A ANATOMIA DO ANTISSEDEVACANTISMO

Luciano Takaki
2024

INTRODUÇÃO

Recentemente, vemos sendo intensificados os ataques ao sedevacantismo. Blogs e sites têm sido criados para esse fim e certas figuras, até antes obscuras, resolveram buscar destaque para si no combate à posição sob o pretexto de combater um “erro”. Algumas vezes são simplesmente injúrias, acusações sem sentido e analogias completamente desonestas. Esses ataques ao sedevacantismo parecem aumentar na mesma proporção em que aumentam os escândalos de Bergoglio. Isso prova que os nossos opositores são antes os braços auxiliares do novus ordo e não do catolicismo tradicional.

Aqui, pretendo analisar a forma dos argumentos e investigar as motivações por trás disso tudo. Podemos inferir inúmeras razões e aqui analisarei as principais, seja pelos exemplos mais conhecidos, seja pelos exemplos genéricos. É importante reconhecer que este artigo não esgotará o tema, mas fornecerá uma base para compreender as principais motivações por trás desses ataques.

FUNDAMENTOS DO SEDEVACANTISMO

Para compreender os fundamentos do sedevacantismo é necessário antes de tudo dar a ele uma definição, conhecer o quid sit da coisa. Para isso, servir-me-ei da definição do leigo erudito John S. Daly, usada em seu brilhante artigo “A Crise Impossível”: O sedevacantismo é a convicção de que a Santa Sé está vacante. Ponto, nada mais do que isso.

O sedevacantismo não se configura como um movimento homogêneo, mas sim como uma convicção que, apesar de ser individual, é antes baseada num fato. Independentemente de associações ou correntes, todos os sedevacantistas compartilham essa convicção de que o atual ocupante da Sé Apostólica não é o verdadeiro papa.

Reconhecemos a existência de sedevacantistas que fundamentam suas crenças em teorias conspiratórias ou hipóteses improváveis. No entanto, a grande maioria se baseia na convicção de que o papa é infalível em questões de fé e moral. Para estes, a ocorrência de erros doutrinários desde o Vaticano II leva à conclusão de que não há papas legítimos desde então. A maioria situa o início dessa vacância em João XXIII, outros em Paulo VI, e uma minoria a partir da assinatura da declaração Dignitatis humanae em 7 de dezembro de 1965. Assim, o sedevacantista crê que essa é a única explicação para a crise na Igreja em que vivemos: um verdadeiro papa não poderia ser a causa eficiente da atual crise, que é principalmente de fé e moral e de autoridade; mas essa crise é real e existe; logo, não temos um verdadeiro papa ocupando a Sé Apostólica, mas sim um falso papa, alguém que usurpou o cargo que deveria pertencer antes a um verdadeiro Romano Pontífice.

Diante dos fundamentos expostos, examinemos as objeções levantadas contra o sedevacantismo. É crucial analisar não apenas os argumentos em si, mas também as pretensões dos objetores. Argumentaremos que muitos desses argumentos são desonestos, pois não provêm de pessoas ignorantes sobre o tema, mas sim de indivíduos letrados e conscientes do que estão tratando.

A QUESTÃO DO JUÍZO PRIVADO

Uma acusação que nos fazem (como, por exemplo, o devotado antissedevacantista Alessandro Lima, já respondido) é a de que fazemos um juízo privado sobre se o atual ocupante da Cátedra de São Pedro é papa ou não. Acho curiosa essa acusação porque o mesmo Alessandro Lima também faz certo juízo. Um exemplo que podemos extrair do seu artigo “Sedevacantismo, uma ideia absurda”:

“Os ensinamentos acima autorizam algum católico individualmente ou em grupo julgar se um Papa é ou não herege ou se perdeu ou não seu pontificado, se sua eleição foi ou não válida? Está claro que apenas a Autoridade Pública da Igreja pode fazer tal coisa. Caso contrário, estão usurpando um poder que não lhes compete.” (Grifo meu)

No entanto, o mesmo Alessandro Lima ensina que o papa pode errar em matéria de fé e moral, o que justificaria uma resistência pública a ele. Desonestamente, em seu artigo: “São Roberto Belarmino contra o sedevacantismo”, ele dispara uma verdadeira rajada de mentiras (uma delas é considerar a seita de Palmar de Troya sedevacantista, se isso não é burrice, é desonestidade total) contra o sedevacantismo, mas focarei no que tange o tópico: segundo o Alessandro Lima, São Roberto Belarmino ensina que qualquer um pode resistir ao papa quando este age como um lobo (supostamente em De Ecclesiae, lib. II, cap. 29). Alessandro Lima omite, no entanto, que isso não se refere ao exercício magisterial. O fiel católico não questiona a restrição a uma missa ou a um ensinamento sobre o matrimônio ou bênçãos. Se não há nada contra a fé, deve ser obedecido. No entanto, o próprio Alessandro Lima diz que tivemos papas hereges, como ele mesmo disse:

“A infeliz circunstância de estar sentado no Trono de Pedro um papa indigno não é nova, muitos sabem. Poucos sabem que em alguns casos a infidelidade chegou mesmo ao pecado da heresia pública, que é um pecado grave contra a fé e que exclui o fiel do corpo místico da Igreja.” (Grifo meu)

Quais seriam esses casos? Ele não o diz. Ele cita o caso de Libério e Honório I, mas o primeiro não foi herege e o segundo foi condenado por troca de cartas privadas e não por heresia pública. No entanto, é sabido que é impossível que tal coisa tenha acontecido ou que mesmo possa acontecer. Alessandro Lima, ademais, confunde a deposição jurídica de um papa com a constatação de que tal homem não é papa. Segundo o Alessandro Lima, devemos esperar o atestado de óbito para constatar que o cadáver de alguém está morto e que não podemos nós mesmo constatar isso senão o juízo de um legista. O próprio São Roberto Belarmino ensina que o juízo privado pode sim constatar que um papa herético não é verdadeiro papa. Com efeito, ele escreve:

“Pois embora Libério não fosse um herege, ele, porém, foi tido como tal em razão da paz que fez com os arianos, e por esta suposição o pontificado podia ser tirado dele merecidamente: pois os homens não são obrigados, nem capazes de ler corações; mas quando eles vêem que alguém é um herege por suas obras externas, eles o julgam como um herege puro e simples e o condenam como tal.”
(De Romano Pontifice, lib. IV, c. 9. Grifo meu)

João de Santo Tomás (o teólogo favorito dos resistentes e o mais deformado pelos mesmos) era adversário de São Roberto Belarmino e ele mesmo ensina que “o herético deve ser evitado depois de duas correções feitas juridicamente e com a autoridade da Igreja, e não segundo um juízo privado [Respondetur Haereticus esse evitandum propter duas correptiones juridice scilicet factas, et ab Ecclesiae authoritate, et non secundum privatum judicium]” (Cursus Theologicus in Secundam Secundae D. Thomae, t. VI, disp. VIII, a. 3, p. 139, sol. 2. Grifos meus). Vejam bem: João de Santo Tomás escreve isso respondendo a Belarmino, não estamos aqui concordando nem discordando, apenas para mostrar que, divergindo de Belarmino, João de Santo Tomás entendeu exatamente como os sedevacantistas entendem. Será que o Alessandro Lima é mais competente que João de Santo Tomás nessa matéria? Acredito que não.

AS FALSIFICAÇÕES E A DESONESTIDADE

Sem querer insistir no nome do Alessandro Lima, no mesmo artigo citado acima, ele escreve:

“Normalmente as discussões sobre se um papa foi ou não herege, recaem sobre os famosos casos dos papas Libério (352-366) e Honório I (625 – 638) que foram condenados postumamente. Mas, ao contrário do que muitos pensam, a Santa Madre Igreja já ‘julgou’ no passado papas reinantes que foram acusados de heresia.” (Grifo meu)

Não, Libério nunca foi condenado. São Roberto Belarmino reconhece que ele foi tido como herege por alguns, mas não foi condenado tal como Honório.

Outra mentira do Alessandro Lima é com respeito aos conclavistas e a Palmar de Tróia:

“Os sedevacantistas negam na prática que numa sociedade visível como é a Igreja os fatos devam ser públicos e notórios, e por isso cada sedevacantista define se há ou não papa e qual foi ou não foi o último papa reinante. Sedevacantistas chegaram a fazer um ‘conclave’ para eleger anti-papas, contra a lei papal de que somente os cardeais são eleitores do papa, como foi o caso dos sedevacantistas de Palmar de Tróia.”

A seita de Palmar de Tróia não é sedevacantista, assim como não são sedevacantistas o que elegem seus antipapas. Os palmarianos sequer negam que Paulo VI tenha sido papa, algo unânime entre os sedevacantistas. Ademais, a opinião majoritária é de que o último papa reinante foi Pio XII e ainda que haja alguns que afirmem que foi João XXIII, isso no final não tem tanta relevância para a situação atual. Essa questão é acidental, apesar de ter importância, pois João XXIII não está mais vivo. O essencial é saber se o Vaticano II significa uma continuação ou uma ruptura. Se for uma ruptura, no mínimo estamos sem papa desde Paulo VI, mas temos graves razões para crer também que podemos estar sem papa desde João XXIII, que convocou o concílio.

Noutro artigo, Alessandro Lima também tenta persuadir de que o sedevacantismo é impossível porque a Igreja não poderia existir sem a jurisdição ordinária. Os sedevacantistas não ignoram esse problema e há diversas teorias sobre isso. É uma dificuldade, isso nenhum sedevacantista nega, mas tal problema tampouco refuta o sedevacantismo em si porque esse problema não resolve os problemas já apontados. Se temos alguém que ensina heresias, como já mostrado, essa pessoa não pode ser sujeito de jurisdição. Onde essa jurisdição está, realmente eu não sei e tampouco tenho a obrigação de saber. Seria como um médico que detecta uma doença até então desconhecida e o paciente pergunta o que ele tem, o médico descreve a doença e diz que não sabe o que é. A situação atual é assim: temos um falso papa e falsos bispos na hierarquia. Como a jurisdição ordinária se mantém, eu realmente não sei. Eu limito-me a isso. O próprio Alessandro Lima traduziu um artigo que citaremos mais adiante que cita o Cardeal Newman: “Dez mil dificuldades não fazem ninguém duvidar”. Isso aplica-se à nossa posição.

A maioria dos sedevacantistas sabe que estamos diante de um mistério, mas não admitimos contradições tal como fazem os adversários. Afinal, se Bergoglio é verdadeiro papa e tem jurisdição, devemos obediência total a ele quando se trata de ensinamentos, assim como devemos obediência aos bispos. No entanto, nem mesmo Alessandro Lima o obedece e nem ele responde ao problema demonstrado acima. Inclusive, a minha adesão à Tese de Cassiciacum se deve justamente porque é, a meu ver, o que melhor explica esse problema. Isso até o próprio Alessandro Lima reconhece, mas não sem antes cometer outro erro grotesco.

Nesse mesmo artigo, ele se equivoca sobre a Tese de Cassiciacum. Ele disse que o Mons. Guérard des Lauriers “procura respeitar os elementos constitutivos da Igreja, mas errou quanto aos elementos constitutivos do papado, pois um ente é constituído de matéria e forma, não pode existir apenas materialmente”. Isso chega a ser chocante porque o mesmo Alessandro Lima reconhece-o como “grande tomista”. Se o teólogo dominicano foi um grande tomista, será que o Alessandro Lima realmente crê que ele não sabia disso? É evidente que o Mons. Guérard sabia que uma substância composta não pode subsistir apenas materialmente sem uma forma substancial. No entanto, o papado é um ens per accidens e não simpliciter. O papado é uma forma acidental que se dá numa matéria, no caso, no homem eleito papa. O que se deve entender é que o homem papa material eleito não recebeu essa forma acidental que o faz papa. Assim, um papa material é tão papa quanto um cadáver é uma pessoa, i.e., nem o primeiro é papa e nem o segundo é uma pessoa.

Outra falsificação grotesca é do Robert Siscoe ao fazer uma gravíssima acusação contra o Papa Celestino III, artigo foi traduzido por adivinhe quem. Sim, ele mesmo, o Alessandro Lima. Siscoe escreve no final de seu artigo horroroso:

“Deve-se notar que os sedevacantistas fizeram referência a autores recentes, como o Cardeal Billot, que afirmou que o Papa Gregório não aprovou este decreto específico, embora tenha sido incluído no livro de Decretais que ele promulgou.   Embora isso possa realmente ser o caso, isso apenas isenta o Papa Gregório de confirmar o erro; isso não isenta o Papa Celestino do erro.”
(“O grave erro do Papa Celestino III sobre a indissociabilidade do casamento”. Grifo meu)

O “apenas” (only, no original) foi colocado propositalmente como eufemismo para desviar o erro. O fato é que isso não era algo definido e não era claro para ninguém. Isso foi definitivamente definido no Concílio de Trento. O próprio Celestino diz que:

“Não nos parece (non enim videtur nobis), mesmo que o primeiro marido regresse à unidade eclesiástica, que ela deva afastar-se do segundo [marido] e regressar ao primeiro, tanto mais que se viu ter saído o primeiro pelo julgamento da Igreja…” (Grifo meu)

O que lemos em verdade é, “pois, não nos parece”. Isto é, não era algo claro e totalmente definido. Ademais, o artigo desonesto conclui com o seguinte:

“E se alguém acreditar que todos os julgamentos não definitivos de um Papa devem pelo menos ser ‘infalivelmente seguros’ (mesmo que não sejam infalivelmente verdadeiros), terá dificuldade em explicar este julgamento não definitivo do Papa Celestino – a menos, é claro, que sua definição de ‘infalivelmente seguro’ inclui julgamentos que são contrários à lei divina e confirmam uma pessoa em um estado objetivo de pecado mortal.”

O caso do Celestino III nem de longe lembra o que vemos com Bergoglio. A carta de exortação apostólica Amoris laetitia foi escrita após tudo ter ficado claro e definido. Ademais, o que Siscoe escreveu sobre o caso (que Alessandro Lima subscreve) é herético e diabólico, pois deixa subtendida sim a negação do que o Vaticano I ensina. O “videtur” mostra que Celestino não fez mais que expor a sua opinião (cf. De Romano Pontifice, lib. IV, cap. 14). O que Bergoglio faz não é expor a sua opinião, mas sim um ensinamento seu. Na ânsia de negar o sedevacantismo, Siscoe (e Lima) caem em heresia.

Não é a primeira vez que resistentes mentem para nos refutar. Mas fica a questão: por que toda oposição, todo esse combate contra nós, sedevacantistas?

JUÍZO TEMERÁRIO: OS SUPOSTOS “PERIGOS ESPIRITUAIS” DO SEDEVACANTISMO

Um artigo da “Crisis Magazine” aponta supostamente “os perigos espirituais do sedevacantismo” (traduzido por Alessandro Lima). Segundo Eric Sammons, autor do artigo, o sedevacantismo é “essencialmente uma posição gnóstica, uma crença de que algumas almas descobriram um conhecimento especial (‘Gnose’ significa ‘conhecimento’ em grego) que a maioria dos católicos não possui”. O autor diz ainda que:

“Certamente simpatizamos com os sedevacantistas e benepapistas. Ao contrário dos papolaters [sic. No momento em que li o texto, estava escrito exatamente assim como registrado (cf. no “WayBack Machine” caso corrijam). O sr. Alessandro Lima não traduziu essa palavra que seria facilmente traduzida para ‘papólatra’] que hoje dominam a Igreja, eles levam a sério os problemas do pontificado de Francisco. Eles não tentam encobrir questões que levaram à perda de muitas almas. No entanto, em última análise, as suas opiniões são um beco sem saída espiritual.” (Grifo meu)

O autor não percebe a contradição. Fico feliz que ele ainda tenha simpatia para conosco (será que o Alessandro Lima tem?), mas se o sedevacantismo é uma “religião gnóstica”, também é a posição “reconhecer e resistir”. Qual é a porcentagem dos católicos que aderem à posição do Dom Marcel Lefebvre ou da T.F.P.? Certamente um número não muito maior que dos próprios sedevacantistas, que contam com pelo menos mais de dez bispos válidos e que tem algumas igrejas que lotam de fiéis.

Se a Igreja é uma sociedade visível cujo centro da visibilidade é a hierarquia e o papa, não há por que resistir a esse papa e criticá-lo como faz uma minoria. Basta consultar os padres novus ordo das paróquias que o circundam. O argumento do Eric Sammons falha miseravelmente nesse ponto, mas ao menos parece ser alguém mais dialogável que o seu tradutor (que, tudo indica, usou algum mecanismo de tradução para deixar passar um erro tão grosseiro).

O VERDADEIRO FUNDAMENTO DO SEDEVACANTISMO

Para compreendermos a essência do sedevacantismo, é crucial discernir seus fundamentos. Sem tal discernimento, nossos oponentes não saberão qual é o cerne da argumentação a ser refutada. Em meu artigo “Refutando o Sedevacantismo”, escrito em resposta ao Sr. Alessandro Lima, abordei este tema. No entanto, ele ignorou tais pontos em sua réplica. Aqui, os revisitarei de forma mais concisa, não com o intuito de instruir sobre refutação, mas sim para elucidar os pilares dessa posição.

A base do sedevacantismo reside em dois pilares:

I. A INFALIBILIDADE PAPAL

O dogma da infalibilidade papal garante que o Papa, quando se pronuncia em matéria de fé e moral, ou ao promulgar disciplinas, está livre de erros. Essa prerrogativa se aplica tanto às definições solenes quanto ao Magistério Ordinário. No segundo caso, embora não haja a mesma garantia absoluta de infalibilidade, ainda existe a segurança infalível, como frequentemente se argumenta.

Em outras palavras, o exercício do magistério por um verdadeiro Papa resultará em documentos ortodoxos, isentos de erros que coloquem a fé em risco.

II. A MUDANÇA DOUTRINÁRIA

Após o Vaticano II, observa-se uma mudança substancial na doutrina da Igreja. Documentos conciliares, o rito Novus Ordo, textos magisteriais heréticos e disciplinas moralmente questionáveis são exemplos dessa mudança.

Dado que a infalibilidade papal garante a ortodoxia do ensino pontifical, torna-se impossível conciliar essa prerrogativa com as mudanças doutrinárias observadas. Logo, a conclusão lógica é que a hierarquia atual, incluindo o “papa”, não é a legítima representante da Igreja Católica.

A TÍTULO DE EXEMPLO: “MAGISTÉRIO” DE BERGOGLIO

Alguns documentos de Bergoglio, como a encíclica Fratelli tutti, apresentam ideias que, se aceitas em sua totalidade, podem comprometer a fé católica. A defesa de uma fraternidade universal maçônica liderada pela ONU, por exemplo, é incompatível com os ensinamentos tradicionais da Igreja.

Portanto, tais documentos não podem ter sido gerados pelo exercício magisterial de um verdadeiro Papa.

CONCLUSÃO SOBRE O FUNDAMENTO DO SEDEVACANTISMO

O sedevacantismo se fundamenta na crença de que a Sé de Pedro está vacante, pois os supostos papas recentes, incluindo Francisco, promulgaram documentos heterodoxos. Essa posição, em suma, encontra respaldo na doutrina da infalibilidade papal e na conclusão de que houve mudanças doutrinárias ocorridas após o Vaticano II.

AS POSIÇÕES CONTRÁRIAS AO SEDEVACANTISMO

Num geral, as posições contrárias ao sedevacantismo são quatro: (i) novus ordo conservador ou também chamado de continuísmo, (ii) ecclesiadeísmo ou indultismo e (iii) lefebvrismo. Não inclui aqui os, digamos, novus ordo simpliciter porque esses em geral sequer lembram da existência dos sedevacantistas e outras posições porque preferem seguir as suas vidas nas paróquias e estão convictos de que está tudo em paz. As outras posições partem da premissa de que há uma crise de fato após o Vaticano II e que, de alguma forma devemos reagir a ela.

I – NOVUS ORDO CONSERVADOR OU CONTINUÍSMO

O continuista é aquele que enxerga como a causa da crise uma má compreensão dos documentos do Vaticano II. Ele não ignora a crise, mas ele tem a esperança de que se realmente o clero estudasse com seriedade os documentos e se esses fossem seguidos à risca pelo menos por uma maioria moral da hierarquia, a crise estaria bem mais mitigada. Eles geralmente se colocam como entendedores dos documentos melhores que os cardeais, os teólogos e o bispo de sua diocese e que todos os “abusos litúrgicos” (em seu sentir) é também uma má compreensão por parte dos padres celebrantes ou até mesmo má fé.

O problema dessa posição é que os seus adeptos não percebem a enorme contradição que há entre documentos conciliares e o Magistério anterior. Ademais, fora a questão da interpretação dos documentos, os continuístas não raro reduzem o problema também a meras questões políticas. Uma das pouquíssimas críticas que fazem ao Vaticano II (isso quando fazem) é a não condenação ao comunismo, como se tal coisa fosse o maior dos problemas. Reconheço que o comunismo é a mais diabólica ideologia já pensada pelo homem, mas a sua condenação já é subtendida. Mesmo as outras posições adversárias do sedevacantismo são críticas do continuísmo por essa cegueira que tangencia a negação do princípio da não contradição. Fora a sua postura flagrantemente arrogante em se colocar acima dos teólogos e clérigos cuja autoridade eles mesmo reconhecem, mas por expor a doutrina do Vaticano II tal como entendemos, limitam-se a dizer que não são infalíveis e que estão errados. Mas se assim fosse, não eram para eles terem sido condenados? Em suma, os continuístas em geral são incapazes de perceber que entre documentos como a encíclica Quanta cura e a Dignitatis humanae é praticamente palavra por palavra e a sua arrogância lembra muito a dos lefebvristas nesse âmbito. Dadas todas essas considerações, conclui-se que a posição continuísta é inadmissível.

Vejamos as outras posições.

II – ECCLESIADEÍSMO OU INDULTISMO

É a posição das comunidades Ecclesia Dei (comunidades dissidentes da FSSPX que possuem acordo formal com a hierarquia novus ordo) e dos padres que rezam missas de indulto e seus fiéis. Os indultistas são o meio termo entre continuísmo e o lefebvrismo. Eles fazem algumas críticas ditas construtivas ao Vaticano II ao mesmo tempo que mitigam a infalibilidade papal. Ademais, a preocupação dos indultistas não está tanto nos ensinamentos doutrinários e morais, mas tem foco principal na missa tradicional. Ainda que façam um e outra “crítica açucarada” ao Vaticano II, o foco principal é a missa.

Os indultistas hoje estão ameaçados com o antipontificado de Bergoglio, que tem como política recente as restrições à missa tradicional nos ambientes sob os auspícios novus ordo. Ademais, os indultistas, por estarem deliberada e formalmente ligados à hierarquia novus ordo, cooperam diretamente com a Igreja.

III – LEFEBVRISMO

Das posições adversárias do sedevacantismo, essa é a mais radical. Não há muito o que dizer porque sobre esta posição já foi suficiente tratada no meu artigo “Contra a posição ‘reconhecer e resistir’” e no artigo “Uma posição insustentável” do Rev. Pe. Belmont.

AS MOTIVAÇÕES PARA O ANTISSEDEVACANTISTO

1ª MOTIVAÇÃO: DINHEIRO E FAMA

John Salza e Robert Siscoe não ganharam claro a mesma fama que diversos influenciadores digitais católicos do novus ordo, mas ganharam fama o suficiente entre os tradicionalistas médios o suficiente para ganhar uma renda extra além do que eles já têm como advogado. Alessandro Lima a mesma coisa. Ele tem chamado para gravar podcasts e fazer lives para promover seus dois livros. Um deles intitulado Do Papa Herege, copiando descaradamente o Do Papa Herético e outros Opúsculos, do Carlos Nougué. Vendo-se sem espaço entre os semitradicionalistas que visam mais o combate ao modernismo, ele preferiu seguir outro caminho combatendo o sedevacantismo sem maiores justificativas. Ademais, ele não faz mais que reciclar os argumentos de Salza e Siscoe, já usados no livro True or False Pope e outros artigos no site com o mesmo nome. Não há absolutamente nada de novo. É perceptível que o Alessandro Lima busca isso reutilizando argumentos que ele julga que desconhecemos para se aproveitar da situação.

No entanto, o próprio Alessandro Lima não enxerga a contradição em que ele se meteu. Ele, assim como todos os resistentes, não hesita em jogar no lixo a infalibilidade papal para defender a sua posição contraditória. Mas ele precisa vender livros e para vender livros nos dias de hoje, precisa ganhar certa relevância virtual. Ele busca isso atacando o sedevacantismo. Ele e outros, como os próprios Siscoe e Salza.

Um outro exemplo. A Associação Cultural Montfort, cujo apostolado é praticamente falido, também procurou visualizações atacando o sedevacantismo. Nos seus vídeos, a Montfort (Alberto Zucchi e Mauro Rocha) reciclaram os argumentos usados pela antiga Tradição, Família e Propriedade (T.F.P.), especialmente a partir de citações do livro Considerações sobre o “Ordo Missae” de Paulo VI, do Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira. Num espaço de mais ou menos um ano, Alberto Zucchi chegou a debochar de um defeito nos olhos do sedevacantista Diogo Rafael Moreira. Num outro vídeo, Mauro Rocha coloca o mesmo Diogo mostrando uma camisa com a imagem do Olavo de Carvalho num corte totalmente fora de contexto para fazer entender que o mesmo seria olavista, sendo que em verdade o Diogo estava tratando do seu passado olavista e que o mesmo mostrou a camisa para dizer que ele a usava.

Como podemos ver que a desonestidade e a própria tergiversação fazem parte da estratégia. Fora o que foi exposto, a tergiversação também é visível quando eles não provam o principal: que um verdadeiro papa poderia ensinar por meio do seu Magistério coisas contra a fé ou impor leis e disciplinas nocivas. O próprio Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira não resolve a questão. Não adianta os senhores Lima, Zucchi, Rocha e outros citarem o Cardeal Billot para tentar nos refutar se o mesmo Billot expõe inúmeros pontos que comprometem a convicção deles. Billot, como belarminiano, entendia que o papa não poderia ser herege nem como pessoa privada, mas pessoas como o sr. Lima crê que papas cometeram o pecado de heresia pública.

Isso nos leva à segunda motivação.

2ª MOTIVAÇÃO: CONVICÇÃO ERRÔNEA E HERÉTICA SOBRE O PAPADO

Em verdade, a primeira motivação segue a segunda, ainda que não aconteça com todos. Tanto Alessandro Lima como Robert Siscoe possuem convicções heréticas sobre o papado. O mesmo se aplica para muitos lefebvristas e outros semitradicionalistas. Dom Athanasius Schneider chega a negar a assistência divina ao papa, por exemplo, afirma que o papa pode cair em heresia fora das condições ex cathedra. Alguns outros, entram no opinionismo, como Dom Richard Williamson. Em dois artigos meus (cf. “Por que Francisco não é verdadeiro papa da Igreja Católica” e “Contra a posição ‘reconhecer e resistir’”) mostro que esses pensamentos são heréticos.

Outros vão muito além, como, por exemplo, o Pe. Gregory Hesse. Em uma conferência cheia de absurdos, Hesse chega ao absurdo de dizer que a nula Unam Sanctam continha heresia, uma bula claramente solene. O mesmo Pe. Hesse aponta heresia da constituição Dictatus Papae de São Gregório VII (que, segundo o Pe. Hesse, não deveria ser canonizado) também continha heresias. Hesse é explicitamente contra a ideia de um poder papal acima do temporal de tal modo que o segundo deve se submeter ao primeiro. Isso é a verdadeira doutrina política da Igreja e que sempre foi ensinada. Agora, se alguém disser que não é isso o que Hesse ensinou? Convido-os a estudar e ler os documentos, pois se Hesse não for herético, era um teólogo ignorante e inepto (talvez explique por que quase não encontramos livros seus, que era o que esperamos de um teólogo).

Esses são alguns dos intelectuais que influenciam o meio resistente antissedevacantista.

3ª MOTIVAÇÃO: MEDO DE PERDER FIÉIS

Uma outra explicação para o antissedevacantismo é a preocupação com respeito aos apostolados que está acima da verdade: a possível diminuição dos fiéis. Para tal feito, os apostolados usam de todo tipo de subterfúgios e manipulações para com os seus fiéis. Não é à toa que o livro True or False Pope conta com a aprovação do bispo Dom Bernard Fellay, superior-geral da FSSPX à época.

Isso também explica o antissedevacantismo de diversas páginas lefebvristas em diversas redes sociais, razão por que geralmente elas estão associadas com algum apostolado, seja da FSSPX, seja da Resistência ou qualquer outro movimento que se diga tradicionalista. O aumento do número de sedevacantista pode esvaziar as missas desses apostolados.

Essa motivação decorre da primeira aqui citada.

CONCLUSÃO

A essência do antissedevacantismo possui assim dois erros principais e três motivações iníquas. A consequência inevitável dos apostolados antissedevacantistas é não apenas a permanência no novus ordo, mas também o ensinamento de erros heréticos sobre o papado e práticas de desobediência.

Fora que tais apostolados estão formalmente comprometidos com o novus ordo, pois eles não colocam os erros doutrinais como os principais alvos a serem combatidos. Assim, eles focam nos sedevacantistas como se esses fossem a maior ameaça. São os sedevacantistas que ensinam as heresias e erros do Vaticano II? São os sedevacantistas que restringem a missa tradicional? São os sedevacantistas que ocupam as paróquias e as dioceses?

Não são. Eles invertem a prioridade e não são coerentes com o reconhecimento das supostas autoridades e tampouco se esforçam para entender o que é o sedevacantismo. A coerência só existirá realmente quando ou se tornarem sedevacantistas de fato ou se tornam novus ordo simpliciter.

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