SEMANA SANTA REFORMADA DE 1955

Padre Ferdinando Antonelli
1956

O Santo Padre o Papa Pio XII, com um decreto geral da Sagrada Congregação de Ritos, de 16 de novembro de 1955, publicou a reforma litúrgica das solenes funções da Semana Santa, e prescreveu que ela deveria entrar em vigor a partir deste ano de 1956. A reforma diz respeito diretamente ao rito romano, que entre os ritos latinos é aquele comumente usado em toda a Igreja. Os outros ritos latinos, como por exemplo o ambrosiano, são obrigados a se conformar à reforma somente no que diz respeito a hora fixada para a celebração das funções.

Os ritos da Semana Santa constituem um patrimônio litúrgico dos mais preciosos, e isso pela sua antiguidade, esplendor e eficácia religiosa. Nos últimos quatro séculos, desde a promulgação do Missal Romano reformado por São Pio V, em 1570, estes ritos permaneceram absolutamente inalterados, formando em muitos a ideia de que eram intocáveis. Além disso, muitos usos populares estão ligados a eles, e que variam de nação para nação, e até mesmo de cidade para cidade; costumes muitas vezes muito antigos e profundamente enraizados nas almas dos fiéis e nas tradições populares. Portanto, a reforma de tal complexo litúrgico é um fato de singular importância, pelo qual todos estamos interessados; e a pergunta, portanto, é espontânea: por que esta reforma? E em quê propriamente ela consiste?

Eu gostaria de responder brevemente a estas duas perguntas.

I. Origem e Motivos da Reforma

Para compreender o verdadeiro motivo que determinou a reforma litúrgica da Semana Santa, é necessário recordar os principais tratados da história deste complexo litúrgico.

A celebração dos mistérios da Paixão, morte e ressurreição de nosso Senhor, constitui o núcleo mais antigo e mais solene do ano litúrgico.

Desde a era apostólica recorda-se, anualmente, com grande solenidade, o dia da ressurreição de Jesus, que tornou-se o dia de Cristo, o “dies Domini”, o domingo; portanto, em um certo sentido, nosso domingo nada mais é do que uma Páscoa que se repete ao longo do ano. Além do fato da ressurreição, logo quiseram celebrar também a lembrança da Paixão e morte do Senhor e a sua permanência no sepulcro. Assim formou-se um particular tríduo litúrgico, que foi chamado o tríduo de Cristo “crucificado, sepultado, ressuscitado” (Santo Agostinho, ep., 55, 14). A memória da instituição da Eucaristia, que aconteceu na noite que antecedeu a Paixão, “pridie quam pateretur”, veio completar este complexo litúrgico do mistério pascal. Finalmente, já no século IV, acrescenta-se outra celebração relacionada com estes mistérios, ou seja, a memória da entrada triunfal de Jesus no cidade santa, o nosso Domingo de Ramos: constituindo-se assim a nossa Semana Santa, com um conjunto de ritos e formas que, por esplendor e riqueza de conteúdo, constituem ainda hoje o complexo mais importante de todo o nosso antigo património litúrgico.

Estas solenes funções em memória da Paixão, morte e ressurreição de nosso Senhor foram celebradas desde o início, e por muitos séculos, no período vespertino. Isso era natural. E desejando reinvocar liturgicamente aqueles grandes mistérios, as ações litúrgicas relacionadas foram colocadas nos dias de semana e nas próprias horas em que se cumpriram os relativos mistérios. Assim, a missa solene “in Cena Domini”, em memória da instituição da Eucaristia, celebrava-se no final da tarde da Quinta-feira Santa, quando Jesus celebrou a última Ceia com os apóstolos; a grande função litúrgica em memória da Paixão e morte do Senhor foi realizada no início da tarde da Sexta-feira Santa, quando Jesus expirou sobre a cruz; em seguida, o Sábado Santo foi um dia alitúrgico, com um tom particular de luto silencioso em memória de Jesus deposto no sepulcro; mas ao entardecer do mesmo dia, começava aquela antiquíssima e solene Vigília Pascal, que encerrava-se na madrugada de domingo com o canto do aleluia e a missa festiva da ressurreição.

No entanto, com o passar do tempo, e por muitos fatores, entre os quais a busca por maior comodidade, começou-se primeiro a encurtar e depois a antecipar a Vigília Pascal. Em seguida, também a Missa vespertina da Quinta-feira Santa e o serviço da Sexta-Feira Santa sofreram um lento retrocesso, sobretudo porque, sendo dias de jejum, tentava-se aproximar cada vez mais ao meio-dia a única refeição permitida após a grande ação litúrgica. Assim, em virtude dessas repetidas antecipações, por volta do final da Idade Média, todas as funções do tríduo Sacro, incluindo a Vigília Pascal, foram transferidas para as horas da manhã. A reinvocação histórica perdia indubitavelmente a sua eficácia. Os danos mais graves golpearam o Sábado Santo. Os formulários e as ações da Vigília, em sintonia com a celebração noturna, perderam seu significado interior e a eficácia de seu simbolismo. Pior ainda, o caráter mesmo do Sábado Santo veio a ser completamente modificado de um dia de grande luto em memória de Jesus no sepulcro, tornou-se um dia de antecipada alegria pascal.

No entanto, além dessas consequências, do ponto de vista litúrgico, longe de ser insignificante, deve-se dizer que o rebaixamento das funções do tríduo Sacro do seu lugar de origem primitiva, ou seja, da tarde para a manhã, não só não impediu, mas favoreceu, em certo sentido, a participação da massa dos fiéis a esses ritos: e isso era o essencial. Mas isso unicamente pelo fato de que a Quinta-feira Santa, a Sexta-feira e o Sábado Santo, do século V até toda a Idade Média, eram reconhecidos também como dias festivos pelas autoridades civis, com a abstenção do trabalho e com a consequente possibilidade de tomar parte desses ritos celebrados pela manhã. Esta situação veio a ser radicalmente modificada em 1642. Desde o século XVI, em virtude das mudanças das condições da vida moderna, os mesmos Romanos Pontífices viram-se induzidos a reduzir cada vez mais o número de dias festivos. Urbano VIII, com a Constituição Apostólica “Universa per orbem”, de 24 de setembro de 1642, foi obrigado a retirar da lista dos dias festivos também o tríduo Sacro da Quinta-feira Santa, da Sexta-feira Santa e do Sábado Santo. A partir desse momento, a maioria dos fiéis, mesmo que quisessem, não poderia mais assistir a estes ritos celebrados nas primeiras horas da manhã. Nós todos somos testemunhas desta fatal consequência, que durou por mais de três séculos. Pense, por exemplo, na comovedora função da Sexta-feira Santa, ou na solene liturgia da Vigília Pascal, celebrada muitas vezes com grande solenidade, mas em igrejas quase desertas. Quando se reflete a profunda eficácia religiosa e sacramental que pode exercer a liturgia destes grandes mistérios, não se pode deixar de lamentar esta triste situação.

Esta, em última análise, é a verdadeira razão da atual reforma que, antes de tudo, traz as funções do tríduo Sacro de volta ao seu local de origem, ou seja, à tarde. Razão portanto pastoral, que tende a garantir que todo o povo cristão volte a viver com a Igreja os grandes mistérios da redenção. Enquanto, de fato, nas manhas dos dias de semana, a grande massa de fiéis está ocupada no trabalho profissional, à tarde há sempre uma margem de liberdade, que nestes dias sagrados podem ser dedicados à tão grandes interesses religiosos.

Nesta perspectiva, todos aqueles que se interessam pelos problemas da pastoral litúrgica – e o movimento litúrgico-pastoral é ativo, graças a Deus, em todos os países – esperavam que os cultos da Quinta-feira Santa, da Sexta-feira Santa e do Sábado Santo retornassem para as horas vespertinas. Muitos Bispos fizeram suas essas aspirações e fizeram petições neste sentido à Santa Sé. O momento era oportuno. Depois da última guerra assistimos a um profundo trabalho de revisão, ou atualização, como costuma-se dizer, em todos os setores da vida social, e na vida religiosa, a liturgia é o elemento social por excelência. Os estudos para a reforma litúrgica geral, iniciada e prometido por São Pio X, foram vigorosamente retomados por iniciativa do atual Sumo Pontífice. Foi assim que já em 1951, o Santo Padre o Papa Pio XII restaurou, naquele momento de forma facultativa e experimental, a antiquíssima Vigília Pascal, trazendo de volta a liturgia do Sábado Santo da manhã para as horas noturnas. Dado o bom sucesso deste primeiro passo, dada também a frequência dos fiéis em todos os lugares nas Missas vespertinas, previsto na Constituição Apostólica “Christus Dominus”, de 6 de janeiro 1953, muitos Bispos pediram que a liturgia do Sábado Santo fosse reformada, estendendo-se também aos outros dias da Semana Santa. A questão foi estudada por muito tempo, sendo então submetida, em 19 de julho de 1955, ao julgamento dos Cardeais da Sagrada Congregação de Ritos que deram um parecer favorável, e assim a esperada reforma é hoje um fato consumado, destinado, nas intenções da igreja, a dar grandes frutos de vida cristã.

II. Conteúdo, Dificuldades e Vantagens da Reforma

A principal inovação da reforma da Semana Santa é aquela, já notada, do horário das funções litúrgicas do tríduo Sacro, que vem relacionadas à hora vespertina ou noturna. Fixada esta modificação pelas razões pastorais acima expostas, era natural, no quadro da prevista reforma geral da liturgia, revisar também os formulários e ritos de todo este complexo litúrgico. Esta é uma questão que interessa mais diretamente aos liturgistas e ao clero, mas também é muito útil que o público instruído esteja suficientemente informado, especialmente para poder assistir a estas funções sacras com a mais consciente participação

Agora, a propósito desta revisão litúrgica dos ritos da Semana Santa, deve-se ter como premissa antes de tudo e em geral, que, enquanto este complexo litúrgico conservou elementos muito preciosos, pela antiguidade e conteúdo, também é certo que, tanto nas formas como nos próprios ritos, durante a idade Média elementos impróprios e deformações desagradáveis infiltraram-se aqui e ali. No tempo de São Pio V, quando foi fixada a liturgia destes dias, assim como chegou até nós, o conhecimento imperfeito do desenvolvimento histórico desses ritos e sobretudo a falta de edições críticas dos antigos textos litúrgicos, não permitiu a eliminação daquelas deficiências, o que hoje, porém, com a publicação dos principais textos da antiga liturgia, é pelo menos possível.

A Pontifícia Comissão para a reforma litúrgica, depois de uma severa análise de todos os elementos, estudou antes de mais nada os formulários, descartando os textos impróprios que haviam sido introduzidos e recolocando em vigor outros que haviam sido perdidos ou restaurando-os à sua forma genuína; em segundo lugar, fez-se uma revisão dos ritos ou cerimônias, eliminando também neste setor vários elementos formais, tardios, e trazendo de volta à vida, em alguns casos, outros elementos antigos medievais, mais simples, mais lógicos e cheios de dignidade religiosa.

Uma análise abrangente desse complexo trabalho de revisão exigiria uma discussão muito longa. Limitamo-nos a apontar as principais modificações, sobretudo aquelas que podem interessar aos fiéis, e assim o fazemos seguindo os vários dias sacros.

1) Domingo de Ramos

Todos recordam que na liturgia deste primeiro dia da Semana Santa antes da Missa se realizava uma longa cerimônia de bênção dos ramos, seguida da procissão. Destes dois elementos, o mais antigo e importante é o da procissão, que, iniciada em Jerusalém, já no século IV e depois levada ao Ocidente, se desenrolou durante toda a Idade Média com grande solenidade e tinha o caráter de uma homenagem pública à Cristo, o Rei messiânico. Dado que a procissão quis reproduzir a cena evangélica da entrada solene de Jesus na cidade santa, se utilizou desde o início, segundo o texto evangélico, a prática de lavar em mãos ramos de oliveira ou palmas. Segundo o gosto litúrgico e a piedade, era natural que essas palmas viessem abençoadas: exceto este segundo elemento, a bênção, por si secundária, assumiu um desenvolvimento verdadeiramente desmedido no final da baixa Idade Média, com uma fórmula prolixa, que sobrecarregava desnecessariamente a ação litúrgica do dia, que em si já era longa. Na reforma atual, toda essa primeira parte da bênção dos ramos foi restituída aos seus elementos essenciais: uma antífona introdutória, seguida de um “oremus” para a bênção. Os outros cinco “oremus”, que originalmente não passavam de peças sobressalentes, foram omitidos, assim como foram omitidas todas as outras partes que assimilavam esta bênção ao formulário de uma Missa.

Em vez disso, foi feita uma tentativa de revalorizar a procissão, como uma pública homenagem à Cristo Rei uma procissão na qual os ministros sagrados vestem-se com os paramentos vermelhos, a cor púrpura da realeza, e que deverá ocorrer, sempre que possível, por um trecho mais longo, com possibilidade também, onde a oportunidade se apresentar, para fazer a bênção e a distribuição das palmas em uma igreja menor, e depois seguir para a igreja principal para cantar o hino carolíngio: “Gloria, laus et honor Tibi sit, Rex Christe, Redemptor”. E o Cristo Redentor é simbolizado pela grande cruz processional, com a imagem do Crucifixo, que precede toda a procissão.

A procissão então fecha com um elemento novo. Até agora, terminada a procissão iniciava-se imediatamente a Missa. Mas agora o sacerdote sobe ao altar e, de frente para os fiéis, recita uma oração final, com uma particular invocação de graças e bênçãos celestiais sobre os lugares onde as palmas abençoadas serão levadas. Se quis valorizar este sacramental de uso universal entre os fiéis, que gostam de guardar as palmas bentas em casa e às vezes até nas oficinas ou nos campos.

A Missa que se segue mantém-se inalterada, havendo apenas uma alteração na “Passio” que vem abreviada, omitindo no começo a história do jantar em casa de Simão, o leproso, e o da última Ceia, e começando diretamente com a historia da Paixão verdadeira e própria, do Getsêmani em diante.

2) Quinta-feira Santa

Nos antigos sacramentários estavam previstas três Missas neste dia: uma pela manhã para a reconciliação dos penitentes, uma também pela manhã para a bênção do óleo dos catecúmenos e a consagração do Crisma, chamado precisamente “Missa chrismatis”, e uma no final da tarde, a “Missa in Cena Domini”, que era a Missa principal do dia, em memória da instituição da Eucaristia. A primeira Missa, aquela para a reconciliação dos penitentes, caiu em desuso já no século VII, com a cessação da penitência pública; também a segunda, a “Missa chrismatis”, com o passar do tempo foi eliminada, e precisamente quando a Missa noturna “in Cena Domini”, pela progressiva antecipação de todas as funções destes dias era trazida para a manhã, reunindo-se assim com a própria “Missa chrismatis”. As duas Missas foram então fundidas, no sentido de que a Missa propriamente dita permaneceu aquela “in Cena Domini’, e foi inserida nela a parte litúrgica da bênção dos óleos e a consagração do Crisma. Assim, das três Missas primitivas, a Quinta-feira Santa acabou guardando apenas uma, a principal, em memória da instituição da Eucaristia. Agora, voltando esta Missa ao seu local de origem, ao final da tarde, era natural restaurar a “Missa chrismatis”, naturalmente reservada às Igrejas Catedrais, isto é, onde o Bispo, rodeado de seu clero, dá a bênção dos santos óleos. Quem então tem um pouco de gosto litúrgico, poderá admirar a beleza e a riqueza teológica das antigas orações desta Missa, todas sintonizadas com o pensamento da perene fecundidade da Igreja e o mistério da vida nova que nos é conferida no batismo; já que os óleos foram abençoados neste dia, justamente em vista da solene conferência do batismo na próxima Vigília Pascal do Sábado Santo.

A Missa então “in Cena Domini”, relocada à tarde, poderá ser comemorada no grande espaço de tempo que vai das 17:00 às 20:00. É bom especificar que o prazo de 8 horas se destina ao início da Missa. E, portanto, uma grande margem de tempo, e isso para garantir que o horário da função possa ser combinado com o horário mais adequado para a maioria dos fiéis. Esta preocupação pastoral, de fazer com que todos os fiéis possam participar do sacrifício eucarístico neste dia e a aproximação da sagrada Comunhão, é destacada por outra concessão, que é nova na tradição litúrgica: ou seja, a faculdade concedida aos Ordinários dos lugares de permitirem que, além da Missa solene “in Cena Domini’, em todas as igrejas e oratórios públicos possam ser celebrados, se julgando-se necessário, uma ou duas Missas lidas, e em oratórios semi-públicos, assim como na Missa principal, mais uma Missa lida. Preocupação, digo eu, pastoral. Na verdade, preservando a antiga tradição da única Missa “in Cena Domini” em cada Igreja, no estado atual das coisas, pode-se prever que nem todos poderiam entrar em sua própria Igreja, ou que haveria pelo menos uma aglomeração prejudicial à piedade. Assim, na prática, à critério do Bispo local, pode ser realizada na Quinta-feira Santa, especialmente nas paróquias, três Missas intercaladas no espaço de aproximadamente quatro horas, sendo assim oferecida a todos a possibilidade de assistir, neste dia, ao Sacrifício Eucarístico e receber a Sagrada Comunhão.

Um último novo detalhe é o do chamado “Mandatum” ou “lava-pés”. Trata-se da cerimônia comovente, que reproduz o que o Senhor fez na Última Ceia, quando, no contexto dos costumes judeus, inclinou-se para lavar os pés dos Apóstolos e disse: “Dei-vos o exemplo para que, como Eu vos fiz, também vós o façais”. Esta cerimônia, que já existia e que hoje é facultativa, foi mais valorizada, no sentido de que agora é permitido realizá-la durante a Missa, e precisamente logo após o Evangelho, no qual se recorda precisamente esta cena. Na “Instrução”, então anexa ao decreto da reforma, destaca-se o aspecto mais profundo desta cerimónia, aquele da caridade. E também se insinua uma ideia fecunda de desenvolvimento pastoral caritativo, ou seja, a ideia de convidar os fiéis, sobretudo no âmbito da vida paroquial da Igreja, para organizar, nesta circunstância, uma grande manifestação de caridade, para ir ao encontro dos mais pobres e necessitados com ofertas generosas da comunidade paroquial. Assim que o decreto da reforma foi publicado, não poucos se preocuparam com o destino de uma prática religiosa muito popular em todos os países latinos na Quinta-feira Santa, me refiro à visita aos chamados sepulcros. Se a Missa for adiada para à noite, o que acontecerá, dizem, a esta prática devota? A resposta é fácil: a visita aos sepulcros não é suprimida, mas simplesmente movida. Em vez de começar pela manhã, começará na tarde, depois da Missa “in Cena Domini”, e em vez de encerrar na manhã seguinte, poderá continuar até a função litúrgica da tarde da Sexta-Feira Santa. É preciso eliminar a designação incorreta de “sepulcro”, que tanta confusão causou na Itália na mente do povo; de fato, não é uma representação do sepulcro, mas uma exposição solene do Santíssimo Sacramento.

3) Sexta-feira Santa

O mistério da cruz domina a liturgia da Sexta-feira Santa. Contemplando o drama do sacrifício do Salvador, a liturgia sempre excluiu, neste dia, o sacrifício incruento, ou seja, a Missa. Portanto, a ação litúrgica da Sexta-feira Santa não é sacrificial, e o complexo de seus ritos nos remete ao tipo de reuniões estacionárias da antiguidade, que aconteciam por meio de leituras, cantos e orações, às quais se somava, neste dia, a adoração da cruz, seguida da comunhão. Esses quatro elementos, que constituem tantas partes da ação litúrgica da Sexta-Feira Santa, foram naturalmente preservados, porém com algumas modificações que tentaremos indicar brevemente. A primeira parte, a das leituras, com a descrição da Paixão e morte do Senhor no centro, que nos é narrado por São João, testemunha ocular, permaneceu substancialmente inalterada. Também a segunda parte, com a antiga oração denominada “oração dos fiéis” foi preservada na íntegra, com apenas uma modificação imposta pelas novas condições dos tempos: isto é, em vez da oração para o imperador, uma oração foi introduzida para todos os que são responsáveis pela administração dos assuntos públicos. Todos sabem como essas várias orações eram realizadas nos tempos antigos. O sacerdote anunciava então as várias intenções: pela Igreja, pelo Sumo Pontífice, e assim por diante, e encerrava sua indicação com um convite à oração: “oremus”. O diácono convidava então a comunidade a ajoelhar-se: “Flectamus genua”, para a oração silenciosa; depois de alguns minutos o subdiácono dizia: Levantem, “levate”, e o sacerdote, quase que recolhendo a oração silenciosa de cada um, recitava publicamente uma oração segundo a intenção da ação anunciada. Infelizmente nos últimos séculos tudo isso aconteceu com um formalismo que esvaziara de sentido esta solene oração coletiva, pois o convite para ajoelhar-se seguia imediatamente o convite para levantar, eliminando assim as pausas silenciosas para a oração pessoal dos presentes. Essa deformação tinha que desaparecer; assim é prescrito agora que após o convite para se ajoelhar, haja realmente uma pausa de oração silenciosa. Outro item foi trazido de volta à vida e diz respeito a oração pelos judeus. Na Idade Média, talvez não tanto por anti-semitismo, como alguns pensam, mas por razões simbólicas, foi suprimido o convite para ajoelhar-se e rezar por eles, porque, conforme lemos em um “Ordo” Romano medieval, neste dia zombaram de nosso Senhor ajoelhando. Naturalmente, é retomada a antiga disciplina de ajoelhar-se e orar também pelos judeus.

A terceira parte consiste na adoração da cruz, e marca o ponto culminante de toda a função litúrgica. Aqui o novo “Ordo” trouxe apenas uma modificação no rito de adoração. Até agora, a cruz, depois de descoberta, era deitada no chão sobre uma almofada: o clero e os fiéis prostravam-se em adoração, o que era precedido de uma tríplice genuflexão. A cerimônia era muito inconveniente e demorada. O novo “Ordo” restaurou um rito medieval, simples e cheio de dignidade. Após o descobrimento do crucifixo, a cruz, que deve ser de proporções bastante grandes, é confiada à dois acólitos, que, colocando-a em um pedestal, no meio do altar, a sustentam, de um lado e do outro, pelos braços, voltados para os fiéis; dois outros acólitos então, ajoelhados nas laterais do pedestal, em ato de adoração, sustentam dois candelabros. Dá-se a impressão de uma imagem plástica, cheia de solenidade religiosa. O clero sobe os degraus do altar em ordem, com uma simples genuflexão tríplice, e beijam os pés do crucifixo. A cruz é então carregada para a balaustrada, para que permita que os fiéis se ajoelhem e beijem os pés do crucifixo. Recomenda-se que o clero organize as coisas para que este rito seja realizado com ordem, dignidade e devoção.

A quarta e última parte é aquela que apresenta a mais destacada inovação na reforma. Esta parte era até agora chamada de “Missa dos Pré-Santificados”; na realidade, porém, apesar de suas várias formas emprestadas de Missa, não passava de um rito de comunhão. De fato, não houve consagração, e a hóstia com a qual o sacerdote comungava era a consagrada no dia precedente e exposta para veneração no chamado sepulcro. Era unânime entre os liturgistas o desejo de profundo afastamento desta última parte da liturgia da Sexta-Feira Santa, pelo menos no sentido de que os elementos emprestados da Missa e introduzidos aqui, sem razão, deveriam ser retirados. No entanto, surgiu um problema sério: o da comunhão do sacerdote e dos fiéis. É certo que até ao sec. VII, nem o sacerdote e nem os fiéis comungavam neste dia não havendo sacrifício eucarístico, não havia comunhão. No século VIII porém, e talvez já no fim do sec. VII, introduziu-se a comunhão do celebrante e dos fiéis, com as espécies consagradas na véspera e conservadas para este fim: os pré-santificados. Tal comunhão geral, do celebrante e dos fiéis, permaneceu em uso por vários séculos e, se na Baixa Idade Média veio a diminuir, não foi à princípio por acaso, mas por aquela decadência de piedade, que induziu o Concílio lateranense de 1215 a exigir que os fiéis se aproximassem da mesa sagrada pelo menos uma vez por ano. Ficou, porém, como prova do fato, a comunhão do sacerdote, até os nossos dias. Para a Comissão de reforma litúrgica apresentava-se agora um sério dilema: ou eliminar a comunhão do sacerdote e assim voltar à disciplina primitiva, ou ainda retomar a comunhão dos fiéis, que só em 1622 foi estritamente proibida. Das duas soluções possíveis, a segunda foi adotada. Portanto, a partir de agora também na Sexta-Feira Santa, depois de recordar o mistério da morte do Senhor e depois de ter adorado a cruz, instrumento de redenção, cada um poderá tornar mais abundantes em si os frutos do sacrificio do Gólgota, com participação sacramental da divina vítima.

Essa comunhão então na Sexta-Feira Santa, feita com os pré-santificados, com as partículas ou seja, consagradas na Missa “in Cena Domini” da noite anterior, dará oportunidade para os pastores de almas poderem evidenciar mais claramente a relação entre a Eucaristia e o sacrifício cruento da cruz. Quanto ao rito, a comunhão realiza-se com a máxima simplicidade. Tendo trazido ao altar a pixide ou píxides do lugar do chamado sepulcro, o celebrante entoa em voz alta o “Pater Noster”, e os fiéis o recitam com ele em latim. Então segue a comunhão e, logo após, a ação se encerra com três “oremus”, retirados dos chamados sacramentários leoninos, que são realmente de uma singular profundidade de pensamento e beleza de forma.

4) Sábado Santo

A reforma da liturgia do Sábado Santo, com a restituição da antiquíssima Vigília Pascal, já está em curso há cinco anos; dispensamos, portanto, somente um breve comentário. Isso será o suficiente para recordar que, embora até agora a referida Vigília Pascal tenha permanecido opcional, doravante torna-se obrigatória. A função sagrada deve começar à noite, para poder celebrar a Missa que encerra a Vigília, por volta da meia-noite; se, no entanto, razões pastorais sugerem antecipá-la, o Ordinário local pode permitir que a função comece ao entardecer, nunca antes do pôr do sol. A função que até agora era realizada pela manhã é suprimida. O Sábado Santo volta assim a ser, como foi durante séculos, um dia de grande luto. Idealmente falando, a Igreja está reunida em silêncio ao redor do sepulcro de Nosso Senhor e ali permanece, com a Santíssima Virgem e os Apóstolos, para meditar no mistério da morte do Homem-Deus.

Também a lei do jejum quaresmal foi, logicamente, trazida de volta à meia-noite do sábado; no entanto, isso não anula o decreto emitido em 1940 pela Sagrada Congregação do Concílio, com o qual, dadas as particulares circunstâncias atuais e até nova ordem, os dias de jejum durante o ano são reduzidos para quatro, entre os quais o Sábado Santo não está incluído.

Portanto, um dia de silêncio e luto é guardado no Sábado Santo, na espectativa da grande alegria pascal. À esta alegria, num ambiente festivo de luz, é entoada toda a liturgia da Vigília. A função tem como centro o Círio Pascal, símbolo do Cristo ressuscitado, e tem um caráter distintamente batismal. Na antiguidade cristã, de fato, os catecúmenos eram admitidos ao batismo nesta noite santa. E isto com base nas palavras de são Paulo, quando escreve (Rom., 6,4), que no batismo somos sepultados com Cristo na morte do velho homem, e ressuscitamos para uma nova vida. Não sem fundamento, portanto, a renovação pública e solene das promessas batismais foi inserida na liturgia da Vigília Pascal. A isto, em última análise, estende-se toda a Quaresma e a celebração dos mistérios pascais: isto é, reformar nossa vida, adequa-la cada vez mais, em pensamentos e ações, aos solenes compromissos que assumimos com Deus no momento do nosso batismo.

***

Estas, então, são as linhas principais da reforma litúrgica da Semana Santa. A sua atuação prática, tratando-se de solenidades religiosas profundamente enraizadas nas almas dos fiéis, e ao qual, como dissemos no princípio, tantos usos e instituições populares estão ligados, não pode deixar de encontrar dificuldades no início. Por isso a S. Congregação de Ritos, juntamente com o decreto, também publicou uma “Instrução”, que é dirigida especialmente ao Clero, e na qual também há um capítulo, o último, em torno às possíveis e previsíveis dificuldades que serão encontradas na transição da velha para a nova disciplina. A solução prática dessas dificuldades é remetida, como era óbvio, à prudente discrição dos Ordinários e clero cura de almas. Já temos notícias do ativo e intenso trabalho de preparação que está a decorrer, por interesse de suas Excelências os Bispos, em todas as dioceses. Este trabalho oficial é acompanhado pela atividade preparatória por organismos e institutos litúrgicos, em todas as partes do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, 15 entidades diferentes estão publicando várias edições do “Ordo”, com texto em latim e inglês, ou apenas em inglês, e com comentários explicativos e uma dessas edições, a editada pela abadia de “of Collegeville” (Minn.), é realizada com uma tiragem de 750.000 exemplares! Também na Itália são anunciadas várias edições populares latinas/Italiano. Entre estas, tomamos a liberdade de destacar a digna “Opera della Regalità di Milano”, com texto em latim e italiano e breve comentário, colocado no mercado ao preço verdadeiramente simbólico de L. 150. Concluindo, podemos dizer que a reforma litúrgica da Semana Santa é outro grande presente que o Sumo Pontífice Pio XII, em Sua qualidade de Pastor Supremo, dá ao mundo católico. Nós temos que ser gratos. Muitos, mesmo na Itália, talvez nunca tenham testemunhado estes solenes serviços religiosos, especialmente os da Sexta-Feira Santa e do Sábado Santo, porque, festejados como eram pela manhã, não era possível acudir à eles devido ao trabalho profissional. Este ano todos terão a oportunidade de participar deles. Para muitos será uma descoberta. Todos, então, como esperava o próprio Sumo Pontífice em sua recente alocução aos cristãos quaresmais de Roma, poderão experimentar um enriquecimento da piedade e da vida cristã. 

FONTE:, La riforma liturgica della Settimana Santa, Ferdinando Antonelli, Rivista Vita e Pensiero, 1956 – 3, pp. 151-161.

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