVITÁVEL: AS CRÍTICAS EXPOSTAS AQUI SÃO UMA FALSA RESISTÊNCIA E TAMBÉM UMA FORMA DE IGUALITARISMO.

Vejamos: Dom Thomash Peta e Dom Athanasius Schneider argumentam evocando a colegialidade para solicitar a Bergoglio a revogação da declaração Fiducia supplicans. Como vimos, a colegialidade é uma forma de lembrar uma parte da tríade satânica do trilema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. No caso, a igualdade. Ao fazer isso, os bispos do Cazaquistão mostram-se capazes de julgar de igual para igual uma determinação do “papa” e ainda por cima reprovar.

O mesmo aplicamos aos bispos africanos, que chegam a usar termos mais duros como “parecer heresia”, “aparentemente blasfema” ou que é inaplicável por ir contra a moral evangélica. Para esses bispos, o “papa” é tão falível quanto qualquer outro fiel e até mesmo mais falível que certos bispos.

O brasileiro Dom Adair foi simplesmente ridículo ao seguir os princípios da sinodalidade bergogliana consultando leigos e simples presbíteros sob sua “jurisdição” para ver se daria para seguir a orientação do documento ou não. Vemos aqui o modernismo no seu apogeu e isso foi elogiado pelo CDB.

Os clérigos resistentes vão ainda mais longe (no caso, o bispo Dom Tomás de Aquino e o Pe. Davide Pagliriani); pois, para eles, o “papa” é tão inimigo da Igreja como qualquer maçom, judeu, heresiarca ou membro do Partido Comunista. Eles se veem acima do “papa”, pois são eles os conservadores da Tradição católica e não o Vigário de Cristo que tem em favor dele as solenes promessas e a infalível oração de Nosso Senhor Jesus Cristo ao Pai.

Certamente, todos eles estão materialmente corretos em resistir às determinações do documento enquanto algo ímpio, mas formalmente errados por dupla razão:

Primeiro, ao considerar Francisco-Bergoglio legítimo papa, eles estão enterrando a doutrina do papado e da indefectibilidade da Igreja. Estão sugerindo que a Igreja pode impor orientações que levam escandalizam almas e assim levar parte delas ao inferno porque entenderiam isso como uma forma de aprovar um pecado contra a natureza e que ainda brada os céus por vingança.

Segundo, o que emana das congregações romanas é infalivelmente seguro e todos estão obrigados a aceitar sob pena de pecado mortal de desobediência (cf. Pe. Sisto Caterchini, loc.cit.). Todo esse movimento seria assim, se Bergoglio é papa, um ato de desobediência e indocilidade em massa. Uma verdadeira rebeldia encorajada por aqueles que deveriam guardar docilidade ao papa.

Assim, a fé teologal nos obriga a rejeitar o documento, mas a mesma fé deveria nos obrigar a ser dócil ao “papa”. Não podemos pecar aceitando a aprovação do pecado e nem desobedecer de forma cismática a uma verdadeira autoridade. Isso só pode nos fazer concluir que, para a preservação da indefectibilidade e infalibilidade da Igreja e a docilidade devida a ela, a posição sedevacantista é a única possível.

Não há outra alternativa. Não podemos rejeitar esse documento se esse documento, não apenas ser errôneo, mas ainda ter sido emanado de um papa verdadeiro. Se não tivermos em mente esses princípios, jamais seremos uma verdadeira resistência. Razão por que trataremos o “papa” como qualquer outro fiel.

2 comentários em “FIDUCIA SUPPLICANS, A FALSA RESISTÊNCIA E A TENTAÇÃO IGUALITÁRIA

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  1. Não se trata de ver o papa como ser humano comum, e sim de ter a certeza de que tudo oq existiu até agora é a verdade da Santa Igreja de Cristo. Papa é um ser humano e DEVERIA lembrar do seu primeiro antecessor ( Pedro). Demônio entrou na igreja mas eu creio e tenho certeza e fé que no final o CORAÇÃO DE MARIA TRIUNFARÁ SOBRE O MAL.

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