Luciano Takaki | 2019
Nessa seção vamos tratar especificamente da alma humana, uma vez que compreendendo a alma humana, já podemos compreender, assim, a alma dos viventes não humanos.
A alma é a forma do corpo vivo, do ente animado. Enquanto que a alma dos animais e dos vegetais morre com seu corpo, por ser material, a do ser humano passa a subsistir por si mesma. Isto é, a alma humana é imortal. Aristóteles já sabia disso quando percebeu que a alma humana é capaz de realizar operações que independem do corpo, que é a intelecção. Os sentidos externos são os que se dão no corpo (visão com relação aos olhos, audição com relação aos ouvidos etc.); os sentidos internos são os que se dão no cérebro; e intelecto, já se dá na alma, pois o cérebro em si é incapaz de realizar as operações, ele apenas abstrai a matéria dessas operações. Sobre o que acontece com a alma humana uma vez que ela é separada do corpo, Aristóteles não sabia porque não tinha a luz da divina revelação — como tiveram os profetas, hagiógrafos e os apóstolos, pois era pagão —, mas chegando a essa conclusão, ele atingiu o cume que alguém seria capaz usando apenas a razão natural.
A alma humana, ao ser separada do corpo, torna-se, por assim dizer, uma pessoa imperfeita, truncada, pois para que ela realize plenamente as suas potências, precisa de um corpo. Por essa razão, Cristo prometeu a ressurreição no dia do Juízo, onde os bem-aventurados gozarão da visão beatífica e os réprobos arderão no fogo eterno. O Apóstolo diz:
O que afirmo, irmãos, é que nem a carne nem o sangue podem participar do Reino de Deus; e que a corrupção não participará da incorruptibilidade. Eis que vos revelo um mistério: nem todos morreremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta (porque a trombeta soará). Os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. É necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que este corpo mortal se revista da imortalidade (I Cor. I, 50-53).
No livro de Daniel lemos que «[m]uitos daqueles que dormem no pó da terra despertarão, uns para uma vida eterna, outros para a ignomínia, a infâmia eterna» (Dn XII,2). E diz o Senhor:
Em verdade, em verdade vos digo: vem a hora, e já está aí, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão. Pois como o Pai tem a vida em si mesmo, assim também deu ao Filho o ter a vida em si mesmo, e lhe conferiu o poder de julgar, porque é o Filho do Homem. Não vos maravilheis disso, porque vem a hora em que todos os que se acham nos sepulcros sairão deles ao som de sua voz; os que praticaram o bem irão para a ressurreição da vida, e aqueles que praticaram o mal ressuscitarão para serem condenados (Jo V, 25-29).
Deixemos os dados revelados de lado para o seu devido momento, pois o objetivo aqui é explicar a doutrina filosófica de Santo Tomás de Aquino, que ajudará a fortalecer a fé, pois reforçará a de quem estuda. Claro que não precisa, em si mesmo, alguém ser douto na filosofia aristotélico-tomista para ser santo, pois quem é entregue a Deus de forma perfeita pode ser santo mesmo sendo analfabeto. Porém, atualmente, é necessário um reforço intelectual, porque infelizmente se está num mundo cercado de ímpios que contestam a doutrina com argumentos infames, de quem se passa por culto e sábio. Isso vem desde sempre praticamente. Antes, por parte de hereges e pagãos anticristãos, hoje, esses hereges e pagãos têm o auxílio de incrédulos que, não raro, negam até a Deus. A alma humana possui três partes potenciais (S.Th. I, q. 78, a. 1) vegetativa ou nutritiva, sensitiva e intelectiva (loc.cit). A alma é em si imóvel e, ao mesmo tempo, o princípio do corpo vivo, que é móvel. Mas a alma não é imóvel não como Deus é, que é o Ato Puro. A alma é criação divina, Deus é eterno e Ele criou as almas “movendo” da não existência para a existência e infundindo essa alma nos corpos vivos. E uma vez criada, elas não podem mais ser movidas, a menos que Deus queira aniquilá-las. E não há evidências de que Ele fará isso como propõem certas heresias, mas não se tratará disso no presente espaço.
A alma vegetativa é a parte cuja operação se dá pelos órgãos corporais e do poder de uma qualidade corpórea. A alma vegetativa possui ainda três potências, segundo diz Aquinate, «a potência gerativa se ordena a que o indivíduo seja posto no ser, a virtude aumentativa se ordena a que consiga ter a quantidade devida, e a virtude nutritiva se ordena à conservação de seu ser» (Q.D. de Anima, q. 13, resp.). Essa parte é comum a todos os entes viventes. Especialmente nos vegetais, que possuem somente essa parte potencial.
A alma sensitiva é parte cuja operação se exerce por meio de um órgão corporal, mas não por de uma qualidade corpórea. Nela tem a potência sensitiva, que é responsável pelos sentidos externos, que são tato, olfato, paladar, audição e visão; e internos, que são: sentido comum, imaginação, memória e cogitativa ou razão inferior, que nos animais brutos conhecemos como estimativa, e assim os sentidos internos se dão no cérebro, independente de qualquer espécie animal dotado deste órgão; as potências locomotoras ou motrizes, que são responsáveis como “algo exterior como termo da operação e do movimento” nas palavras do Santo Tomás (S.Th. I, q. 78, a. 1). potência apetitiva, que nas palavras do Santo Tomás:
[É] preciso dividir em duas a virtude apetitiva, que se segue à apreensão feita pelo sentido. Sim, porque algo é apetecível ou por ser deleitável e conveniente ao sentido, e para isto existe a virtude concupiscível, ou porque por ele advém o poder de desfrutar do deleitável ao sentido – o que às vezes sucede com aquilo que causa tristeza ao sentido, como quando o animal consegue, mediante a luta, desfrutar do propriamente deleitável, rechaçando o que lho impede: e a isto se ordena a virtude irascível (Q.D. de Anima, q. 13, resp.).[grifos meus]
O próprio do ser humano é ter todos esses sentidos. Quando falta um, dizemos que essa privação é meramente acidental. Nenhum humano deixa de ser humano por faltar nele um sentido. Dentre outros animais, porém, sempre falta em muitas espécies. Os peixes, por exemplo, não possuem audição, muitas espécies de invertebrados ou mesmo alguns vertebrados não possuem visão, certas espécies de mariscos e outros animais como anêmonas e corais só possuem o tato e praticamente são limítrofes entre o vegetal e animal.
A alma intelectiva ou racional é a parte potencial exclusivamente humana. Ela ultrapassa toda a natureza corporal e suas operações não são realizadas em nenhuma parte do corpo. Nem mesmo no cérebro. Daqui temos as potências intelectivas, responsáveis por duas formas de conhecimento intelectivo: racional ou racionativo, que é fruto de um pensamento discursivo; e o intelectivo, que capta os primeiros princípios sem a necessidade de discurso (Summa Contra Gentiles, lib. I, cap. 94, 3). E a alma racional também tem como potência apetitiva a vontade, que é o apetite racional. A vontade é o que nos faz buscar aquilo que o intelecto da pessoa apresenta como bem, pois é o seu objeto. Ainda segundo Santo Tomás, «a vontade está na razão, na medida em que se segue à apreensão da razão; ora, a operação da vontade pertence ao mesmo grau de operação das potências da alma, mas não ao mesmo gênero» (Q.D. de Anima, q. 13, ad. 12). Razão por que dizemos que o inteligir e o querer, por excederem todas as faculdades corpóreas, são operações que não comunicam o corpo (loc.cit.) ainda que dependa do conhecimento adquirido pelo mesmo.
Parabéns pelo texto. Existe uma visão que é chamada de mortalista onde segundo tal entendimento o ser humano é uma alma e não tem uma alma dentro de si esta visão se baseia em Gênesis 2:7 onde diz que o homem foi feito alma vivente, então usando tal raciocínio mesmo o ser humano sendo uma alma ou seja o fôlego de vida ao entrar em contato com o corpo o anima o mesmo assim o ser humano seria uma alma intelectiva considerando que o ser humano de acordo com a visão mortalista está vivo e vive como um ser humano. No momento da morte o fôlego de vida sai do corpo e o ser humano morre e passa a ter uma não existência temporária pois tanto o fôlego de vida quanto o corpo ainda existem. Então a intelectividade da alma humana não precisa necessariamente e obrigatoriamente estar ligada a um elemento espiritual consciente que não seja o corpo pode ser o ser humano como um todo i.e fôlego de vida + corpo = alma vivente que no caso dos seres humanos seria uma alma vivente intelectiva.
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